Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1325/21.7T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: ALTERAÇÃO DO REQUERIMENTO PROBATÓRIO
DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Nº do Documento: RP202302271325/21.7T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sobre o direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial nos casos em que é dispensada a audiência prévia, nada se diz expressamente na lei.
II - A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, pelo que, impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos casos de dispensa da audiência prévia (artºs 593º nº 2 al. c) e 596º nº 1, ambos do CPCivil) não se vê que diferença possa existir sobre a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório, num caso ou noutro.
III – Por isso, no caso de dispensa da audiência prévia é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 1325/21.7T8PVZ.P1
(593)

Sumário:
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ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

O autor AA intentou acção comum contra o réu BB, para além de outros.

Na contestação apresentada em 20/12/2021, pelo réu BB, foi indicada prova testemunhal e documental, não tendo sido apresentada reconvenção.

Em 07/09/2022, foi proferido nos presentes autos, despacho que dispensou a realização da audiência prévia, nos seguintes termos:
«Uma vez que a realização de uma audiência prévia se destinaria tão só às finalidades previstas nas alíneas e) e f) do nº 1 do artº 511º do CPC, decide-se dispensar a realização da mesma ao abrigo do disposto no artº 593º nº 1 do CPC».
Nesse mesmo despacho, fixou-se o objecto do litígio e os temas de prova, admitiu-se a prova testemunhal apresentada pelas partes, mais se tendo designado data para a audiência de julgamento a realizar em 05/12/2022.

A notificação de tal despacho às partes foi efectuada em 07/09/2022, por meios electrónicos (refª 439750613).

No dia 22/09/2022, o réu BB, nos termos do artº 598º nº 1 do CPCivil, requereu a alteração do seu requerimento probatório, com a junção de um documento (despacho de arquivamento de processo crime).

No exercício do contraditório, em 26/09/2022, o autor AA, pugnou pela não admissão do documento junto pelo réu BB, já que estando tal documento datado de 16/01/2017, não constitui documento superveniente à propositura da acção ou, caso assim não se entenda, pela condenação deste em multa, em face da injustificada junção tardia.

Em 07/10/2022, o réu veio expor as razões pelas quais entende que a junção do documento supra aludido, face ao momento em que ocorreu, não é tardia, por defender que a faculdade de alteração do requerimento probatório se mantém mesmo nos casos de dispensa da audiência prévia.

Em 26/10/2022, foi proferido pelo Tribunal a quo, o seguinte despacho:
«Admito a junção do documento – despacho de arquivamento – junto pelo Réu, condenando-se o mesmo na multa de ½ UC pela sua apresentação tardia».

Inconformado, apelou o réu BB, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida em 26/10/2022 (e notificada em 31/10/2022), que condenou o recorrente numa multa de ½ UC (€ 51,00) pela alegada apresentação tardia de um documento.
2. Com a apresentação deste recurso, pretende o recorrente impugnar a mencionada decisão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), por considerar que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente as normas de direito relevantes para o caso, pugnando pela respetiva revogação e sua substituição por outra que, admitindo a junção do documento, conclua que o mesmo não foi apresentado tardiamente, e, em consequência, não há lugar a qualquer condenação em multa.
3. O despacho que dispensou a realização de audiência prévia, definiu o objeto do litigio e fixou os temas de prova, foi notificado ao recorrente em 12/09/2022.
4. No dia 22/09/2022 o recorrente procedeu à alteração do seu requerimento probatório, juntando aos autos 1 documento (despacho de arquivamento de um processo crime).
5. O Tribunal a quo proferiu, em 26/10/2022, o despacho recorrido.
6. A questão que se pretende submeter à sábia e prudente apreciação de V. Exas. é a de saber se a junção, em 22/09/2022, de um documento, foi tardia, e, em face disso, suscetível de condenação em multa, nos termos do n.º 2 do art.º 423.º do CPC.
7. Ora, nos termos do art.º 598.º/1 do CPC, “o requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º”.
8. Como vem entendendo a jurisprudência, a faculdade de alteração do requerimento probatório mantém-se nos casos de dispensa da audiência prévia:
- cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/01/2019, proferido no processo n.º 1178/16.7T8CLD.C1.
- cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24/10/2019, proferido no processo n.º 2457/18.4T8PTM-A.E1.
- cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/12/2019, proferido no processo n.º 6318/18.9T8BRG-A.G1.
9. Também a doutrina converge sobre o tema:
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed., 284;
- Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in Código Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3º edição, 644;
- Miguel Teixeira de Sousa em artigo publicado, em 01/03/2014, no Blog do IPPC, intitulado Questões sobre a matéria da prova no NCPC.
10. A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art.591 nº1 f), 596 nº1 CPC).
11. Nos casos de dispensa da audiência prévia, também se impõe o despacho sobre idêntica matéria, ou seja, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.593 nº1 c), 596 nº1 CPC).
12. Porque não há diferença entre a enunciação dos temas de prova na audiência prévia ou fora dela, justifica-se, neste caso, por identidade de razão ou por analogia, a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório.
13. Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º CRP), pelo que, na dúvida, deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do ”princípio pro actione”, e, portanto, admissibilidade da alteração mesmo na dispensa de audiência prévia é reclamada por exigência teleológica da norma.
14. De contrário, para além de se postergar a finalidade precípua e a justificação teleológica, a prática do acto (alteração do requerimento probatório) ficaria dependente de um acto judicial (dispensa) com que a parte nem sequer podia contar previamente, obrigando-a porventura a requerer artificiosamente uma audiência prévia potestativa (art.593 nº3 CPC), para a coberto dela obter a alteração.
15. Podendo o requerimento probatório ser alterado no prazo geral de 10 dias depois da notificação da fixação dos temas de prova, no caso coincidente com o conhecimento da dispensa da audiência prévia, o documento junto pelo recorrente, porque apresentado dentro do dito prazo, devia ter sido admitido sem lugar à condenação em multa.
16. É que os documentos fazem, naturalmente, parte integrante do requerimento probatório (a denominada “prova documental”).
17. Por conseguinte, essa componente do requerimento probatório é, como qualquer outra, suscetível de livre alteração na audiência prévia ou em caso de dispensa da mesma, sem qualquer limitação.
18. O recorrente limitou-se a alterar o seu requerimento probatório num dos momentos processualmente previstos para o efeito, não sendo a junção do documento em crise, por conseguinte, enquadrável no n.º 2 do art.º 423.º do CPC, e, por isso, suscetível de condenação em multa.
19. Tendo a decisão recorrida aplicado uma multa de ½ UC (€ 51,00) ao recorrente nas referidas circunstâncias, deve a mesma, nessa parte, ser revogada.
20. A decisão recorrida violou ou aplicou erradamente os artigos 598.º/1 e 423.º/2 do Código do Processo Civil; e o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por tudo quanto vem exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida na parte em que condenou o recorrente numa multa de ½ UC (€ 51,00) pela alegada apresentação tardia de um documento.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se, na situação em que foi dispensada a realização de audiência prévia, a requerida junção de um documento foi tardia e, em face disso, susceptível de condenação em multa, nos termos do n.º 2 do art.º 423.º do CPCivil.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a apreciação do presente recurso decorrem do antecedente relatório.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos, tendo-se dispensado a audiência prévia, veio o réu requerer a junção de um documento.
Tal documento foi admitido mas foi o réu condenado em ½ da UC pela sua tardia apresentação.
Decisão com a qual o réu, ora recorrente, não se conforma.
A questão está, assim, em saber se a apresentação de prova é ou não extemporânea, quando ocorra dispensa de audiência prévia.
Nos termos do artº 572º al. d) do CPCivil, “Na contestação deve o réu (…) apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (…)”.
Por sua vez, o artº 598º do mesmo diploma legal, preceitua o seguinte:
1 – O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591º ou nos termos do disposto no nº 3 do artigo 593º.
2 – O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
3 – (…)
Resulta, assim, do preceito acabado de referir que, os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes.
Porém, sobre o direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial nos casos em que é dispensada a audiência prévia, nada se diz expressamente na lei.
A jurisprudência tem vindo a entender que, a faculdade de alteração do requerimento probatório pode ser efectuada também nos casos em que haja dispensa da audiência prévia, como bem é realçado no sumário do ac. do TRG de 05/12/2019, pº nº 6318/18.9T8BRG-A.G1, consultável no mesmo site e a que também o recorrente alude nas suas alegações, “O direito das partes à alteração posterior do seu requerimento probatório inicial não deve precludir com a dispensa da audiência prévia pelo juiz, já que um tal entendimento faria prevalecer uma interpretação do CPC excessivamente formal (face à ausência de uma previsão expressa da lei para esta hipótese), ao arrepio do seu pretendido paradigma (de uma justiça cada vez mais material, à qual se justifica sacrificar os eventuais actos de programação da audiência final que, deste modo, venham a ficar prejudicados)”.
No mesmo sentido, se pronunciou igualmente o ac. do TRC de 15/01/2019, pº nº 1178/16.7T8CLD.C1, consultável no mesmo site e igualmente referido nas alegações de recurso, ao dizer que “No caso de dispensa da audiência prévia (artº 598º nº 1 do CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes”.
Na doutrina, entende-se igualmente que é possível a alteração do requerimento probatório apresentado anteriormente pelas partes, referindo, a propósito, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pag. 704, que “o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados”.
Também Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2018, pag. 141-142, refere que, o que está em causa é “a alteração do requerimento probatório que foi apresentado no momento devido, ou seja, com o respectivo articulado” e adianta que “a alteração do requerimento probatório tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas, como a um aditamento de provas novas relativamente às já requeridas”.
De facto e, como bem assinala o recorrente, “A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (artº 591º nº 1 al. f), 596º nº 1 do CPC)”, pelo que, impondo-se igualmente a identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos casos de dispensa da audiência prévia (artºs 593º nº 2 al. c) e 596º nº 1 ambos do CPCivil) não se vê que diferença possa existir sobre a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório, num caso ou noutro.
De resto, “o direito à prova das partes impõe essa possibilidade que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal” – neste sentido, vide o ac. do TRL de 30/04/2019, pº nº 704/18.1T8AGH-A.L1-7 e doutrina aí citada na anotação 2., disponível em www.dgsi.pt
Deste modo, a alteração do requerimento probatório, pode abranger, como é o caso, a prova documental, a qual deve ser efectuada mediante requerimento dirigido ao tribunal quando a diligência de audiência prévia seja dispensada, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (artº 598º/2 do CPCivil).
No caso concreto, o réu, ora recorrente requereu a alteração do requerimento probatório anteriormente apresentado na contestação, nos termos do artº 598º nº 1 do CPCivil, em 22/09/2022, ou seja, muito antes do prazo de 20 dias anterior à data em que se iria realizar a audiência de julgamento (05/12/2022), pelo que, atento o que dispõe o artº 423º nº 2 do CPCivil, a requerida junção de um documento tem de ser sancionada com multa.
Com efeito, dispõe este preceito legal que “Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado”.
Daqui se infere que a parte, este caso, só não será condenada em multa se provar que não pode por qualquer motivo juntar a requerida documentação com o articulado respectivo.
In casu, não só a parte não apresentou qualquer justificação para a apresentação do documento 20 dias antes da data designada para julgamento como do referido documento se constata estar o mesmo datado de 16/01/2017, ou seja, o réu teve conhecimento do mesmo muitos anos antes da data da audiência de julgamento designada nestes autos.
Por isso, não há como não o sancionar com a multa, pois poderia ter apresentado tal documento com a contestação.
Nestes termos, na improcedência da apelação, impõe-se a confirmação do despacho recorrido.

V – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação e, em consequência confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo apelante.

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 27/02/2023
Maria José Simões
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida