Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
273/14.1T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
FALSIDADE
Nº do Documento: RP20211028273/14.1T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, procedendo à eliminação dos enunciados que, tidos como matéria de facto, se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos, vagos ou conclusivos. Trata-se de uma apreciação em sede de direito que se impõe operar oficiosamente e que não é alcançada pelo preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
II - A declaração feita pelas partes perante o notário e exarada na escritura pública é dotada de força probatória plena no que respeita a que essa declaração foi feita, mas essa força probatória plena inerente ao documento autêntico não abrange o conteúdo (veracidade) dessa declaração.
III - A força probatória plena daquelas declarações pode ser contrariada mediante a invocação da falsidade do documento ou com fundamento, nos termos gerais, em falta ou vícios de vontade que inquinam de invalidade essas declarações.
IV - Não tendo o autor logrado provar tais fundamentos, como forma de contrariar a referida força probatória plena da escritura pública, a sua pretensão não pode ser reconhecida se não encontrar sustentáculo nas declarações nela feitas pelas partes”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 273/14.1T8PVZ.P1
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Sumário (elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca do Porto Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 2
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…
Recorrido(a)(s): C…, Lda.;
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B… intentou a presente acção declarativa sobre a forma de processo comum contra D…, sua ex mulher, e C…, Lda., todos com a identificação constante dos autos, peticionando:
- seja declarado para todos os efeitos legais que a fracção AL e IQ foram adquiridas em trato sucessivo, por A. e 1ª R., para nestas constituírem a casa de morada de família, sendo esta verdadeiramente a casa de morada de família do A., e que essas fracções foram adquiridas em compropriedade e que constavam do contrato de partilha entre A. e 1ª R., sendo o preço acordado para a venda de 400.000,00 euros;
- seja declarado que o cheque visado da 2ª R., no montante de 71.537,52 euros se destinou não à compra da fracção AL mas a pagar dívidas do A. e da 1ª R., dividas essas contraídas por causa das fracções AL e IQ junto do E…, dívidas que o A. não consentiu fossem pagas pela 1ª R.;
- seja declarada a compropriedade das fracções AL e IQ, em nome do A. e da 1ª R., assim se ordenando o cancelamento do registo realizado apenas em nome da 1ª R. como seu bem próprio e ainda os registos subsequentes realizados por causa deste, devendo estes ser declarados nulos e de nenhum efeito;
- seja declarada como casa de morada de família a propriedade do referido bem, ordenando-se nesta, após declaração da nulidade do registo, a inscrição deste ónus e ainda que as contas realizadas para esse registo e que constam da rectificação do registo apresentado apenas em nome da 1ª R. foram objectivamente adulteradas em vista ao referido propósito;
- seja declarado que a 2ª R. C… tinha pleno conhecimento do negócio, nomeadamente por deter em seu poder certidão predial em data anterior ao registo da propriedade da fracção AL apenas em nome da 1ª R., onde constavam os ónus e encargos da fracção que liquidou directamente por cheque e que aguardou pelo registo apenas em nome da 1ª R., para posteriormente proceder à liquidação das dívidas e ainda ao posterior registo da fracção em seu nome.
Para tanto alega que:
a) O A. e a 1ª R. foram casados, tendo-se divorciado e celebrado um acordo de partilha dos bens comuns;
b) Antes do casamento, mas já depois do auto de declaração para casamento, o A. e a 1ª R. acordaram em comprar a fracção G do um imóvel que o pai da R. havia prometido comprar para uma irmã da 1ª R.;
c) tal aquisição visava a constituição da casa de morada de família do casal;
d) à data A. e R. não tinham capacidade financeira para contrair empréstimo para aquisição desta habitação, tendo beneficiado dos contactos que o pai da R. tinha no E… para que o mesmo fosse contraído, tendo sido acordados dois empréstimos no valor global de 119.711,50 euros;
e) do valor mutuado pelo E… saiu o pagamento da quantia de 19.951,92 euros para pagar ao pai da 1ª R. o valor de sinal que este havia entregue;
f) a compra foi efectuada apenas em nome da 1ª R. porque esta beneficiava de melhores condições no empréstimo bancário contraído;
g) esse empréstimo foi assumido por A. e 1ª R.;
h) os pais da 1ª R. viram-se assim livres de uma promessa de compra frustrada porque a irmã da 1ª R. tinha desistido do negócio;
i) os pais da 1ª R. assumiram-se como fiadores nos empréstimos contraídos;
j) foi o casal quem desde sempre pagou as prestações mensais destes empréstimos;
k) o A. sempre teve uma fonte de rendimento estável, ao passo que a 1ª R. esteve desempregada por três vezes, sendo o A. “a expensas suas” quem sempre suportou os encargos dos empréstimos;
l) apenas viveram nesse imóvel durante 8 meses, tendo celebrado contrato-promessa de venda do imóvel a terceiro, que passou a viver na referida fracção;
m) a venda dessa fracção veio apenas a concretizar-se três anos mais tarde, tendo sido o A. quem tudo tratou para a venda da fracção G;
n) foi também o A. quem tratou de tudo para a compra da nova fracção à F…, sendo expectativa do casal transferir-se para a nova morada assim que se encontrasse pronta;
o) foi combinado entre o A., o comprador da fracção G e o vendedor da nova fracção a adquirir pelo casal que a venda da fracção G se faria por permuta na aquisição das fracções da F…, sendo reformulados os contratos de empréstimo que passariam a ser titulados pelo A., sendo ainda contraído mais um empréstimo de 3.000.000$00, dando A. e R. de garantia as novas fracções adquiridas, sendo o valor de 36.786,34 euros pago por cheque de uma conta bancária do A.;
p) nesse sentido, no mesmo dia, foram realizados três negócios diferentes:
- alteração de mútuo com hipoteca e fiança da fracção G e AL;
- compra da fracção IQ;
- permuta e mútuo com hipoteca e fiança;
q) o A. teve intervenção nos empréstimos contraídos;
r) no acordo de partilha realizado, A. e 1ª R. acordaram em vender as duas fracções Al e IQ pelo valor de 400.000,00 euros;
s) a 2ª R. sabia que a fracção AL também estava registada em nome do A.;
t) a alteração que foi efectuada no registo de aquisição constante da descrição da fracção AL resultou de um acordo da 2ª R., que forneceu os instrumentos financeiros necessários;
u) as prestações dos empréstimos foram sempre pagas pelo A.;
v) não houve tradição do imóvel para a 2ª R.;
w) o A. desconhece qual o verdadeiro preço pago, sendo certo que o imóvel tem valor superior ao preço declarado na escritura pública;
x) a rectificação do registo foi efectuada utilizando contas que não correspondem aos valores reais, tendo sido efectuada para retirar a fracção AL do património comum.
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Devidamente citada, veio a 1ª R. contestar (fls. 667), impugnando o pedido de apoio judiciário requerido pelo A. e alegando que:
a) a fracção G foi adquirida antes do seu casamento com o A. e é por isso bem próprio, não sendo relevante a data em que foi efectuado o auto de declaração para casamento;
b) as prestações dos empréstimos contraídos apenas pela R. eram pagas pelos seus pais, avalistas, sendo falso que o tivessem sido pelo A.;
c) o registo da aquisição do bem imóvel como sendo bem comum do casal resultou de lapso cometido por terceiro que não o casal, tendo sido efectuado em data anterior à realização da escritura pública;
d) não era necessário o consentimento do A. para a liquidação dos empréstimos;
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Concluiu, pedindo a improcedência da acção, considerando que:
1 - não pode declarar-se a aquisição em trato sucessivo do que quer que seja;
2 - não tem sentido o que foi requerido em relação ao cheque no valor de 71.537,52 euros;
3 - não pode reconhecer-se a aquisição do imóvel como estando em compropriedade, pois que tal apenas ocorreria se tivesse sido adquirido antes do casamento ou depois deste se fossem casados em separação de bens;
4 - não pode ser declarado que o imóvel constitui a casa de morada de família, pois que esse pedido foi formulado na acção 5437/13.2TBMTS, pelo que sempre existiria uma situação de litispendência ou caso julgado;
5 - a qualidade de casa de morada de família não é susceptível de registo;
6 - o Tribunal não pode a título de sentença emitir uma declaração de conhecimento relativamente ao que seria o conhecimento da R. C….
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A 2ª R. apresentou também contestação (fls. 612), deduzindo incidente de fixação do valor da causa, e alegando:
- a fracção AL foi efectivamente adquirida pela C…, que pagou o preço que consta da escritura pública, inexistindo qualquer conluio com a R. D…;
- parte do valor relativo ao preço foi entregue directamente ao banco que tinha hipoteca constituída sobre o imóvel e a restante foi entregue à R., que podia vender sozinha o imóvel em causa;
- suportou despesas para a realização da compra, como sejam as relativas à obtenção do cheque visado, honorários e despesas de notário, imposto de selo, registo da aquisição, bem como administrativas;
- sem o conhecimento ou consentimento seu, o A. em Maio de 2014 instalou-se no imóvel;
- reitera que a fracção em causa era bem próprio da 1ª R.;
- o A. actua em abuso de direito mesmo que se reconhecesse que o imóvel era também seu, pois que o mesmo foi interveniente no negócio relativo à sua aquisição pela 1ª R., tendo dado o seu consentimento a que o mesmo se realizasse naqueles termos, pelo que, a ser verdade o que declara nestes autos, teria então prestado falsas declarações naquele acto notarial, tendo contribuído, e muito, para enganar a 2ª R..
Deduziu ainda pedido reconvencional, requerendo a condenação do A.:
a) a reconhecer o direito de propriedade da 2ª R. sobre a fracção AL, abstendo-se de a violar, sendo condenado a desocupar o imóvel, por si e enquanto representante das suas filhas menores, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens no estado em que se encontrava;
b) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 100,00 euros diários por cada dia de atraso na restituição da referida fracção, no mesmo estado em que se encontrava em Maio de 2014;
c) no pagamento de uma indemnização pelo lucro cessante, em montante a determinar pelo Tribunal, mas nunca inferior a 18.000,00 euros por ano, multiplicando esse valor pelo tempo que decorrer desde Maio de 2014 até entrega do imóvel, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido reconvencional, liquidando o montante devido até à propositura da acção em 12.000,00 euros;
d) no pagamento dos prejuízos decorrentes da utilização abusiva do imóvel a determinar pelo Tribunal, mas de valor nunca inferior a 1.500,00 euros por mês, desde a data do início da privação até à restituição do imóvel nas condições referidas e que computa, à data da propositura da acção, em 12.000,00 euros, acrescida de juros de mora calculados desde a data da utilização abusiva do imóvel;
e) no pagamento dos prejuízos decorrentes da privação do uso do imóvel a determinar pelo Tribunal, mas de valor nunca inferior a 2.500,00 euros por mês, desde a data do início da privação até à restituição do imóvel nas condições referidas e que computa, à data da propositura da acção, em 12.000,00 euros, acrescida de juros de mora calculados desde a data da privação do uso do imóvel;
f) no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, a determinar pelo Tribunal mas nunca inferior a 15.000,00 euros, acrescida de juros de mora calculados desde a data da notificação do pedido reconvencional.
Deduziu ainda pedido reconvencional para a hipótese ser declarada a invalidade do negócio celebrado e relativo à aquisição da fracção AL, requerendo para o efeito a intervenção principal provocada do Banco E…, SA, como reconvindo, deduzindo os seguintes pedidos reconvencionais:
1 - a condenação do Banco a devolver o montante que a R. D… lhe entregou para proceder ao pagamento dos contratos de mútuo por forma a cancelar as hipotecas que existam sobre a fracção, no montante de 71.537,52 euros, acrescido de juros de mora contabilizados desde a notificação do pedido reconvencional; caso assim não se entenda,
2 - ser o A. e a 1ª R. condenados a restituir à 2ª R. o montante que esta liquidou ao E… por força do negócio de compra e venda que foi celebrado, no montante de 71.537,52 euros, acrescido de juros de mora contabilizados desde a notificação do pedido reconvencional;
3 - ser o A. condenado a pagar à 2ª R. uma indemnização pelos prejuízos sofridos a título de danos emergentes, nomeadamente os custos que esta suportou com a realização do negócio, no valor de 2.755,23 euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a notificação do pedido reconvencional;
4 - ser o A. condenado a pagar à R. uma indemnização pelos lucros cessantes / benefícios que a mesma deixou de auferir, a determinar pelo Tribunal, mas nunca inferior a 18.000,00 euros por ano, multiplicando esse valor pelo tempo que decorrer desde Maio de 2014 até entrega do imóvel, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido reconvencional ou, caso assim se não entenda, desde a data da notificação do pedido reconvencional, liquidando o montante devido até à propositura da acção em 12.000,00 euros;
5 - se vier a reconhecer-se a obrigação da 2ª R. de devolver a fracção à 1ª R. e ao A., o reconhecimento que a 2ª R. tem direito de retenção sobre o imóvel até efectiva devolução das quantias a que tem direito no valor de 172.755,23 euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido reconvencional.
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Notificadas as contestações, veio o A. replicar, nos termos que constam de fls. 727, excepcionando:
1. a ineptidão do pedido reconvencional:
- na parte em que pede a condenação das menores filhas do A;
- na parte em que pede a condenação do A. a pagar diferentes lucros cessantes;
- na parte em que pede a condenação de uma indemnização por danos não patrimoniais.
2. a ineptidão do chamamento do banco E….
No mais, manteve a sua versão da petição inicial, reafirmando que o imóvel era um bem comum do casal, nunca tendo a R. C… tido a sua posse, sendo que as prestações dos empréstimos contraídos foram sempre pagas por A. e R. D….
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A R. C… treplicou nos termos que resultam de fls. 758, mantendo o alegado na sua contestação / reconvenção.
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Em 21/04/2015 foi proferido despacho a deferir o incidente de intervenção principal provocada do Banco E…, SA, tendo sido ordenada a sua citação como reconvindo.
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O Banco E… veio contestar, excepcionando a sua ilegitimidade, alegando que nada terá de devolver por via da procedência da acção, impugnando, quanto ao mais, os factos alegados, por desconhecimento.
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O A. respondeu a este articulado nos termos de fls. 825.
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A fls. 1063 veio o A. comprovar que a R. D… se havia apresentado à insolvência e que esta havia sido decretada por decisão já transitada em julgado.
Foi então determinada a notificação do Administrador de Insolvência para constituir Mandatário, o que este fez.
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Após a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da acção e proferido despacho saneador, afirmando-se neste a validade e regularidade da instância, no qual:
a) foi afirmada competência material para apreciar se as fracções AL e IQ constituíam casa de morada de família;
b) admitiu-se o pedido reconvencional deduzido, esclarecendo-se que se entendeu que o mesmo estava apenas a ser deduzido contra o A., que colocou em causa o direito de propriedade da R. reconvinte e que, como tal, neste sentido, o mesmo não era inepto;
c) foi julgada improcedente a excepção de ineptidão do pedido reconvencional por ininteligibilidade dos pedidos que foi invocada pelo A. reconvindo;
d) foi declarada a inutilidade superveniente da lide do pedido reconvencional formulado pela R. reconvinte C… contra a co R. D…, atenta a sua declaração de insolvência;
e) foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade que foi invocada pelo E…;
f) foi julgada improcedente a excepção de caso julgado que foi invocada pela R.;
g) foi fixado o objecto do litígio, os factos assentes e os temas da prova.
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Perante a insolvência da R. D…, foi proferido despacho que a declarou substituída pela sua massa insolvente (ver despacho de 09/10/2019).
(Ainda assim, e por facilidade de exposição, continuou-se a referir na sentença recorrida à massa insolvente como R. D…, considerando apenas a designação da massa insolvente aquando da parte decisória).
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Estão apensas a estes autos duas providências cautelares (na qual existe também extensa prova documental, embora muita dela repetida, sendo apenas mencionados na motivação da decisão os documentos delas constantes que não constam também dos autos principais).
1 - O aqui A. intentou providência cautelar de arrolamento, alegando ser proprietário das fracções AL e IQ, contra os aqui RR. C… e D… (e ainda outras duas partes que aqui não relevam), tendo sido proferida decisão em 01/10/2014 que determinou o arrolamento da fracção AL.
2 - A R. C… intentou providência cautelar de restituição provisória da posse intentada em 27/11/2014, contra o aqui A., tendo sido proferida decisão que ordenou tal restituição em 05/12/2014, mantida pelas instâncias superiores e tendo a mesma sido concretizada em 22/01/2016.
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A audiência decorreu com observância da lei.
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De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:
“… Decisão:
Pelo exposto, o Tribunal julga:
1 - A acção improcedente e, em consequência, absolve a massa insolvente de D… e C…, Lda. dos pedidos que contra si foram formulados por B….
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2 - A reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condena o A. reconvindo B… a reconhecer que a R. reconvinte C…, Lda. é proprietária da fracção AL do prédio descrito na CRP de Matosinhos sob o nº 1923 - AL, …, devendo aquele abster-se de violar tal direito e restituir a posse do imóvel a título definitivo;
b) condena o A. reconvindo B… a pagar à R. Reconvinte C… a indemnização de 28.000,00 euros (vinte e oito mil euros) pela privação de uso do imóvel, acrescida de juros de mora contabilizados desde a notificação do pedido reconvencional, à taxa de 4%, e até que seja paga tal quantia, sendo aplicável qualquer alteração que seja introduzida a esta taxa de juro enquanto o pagamento não se verificar.
c) absolve este A. reconvindo e o reconvindo Banco E… quanto aos restantes pedidos formulados. (…)”.
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É justamente desta decisão que o Autor/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
“CONCLUSÕES
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Devidamente notificada, a 2ª Ré/Recorrida veio apresentar contra-alegações, onde pugna pela improcedência do Recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, as partes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
- a Ré/recorrida:
Questão prévia: Admissibilidade da junção de prova documental na presente Instância.
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- quanto ao recurso do Autor/recorrente
a. Os pontos 50, 51 e 52 da matéria de facto dada como provada devem ser eliminados, porque o tribunal recorrido socorre-se de expressões conclusivas e normativas;
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I) - impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

a) - deve ser alterada a redacção dada ao facto provado constante do ponto 7 nos seguintes termos:
“7) Tal fracção havia sido prometida adquirir pelo pai de D…, para a irmã desta G…”.
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b) - deve ser alterada a redacção dada ao facto provado constante do ponto 63 nos seguintes termos:
“63) O A. não entregou a fracção AL à R. C…i até 08.01.2015, tendo nessa data sido acordado suspender aquela entrega por acordo, entre o A. e a 2.ª R”.

b) - devem os factos considerados não provados nas als. b), c) e f) ser considerados provados
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- com a consequência de, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente, a acção dever ser julgada procedente.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
Fundamentação de facto:
Está provado que:
1) A. e D… casaram em 09/09/1995, sem convenção antenupcial, e divorciaram-se em 22/06/2009 (facto assente).
2) O auto de declaração para casamento do A. e de D… está datado de 28/05/1995 (facto assente).
3) Por escritura pública outorgada em 24/08/1995, D… declarou comprar à H… que, por sua vez declarou vender-lhe, a fracção G do prédio urbano sito na Rua …, nºs .. e …, de …, pelo preço de 18.980.209$00 (facto assente).
4) Nessa mesma escritura pública, o Banco I… declarou mutuar a D… as quantias de 18.980.209$00, pelo prazo de 30 anos, e ainda 5.019.791$00, pelo prazo de 20 anos, dos quais D… se confessou devedora, tendo sido constituída hipoteca sobre a referida fracção G, constituindo-se como fiadores das obrigações assumidas J… e K…, nos termos que constam do documento de fls. 79 e cujo teor aqui se considera reproduzido (facto assente).
5) A aquisição desta fracção G do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1403 foi registada a favor de D… em 19/07/1995 (facto assente).
6) A hipoteca foi registada nessa mesma data, a favor do Banco I… (facto assente).
7) Tal fracção havia sido prometida adquirir pelo pai de D….
8) O A. e D… passaram a viver na referida fracção G, constituindo esta a casa de morada de família.
9) O pai de D… tinha ligações a um dos administradores do Banco, que era seu irmão.
10) As prestações dos contratos de mútuo contraídos por D… eram pagas pelo menos em parte com rendimentos do trabalho daquela.
11) A. e D… pretenderam mudar de residência para outro local, para fracção a adquirir no empreendimento em construção pela sociedade F…, SA, denominado L….
12) Viveram assim na referida fracção G por pouco tempo, tendo D…, em 21/05/1996 declarado prometer essa fracção a M…, que declarou prometer comprá-la, pelo preço de 35.933.650$00.
13) Em data indeterminada, A. e D… saíram da fracção G, tendo passado a residir temporariamente pelo menos em casa da mãe do A., sendo a fracção G entregue ao promitente comprador.
14) Foi o A. quem realizou os contactos com o promitente comprador referido e definiu as condições do acordo.
15) A venda da fracção G tinha como objectivo a aquisição de uma habitação no referido empreendimento do L….
16) Era expectativa do A. e de D… que pudessem mudar-se para este local, assim que a construção do empreendimento estivesse terminada.
17) Nas negociações mantidas, a fracção habitacional incluía o lugar de garagem e arrumos, como se fosse uma única fracção, estando o preço da compra e venda definido para o seu conjunto.
18) As negociações relativas à aquisição de uma fracção neste empreendimento foram sempre conduzidas pelo A..
19) Foi celebrado acordo escrito de promessa de compra e venda relativo a fracção habitacional desse empreendimento, que passou posteriormente para a que veio a ser fracção AL, tendo o A., D…, F… e o promitente adquirente da fracção G acordado que a aquisição da fracção AL do novo empreendimento se faria por permuta da fracção G à F… e que esta venderia tal imóvel ao promitente adquirente M….
20) Com a constituição da propriedade horizontal, as fracções habitacionais foram separadas das fracções de garagem, dando origem, no que à fracção destes autos diz respeito, às fracções AL e IQ
21) A fracção AL é uma fracção habitacional, correspondendo a esta a fracção de garagem IQ.
22) Na data da realização das escrituras públicas, A. e D… pagaram pelo menos a quantia de 7.375.000$00 à F….
23) Por escritura pública outorgada em 15/02/1995 (1999), a F…, SA declarou vender ao A., que por sua vez declarou comprar, a fracção IQ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, pelo preço de 3.500.000$00 (facto assente).
24) Por escritura pública outorgada em 15/02/1995 (1999), a F…, SA declarou permutar com a D…, que a aceitou, a fracção AL do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, com o valor atribuído de 29.125.000$00, da qual a primeira declarou ser proprietária, com a fracção G do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1403, com o valor atribuído de 20.000.00$00, da qual D… se declarou proprietária, dando esta ainda a quantia de 9.125.000$00, nos termos que constam do documento de fls. 114 cujo teor aqui se considera reproduzido (facto assente).
25) Nessa escritura pública o A. declarou dar à sua esposa autorização para a permuta de bem próprio dela (facto assente).
26) Dessa escritura consta ainda que o A. e D… haviam contraído um empréstimo junto do E… de 3.000.000$00, para obras de beneficiação a realizar na referida fracção AL pelo prazo de 17 anos, do qual se confessavam devedores e que para garantia do seu pagamento, a 2ª R. constituía hipoteca sobre o prédio identificado, com autorização do marido (facto assente).
27) Por escritura pública outorgada em 15/02/1999, o A. e D… declararam que a D… havia solicitado ao banco E… que desonerasse a fracção G referida da hipoteca constituída, em substituição da qual propôs dar-lhe de garantia, em substituição daquela fracção, que foi aceite, a fracção AL do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, dando ambos de hipoteca a fracção IQ do mesmo imóvel, nos termos que constam do documento de fls. 106 que aqui se consideram reproduzidos (facto assente).
28) Mais se declarou nessa escritura que tais fracções haviam sido adquiridas por escrituras de permuta e compra e venda outorgadas nesse dia, tendo sido mantidas as condições dos mútuos contraídos e a fiança constituída (facto assente).
29) A aquisição desta fracção G do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1403 foi registada, por permuta, a favor da F… em 13/09/1999, pela ap. 14 (facto assente).
30) A aquisição desta fracção G do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1403 foi registada a favor de M…, por compra, em 13/09/1999, pela ap. 15 (facto assente).
31) A aquisição da fracção AL do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, por permuta, foi registada em nome do A. e de D… em 18/08/1998 (facto assente).
32) Este registo foi efectuado pela empresa vendedora da fracção, antes da realização da escritura pública de permuta.
33) Com essa mesma data foi registada a constituição de hipoteca a favor do Banco E… (facto assente).
34) Após a aquisição das fracções AL e IQ pelo menos algumas das prestações dos mútuos foram pagas com rendimentos do trabalho do A. e de D…, mesmo depois de divorciados, pelo menos até Agosto de 2010.
35) Aquando da elaboração dos acordos tendo em vista o seu divórcio por mútuo consentimento, os então cônjuges apresentaram os acordos que constam de fls. 64 (atribuição de casa de morada de família a D…) e 65 (relação de bens comuns), cujo teor aqui se considera reproduzido (facto assente).
36) Ainda antes do divórcio, com data de 25/03/2009, A. e D… acordaram por escrito particular em proceder à partilha dos bens do casal, nos termos que constam de fls. 68 e segs. cujo teor aqui se considera reproduzido, definindo os termos em que seriam vendidas as fracções AL e IQ infra melhor identificadas, seriam pagas as prestações dos mútuos bancários contraídos e com hipoteca constituída sobre as mesmas, tendo acordado fixar em 400.000,00 euros o preço da sua venda daquelas duas fracções.
37) O pai de D… chegou a fazer uma proposta para aquisição daquelas fracções inferior ao valor de 400.000,00 euros que não foi aceite.
38) As fracções AL e IQ correspondiam à casa de morada de família do casal constituído pelo A. e por D… e das filhas comuns, tendo a mesma sido atribuída a esta aquando do divórcio.
39) Apesar de A. e D… terem acordado na guarda partilhada das menores, estas foram viver com o pai em data indeterminada.
40) O A. deixou de pagar qualquer quantia relativa às prestações dos mútuos contraídos pelo menos desde Setembro de 2010.
41) Em Janeiro de 2014, por escrito, a D…, propôs ao A. que passasse este a residir no imóvel que é a fracção AL, com as filhas do casal, assumindo o pagamento das despesas com o imóvel, solicitando uma resposta em 8 dias, nos termos que constam do documento de fls. 408, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
42) Com data de 17/03/2014, na descrição predial da fracção AL foi registada uma rectificação ao registo de aquisição que se encontra em nome do A. e de D…, ficando registada tal aquisição em nome de D…, com a menção de “bem próprio do sujeito activo” (facto assente).
43) Essa rectificação foi efectuada com as declarações que constam de fls. 1291 e cujo teor aqui se considera reproduzido.
44) Por escritura pública de 17/04/2014, a D… declarou vender à 2ª R., que por sua vez declarou comprar, a fracção AL do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, pelo preço de 170.000,00 euros, nos termos que constam do documento que se encontra junto a fls. 660 que aqui se considera integralmente reproduzido (facto assente).
45) Nessa escritura fez-se constar expressamente a existência dos registos das hipotecas constituídas em benefício do E… e que D… efectuava a venda livre de ónus e encargos (facto assente).
46) A aquisição da fracção AL do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº1923, …, por venda, foi registada em nome da 2ª R. em 23/04/2014 (facto assente).
47) A R. C… pagou o preço de aquisição da fracção AL declarado na escritura pública.
48) Parte do preço foi pago directamente a D…, no valor de 98.462,48 euros e a restante foi entregue ao Banco E… para liquidação dos empréstimos contraídos e que tinham garantia sobre as fracções AL e IQ.
49) A 2ª R. C… entregou directamente ao E…, no acto da escritura pública, a quantia de 71.537,52 euros, tendo sido obtido o distrate das hipotecas que recaiam sobre a fracção AL (facto assente).
50) Sem o cancelamento das hipotecas que recaiam sobre a fracção AL, a R. C… não teria adquirido a fracção AL.
51) A R. C… adquiriu o imóvel convencida que o mesmo pertencia na totalidade a D…, desconhecendo os factos relativos à sua aquisição, para além do que constava da respectiva descrição predial.
52) A intervenção do A. na escritura pública de aquisição da fracção AL de 1999 cria a convicção de quem a lê que concorda com o que dela consta.
53) O A. não teve conhecimento prévio da venda da fracção AL à R. C…, nem deu o seu consentimento à mesma.
54) O A. não teve conhecimento prévio da liquidação dos empréstimos, nem deu o seu consentimento a essa liquidação.
55) Alguns dias depois de ter procedido à venda da fracção AL à R. C…, D… desocupou a casa, deixando-a vazia, e entregou as chaves à R. C….
56) A R. C… iniciou diligências para efectuar uma pequena remodelação no imóvel, quer ao nível da decoração quer com a realização de pequenos arranjos.
57) Quando soube da venda realizada, o A. mudou-se para a fracção AL com as filhas, o que se verificou pelo menos em Junho de 2014.
58) Deixou de suportar os custos com outra habitação.
59) Nada tendo pago à R. C….
60) O valor locativo da fracção Al era de 1.500.00,00 euros.
61) A fracção AL foi avaliada em 309.000,00 euros
62) Com data de 24/06/2014, a R. C… remeteu carta ao A. solicitando-lhe a entrega da fracção, tendo esta sido recebida em 03/07/2014.
63) O A. não entregou a fracção AL à R. C….
64) Esta ocupação efectuada pelo A. impediu a R. de proceder à venda ou arrendamento da fracção AL.
65) O arrolamento realizado pelo A. também obstou à venda do imóvel.
66) A 2ª R. C… tem o objecto social descrito na sua descrição comercial, nos termos que constam de fls. 638 e que aqui se consideram reproduzidos (facto assente).
67) Quando fez a aquisição da fracção, a 2ª R. tinha uma certidão da descrição predial da fracção AL emitida com data de 19/03/2014 (facto assente).
68) A R. C… tinha assim conhecimento que o registo de aquisição da fracção AL tinha sido rectificado.
69) A R. C… pretendia revender a fracção AL.
70) A R. C… pagou a quantia de 8,32 euros para obtenção do cheque visado com que fez o pagamento ao E….
71) Liquidou ainda a quantia de 119,51 euros a título de despesas com a realização da escritura pública de aquisição da fracção AL.
72) Liquidou ainda a quantia de 1.902,40 euros a título de imposto de selo que pagou por via da aquisição desta fracção.
73) Liquidou ainda a quantia de 225,00 euros para realizar o registo de aquisição do imóvel a seu favor.
74) Antes da realização deste negócio a 1ª R. e os legais representante da C… não se conheciam.
75) Aqueles legais representantes desconheciam os termos em que havia sido adquirida a fracção G, fracção IQ e tudo o mais relativamente à fracção Al que não consta da respectiva descrição predial.
76) O valor matricial da fracção AL era à data da venda de 237.800,00 euros.
77) O aqui A. intentou providência cautelar de arrolamento, alegando ser proprietário das fracções AL e IQ, contra os aqui Rs. C… e D… (e ainda outros dois que aqui não relevam), tendo sido proferida decisão em 01/10/2014 que determinou o arrolamento da fracção AL.
78) A R. C… intentou providência cautelar de restituição provisória da posse intentada em 27/11/2014, contra o aqui A., tendo sido proferida decisão que ordenou tal restituição em 05/12/2014, mantida pelas instâncias superiores e tendo a mesma sido concretizada em 22/01/2016.
79) A R. D… foi declarada insolvente por decisão proferida em 07/12/2016, já transitada em julgado (facto assente).
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Não se provaram quaisquer outros factos alegados, nomeadamente que:
a) Tivesse sido a pedido do pai de D… que A. e R. tivessem realizado o negócio de aquisição da fracção G.
b) Tivesse sido acordado entre A. e D… que a aquisição desta fracção se faria apenas em nome da R. D… por razões de bonificação do empréstimo bancário.
c) Da quantia mutuada pelo Banco I…, o A. tivesse entregue ao pai de D… a quantia de 19.851,92 euros para lhe devolver a quantia adiantada a título de sinal e que aquele havia pago.
d) A aquisição da fracção G tivesse beneficiado os pais de D… porque não iria ser respeitada a promessa de aquisição que haviam efectuado e que era relativa a uma irmã da referida D….
e) O A. tivesse suportado, a expensas suas, os encargos das prestações dos mútuos contraídos.
f) A fracção G sempre tivesse sido considerada como sendo também do A..
g) O A. celebrou acordo escrito relativo à promessa da compra da fracção nº 3.4.9, sita no bloco . do L…, correspondente a um apartamento tipologia T3, no 4º andar e que esta fracção tivesse sido substituída pelas fracções AL e IQ
h) Tivesse sido realizado qualquer outro acordo para além do que resultou demonstrado, no que se reporta à compra das fracções AL e IQ.
i) Com a reformulação dos mútuos aquando da aquisição da fracção AL estes tivessem passado a ser titulados também pelo A..
j) A quantia de 7.375.000$00 que foi paga à F… pertencesse apenas ao A., tendo vindo de conta que era só sua.
k) O A. tivesse assumido outras obrigações junto do E…, relativas aos primeiros empréstimos contraídos por D…, em 15/02/1999.
l) Tivesse existido qualquer conluio entre D… e a R. C… no que à venda da fracção AL diz respeito.
m) A R. C… tivesse tido qualquer intervenção nas diligências efectuadas ou na decisão de efectuar a rectificação do registo de aquisição da fracção AL.
n) A rectificação tivesse sido efectuada quando o negócio com a C… estava já apalavrado.
o) Tenha sido por conluio entre D… e a 2ª R. que foram liquidados os empréstimos contraídos no E… e que oneravam as fracções AL e IQ.
p) As contas que constam do registo de aquisição tenham sido adulteradas por quem quer que fosse.
q) No dia 30/05, D… ainda tivesse a posse da fracção AL.
r) As prestações dos empréstimos contraídos fossem pagas com dinheiro dos pais de D….
s) A R. C… tivesse tido despesas de cerca de 500,00 em deslocações ou despesas administrativas.
t) O lucro que a R. C… teria com a venda da fracção AL.
u) O arrolamento impedia a R. C… de arrendar a fracção AL.
v) A propositura desta acção tivesse afectado a credibilidade da R. C… e dos seus legais representantes.
*
B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões atrás enunciadas.
*
1. Da admissibilidade da junção da prova documental:
Comecemos por apreciar a questão da admissibilidade da junção de prova documental.
Alega a recorrida que tal junção não seria admissível, alegando o seguinte:
- trata-se de um documento datado de 10.10.2012 que poderia ter sido junto, por esse facto, anteriormente;
- da sua análise não resulta que a junção do mesmo se justificasse em face do julgamento do tribunal recorrido;
*
O recorrente, não pretendendo justificar a sua junção tardia, veio, no entanto, assinalar que a sua junção tinha por objectivo rebater o argumento do tribunal retirado do facto de não ter junto a “contestação” aludida – referindo o tribunal recorrido que: “não deixando de ser curioso que o A. tenha juntado aquela petição mas não a contestação que apresentou e que nos permitiria perceber porque entendia não ser devida tal quantia”- “… pelo que, inexiste qualquer razão obscura para a não junção de tal documento pelo Recorrente, em que o tribunal a quo se pudesse estribar para fundamentar da forma que o fez (a decisão que proferiu)”.
Importa, pois, ponderar se, tendo em consideração o alegado, será ainda admissível que o Recorrente proceda à junção da prova documental nesta sede de recurso (respeitante à aludida matéria de facto).
À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:
“Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres
1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
E dispõe o artigo 425º do CPC para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:
“Artigo 425º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC:
“Artigo 423º
Momento da Apresentação
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Da aplicação conjugada destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da alegação (e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
a) A impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º do CPC;
b) O ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
O primeiro elemento referido – a impossibilidade de apresentação anterior – legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar[1].
Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento.
Estas razões, todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior [2] e abrem caminho, quando alegadas, à respectiva indagação.
Note-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
Com efeito, como refere expressivamente Abrantes Geraldes, “(p)odem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”[3].
É esta a Jurisprudência que vem sendo seguida de uma forma pacífica como decorre por ex. do ac. do STJ de 30.4.2019 (relatora: Catarina Serra), in dgsi.pt que concluiu que:
“I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento”.
*
Ora, aqui chegados, julga-se que nenhuma destas situações se verifica no caso concreto.
Na verdade, tendo em conta o alegado pelo recorrente, e o teor da prova documental junta, constata-se que:
- Não existe (não foi invocada, nem provada) qualquer situação de impossibilidade, objectiva ou subjectiva, de apresentação do documento, anteriormente à fase de recurso, que mereça aqui acolhimento legal;
- Nem o julgamento da primeira instância introduziu na acção um qualquer elemento de novidade que pudesse tornar necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrasse desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
Nesta conformidade, julga-se ser inadmissível a junção da prova documental, atento o disposto no art. 651º, nº 1, parte final, do CPC.
*
I) - Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Antes de entrarmos na análise concreta das Impugnações deduzidas, importa averiguar se o recorrente tem razão quando defende que os pontos 50 a 52 dos factos provados contêm expressões conclusivas e normativas, que careceriam de ser concretizadas através de factos.
Nesses pontos da matéria de facto considerada provada ficou a constar a seguinte redacção:
“50) Sem o cancelamento das hipotecas que recaiam sobre a fracção AL, a R. C… não teria adquirido a fracção AL.
51) A R. C… adquiriu o imóvel convencida que o mesmo pertencia na totalidade a D…, desconhecendo os factos relativos à sua aquisição, para além do que constava da respectiva descrição predial.
52) A intervenção do A. na escritura pública de aquisição da fracção AL de 1999 cria a convicção de quem a lê que concorda com o que dela consta”.
*
Como é sabido, independentemente da arguição do recorrente, compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, procedendo à eliminação dos enunciados que, tidos como matéria de facto, se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos vagos ou conclusivos.
Trata-se de uma apreciação em sede de direito que se impõe operar oficiosamente e que não é alcançada pelo preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC[4].
A questão que se coloca, no entanto, é a de saber se, no caso concreto, a redacção dada aos pontos questionados é destituída de qualquer substrato factual, “o que deve ser aferido não em termos absolutos, mas no respectivo contexto alegatório e de prova” – citado ac. do STJ.
Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insusceptíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção.
“Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa”[5].
É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
Com efeito, como se retirava interpretativamente daquele preceito ("têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes") o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos.
Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil.
No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam.
Veja-se, nesse sentido, o artigo 607º, nº 4 do CPC que continua a referir que "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos.
“Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – Acórdão da RP de 07.10.2013 (Relator: José Eusébio de Almeida), in dgsi.pt.
No mesmo sentido, refere o Ac. da RG de 11.10.2018 (Relator: Ana Cristina Duarte), in Dgsi.pt:
“De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica”.
Não há dúvida que as frases “com o manifesto intuito de dissipar património”, “quis o insolvente concretizar o seu objectivo e impedir a satisfação dos créditos reconhecidos” e “as alienações foram realizadas de boa-fé”, têm um carácter conclusivo ou contêm conceitos de direito e, por isso mesmo, não podem constar da matéria de facto”.
No mesmo sentido, refere-se no Ac. da RG de 1.6.2017 (relator: João Peres Coelho), disponível em dgsi.pt, que:
“Esse item, inserido após a reprodução dos factos dados como provados e da decisão proferida na acção de separação de bens que constitui o apenso C, reza que “Os gerentes (…) quiseram dissipar a totalidade do património da empresa insolvente”.
Será isto admissível?
Pensamos que não.
A fórmula utilizada é eminentemente genérica e conclusiva.
Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como é o caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam “uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões” (acórdão do STJ de 14.5.2015)”.
Aqui chegados, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se a redacção que foi dada aos pontos questionados contem expressões conclusivas ou que possam ser consideradas como sendo matéria de direito.
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, julga-se que apenas o ponto 52 assume essa natureza conclusiva.
Como referimos, a questão que aqui é colocada deve ser aferida no respectivo contexto alegatório e de prova.
Ora, quer no ponto 50, quer no ponto 51, o tribunal recorrido mencionou factualidade que não assume natureza conclusiva, nem constitui matéria de direito.
Com efeito, no primeiro ponto, o que ficou mencionado como provado foi o facto de que a R. C… não teria adquirido a fracção AL sem o cancelamento das hipotecas.
Trata-se de um facto relevante para a discussão da causa (saber se a Ré teria adquirido a fracção AL sem o cancelamento das hipotecas?), tendo em conta as demais alegações fácticas e o respectivo contexto, não configurando a mesma, por isso, matéria conclusiva ou de direito.
Por outro lado, no segundo ponto, a factualidade nele mencionada visará preencher o conceito de direito de “boa-fé”, pelo que, na sequência da alegação da Ré, considerou-se provado que a mesma, no momento da celebração do contrato, estava convencida de que a proprietária era a vendedora D…, mencionando-se que esse convencimento decorria do facto de ignorar os contornos dos anteriores negócios e de tal resultar da informação que colheu no registo predial.
Em ambos os casos estamos, portanto, perante realidades passíveis “de constatação e apreensão pelo tribunal que deva julgar a matéria de facto”[6].
Não incluem, pois, estes pontos, matéria que se possa considerar conclusiva ou de direito (o que sucederia por ex. se o tribunal recorrido tivesse considerado provado que a Ré agiu de boa-fé “tout court”).
De resto, importa atentar que, inclusivamente esta matéria de facto, volta a ser mencionada nos pontos 74) e 75) dos factos provados, não tendo a mesma sido impugnada (nem requerida a sua eliminação).
Improcede, pois, este pedido do recorrente.
Um outro tanto já não sucede com o ponto 52, pois que, neste ponto, o tribunal recorrido limita-se a incluir uma conclusão que retira da leitura do teor da escritura pública, conclusão insusceptível de ser vertida, assim, na decisão sobre a matéria de facto, pois que a interpretação da leitura da escritura aí mencionada, constituirá, não um facto, mas antes um meio de prova (ou um elementos interpretativo da prova produzida) que poderá conduzir à prova de outros factos ou à resposta das questões jurídicas que definem o objecto da acção.
Nesta conformidade, na sequência do exposto, deverá tal ponto da fundamentação fáctica (52) ser eliminado (mantendo-se aqueles dois primeiros pontos na fundamentação fáctica).
*
Ultrapassada esta questão, importa que o presente tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões, o Autor/ recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c) do CPC, pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, o Autor/ apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos seguintes factos:
a) - deve ser alterada a redacção dada ao facto provado constante do ponto 7 nos seguintes termos:
“7) Tal fracção havia sido prometida adquirir pelo pai de D…, para a irmã desta G…”.
*
b) - deve ser alterada a redacção dada ao facto provado constante do ponto 63 nos seguintes termos:
“63) O A. não entregou a fracção AL à R. C… até 08.01.2015, tendo nessa data sido acordado suspender aquela entrega por acordo, entre o A. e a 2.ª R”.
*
b) - devem os factos considerados não provados nas als. b), c) e f) ser considerados provados.
Nestas alíneas ficaram plasmados como factos não provados, os seguintes factos:
b) Tivesse sido acordado entre A. e D… que a aquisição desta fracção se faria apenas em nome da R. D… por razões de bonificação do empréstimo bancário.
c) Da quantia mutuada pelo Banco I…, o A. tivesse entregue ao pai de D… a quantia de 19.851,92 euros para lhe devolver a quantia adiantada a título de sinal e que aquele havia pago.
*
f) A fracção G sempre tivesse sido considerada como sendo também do A..
*
Como é sabido, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, em geral, de acordo com os seguintes parâmetros:
a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
*
Comecemos por nos pronunciar sobre a impugnação deduzida quanto ao ponto 7 dos factos provados e as als. b), c) e f) dos factos não provados (porque contendem com o mesmo tema da prova relativo à aquisição da fracção G) e decorrerem da alegação fáctica do Autor na petição inicial – v. itens 4º e ss.)
No ponto 7, a questão que é colocada pelo recorrente é a de saber se a fracção que o pai da D… havia prometido comprar se destinava inicialmente à irmã da D…, G… (como havia alegado o Autor na petição inicial).
O tribunal recorrido, no entanto, considerou provado apenas que “a fracção havia sido prometida adquirir pelo pai de D…”, sem mencionar aquele destino inicial da fracção prometida comprar.
Mas, além disso, considerou como não provada a seguinte factualidade:
b) Tivesse sido acordado entre A. e D… que a aquisição desta fracção se faria apenas em nome da R. D… por razões de bonificação do empréstimo bancário (facto impugnado).
c) Da quantia mutuada pelo Banco I…, o A. tivesse entregue ao pai de D… a quantia de 19.851,92 euros para lhe devolver a quantia adiantada a título de sinal e que aquele havia pago (facto impugnado).
f) A fracção G sempre tivesse sido considerada como sendo também do A..
*
Importa, então, averiguar se existe o erro de julgamento relativamente aos assinalados factos.
O recorrente invoca como únicos meios de prova, as suas próprias declarações de parte e o depoimento de D…, retirando da ponderação conjugada dos mesmos, a ideia de que os aludidos pontos da matéria de facto devem ser alterados no sentido propugnado.
No que concerne às suas próprias declarações poder-se-ia efectivamente aceitar que as mesmas poderiam apontar nesse sentido.
No entanto, salvo o devido respeito pela opinião contrária, essas suas declarações não encontram a corroboração que o recorrente pretende atribuir ao depoimento de D… (excepto na parte que mais à frente referiremos).
Com efeito, esta nega os factos alegados pelo Autor na petição inicial respeitantes às razões que levaram a que o contrato de compra e venda tivesse sido celebrado só com a sua intervenção, recusando que tal se tivesse devido a razões fiscais. Pelo contrário, alega que isso sucedeu porque o pai quis ajudar “no inicio da vida” com a compra de uma casa para cada um dos irmãos.
E nega também que o Autor tivesse entregue ao pai de D… a quantia de 19.851,92 euros para lhe devolver a quantia adiantada a título de sinal e que aquele havia pago, pois que refere antes que o pai “deu uma entrada para a casa”, não referindo em momento algum que tal entrada tivesse sido devolvida pelo Autor (ou pelo então casal).
Aliás, o Autor na petição inicial referenciou a existência de um cheque que teria sido utilizado para esse efeito, mas a verdade é que tal prova documental não se veio a produzir – nem o recorrente invoca a mesma em sede de recurso.
O único facto que a mesma admite diz respeito ao destino inicial da fracção G que, segundo declarou, seria para a sua irmã G…, esclarecendo depois que “esta ficou com outro e eu fiquei com este”.
Aqui chegados, e sendo estes os meios de prova produzidos (e invocados pelo recorrente) quanto a esta factualidade, importa ponderar se as meras declarações de parte do Autor serão suficientes para considerar como provada esta factualidade.
O entendimento da Exma. Sra. Juíza a quo - que se mostrou sempre atenta à prova produzida e que beneficia da imediação inerente ao julgamento a que presidiu - foi o de que essas declarações se revelam insuficientes para comprovar esta factualidade.
Com efeito, quanto a esta matéria de facto, o tribunal recorrido fundamentou as respostas apresentadas da seguinte forma:
“Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
O Tribunal considerou o conjunto da vasta prova produzida, para afirmação dos factos provados e não provados, tendo sido relevante a prova documental produzida que de seguida enunciaremos, e que apreciaremos criticamente quando nos referirmos aos depoimentos produzidos em audiência.
Assim, foram considerados os seguintes documentos:
(…)
Foram ouvidos:
- O A. e a ex mulher, D…, esta agora como testemunha, embora com uma verdadeira posição de parte interessada no desfecho dos autos.
- Os dois legais representantes da R. C…. E as testemunhas:
(…)
No que se reporta à aquisição da fracção G (1), apenas as declarações do A. corroboraram a sua versão dos factos quanto à razão pela qual a aquisição foi efectuada apenas em nome de D… (afirmando que tal foi intencional e visou melhores condições bancárias).
Nenhum outro elemento de prova o corroborou, sendo certo que a casa em questão havia já sido sinalizada pelo pai de D… que havia celebrado o contrato-promessa para a sua aquisição, facto confirmado pelo próprio A., tornando assim verosímil que quisesse ajudar a filha e que, nesse contexto, pretendesse que o imóvel a adquirir fosse apenas para a filha e não para o casal. Esta foi a versão que apresentou D… e o irmão, sendo certo que foi o que o próprio A. declarou quando esta foi permutada (que se tratava de bem próprio da esposa), não tendo o Tribunal razão para considerar que estava então a faltar à verdade.
Note-se que a escritura pública celebrada em 1999 é muito anterior a qualquer litígio entre as partes e nesta o A. foi claro em declarar, perante um notário, que o bem em causa era bem próprio da mulher, autorizando a realização da sua permuta.
Não foi, por outro lado, produzida qualquer prova que demonstrasse que o valor do sinal pago pelo pai de D… lhe tivesse sido devolvido, fosse pelo casal, fosse por quem fosse.
O Tribunal considerou assim apenas o que se retira com clareza do facto de apenas D… ter adquirido o imóvel e de apenas ela ter contraído os empréstimos necessários a essa aquisição, como decorre dos documentos juntos (…)”.
*
Como se pode ver, o entendimento do tribunal recorrido foi, não só o de que as declarações de parte do Autor não eram suficientes para comprovar estes factos, por ausência de corroboração por outros meios de prova, como, além disso, estavam em manifesta contradição com a conduta assumida pelo próprio Autor na escritura pública de permuta celebrada em 1999, onde consta a menção de que a fracção em causa era bem próprio da sua então esposa (D…).
Além disso, essas declarações mostram-se totalmente contraditadas pelos depoimentos prestados pelos irmãos D… e N….
Insiste o recorrente, no presente recurso, com a ideia de que ainda assim as suas próprias declarações deverão ser suficientes para comprovar os factos aqui impugnados.
É certo que as declarações prestadas pelas partes, sob juramento, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos mesmo que os mesmos sejam favoráveis a qualquer uma delas, tanto mais quando essas declarações sejam corroboradas por outros elementos probatórios constantes dos autos.
Com efeito, como decorre expressamente do disposto no art. 466º, nº 3 do CPC “o tribunal aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
Como é sabido, a figura das declarações de parte é uma inovação do Novo CPC- art. 466º do CPC.
Ora, antes desta consagração legal, era pacífico que o depoimento de parte, na parte em que o depoente não confessa os factos que lhe são desfavoráveis, podia ser valorado pelo Tribunal em termos do princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, entendia-se que se era certo que o depoimento de parte era um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, por outro lado, se mostrava ultrapassada a concepção restrita de tal depoimento vocacionada exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto.
Como, entre outros, se referia no Ac. do STJ de 16.03.2011, in dgsi.pt, “… o Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”…”.
Pois, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tinha feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material, sendo disso afloramento os arts. 6º, 7º, 411º e 452º, nº 1 do CPC.
Permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa- cfr. resulta dos arts. 452, nº 1 e 607º, nº 1 do CPC.
Acrescendo que, do art. 463º, nº 1 do CPC, “a contrario”, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
Donde, há que concluir que nada obsta, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas nos termos do art. 607º, nº 5 do CPC.
A confissão e o depoimento de parte eram, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficaria sujeito à livre apreciação do tribunal[7].
Pacífico era, assim, que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, (cfr. art. 459º do CPC), podiam ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas, nomeadamente quando essas declarações fossem corroboradas por outros elementos probatórios constantes dos autos.
Ora, julga-se que este entendimento deverá ser transposto para a nova figura consagrada pelo Legislador no Novo CPC.
Na verdade, as declarações de parte previstas no art. 466º do CPC devem também ser entendidas como um meio de obtenção de prova que pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao depoente (neste último caso poder-se-á aplicar o disposto no nº 3 do citado dispositivo legal, parte final – apreciação livre, salvo se as mesmas constituírem confissão).
“Se o depoente relata factos que lhe são favoráveis, está-se perante meio de prova não previsto no CC agora consagrado na lei adjectiva em homenagem ao direito à prova (porque ao depoente pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos - nomeadamente estados subjectivos- por via diversa da do próprio relato) e à finalidade da descoberta da verdade (porque as partes terão, muitas vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam já que os praticaram ou presenciaram) e submetido, como os meios de prova em geral, ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5)…”[8].
Quer isto dizer que o mesmo meio de prova é, ao mesmo tempo, tarifado e livre, tudo variando segundo o sentido das declarações que a parte vier a fazer sobre os mesmos factos. Se as declarações forem confessórias, será tarifado ou legal; não sendo confessórias, será de apreciação livre[9].
Assim, como decorre do nº 3 do art. 466º do CPC, a prova por declarações de parte pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao declarante, com diferente valor probatório[10]:
- confissão (que carecerá de ser objecto de assentada para fazer prova plena);
- reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão (é o caso do reconhecimento não confessório previsto no art. 361º do CC);
- demonstração de factos favoráveis, caso em que tais declarações de parte são livremente valoradas pelo juiz, nos termos gerais.
Nesta conformidade, a apreciação que o Tribunal efectue das declarações prestadas, nomeadamente, quando as mesmas sejam favoráveis à própria versão da parte que depõe (no fundo, quando se limitem a confirmar o alegado pela parte na peça processual que apresentou), não pode deixar de ser efectuada com o máximo de cautelas, nomeadamente, quando surjam nos autos sem que se mostrem corroboradas por outros meios de prova.
Como refere Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[11] “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.
Foi esse o entendimento que se teve no ac. da RP de 20.11.2014, in Dgsi.pt (relator: Pedro Martins) [12] onde se refere que “…a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas… (e mais à frente) … Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos…”.
E também nos seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto onde se refere que:
- «As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.”- ac. da RP de 26.6.2014 (relator: António Ramos);
“…As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.”- ac. da RP 17.12.2014 (relator: Pinto Santos).
É este, como decorre do exposto, o entendimento que aqui também acolhemos, e que, de seguida, aplicaremos no caso concreto (por forma a confirmar que foi esse o juízo probatório efectuado pelo Tribunal Recorrido).
Em sentido aparentemente diferente (mas que na prática conduz à mesma solução), v., no entanto, Luís Filipe Pires de Sousa, in “As declarações de parte. Uma síntese.”, disponível na internet, dizendo, em síntese, que “: (i) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (ii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Ora, aqui chegados, revertendo para a prova produzida nos autos, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido, quando, ponderando todos os elementos probatórios e fazendo a sua análise critica e conjugada, concluiu que as declarações prestadas pelo Autor não atingiram o standard de prova exigível para sustentar uma resposta positiva a esta factualidade.
Com efeito, como aliás parece reconhecer o recorrente, o único meio de prova que poderia apontar no sentido das alegações fácticas vertidas na petição inicial são efectivamente as suas próprias declarações.
Sucede que, conforme já referimos, essas declarações de parte do Autor não são só por si suficientes para comprovar estes factos, desde logo porque, como bem refere o tribunal recorrido, estão em manifesta contradição com a conduta assumida pelo próprio Autor na escritura pública de permuta celebrada em 1999, onde consta a menção de que a fracção em causa era bem próprio da sua então esposa (D…).
Além disso, essas declarações mostram-se totalmente contraditadas pelos depoimentos prestados pelos irmãos D… e N… que, quanto a estes factos, prestaram depoimentos corroborantes, esclarecendo, de uma forma convincente, as circunstâncias em que foi concretizada a aquisição da fracção G (designadamente, a intervenção do pai dos mesmos e negando que a intenção tivesse sido a de que o imóvel fosse adquirido pelo casal).
O único ponto que mereceu corroboração da parte da testemunha D… (que não da testemunha N… que manifestou desconhecer esta matéria) diz respeito apenas ao destino inicial da fracção G que, segundo declarou, começou por ser indicada efectivamente para a sua irmã G….
Nesta sequência, ponderado a prova produzida e efectuando como se nos impunha a sua análise critica e conjugada, julgamos que apenas o ponto 7 dos factos provados merece a alteração da redacção propugnada pelo recorrente (ainda que, como refere a recorrida se trate de uma impugnação que “em nada servirá para alterar a decisão proferida nos presentes autos”).
Tendo em conta a prova que acabamos de enunciar, decide-se, pois, a alterar a resposta constante do ponto 7 dos factos provados nos seguintes termos:
“7) Tal fracção havia sido prometida adquirir pelo pai de D…, para a irmã desta, G…”.
Quanto à restante matéria de facto aqui em discussão, importa concluir, por todo o exposto e pelas exactas e mesmas razões que já tinham sido invocadas pelo Tribunal Recorrido, que o julgamento fáctico efectuado na Primeira Instância, quanto a esta factualidade (als. b, c) e f)), mostra-se conforme com a prova produzida, pelo que a factualidade impugnada merece aqui total confirmação (com excepção da alteração introduzida no ponto 7).
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Entremos, finalmente, na impugnação deduzida quanto ao ponto 63 dos factos provados.
Entende o recorrente que deveria ser considerado como provado que em 08.01.2015 foi acordado suspender a entrega da fracção AL por acordo estabelecido entre o A. e a 2.ª R.
É verdade que resulta dos autos de restituição provisória da posse que a Recorrida C…, na pessoa do seu sócio gerente, aceitou suspender a entrega da fracção AL por dez dias (“até ao dia 19.1.2015” – v. teor do respectivo auto constante dos autos apensos a que tivemos acesso via citius).
Esse acordo era temporalmente limitado, não se pretendendo com o mesmo sustar em termos definitivos a entrega do bem imóvel.
E a verdade é que, conforme resulta (também) dos aludidos autos, o Autor não cumpriu o acordado, não tendo no final do prazo concedido entregue voluntariamente a fracção em causa.
De resto, mantém-se como provada a factualidade constante do ponto 78) (ponto não impugnado) onde se mencionada que “A R. C… intentou providência cautelar de restituição provisória da posse intentada em 27/11/2014, contra o aqui A., tendo sido proferida decisão que ordenou tal restituição em 05/12/2014, mantida pelas instâncias superiores e tendo a mesma sido concretizada em 22/01/2016”.
Nesta conformidade, julga-se, sem necessidade de mais alongadas considerações, que não merece acolhimento a impugnação deduzida pelo recorrente.
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Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à Impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido (com excepção da referida alteração introduzida no ponto 7).
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelo ora recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido (com excepção da referida alteração introduzida no ponto 7).
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e conjugando todos os meios de prova produzidos não podem restar dúvidas que os factos constantes dos pontos impugnados devem manter-se inalterados (com excepção da referida alteração introduzida no ponto 7), confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
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Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que a pretendida modificação na matéria de facto, contendia, no essencial, com a decisão de mérito proferida.
Para tanto, basta atentar que a matéria de facto julgada como não provada (que se manteve inalterada) consubstanciava a factualidade que se encontrava subjacente à pretensão do Autor de reconhecimento do direito de compropriedade das fracções AL e IQ (em nome do A. e da 1ª R.) formulada na petição inicial (que segundo explicita no presente recurso se fundaria – também - na alegação da simulação dos negócios jurídicos nos temos atrás expostos)
Nesta conformidade, sempre ter-se-ia que dizer que, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não tendo o recorrente logrado tal sucesso, ficaria necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.
De qualquer forma, sem prejuízo de se considerarem prejudicadas todas as conclusões apresentadas pelo recorrente que, em termos de mérito, decorriam das peticionadas alterações da matéria de facto, que aqui não foram acolhidas, importa, ainda assim, que o presente tribunal se pronuncie sobre os alegados erros de julgamento imputados à sentença recorrida.
Com efeito, o recorrente insiste na tese de que teria invocado (na petição inicial) a simulação dos negócios jurídicos aqui em discussão e que o tribunal não estaria impedido de reconhecer o seu direito de compropriedade (tal como peticionado) – ou, mesmo fora do âmbito daquele regime, o seu direito de propriedade comum (tal como defende em sede de recurso, apelando ao disposto no art. 5º, nº 3 do CPC que dispõe que o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito) – sobre as fracções AL e IQ (e sobre a inicial fracção G).
De facto, como consta das conclusões apresentadas no presente recurso, o recorrente invoca que teria alegado na petição inicial a simulação dos dois negócios jurídicos (da compra e venda da fracção g) e da permuta da fracção AL) e é nessa decorrência que teria peticionado o reconhecimento da compropriedade da fracção AL – o que, salvo o devido respeito, não resulta claro do que foi alegado na petição inicial.
Segundo alega no presente recurso, a invocada simulação dos negócios jurídicos decorreria dos seguintes factos alegados na petição inicial:
- Que o Autor e a D…, antes do casamento, acordaram em comprar a fracção G, sendo que tal aquisição se efectuou só no nome de D… porque assim se beneficiava de melhores condições de bonificação de crédito (alegado “acordo simulatório existente entre ambos, por forma a que tivessem acesso a uma bonificação do empréstimo”); e que esse empréstimo foi assumido por ambos, dado que foi o casal quem pagou as prestações mensais de tal empréstimo.
Vejamos, então, se esta pretensão do Autor, assim fundada, deveria ter sido acolhida na sentença recorrida.
Como já assinalou o tribunal recorrido:
- existe alguma “dificuldade em se compreenderem os pedidos formulados pelo A., considerando-os no seu conjunto ou analisados individualmente (…).
O que nos parece que o A. pretende afirmar relativamente a esta compropriedade da fracção AL é que esta adviria já da forma como foi adquirida a fracção G, essa sim adquirida antes do casamento da A. e de D….
Ora, não existe qualquer fundamento para afirmar que a fracção G foi adquirida por A. e D… em compropriedade, pois que o negócio jurídico de compra e venda de imóveis é formal (art. 875º do C. Civil) e o A. nada declarou comprar (afirmando, aliás, que o que se declarou era o que se pretendia declarar, com determinada intenção que não demonstrou).
Note-se que, em rigor o A. nada alega ter comprado, apenas alegando que estava acordado ente si e D… que a fracção seria apenas por esta adquirida para obter melhores condições de crédito (“a 1ª R., por acordo com o Autor declarou” é o que foi por si alegado no art. 6º da petição inicial)” (…).
O A. parece pretender concluir que adquiriu o imóvel em causa em compropriedade alegando que foram os rendimentos do casal a suportar as prestações dos empréstimos contraídos, e em particular os seus rendimentos (facto que, no que se reporta a este período e à fracção G, quedou por demonstrar).
A compra do imóvel não se confunde com a obtenção dos meios necessários para o pagamento do preço respectivo.
D… adquiriu o imóvel, pagando, no acto da aquisição o preço ao vendedor. Assim está declarado na escritura pública celebrada e nenhum vício de vontade ou de declaração foi alegado que permita concluir não ser este negócio válido.
Fê-lo enquanto era solteira, constituindo o imóvel, desde a sua aquisição a casa de morada de família.
Para obter os fundos necessários para a realização dessa compra contraiu junto do Banco I… dois mútuos, tendo-lhe sido entregues quantias em dinheiro que se obrigou a restituir dentro de determinado prazo, constituindo hipoteca a favor do banco mutuante. O A. não é, nem nunca foi, como bem sabe, mutuário destes contratos (…).
Mas será a fracção AL bem comum do casal?
Esta natureza comum do bem poderá resultar da sua aquisição por ambos os cônjuges ou porque, tendo sido apenas adquirido por um dos cônjuges, tal aquisição se verificou na pendência do casamento (o que tornaria o bem comum, nos termos do art. 1724º, alínea b), do C. Civil).
Ora, já sabemos que adquirida pelos dois cônjuges não foi, pois que, também aqui, falta a declaração de vontade do A. em declarar comprar num contrato que, voltamos a referir, é de natureza formal.
O que temos é a declaração de D… que, com o expresso consentimento do A., que também intervém no negócio a dar esse consentimento, declara permutar aquela sua fracção G pela fracção AL, entregando ainda a quantia de 9.125.000$00.
Este bem assim adquirido só não será bem comum se estiver excluída na lei tal natureza, nos termos do citado art. 1724º, alínea b), do C. Civil.
E é o que acontece por via do disposto no art. 1726º do C. Civil que estabelece que os bens adquiridos em parte com bens comuns e bens próprios de um dos cônjuges revestem a natureza mais valiosa das duas prestações.
Ora, na situação dos autos, foi o A. quem, juntamente com D… e a F… estabeleceu que a parte mais valiosa da prestação era a fracção G e, como tal, a fracção AL adquirida em permuta daquela mantém a natureza de bem próprio daquela D….
Não temos dúvidas que a quantia em dinheiro que se declarou ter sido entregue era bem comum (e assim se presume, nos termos do art. 1725º do C. Civil), mas essa sua natureza, na aquisição de um bem que será próprio de D… atenta a natureza do imóvel permutado, conferiria ao A., apenas, o direito compensatório a que se reporta o art. 1726º, nº 2, do C. Civil.
A fracção AL era, pois, bem próprio de D… e, podia, assim, ser por si vendido, sem o consentimento do A. após o divórcio (sendo que, apesar de bem próprio, na pendência do casamento, a lei exigiria, ainda assim, o seu consentimento, como decorre o disposto no art. 1682º A do C. P. Civil) (…).
Em rigor, o único pedido que poderia efectivamente afectar a posição jurídica das partes - e o negócio que celebraram - era o terceiro pedido relativo à alegada afirmação da compropriedade do A. e cancelamento dos registos efectuados (a rectificação e o posterior em benefício da 2ª R.)
Este é, porém, claramente improcedente, pois que a fracção AL não foi adquirida em compropriedade por A. e D…, não existindo fundamento para alterar a forma como a sua aquisição foi levada ao registo, através da rectificação realizada, ou os registos posteriores.
E, aqui, note-se que a validade dos negócios de aquisição das fracções G e AL não foi colocada em causa pelo A., que se limitou a alegar que se declarou daquela forma (aquisição por D…) porque seria útil por razões bancárias e fiscais, respectivamente, pretendo apenas que se considere que apesar do então declarado (que D… as adquiria no estado civil de solteira e depois que entregava a fracção G em permuta com a fracção AL), também adquiriu aquele primeiro imóvel e também comprou o segundo.
Ora, não vemos como tal alegação pudesse, sem mais, conduzir à alteração dos negócios jurídicos celebrados, produzindo efeito com declarações que não foram prestadas em escritura pública, estando em causa negócios formais, quando não foi arguida a sua anulabilidade (e não o foi, nem implícita nem explicitamente, estando há muito esgotado o prazo para que o fosse).
E, note-se, que apesar de todo o conluio alegado pelo A. (factos que não se demonstraram, ficando a dúvida se estaria efectivamente a arguir a simulação do negócio, sem que o tenha requerido ou afirmado com clareza), este não invocou qualquer fundamento de anulabilidade do negócio que D… realizou com a R. C…, razão pela qual inexistiria fundamento para cancelar o registo de aquisição de que beneficia (…)”.
*
Aqui chegados, importa dizer que, mesmo após os esclarecimentos introduzidos em sede de recurso pelo recorrente, quanto aos fundamentos da sua pretensão, não podemos deixar de concordar com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, pois que se julga que o mesmo enquadrou juridicamente de uma forma correcta os factos considerados provados.
Perante os aludidos esclarecimentos, incumbe-nos apenas reforçar a ideia que o tribunal recorrido já avançou – apesar de ter ficado na dúvida se o Autor estaria efectivamente a arguir a simulação do negócio jurídico – de que o Autor não logrou pôr em causa os negócios jurídicos celebrados pela Autora relativamente à fracção G e à fracção AL, negócio esses que constam das escrituras públicas mencionadas na matéria de facto provada.
É indiscutível que a escritura pública consubstancia um documento (art. 362º do CC), mais concretamente, um documento autêntico (n.º 2 do art. 363º do mesmo Código).
Nos termos do art. 372º, n.º 1 do CC, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
No tocante à força probatória desse documento, nos casos em que não seja arguida a respectiva falsidade, como acontece no caso em que o Autor não invocou a falsidade das escrituras públicas de compra e venda e permuta que D… celebrou com terceiros (entre os quais a 2ª Ré), estabelece o nº 1 do art. 371º do CC, que aquele(as) faz(em) prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, mas já quanto aos meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
A propósito deste normativo, é absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência, que não sendo arguida a falsidade do documento autêntico, este faz prova plena dos factos praticados pela entidade documentadora, de sorte que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado por essa entidade, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto.
No entanto, como referem os Profs. Pires de Lima/Antunes Varela, in Código Civil anotado, vol. I, pág. 327/328 “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contêm no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que o acto não seja simulado (…). Um exemplo: numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado; o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago”.
No mesmo sentido se pronuncia Manuel de Andrade[13], ao ponderar: “O documento constitui prova plena, só ilidível mediante arguição e prova de falsidade (prova do contrário) – quanto à veracidade das atestações do funcionário documentador (nos limites da sua competência), até onde versem sobre actos praticados por ele próprio, ou praticados na sua presença (declarações emitidas, entregas de dinheiro, etc.) – isto é, sobre acções ou percepções suas (quórum notitiam et scientiam habet propriis sensibus, visus et auditus). Os factos e declarações que o funcionário atesta como praticados, emitidas ou prestadas perante ele terão o valor jurídico que lhes competir, podendo ser impugnados pelos interessados, nos termos gerais de direito (erro na declaração ou erro-vício, coacção, simulação, etc.) não importando isso arguição de falsidade. O documento faz assim prova plena quanto à materialização (prática, efectivação) de tais actos e declarações; mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia”.
O Autor, segundo afirma no presente recurso, terá tido a intenção de arguir a simulação do(s) negócio(s) jurídico(s), intenção que, como decorre do que se acaba de expor, visaria impugnar o(s) negócio(s) jurídicos celebrados nos termos gerais do direito (e não através da arguição da sua falsidade).
Sucede que, além dos factos alegados na petição inicial se revelarem, desde logo, insuficientes para preencher os requisitos da simulação invocada, a verdade é que, produzida a prova, nem mesmo esses factos que haviam sido alegados lograram ser provados pelo Autor.
De resto, como acaba por reconhecer o próprio autor, em nenhum momento da petição inicial foram peticionados os efeitos jurídicos decorrentes da invocação da simulação (arts. 240º e ss. do CC).
A tudo isto acresce ainda o facto de, a ter sido essa a intenção do Autor, também tal invocação (por um dos alegados simuladores intervenientes no alegado acordo simulatório) teria implicações ao nível da admissibilidade da produção de prova testemunhal, designadamente “para a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado”, tendo em conta o regime legal previsto no art. 394º, nº 2 do CC[14].
Aqui chegados, importa proceder a um breve enquadramento jurídico da figura da Simulação para melhor compreensão do que já afirmamos.
Os requisitos da simulação estão definidos no art. 240º do CC.
Estabelece este preceito legal que “se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real, o negócio diz-se simulado”.
Resulta assim deste preceito legal que os requisitos da simulação são três, sendo que os mesmos têm que ser preenchidos de uma forma simultânea para se possa afirmar a existência de Simulação.
1) intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração[15];
2) o acordo simulatório[16];
3) e o intuito de enganar terceiros[17].
Como é sabido, a simulação é absoluta quando as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio.
Na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso.
Por detrás do negócio simulado ou aparente ou fictício ou ostensivo há um negócio dissimulado ou real ou latente ou oculto[18].
Com efeito, e nos termos do nº 1 do art. 241º do CC, quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
Porém, continua o nº 2 do mesmo art. 241º do CC, se o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.
A simulação relativa pode referir-se aos sujeitos (interposição fictícia de pessoas ou supressão de um sujeito real[19]) ou versar sobre o conteúdo, a natureza ou o valor do negócio, tendo em vista, nesta espécie de simulação relativa e mais frequentemente, afastar ilegitimidades ou indisponibilidades, dificultar o exercício de direito de preferência ou atenuar a carga fiscal.
O negócio simulado é nulo – art. 240º, nº 2 do CC - e, de acordo com o regime geral, a nulidade pode a todo o tempo ser invocada por qualquer interessado e declarada oficiosamente pelo Tribunal (art. 286º do CC); pode ser deduzida por via de acção ou excepção (art. 287º, nº 2 do CC).
Na simulação relativa o negócio fictício ou simulado é nulo, tal como na simulação absoluta.
O negócio dissimulado, disfarçado, vale por si, não sendo afectado pela simulação: será objecto do tratamento jurídico que lhe caberia se tivesse sido concluído sem dissimulação, se tivesse sido abertamente concluído – 241º, nº 1 do CC. Se o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei - nº 2 do art. 241º do CC).
Feitas estas considerações gerais, importa reverter para o caso concreto.
Ora, conforme já referimos, a verdade é que os factos alegados pelo Autor, no sentido de tentar consubstanciar a simulação do negócio jurídico (compra e venda) celebrado relativamente à fracção G (- Que o Autor e a D…, antes do casamento, acordaram em comprar a fracção G, sendo que tal aquisição se efectuou só no nome de D… porque assim se beneficiava de melhores condições de bonificação de crédito (alegado “acordo simulatório existente entre ambos, por forma a que tivessem acesso a uma bonificação do empréstimo”); e que esse empréstimo foi assumido por ambos, dado que foi o casal quem pagou as prestações mensais de tal empréstimo) não lograram ser provados pelo Autor, incumbindo-lhe o ónus da sua prova (art. 342º, nº 1 do CC).
Nesta conformidade, não logrando o Autor demonstrar que o questionado negócio jurídico era simulado (e não tendo sido arguida a falsidade do documento), impõe-se, nos termos expostos, a força probatória plena da escritura pública celebrada decorrente da sua natureza de documento autêntico.
Isto significa que, sendo o negócio jurídico celebrado um negócio formal, nunca o mesmo poderia corporizar o direito de compropriedade peticionado pelo Autor, pois que dele não decorre qualquer declaração negocial de onde se possa extrair esse direito.
Improcede, pois, o Recurso interposto.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o Recurso interposto pelo Autor/recorrente;
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Custas pelo recorrente (artigo 527.º, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 28 de Outubro de 2021
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, p. 184.
[2] Citando de novo Abrantes Geraldes, dir-se-á que “(a) jurisprudência anterior (ao Novo CPC) sobre esta matéria (da superveniência) não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 185).
[3] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 184.
[4] V. o ac. do STJ de 20.5.2020 (relator: Tomé Gomes), in ECLI: PT:STJ:2020:17084.17.5YIPRT.P1.S1.
[5] Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111.
[6] A. Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil” (1997), Vol. II, pág. 229.
[7] Cfr., referem entre outros, o Ac. do STJ de 02.10.2003 in www.dgsi.pt e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 573. Ainda, no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão, podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, podem ver-se, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 387, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 248, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211 e os Acs. do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt, de 5.11.2008, de 21.01.2009, 10.12.2009, e de 20.01.2004;
[8] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 307.
[9] Cfr. Elizabeth Fernández, in “Um Novo Código de Processo Civil? - Em busca das diferenças”, Vida Económica, 2014, p. 74.
[10] Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, obra citada, p. 307
[11] “CPC anotado”, Vol. II, pág. 309. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 278 “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
[12] V., no mesmo sentido, o ac. da RE de 6.10.2016 (relator: Tomé Ramião), in dgsi.pt que mereceu alguma precisão terminológica por parte do Prof. Teixeira de Sousa, in “Declarações de parte; relevância probatória; graus de prova”, anotação -Jurisprudência 536, no Blog IPCC, disponível na Internet.
[13] In “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 226 e 227.
[14] Embora como tem sido reconhecido, a norma do art. 394º nº 2 do CC deve ser interpretada restritivamente, no sentido de que, existindo um princípio de prova por escrito, é lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta "constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação".
[15] Como diz Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 169 e seguintes: “esta intencionalidade traduz-se logo na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real. Acresce, porém, que o declarante não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos. Trata-se, portanto, duma divergência livre-querida e propositadamente realizada (CARIOTA-FERRARA)”.
[16] Por acordo simulatório, entende-se o “pactum simulationis”, isto é, o conluio, a mancomunação consistente em as partes declararem intencional e concertadamente, ter realizado um acto que afinal não quiseram realizar- Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II” pág. 170. A existência de acordo simulatório constitui matéria de facto que deve ser apurada pelo Tribunal na sequência das alegações das partes- Ana Filipa Morais Antunes; in Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 554, citando diversa Jurisprudência nesse sentido.
[17] O que se exige é o propósito de enganar terceiros e já não o intuito de prejudicar (animus nocendi). Terceiros, para este efeito, são todos os sujeitos que não tiveram intervenção no acordo simulatório. O intuito de enganar terceiros constitui matéria de facto, a alegar e a demonstrar pelo interessado em prevalecer-se da simulação- Ana Filipa Morais Antunes; in Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 554, citando diversa Jurisprudência nesse sentido.
[18] Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil “, pág., 473.
[19] A supressão de um sujeito real “é uma hipótese inversa” à interposição fictícia de pessoas, ou seja, traduz-se na supressão (em vez da interposição) de um dos sujeitos reais da cadeia das transacções negociais – Ana Filipa Morais Antunes; in Comentário ao CC- Parte Geral”, pág. 556.