Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
53/12.9TATMC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO PARA RECORRER
DIES A QUO
Nº do Documento: RP2014092453/12.9TATMC.P1
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEITADO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A notificação a que se refere a última parte do n.º 1 do art. 74.º do DL n.º 433/82, de 27/10 [RGCC] apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido – mas já não nos casos em que o defensor tenha sido notificado da data da leitura da sentença e não compareceu, contando-se o prazo para interposição do recurso a partir do depósito da sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 53/12.9TATMC.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
No âmbito dos autos de Recurso de Contra-Ordenação que correm termos no Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo com o nº 53/12.9TATMC, foi proferida decisão depositada em 02.12.2013 que, julgando improcedente a impugnação deduzida pelo arguido B…, manteve a condenação daquele na coima de € 2.000,00 pela prática da contra-ordenação p. e p. nos artºs. 5º nº 3 e 24º nº 2 al. a) e nº 4 do Dec-Lei nº 196/2003 de 23.08, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 64/2008 de 08.04 e artº 22º nº 3 al. a) da Lei nº 50/2006 de 29.08 com a redação introduzida pela Lei nº 89/2009 de 31.08.
Inconformado, veio o arguido interpor o presente recurso, por requerimento apresentado em 07.01.2014, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O recorrente não concorda com a sentença proferida nos presentes autos;
2. Desde logo, porque se entende, salvo melhor opinião, que o auto de notícia junto aos autos é nulo;
3. Na verdade, no auto de notícia limita-se a referir que “no lugar denominado por …, na localidade de …, concelho de Torre de Moncorvo, estavam colocados dois veículos em fim de vida”;
4. Não identificando, designadamente, a quem pertence tal propriedade, as confrontações do imóvel onde se encontravam os referidos veículos em fim de vida, a identificação do proprietário, o artigo da matriz;
5. Assim, deve o auto de notícia ser considerado nulo e, em consequência, ser o recorrente absolvido;
6. Por outro lado, existe uma clara insuficiência da matéria de facto dada como provada, pois o Tribunal não conheceu de matéria essencial para uma boa decisão da causa e que foi alegada pelo recorrente;
7. Na verdade, o recorrente alegou, por um lado, que procedeu à retirada dos camiões e que, após a entrada em vigor da legislação que penaliza quem tem veículos em fim de vida, não houve nenhum alerta, nem nos órgãos de comunicação social escritos ou falados da região, nem por parte das autoridades/entidades competentes para a necessidade de retirar os veículos em fim de vida e que tais camiões estavam na propriedade referida no auto de notícia há mais de vinte anos;
8. No recurso apresentado, o recorrente bateu-se sempre pela importância destes factos que, afinal, não foram levados em conta na sentença proferida;
9. Desta forma, deve ser dado provimento ao presente recurso e o processo “baixar” ao Tribunal de 1ª instância para que tal tribunal possa conhecer da seguinte matéria de facto:
- Após o auto de notícia, o recorrente retirou os veículos em fim de vida da referida propriedade e, em caso afirmativo, quanto tempo o demorou a fazer;
- Após a entrada em vigor da legislação que penaliza quem não encaminhe os veículos em fim de vida para centros de desmantelamento, no concelho de Torre de Moncorvo houve algum alerta, nos órgãos de comunicação social escritos ou falados da região, ou as autoridade/entidades competentes alertaram para a necessidade de retirar os veículos em fim de vida;
- os referidos veículos estavam, ou não, há mais de vinte e vinte e cinco anos na propriedade identificada no auto de notícia;
10. Se assim não se entender e atento o facto de existir uma clara insuficiência da matéria de facto dada como provada, deve a sentença ser considerada nula, com as consequências legais;
11. Por outro lado, na data mencionada no auto de notícia, 18 de Março de 2010, não existia no concelho de Torre de Moncorvo, qualquer centro de desmantelamento de automóveis em fim de vida, como consta do ponto 4 da fundamentação de facto;
12. Desta forma, não foi colocado à disposição do recorrente os instrumentos necessários para que este pudesse cumprir com a legislação em vigor, pois não existia um centro de desmantelamento no concelho de Torre de Moncorvo;
13. Pelo que deve o recorrente ser absolvido com as consequências legais;
14. Finalmente refira-se que, todos os dias somos confrontados com novas leis;
15. Mesmo os profissionais, muitas das vezes, não conseguem estar permanentemente atualizados face à quantidade de legislação emanada (pelo menos o signatário);
16. O recorrente é transmontano, vive numa aldeia da Torre de Moncorvo;
17. Há mais de vinte anos praticou um facto que não era punível – colocar veículos em fim de vida num prédio rústico;
18. O recorrente sempre teve uma consciência ético-jurídica fundada em atitudes de fidelidade à preservação do meio ambiente;
19. Tanto assim é que participou no programa C…, disponibilizando homens e máquinas para tal evento – como consta da matéria de facto dada como provada;
20. Não foi condenado em nenhum outro procedimento contra-ordenacional instaurado pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território;
21. Retirou tais veículos quando foi confrontado pelos agentes de autoridade (matéria de facto que na sentença não foi referida);
22. Não tinha conhecimento da ilicitude do seu ato, praticado há mais de cinte anos;
23. Não existiu uma única sessão de esclarecimento ou de alerta para a necessidade de encaminhar os veículos em fim de vida para centros de desmantelamento após a entrada em vigor da respetiva legislação (matéria de facto que na sentença não foi referida);
24. Salvo melhor opinião, não pode a conduta do recorrente ser penalizada, porque a sua consciência jurídica não merece tal castigo, não sendo assim censurável o seu erro, pelo que deve ser o recorrente absolvido, com as consequências legais.
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Na 1ª instância o Mº Pº respondeu às motivações de recurso concluindo pela sua improcedência e suscitando a questão prévia da respetiva extemporaneidade.
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Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso ser tempestivo desde que o recorrente pague a multa pela respetiva interposição no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo e, quanto ao mérito, conclui que o mesmo não merece provimento.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 1 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sob recurso considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1. No dia 18 de Março de 2010, pelas 11 horas, no âmbito de uma missão de patrulhamento e fiscalização, os elementos do NPA de Torre de Moncorvo, verificaram no local sito na …, junto à E.M. …, Km 21,5, na localidade de …, concelho de Torre de Moncorvo, a existência de dois camiões em fim de vida, já sem motor.
2. No local referido em 1., os elementos do NPA de Torre de Moncorvo contactaram com o recorrente B…, detentor dos dois veículos identificados em 1.
3. Os elementos do NPA de Torre de Moncorvo, questionaram o Sr. B… se era conhecedor que os proprietários e os detentores de veículos em fim de vida são responsáveis pelo seu encaminhamento para centro de receção ou para um operador de desmantelamento devidamente licenciado, tendo aquele declarado que já tinha ouvido falar de qualquer coisa, mas que naquela região era muito difícil a sua entrega por não haver centros de desmantelamento deste tipo de resíduos.
4. Na data mencionada em 1. não existiam centros de desmantelamento no concelho de Torre de Moncorvo.
5. O agregado familiar do recorrente obteve em 2009 um rendimento global de € 12.724,07.
6. O recorrente era o proprietário dos veículos mencionados em 1.
7. O recorrente participou no programa C…, no concelho de Torre de Moncorvo, tendo para o efeito disponibilizado trabalhadores e veículos.
8. E, 18 de Março de 2010 o recorrente não tinha encaminhado os veículos mencionados em 1. para um centro de receção ou para um operador de desmantelamento autorizado.
9. O recorrente ao não encaminhar os veículos mencionados em 1. para um centro de receção ou para um operador de desmantelamento, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e era capaz.
10. O recorrente não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com as determinações legais, a que estava obrigado e de que era capaz, não se vislumbrando quaisquer factos que retirem a censurabilidade à infração praticada nos termos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta.
11. O arguido não foi condenado no âmbito de nenhum outro procedimento contra-ordenacional instaurado pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
1. No local, os elementos do NPA de Torre de Moncorvo, contactaram com o Sr. B…, detentor dos dois veículos identificado em a), tendo sido aquele questionado acerca do fim dado aos veículos, tendo respondido que os veículos lhe pertenciam e seriam para acoplar outro tipo de resíduos metálicos e vender quando atingisse uma quantidade considerável a um qualquer sucateiro.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento, designadamente:
1) Nas declarações do recorrente B…, o qual depôs de forma coerente e credível explicando ao Tribunal que na data dos factos desconhecia a necessidade de proceder à entrega dos veículos que tinha no seu terreno, em centros adequados ao seu recolhimento, até porque mencionou que os utilizava para guardar ferramentas no seu interior. Esclareceu igualmente que após a ocorrência que lhe é imputada procedeu ao encaminhamento respetivo dos ditos veículos, porquanto demonstra ter consciência ambiental.
2) Nos depoimentos das testemunhas:
- D…, militar da Guarda Nacional Republicana, a exercer funções no Núcleo de Proteção Ambiental de Bragança, sendo que à data dos factos se encontrava no posto de Torre de Moncorvo, o qual depôs de forma imparcial, objetiva e credível, esclarecendo que se deslocou ao local sito na …, junto à E.M. …, Km 21,5, na localidade de …, concelho de Torre de Moncorvo, a que no local estavam camiões velhos, sem motor. Mais referiu que passou naquele local cerca de um mês depois e os veículos já lá não estavam. Mais referiu esta testemunha a forma calma como decorreu abordagem do recorrente no dia em causa nos autos. Mais referiu não ter conhecimento de na data dos factos existir um centro de receção de veículos no concelho de Torre de Moncorvo.
- E…, militar da Guarda nacional Republicana, a exercer funções no Núcleo de Proteção Ambiental à data dos factos, o qual depôs de forma imparcial, objetiva, isenta e credível, confirmando que se deslocou ao local mencionado nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na decisão administrativa, sendo que quando confrontado com o auto de contra-ordenação e respetivo suporte fotográfico confirmou a sua subscrição e teor, sendo certo que tal documento não foi impugnado. Esta testemunha mencionou que na data dos factos apenas existia em Macedo de Cavaleiros um centro de receção ou um operador de desmantelamento de VFV.
- F…, trabalhador do recorrente, a qual referiu de forma espontânea e credível, mencionando que no local sito na …, junto à E.M. …, Km 21,5, na localidade de …, concelho de Torre de Moncorvo, no terreno do recorrente se encontravam em 2010, dois camiões em fim de vida, sendo que os veículos já lá se encontravam pelo menos há 16 anos, ou seja, desde o tempo em que começou a trabalhar para o recorrente. Esclareceu não saber se foram desenvolvidas ações de divulgação pela GNR, relativamente à necessidade de retirar VFV, devendo tais veículos ser encaminhados para centros de desmantelamento. Esclareceu, ainda, que o recorrente interveio no programa C…, contribuindo com veículos e trabalhadores para o efeito. Esclareceu igualmente que aqueles camiões serviam para guardar ferramentas.
- G…, filha do recorrente, prestou depoimento de forma sincera, isenta e credível, referindo que no local sito na …, junto à E.M. …, Km 21,5, na localidade de …, concelho de Torre de Moncorvo, no terreno do recorrente se encontravam em 2010, dois camiões em fim de vida, sendo que os veículos já lá se encontravam há muitos anos, desde os seus tempos de criança. Esclareceu igualmente de forma credível que aqueles camiões serviam para guardar ferramentas, mas que o recorrente retirou os camiões em data próxima da data em foi levantado o auto de contra-ordenação.
3. Nos seguintes documentos juntos aos autos:
- Auto de Notícia e reportagem fotográfica de fls. 8 a 10, relativamente à descrição da infração imputada ao recorrente;
- Declaração de IRS relativa ao ano de 2009, de fls. 26 a 32;
- Decisão Administrativa do IGAMAOT, de fls. 195 a 208.
4. Nas regras da experiência comum, nos termos infra expostos.
Especificadamente:
Factos 1 a 4, 6 a 8 e 11 – provados com recurso ao auto de notícia junto aos autos, e reportagem fotográfica anexa, cujo teor foi confirmado pela testemunha E…, bem como pelo teor dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento. Igualmente se teve em consideração a decisão proferida pela autoridade administrativa, na parte não impugnada pelo recorrente relativamente à ausência de condenações anteriores em procedimento contra-ordenação instaurado pelo IGAMAOT. Igualmente se teve em consideração o teor das declarações prestadas pelo arguido quanto aos factos que constam da decisão administrativa, bem como a sua interação no programa C….
Facto 5 – Provado com base na declaração de IRS relativa ao ano de 2009, de fls. 26 a 32.
Facto 9 e 10 – Provados com base no auto de contra-ordenação levantado e identificado supra, que permite retirar o elemento subjetivo deste tipo de contra-ordenação, documentos supra referidos, nomeadamente, pelo recorrente não ter retirado os VFV do local, quando a isso estava obrigado, de acordo com a legislação supra identificada, não tendo assim agido com o cuidado a que estava obrigado. Na verdade, conforme decorre dos factos provados o recorrente chegou a participar num programa relacionado com a proteção ambiental, revelando dessa forma consciência cívica para a causa ambiental. Nesses termos se conclui que o recorrente terá agido com a falta de cuidado necessário, afastando-se dessa forma qualquer atuação dolosa.
Os factos não provados resultaram de ausência de prova.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Importa, porém, apreciar em primeiro lugar a questão prévia suscitada pelo Mº Público na 1ª instância, no que respeita à interposição extemporânea do recurso, uma vez que a sua eventual procedência terá como efeito a rejeição deste e a consequente impossibilidade de conhecimento das questões que o recorrente pretende ver apreciadas.
A decisão recorrida foi proferida no dia 29 de Novembro de 2013, tendo o arguido e o seu ilustre defensor sido dispensados de comparecer à respetiva leitura e advertidos de que a sentença “seria colocada no Citius” no próprio dia, para além de lhes ser notificada “por escrito”. A sentença foi depositada na secretaria no dia 02.12.2013 (cfr. fls. 279).
Por carta registada enviada ao defensor do arguido em 02.12.2013 (cfr. fls. 281) foi o mesmo notificado da sentença, a qual veio a ser pessoalmente notificada ao arguido no dia 09.12.2013 (cfr. fls. 284).
Em 07 de Janeiro de 2014 deu entrada no tribunal recorrido o requerimento de interposição de recurso, com as respetivas motivações – cfr. fls. 285 a 291.
Por despacho proferido em 10.02.2014 foi o recurso admitido, ali se referindo (além do mais): “porque tempestivo e interposto por quem para tanto tem legitimidade, admito o recurso interposto…” – cfr. fls. 292.
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Antes de mais importa referir que, pese embora o recurso tenha sido considerado tempestivo e admitido no tribunal a quo, o certo é que, conforme estatuído no n°3 do art.414° do Código de Processo Penal, tal despacho não se impõe nem vincula o Tribunal superior, como resulta diretamente da própria norma[3].
Para a resolução jurídica da questão, importa ter presente o regime processual que resulta das normas a seguir transcritas, todas pertencentes ao RGCO:
- art. 41º nº 1 “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”;
- art. 59º nºs 1. “A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.” e 2. “O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor”;
- art. 64º nºs 1. “O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.” e 2. “O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham”;
- art. 67º nºs 1. “O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.” e 2. “Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita”;
- art. 68º nº 1. “Nos casos em que o arguido não comparece nem se faz representar por advogado (…) julgar-se-á”
- art. 73º nº 1. “Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do art. 64.º quando (…).”
- art. 74º nº 1. “O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”.
Em relação a esta última disposição, e depois de largamente debatida na jurisprudência a questão de saber qual o prazo aplicável ao recurso interposto da decisão da 1ª instância, se o de 10 dias, se o prazo geral de recurso estabelecido no C.P.P., a questão veio a ser definida pelo AFJ nº 1/2009[4], D.R. n.º 11, Série I de 16/1/09, que firmou a seguinte jurisprudência[5] “Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respetiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO)”, da qual não vislumbramos razões para nos afastarmos.
Sendo, pois, de 10 dias o prazo do recurso, há então que determinar a partir de quando ele começa a correr.
Na busca da solução para esta questão, sempre se deverá ter em atenção que, mesmo nos casos não regulamentados, o regime processual que resulta do C.P.P. não pode ser importado, sem mais, para o processo de contra-ordenação, desde logo porque não há identidade entre os princípios que regem os processos desta natureza e os processos de natureza criminal, encontrando-se a razão de ser das diferenças na menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos respetivos regimes processuais.
No que respeita ao “dies a quo” para a interposição do recurso em processo de contra-ordenação, vem a jurisprudência, que reputamos maioritária, defendendo o entendimento de que a notificação a que se refere a última parte do nº 1 do art. 74º apenas se aplica nas hipóteses em que a decisão seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido e já não nos casos em que tenha defensor/mandatário e este haja sido notificado da data da leitura da sentença, contando-se nestes o prazo de interposição do recurso a partir do depósito da sentença mesmo que nenhum deles àquela haja comparecido[6]. Entendimento que teve juízo de conformidade constitucional no Ac. TC nº 77/2005 de 15/2/05[7].
Numa posição mais garantística, pode-se entender que esse prazo só começa a correr a partir do momento em que ao arguido seja dado efetivo conhecimento, rectius, proporcionada efetiva possibilidade de tomar conhecimento do teor da decisão proferida. Mas, ainda assim, bastará que a notificação seja feita ao seu mandatário, pois, de outra forma, estar-se-ia a dar um tratamento privilegiado aos casos em que nem o arguido, nem o seu mandatário, comparecem à leitura da sentença, por comparação com aqueles em que o arguido, não comparecendo, mas fazendo-se representar por mandatário e, por isso, considerando-se “presente” – mais precisamente, processualmente presente -, se considera notificado na pessoa deste. O cabal conhecimento da decisão atinge-se, então, sem violação ou encurtamento inadmissível das garantias de defesa que o processo de contra-ordenação deve comportar, com a notificação ao mandatário do arguido (seja logo aquando da leitura da sentença, se a ela tiver assistido, seja posteriormente, se não tiver estado presente).
Por outro lado, é completamente inadmissível que as garantias de defesa do arguido obtenham proteção mais reforçada no processo contra-ordenacional do que aquela que é assegurada no processo criminal. E, no âmbito deste, já se decidiu que “Nos casos em que o arguido está presente às sessões de julgamento, faltando, apenas, à da leitura da sentença, comparecendo o seu defensor a esta, não tem aquele de ser notificado pessoalmente da sentença, iniciando-se o prazo de recurso com o depósito da mesma”[8], e já o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 373.° n.° 3 e 113.° n.° 9 do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado” [9] e no de “não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 113.º n.º 9 e 411.º n.º 1 alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, na interpretação de que o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, independentemente da notificação pessoal ao arguido”[10]. Fazendo nossas, com as devidas adaptações, as palavras do primeiro destes arestos, o que está fundamentalmente em causa para ajuizar da efetivação, em suficiente medida, das garantias de defesa do arguido, incluindo a do direito ao recurso – assegurado, no processo contra-ordenacional, nas hipóteses contempladas nos nºs 1 e 2 do art. 73º -, “é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado, de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida. (…) para emissão de um tal juízo há que ter em conta os deveres funcionais e deontológicos a que fica sujeito o defensor nomeado e a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo (…)”, cuja inobservância “não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido. Estas não dispensam o interessado do ónus de uma conduta ativa de obtenção de uma informação decisiva para a efetivação do direito ao recurso, como componente dessas garantias”, assim como também é exigível a um mandatário minimamente diligente que transmita ao respetivo mandante o teor de decisão que lhe haja sido notificada e que a este respeite, mais que não seja para o co-responsabilizar na ulterior forma de prossecução dos seus interesses de defesa.
Ora, no caso sub judice, mesmo se admitirmos que o prazo do recurso se conte, não a partir da data do depósito da decisão recorrida, mas daquela em que o mandatário do recorrente se considera notificado – em 05.12.2013, 3º dia útil posterior ao envio da notificação – temos que esse prazo, iniciado no dia imediato, e correndo continuamente, terminou em 16.12.2013 (2ª feira), dia para o qual se transferiu o termo do prazo por ter coincidido com o domingo (15.12.2013).
Assim, porque o recurso só veio a ser apresentado em 07.12.2014, sempre se terá de concluir que foi interposto fora de tempo e nem devia ter sido admitido, por força do disposto no nº 2 do art. 414º do C.P.P.
No entanto, como a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior (cfr. nº 3 do mesmo preceito), deve o mesmo ser agora rejeitado, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 420º do C.P.P.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em rejeitar por extemporâneo o recurso interposto pelo arguido B…, em conformidade com o artº 420º nº 1 al. b) do C.P.P.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça, a que acrescem 3 UC’s, nos termos do artº 420º nº 3 do C.P.P.
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Porto, 24 de Setembro de 2014
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo
Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr., neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações –Anotações ao Regime Geral”, 4ª ed. 2007, pg. 560; se necessário fosse, chegar-se-ia à mesma conclusão também por recurso às normas de processo civil: "O despacho do relator, em que se disse que os recursos eram tempestivos, admitindo-os, não faz caso julgado, como se extrai do art. 687° n° 4 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no art.4° do Código de Processo Penal”, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2000 (Proc. 244/00, 3ª secção), em sumários de acórdãos, em www.stj.pt.”.
[4] Publicado no D.R. n.º 11, Série I de 16/1/09.
[5] De acordo com a corrente maioritária que já vinha sendo, e continua a ser seguida pelos tribunais superiores (em contrário apenas encontrámos a Reclamação para o Presidente do TRG 27/6/11, proc. nº 298/10.6TBCMN-A.G1).
[6] cfr. Acs. RP 24/4/02, proc. nº 0240225 (“Em processo de contra-ordenação, em que o arguido foi notificado para julgamento, onde se fez representar por advogado e em que não era obrigatória a sua comparência, o prazo de recurso da sentença conta-se do respetivo depósito na secretaria, e não da data da notificação da sentença efetuada por via postal. A notificação a que se refere a última parte do n.1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.”), RC 10/3/04, proc. nº 3147/03 (“Regularmente convocado o arguido para a audiência e não estando presente fisicamente isso não impede que se considere que esteve presente (processualmente) e, como tal, o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data do depósito na secretaria que não da data notificação da sentença efetuada por via postal.”), RG 6/10/04, proc. nº 1874/02-2 (“I - O art.º 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 não pode ser lido na sua literalidade imediata, sem recurso aos princípios e à coerência do processo de contra-ordenação para o interpretar. II - Assim, enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contra-ordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. III - Acresce que, em processo de contra-ordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem sequer a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição do recurso em 1.ª instância. IV - Dos artºs 46º, 47º e 68º, nº 1 do RGCO conclui-se que em processo de contra-ordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado e, neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor. V - Tendo o arguido estado representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio ato, na pessoa do advogado, nos termos dos art.ºs 46.º, n.º 2 e 47.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. VI - Em suma, impõe-se a afirmação de que a segunda proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado no ato em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo. VII - A não ser assim, teríamos para o processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material – o processo contra-ordenacional – uma solução processual mais garantística do que a vigente para o processo mais solene – o processo penal – o que seria uma solução senão absurda, pelo menos paradoxal, na harmonia do sistema.”) RL 6/6/06, proc. nº 575/2006-5 (“O facto de nem a arguida nem o seu ilustre mandatário constituído se encontrarem presentes na leitura de sentença é irrelevante uma vez que a notificação a que se refere a última parte do n.°1 do artigo 74° do Decreto-Lei n.° 433/82 apenas releva para a hipótese de a decisão acontecer mediante despacho ou ser realizada audiência sem notificação regular do arguido.”), Dec. Presidente do TRC 12/2/07, proc. nº 241/05.4TBFND-A.C1 (“O prazo para a sua interposição é de 10 dias e conta-se do depósito da sentença na secretaria, e não da notificação à arguida. É certo que o art.º 74°, n.°1 do DL 433/82, de 27 de Outubro, alude à notificação da sentença ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste. Só que a ausência (não presença) deste, para este efeito, considera-se apenas a decorrente do desconhecimento da realização da audiência e do momento da decisão final, não podendo equiparar-se tal situação àquela em que, como sucedeu no caso, a não presença da arguida, na data expressamente designada para o ato de leitura de sentença, decorreu de um ato de vontade (de uma opção) da própria, nesse sentido.”), Dec. Presidente do TRG 6/10/09, proc. nº 130/09.3TBGMR-A.G1 (“I – Considera-se notificado da sentença condenatória o arguido que, tendo estado presente na audiência de produção de prova, não compareceu na audiência em que se procedeu à leitura dessa sentença, à qual assistiu, porém, o seu defensor ou mandatário constituído, cujos deveres funcionais e deontológicos lhe impõem a oportuna comunicação ao arguido do resultado do julgamento, designadamente para aferição da viabilidade ou pertinência de um eventual recurso. II - O hipotético desconhecimento do exato teor da sentença por parte da arguida, só poderá, pois, atribuir-se a negligência própria, a qual não merece tutela jurídica, pois não se podem considerar violadas as suas garantias de defesa. Sibi imputet.”), RE 24/6/10, proc. nº 360/09.8TBGLG.E1 (“Uma vez que a arguida esteve representada por advogada na audiência de julgamento, que pediu dispensa de comparência na data que logo foi designada para leitura da sentença, foi com o depósito desta na secretaria que se iniciou o prazo de interposição do recurso.”) e Decisão sumária RL 21/9/11, proc. nº 2486/10.6TBOER.L1-5 (“Iº Em processo de contra-ordenação, diversamente do que ocorre em processo penal, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor, e se o juiz não considerar como necessária a sua presença na audiência de julgamento, pode não comparecer, nem se fazer representar na mesma por advogado; IIº O art.74, nº1, do RGCO, não se refere à presença física, mas antes à presença processual, considerando-se o arguido notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, contando-se o prazo de recurso a partir dessa data, mesmo que o arguido não tenha comparecido a esse ato.”).
[7] Onde, a certo passo, se escreve: "tendo o arguido em processo contra-ordenacional visto dispensada a sua presença, e sendo ao defensor do arguido notificado o dia para a leitura pública da sentença e depósito desta na secretaria, tem este a possibilidade imediata de ainda que não possa assistir à audiência de leitura da decisão, consultar a decisão depositada na secretaria. E, de posse de uma cópia dessa sentença, pode, nos dias imediatos, refletir sobre ela., ponderando, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. O que não merece tutela, nem é tocado pela garantia de defesa do arguido em processo de contra-ordenacão, é o absentismo simultâneo do arguido — que viu a sua presença logo no julgamento dispensada — e do seu mandatário constituído que foi notificado da data para leitura da decisão, ou, muito menos, a falta de interesse ou diligência deste último, no sentido de notificado do dia da leitura da decisão ainda que a esta não possa assistir, concretizar a possibilidade de tomar conhecimento da decisão e a comunicar ao arguido. Ao defensor do arguido foi dado prévio conhecimento do ato judicial de leitura da decisão, e, em processo de contra-ordenacão, tal basta para se poder considerar notificada a decisão no momento dessa leitura, ainda que a esse ato faltem tanto o arguido como o seu mandatário constituído".
[8] cfr. Ac. RL 9/5/06, proc. nº 3388-2006-5.
[9] cfr. Ac. TC nº 489/08 (D.R. n.º 219, Série II de 11/11/08).
[10] cfr. Ac. TC nº 483/2010 (D.R. n.º 18, Série II de 26/1/11), de que destacamos os seguintes segmentos (sendo nossos os sublinhados: “O Tribunal Constitucional já foi chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre questões de inconstitucionalidades relativas à notificação de decisões condenatórias ao arguido em processo penal e às respetivas consequências nos prazos de reação contra essas decisões.
Em função das particularidades normativas relevantes, nuns casos tem entendido que se cumpre a exigência do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição apenas com a notificação da decisão ao defensor (v.g. Acórdãos nºs 109/99 e 545/03 …); noutros tem julgado inconstitucionais normas ou interpretações normativas que levem à não notificação pessoal ao arguido (v.g. Acórdãos nºs 59/99, 87/03, 476/04 e 418/05).
(…) dessa jurisprudência constitucional sobre entendimentos normativos que constituem “lugares paralelos” daquele que agora constitui objeto do recurso, pode indeferir-se com segurança que:
Primo – O exercício do direito ao recurso por parte do arguido condenado pressupõe o conhecimento ou a cognoscibilidade do teor integral da decisão condenatória e dos demais elementos que possam condicionar ou influenciar decisivamente a formação da vontade de recorrer. Assim, o início do prazo do recurso pressupõe a oportunidade de acesso, quer ao escrito inteligível em que a sentença condenatória necessariamente se consubstancia, quer às próprias atas que documentam a produção de prova em audiência (…)
Secundo – O princípio das garantias de defesa não impõe que o conhecimento da sentença deva necessariamente ser levado ao próprio arguido mediante “notificação pessoal”, com entrega de cópia da sentença condenatória. Basta que conheça oficialmente a data em que a sentença vai ser proferida e que ele ou o seu defensor ao longo do processo tenham assistido à leitura de tal decisão e tenham tido oportunidade de integral acesso ao escrito que a consubstancia. (…)
Há, porém, duas evidentes e essenciais diferenças entre estas hipóteses e a situação definida pela norma recortada pelo recorrente, tendo em consideração a situação concreta em que a falta do arguido à sessão em que se procedeu à leitura da sentença se verifica em 1ª instância, e não no tribunal de recurso, com as consequências inerentes a diversidade de regimes processuais em vigor.
Em primeiro lugar, a hipótese da “norma” agora em apreciação o arguido sabia em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, porque, no termo de audiência de julgamento em que esteve presente, foi disso notificado. É uma situação valorativamente muito diversa, quanto às condições para formar uma vontade esclarecida sobre impugnar ou não a decisão, daquela que ocorre com a leitura do acórdão que aprecia o recurso no tribunal superior. Nesses casos, como se refere no citado Acórdão nº 59/99, o arguido não tem, sem a efetiva colaboração do defensor, conhecimento da data em que tal decisão é publicitada.
Em segundo lugar, no caso dos autos, o arguido não esteve representado no ato de leitura da sentença por um defensor “ad hoc”, designado pelo tribunal como consequência de ter faltado o “normal” e primitivo defensor do arguido. O defensor que assistiu à leitura e foi notificado da sentença foi o mesmo que participou na audiência de julgamento e acompanhou integralmente a produção da prova.
Neste circunstancialismo, deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efetivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respetiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efetivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial. O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão.
Ora, neste concreto circunstancialismo processual, não se verificam os “riscos” que estiveram na base do juízo de inconstitucionalidade formulado através do acórdão nºs 59/99 – sendo manifesto que o primitivo defensor está “vinculado a deveres funcionais e deontológicos” que lhe impõem que dê conhecimento da condenação proferida ao próprio arguido.
O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe ia ser plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou, injustificadamente, do sentido e conteúdo da mesma. Em tais circunstâncias (notificação da data em que iria ocorrer a leitura da sentença, falta do arguido a essa sessão, presença do defensor constituído, justificação posterior da falta), o arguido que não compareceu no ato de leitura pública da sentença só verá o seu direito ao recurso afetado se for grosseiramente negligente, desinteressando-se totalmente do desfecho do julgamento em que plenamente participou.”