Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
495/13.2TBOAZ-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
DESPESAS A REEMBOLSAR AO ADMINISTRADOR
SERVIÇOS PRESTADOS POR TÉCNICOS OU OUTROS AUXILIARES
Nº do Documento: RP20190207495/13.2TBOAZ-H.P1
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: PRESTAÇÃO DE CONTAS
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º162, FLS.65-78)
Área Temática: .
Sumário: Não existindo autorização da comissão de credores ou, na sua falta, do juiz, as despesas com os auxiliares a que se refere o artigo 55.º, n.º3 do CIRE, são por conta do administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 495/13.2TBOAZ-H.P1 (2018).
Relator: Amaral Ferreira (1214).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO.
1. Finda a liquidação nos autos de insolvência de “B…, Ldª” apresentou o administrador da insolvência, C…, depois de para tal notificado, contas finais da administração nos termos do disposto no artº 62º, nºs 1 e 3, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), em que, informando ter recebido do IGFEJ, IP, €500,00, a título de provisão para despesas, e €2.000,00 de remuneração fixa, ser o valor final da liquidação do activo de €233.144,97, ter efectuado pagamentos no montante de €161.275,99 e apresentar a conta aberta em nome da massa insolvente um saldo de €52.085,33, nelas inclui o montante de €13.000,00 referente a averiguações e promoção de venda de bens, pagos a “D…, Unipessoal, Ldª” (doc. nº 131.1, junto a fls. 119 dos autos).

2. Cumprido o disposto no artº 64º do CIRE e aberta vista ao Ministério Público, apenas este se pronunciou nos seguintes termos “Antes de mais, por não se mostrar claro, promovo que se notifique o Exmº Sr. A.I. para concretizar os trabalhos exercidos e pagos como «Inventário de bens para posterior avaliação», «Prestação de Serviços Louvado - Inventário», «Honorários Advogada», «Diligências de averiguações», «Diligências de venda e apoio na promoção da venda de bens», e se para onerar a massa insolvente com tais serviços obteve, previamente, autorização, conforme previsto no artº 55º, nº 3, do CIRE”.

3. Reconhecendo não ter obtido prévia autorização da comissão de credores, mas sustentando que a mesma não era necessária por não se estar perante acto de especial relevo e por as obrigações assumidas para com terceiros não excederem manifestamente as assumidas pela outra parte, mais alegando que não houve qualquer prejuízo para a massa insolvente, pois que o resultado das vendas foi bastante superior às propostas inicialmente apresentadas devido à ajuda no reforço da promoção da venda dos bens apreendidos, através da elaboração e divulgação dos mesmos em diversos locais, nomeadamente via internet e e-mails, e contactos com os proponentes, de que deu conhecimento aos cinco maiores credores das diligências encetadas e dos resultados obtidos, que não colocaram quaisquer objecções, e que procedeu a diligências complementares relacionadas com a entrega dos diversos bens móveis que, na maior parte dos casos, devido à sua dimensão (maquinaria) e quantidade, se prolongou durante todo o dia, para o que teve necessidade de se socorrer da ajuda de terceiros, termina a pedir que sejam julgadas boas as contas da administração apresentadas, incluindo as atinentes às diligências de venda e apoio na promoção destas.

4. Tendo-se o Ministério público pronunciado pelo não pagamento das quantias relacionadas com os itens que havia referido na anterior promoção - cf. 2. supra -, essencialmente alegando que o recurso aos serviços em causa não tinham sido previamente autorizados e que o recurso aos mesmos foi uma opção do administrador, como lhe permite o estatuto do administrador judicial, mas cujas remunerações não são autonomamente suportadas pelos processos, estando incluídas na remuneração variável do administrador, reiterou o administrador a posição anteriormente assumida, mais aduzindo que a remuneração variável não comporta as despesas em causa.

5. Ouvidos todos os credores sobre o teor das posições do administrador da insolvência e das promoções do Ministério Público e tendo a credora “E…, Ldª” defendido o indeferimento da pretensão do administrador, foi este notificado para, além do mais, esclarecer cabalmente quais os serviços prestados por terceiros identificados no documento junto sob o nº 131, por se ter entendido que não se vislumbrava relação entre as datas dos documentos/montantes cobrados e os actos que ele havia relatado, designadamente nos apensos de apreensão de bens e liquidação.

6. Continuando a pugnar por que fossem julgadas como boas as contas, alegou o administrador da insolvência que as restantes diligências efectuadas, nomeadamente, com elaboração e divulgação da venda de bens, visitas ao local com potenciais interessados, até à entrega dos bens, e cujo pagamento efectuou e comprovou através dos docs. nºs 131.1 e 131.2, se mostravam justificados através dos documentos que juntou a fls. 156 vº a 158, que consistem em honorários reclamados por “F…” a título de serviços prestados com diligências para a venda de bens («Elaboração e divulgação do anúncio de venda de bens móveis, visitas ao local com potenciais interessados, recolha de propostas, elaboração do mapa comparativo para adjudicação e entrega dos bens móveis adjudicados»).

7. Foi então proferido despacho que, no que ora releva, é do seguinte teor:
O artigo 55º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece que o AI exerce pessoalmente as competências do seu cargo, sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório a patrocínio judiciário, podendo substabelecer a prática de determinados actos em AI inscritos.
No nº 3 do referido artigo deixa-se e possibilidade de o AI ser coadjuvado sob sua responsabilidade por técnicos e outros auxiliares, remunerados ou não, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
Por fim, o artigo 55º, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas impõe que o AI informe o processo de todos os actos praticados relativamente à apreensão e liquidação de bens sendo certo que, acrescentamos nós, estando em causa despesas a suportar pela MI é obviamente conveniente que o AI receba prévia autorização para as contrair.
*
Ora, tendo em conta o elevado número de verbas que correspondem aos bens apreendidos nestes autos, cremos que, pese embora a censura que se pode dirigir ao AI em não ter previamente solicitado autorização para contratar terceiros para a inventariação dos bens, tal contratação mostra-se justificada pois que, pese embora estejamos perante uma despesa de cerca de 7.000,00€, foram muitos os bens apreendidos e, sem que se fizesse um trabalho exaustivo de inventariação era praticamente impossível vender tais bens (artigo 161º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Também no que diz respeito aos honorários com advogada, tendo em conta os serviços prestados não cremos que possamos afirmar estar perante acto de «especial relevo para o processo de insolvência» pois que as obrigações assumidas pelo administrador da insolvência não excedem manifestamente as da contra parte – MI já que estamos perante uma despesa de 1.161,89€.
*
O mesmo já não podemos dizer quanto aos montantes cobrados pela F… já que, após o trabalho de inventariação (esse sim extremamente moroso) e avaliação dos bens, esta empresa cobrou 10.050,00€ para elaborar e divulgar o anúncio de venda dos bens, proceder a visitas ao local com interessados; recolher propostas e elaborar mapas comparativos para adjudicação e entregar os bens adjudicados.
Ora, a actividade desenvolvida pela F… podia perfeitamente ser desenvolvida pelo AI pois que, após as diligências de contagem e inventariação dos bens, seguia-se a venda, a qual cabe ao AI.
Claro está que cada AI gere o seu tempo e o exercício das suas funções pela forma tida por mais conveniente e nada impede que os AI, nos seus gabinetes, tenham colaboradores ou solicitem a terceiros a prática de determinados actos.
Mas o que não se pode aceitar é que onerem a MI com os custos dessa delegação de competências.
Nessa medida não se vê, pois, qualquer justificação para onerar a MI com o pagamento destas despesas porque elas se referem a actos que o AI deveria ter praticado e que são o corolário da própria liquidação dos bens.
*
Pelo que não se validando as despesas pagas à F… que ascende a 10.050,00€, no mais, as contas serão aprovadas”.

8. Inconformado, apelou o administrador da insolvência, rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A. A sentença, de que se recorre, não aprova o pagamento das despesas apresentadas e pagas, por não ter sido requerida prévia autorização / concordância da comissão de credores, ou na falta desta, pelo juiz,
B. Entendendo, que a massa insolvente não deve suportar os montantes, uma vez que se tratam de diligências que cabem no âmbito das funções dos AI.
B. Embora, não tenha obtido a prévia concordância judicial, não implica, salvo o devido respeito por opinião contrária, a não validação das contas apresentadas referentes a serviços de terceiro.
D. Ora, a regra geral é a de que a violação da lei, traduzida na falta do consentimento necessário para a prática do ato, não afeta eficácia do ato,
E. Só assim não será, e como dispõe o artº 163º do CIRE, quando as obrigações que se projetam na massa e a vinculam, excederem manifestamente as assumidas pela outra parte.
F. Com efeito um ato para ser considerado ineficaz, é necessário que seja manifesto o desfavor da massa insolvente - e que não foi o caso, muito pelo contrário.
G. À primeira vista e tendo em conta o art. 55º, nº 3, do CIRE o recorrente pode ser coadjuvado por técnicos ou outros auxiliares, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
H. Porém, este preceito legal não pode ser analisado de forma tão simplista sob pena de se esvaziar as funções do administrador da insolvência, e tornar, um processo célere, como pretendeu o legislador, num processo demorado, onde para ser coadjuvado por terceiros, necessita-se de inúmeras e constantes consultas à comissão de credores ou ao juiz.
I. Ora, só assim não será, e como dispõe a lei, quando os atos, que pela sua dimensão ou implicações na massa ou na situação dos credores se mostrem especialmente decisivos ou relevantes.
J. Nomeadamente, os atos que a lei qualifica de especial relevo nos termos do artº 161º, nºs 1 a 3, do CIRE, e mesmo assim, não têm carácter taxativo.
K. Ora, no caso dos presentes autos, a contratação de técnicos / auxiliares, para proceder, quer à localização, inventário e apreensão, quer na posterior promoção e venda, (e é necessário, neste caso em concreto, ter em conta a natureza e a quantidade dos bens), não constituía, atendendo ao valor dos honorários orçamentados, um ato de especial relevo, para que tivesse que pedir / obter prévia autorização e concordância da comissão de credores, ou até mesmo do juiz.
L. Ora, neste caso, não houve qualquer prejuízo para a massa insolvente, antes pelo contrário, o resultado das vendas dos bens foi bastante superior às propostas inicialmente apresentadas, o que só veio beneficiar os credores.
M. O recurso a estes serviços, mostra-se necessário, como se comprovou a final, para tornar o processo mais célere,
N. Todas as tarefas realizadas, atendendo ao tipo de bens e quantidade, levou a que o recorrente sentisse necessidade de ser coadjuvado por terceiros/ auxiliares, no sentido de reforçar a promoção e venda, através da elaboração e divulgação em diversos locais, via internet, remessa de e-mails a potenciais interessados, ao que acresce as inúmeras deslocações às instalações da insolvente, no sentido de mostrar os bens aos interessados, por forma a tomarem conhecimento dos bens existentes e do estado em que estes se encontravam para futura apresentação de propostas.
O. Acresce que, foi necessário, que a abertura de propostas se realizasse nas instalações da insolvente, o que obrigou à preparação destas para o efeito.
P. Sempre tendo atenção o tipo de bens, e quantidade destes (matéria-prima, acessórios, maquinaria, grande parte desta de grande porte), foi necessário agrupar estes em lotes,
Q. Recolher e analisar todas as propostas, contactar, grande parte, senão todos os proponentes, por forma incentivar ao aumento dos valores apresentados, elaborar mapas comparativos, realizar várias deslocações ao imóvel, em diversos dias, para entrega dos bens, levantamento da diversa maquinaria, e refira-se que só uma dessas máquinas, pesava toneladas e que foi necessário o dia todo, para que a mesma fosse retirada, entre outras diligências que se mostraram indispensáveis, e que a final tiveram resultados muito positivos e benéficos para todos os credores da insolvência,
R. E que nunca seriam possíveis sem o recurso e ajuda de todos os intervenientes auxiliares.
S. Acresce que, efectivamente, não foi solicitada qualquer autorização, ou consentimento, neste caso, e face à ausência de comissão de credores, ao tribunal, na pessoa do Mmº juiz, contudo, foi dado conhecimento aos 5 maiores credores, das diligências encetadas e dos resultados obtidos, não tendo sido colocada qualquer objeção destes, quanto aos atos e/ ou procedimentos do recorrente.
T. Com efeito, o administrador judicial tem a obrigação legal de agir, de forma urgente, cuidadosa, diligente, pronta e sem rodeios, nem constrangimentos, não podendo respaldar-se em obediências hierárquicas, nem outros formalismos e expedientes consabidamente dilatórios.
U. O artº 22º do EAJ refere que o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”.
V. Devido à urgência dada a sua substância, e natureza, muitos atos escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, daí a necessidade de contratação de técnicos ou outros auxiliares para os realizar.
W. Por essa razão a aprovação dessas despesas dependerá dum juízo casuístico em face da concreta justificação apresentada, e dos factos e elementos probatórios que para o efeito sejam indicados.
X. Todos os valores cobrados pelos técnicos / colaborados encontram-se enquadrados no trabalho realizado, se tivermos em conta, como já referido, à quantidade, ao tipo de bens, e que se mostraram imprescindíveis, para se obter os resultados alcançados, sempre com o objetivo de beneficiar os credores, onde se inclui também o M.P. na defesa dos interesses do Estado.
Y. A contratação de terceiros, permitiu alcançar, uma receita muito para além do esperado.
Z. A título de exemplo, refira-se, que com as diligências encetadas, junto dos proponentes, no sentido de aumentarem as propostas apresentadas, relativamente aos bens constantes do lote nº 1, foi possível alcançar, um acréscimo de €29.000,00.
AA. O mesmo aconteceu, com o lote 4, onde todas as diligências realizadas, alcançaram um valor total de €78.000,00.
BB. Assim contabilizando o valor global, das propostas, inicialmente apresentadas, estas ascendiam a €158.871,00, porém, a venda final, e repita-se, resultado das diligências de terceiros, concretizou-se pelo valor global de €201.000,00, isto é, mais €42.129,00.
CC. Verifica-se que o recurso a auxiliares nas vendas realizadas, contribuiu, e muito, para um aumento significativo, e para um resultado final, e que apenas veio beneficiar positivamente os credores da insolvência.
DD. O recorrente agiu sempre, e no âmbito das funções que lhe são conferidas, de forma transparente, clara e honesta, para com o tribunal e todos os credores, fê-lo apenas e só para desjudicializar o processo de insolvência.
EE. Com estas contratações o signatário pretendeu agilizar todos os meios que tinha ao seu alcance para proteger o património apreendido para a massa insolvente, por forma, a que a venda dos bens fosse apetecível e justa, e obter o maior lucro possível para a massa insolvente, evitando assim situações em que existem atos de vandalismo, que muitas vezes ocorrem em fábricas que se encontram inactivas durante algum tempo.
Termos em que, invocando o douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser admitido e em consequência ser a sentença recorrida revogada, julgando-se boas e validamente prestadas as contas apresentadas pelo recorrente, na sua totalidade.
Porém, Vossas Excelências dirão como for de Justiça.
9. Contra-alegou o Ministério Público concluindo que:
1. O objecto do presente recurso resume-se à apreciação da despesa de 10.050,00€ realizada pelo Recorrente com uma empresa que foi por si contratada para proceder às diligências de venda dos bens apreendidos, que aquele pretende imputar à massa insolvente.
2. O Recorrente não observou as disposições legais quanto à concordância/conhecimento do juiz para realizar tal despesa, não observando, assim, para realizar uma despesas que ultrapassa os 10.000,00€ o disposto no artigo 55º, nº 3 do CIRE.
3. É entendimento jurisprudencial que, não existindo autorização da comissão de credores ou, na sua falta, do juiz, as despesas com os auxiliares a que se refere o artigo 55º, nº 3 do CIRE, são por conta do administrador.
4. Mesmo que seja imprescindível contrair despesas na concretização das incumbências que são dirigidas pela lei e pelo estatuto aos Administradores (artigo 1º, nº 1 do Estatuto dos Administradores Judiciais e 55º do CIRE), num contexto de mercado livre, é sempre possível e necessário atender a um juízo de razoabilidade na concreta despesa a contrair, principalmente em função da liquidez (ou previsibilidade de liquidez) da massa insolvente e das alternativas existentes no mercado.
5. O Recorrente estava em condições de saber e compreender, ab initio, o avultado valor a despender com a empresa que contratou para proceder à venda dos bens e que seria cobrado à massa insolvente, pois que obteve um orçamento acerca do preço a cobrar pela realização desses serviços.
6. O mesmo poderia, conforme é do conhecimento geral que acontece, socorrer-se de terceiros de modo a conseguir assegurar o acompanhamento de todos os processos em que é nomeado, conforme dispõe o nº 3 do artº 12º do dito Estatuto do Administrador Judicial, mas o pagamento das respectivas remunerações não deverão ser autonomamente suportadas pelas respectivas massas insolventes.
7. O empenho e zelo que o Recorrente alega ter observado no exercício das funções para que foi nomeado nestes autos, obtendo com tal cuidado um proveito para a massa insolvente superior àquele que poderia ter conseguido, caso não tivesse envidado esforços para tal, será compensado através da remuneração variável a calcular, a qual foi criada pelo legislador precisamente com o propósito de compensar o empenho dos administradores de insolvência em obter melhores resultados para a massa insolvente.
8. Por estas razões, no nosso entender, assiste inteira razão ao Tribunal a quo ao considerar que não existe justificação para onerar a massa insolvente com o pagamento destas despesas, por as mesmas se referirem a actos que o Administrador de Insolvência deveria ter praticado no âmbito da concreta função de liquidação dos bens apreendidos.
Pelo exposto, a decisão recorrido não merece qualquer reparo e, como tal, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado improcedente.
10. Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Com interesse para a decisão do recurso relevam os factos que constam do presente relatório, que aqui se dão por reproduzidos, e os que a decisão recorrida teve como provados e que são os seguintes:
1 - No dia 23/10/2013, o AI apresentou um complemento ao auto de apreensão o qual contém a identificação e avaliação de 341 verbas, pelo montante de 193.700,00€.
2 - No ano de 2015, todos os bens apreendidos estavam vendidos;
3 - Os documentos nº 29, 30 e 36 juntos aos presentes autos referem-se a trabalhos de inventariação de bens prestados nos dias 23/05, 28/05, 30/05, 31/05, 03/06, 19/06, 26/06, 27/06, 11/07, 18/07, 19/07, 24/07, 25/07, 30/07 e 01/08, todos do ano de 2013.
4 - Pese embora pagos em 2017, os documentos nº 28, 33, 68, 69 e 88, dizem respeito a trabalhos realizados durante os anos de 2013 e 2014.
5 - A F… cobrou os montantes de:
- 2.000,00€ para elaborar e divulgar o anúncio de venda dos bens;
- 2.500,00€ para proceder a visitas ao local com interessados;
- 2.550,00€ para recolher propostas e elaborar mapas comparativos para adjudicação;
- 3.000,00€ para entregar os bens adjudicados;
6 - Os honorários com advogado (documentos identificados sob os nºs 102, 108, 128 e 129) referem-se à tentativa de conciliação ocorrida, em 16.06.2014, no âmbito do apenso E, à elaboração de 28 cartas de interpelação para cobrança de créditos e mais 4 cartas em língua estrangeira, para devedores estrangeiros.
7 - O AI não solicitou autorização prévia para a contratação dos terceiros que o coadjuvaram no exercício das suas funções.

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões, e não razões, e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada no recurso é a de saber se devem ser pagas ao administrador da insolvência as despesas que o tribunal recorrido não aprovou.

Ao administrador judicial, que nos processos de insolvência, como é o caso, se designa de administrador da insolvência (AI), incumbe a gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo respectivo estatuto e pela lei - artº 2º da Lei nº 22/2013, de 26/2, que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial (EAJ) -, tendo direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas (artº 22º do EAJ).
O mesmo resulta do disposto no artº 60º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que estipula que “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”.
Nas suas competências funcionais cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente as que constituem produto da alienação de bens que a integram [artº 55º, nº 1, al. a), do CIRE].
E, estipulam os nºs 2, 3 e 7, do último dos citados preceitos legais:
2 - Sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais.
3 - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
7 - A remuneração do administrador da insolvência referido na parte final do n.º 2 é da responsabilidade do administrador da insolvência que haja substabelecido, sendo deste a responsabilidade por todos os atos praticados por aquele ao abrigo do substabelecimento mencionado no mesmo número”.

Nos termos do disposto no artº 62º do CIRE, o administrador da insolvência, dado caber-lhe a administração de bens e interesses alheios, encontra-se obrigado, uma vez finda a respectiva actividade, a prestar contas da mesma. Isto sem prejuízo da informação trimestral referida no artº 61º do CIRE, constituída por “um documento com informação sucinta sobre o estado da administração e liquidação” (nº 1) e bem assim da prestação de contas em qualquer altura do processo, sempre que o juiz o determine (nº 2 do artº 62º).
E, de acordo com o nº 3 do artº 62º do CIRE, “as contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”.
Quanto à tramitação da prestação de contas, estipula o artº 64º, nºs 1 e 2, do CIRE que as contas são autuadas por apenso e o juiz fixará prazo para a comissão de credores, se existir, emitir parecer sobre elas; seguidamente os credores e o devedor insolvente são notificados por éditos e anúncio para se pronunciarem no prazo de cinco dias. O Ministério Público terá vista do processo para o mesmo fim e depois o processo é concluso ao juiz para decisão, com produção da prova que se torne necessária.

Em causa no recurso está, como se deixou relatado, as despesas com diligências para a venda de bens da insolvente pagos à “F…” para elaborar e divulgar o anúncio de venda dos bens, proceder a visitas ao local com interessados, recolher propostas e elaborar mapas comparativos para adjudicação e entregar os bens adjudicados, no montante de €10.050,00.
A decisão recorrida, transcrita no presente relatório, apesar de não autorizada, não deixou de considerar justificada a despesa de €7.000,00 para pagamento a terceiros com a inventariação dos bens, por serem muitos os bens apreendidos e ter entendido que era praticamente impossível vender tais bens, sem um trabalho exaustivo (e moroso) de inventariação, já entendeu não justificado o pagamento do referido montante de €10.050,00, por considerar que as actividades a que se reporta podiam ter sido desenvolvidas pelo AI, que, não obstante não estar impedido de recorrer a terceiros para a prática de determinados actos, não podia onerar a massa insolvente com os custos derivados da delegação de competências.
Insurgindo-se o recorrente contra o não pagamento do montante de € 10.050,00 pelos motivos que explicita nas conclusões das alegações recursivas, adianta-se sermos do entendimento de que a decisão recorrida não merece a censura do apelante.

Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2ª edição, 2013, pág. 379, a propósito do julgamento das contas apresentadas pelo administrador da insolvência, em anotação ao artº 64º do CIRE, “A apreciação das contas permite avaliar a correcção das operações realizadas pelo administrador, bem como a eficiência da respetiva atividade, tendo por matriz referencial a prossecução dos interesses a satisfazer no processo.
Por outro lado, a análise das contas do administrador constitui hoje o instrumento por excelência do controlo de certos atos levados a cabo pelo administrador, que ele pode unilateralmente decidir e que suscetibilizam o seu próprio benefício em eventual prejuízo da massa. É o que se passa quanto ao reembolso de despesas havidas por indispensáveis ou úteis, segundo estatui o nº 1 do artº 60º, para cuja anotação se remete”.
Em anotação ao artº 60º do CIRE, cujo nº 1 estipula que o administrador tem direito, além da remuneração, às despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis, a fls. 369/370 da citada obra, escrevem os mesmos autores, depois de acentuarem que a adequação do critério constante do nº 1 do artº 60º não se ajusta ao artº 22º do EAJ, que estabelece que o administrador tem direito ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das funções que lhe são cometidas, que não havendo razão para fazer prevalecer um diploma sobre o outro, só casuisticamente se pode apurar em que medida os seus critérios se podem ajustar.
E, criticando o facto de o legislador não ter aproveitado a revisão do CIRE e do EAJ para afastar os vícios decorrentes do facto de não serem coincidentes os qualificativos das despesas como úteis ou indispensáveis e necessárias, acrescentam “O que se afirma sem prejuízo do reparo que nos merece a solução do Código, ao reportar o direito ao reembolso das despesas ao critério, embora razoável, de quem as faz. Solução que consegue pecar por excesso e por defeito: inibindo um administrador criterioso e desinibindo outro que o não seja”.
Transpondo o entendimento e as considerações dos citados autores, que se sufragam, no sentido de que a solução deve ser casuística, para o caso dos autos, são inteiramente pertinentes os motivos constantes da fundamentação da decisão recorrida para não aprovar o pagamento das despesas pagas a terceiro (F…), no montante de €10.050,00, (2.000,00€ para elaborar e divulgar o anúncio de venda dos bens; - 2.500,00€ para proceder a visitas ao local com interessados; - 2.550,00€ para recolher propostas e elaborar mapas comparativos para adjudicação; - 3.000,00€ para entregar os bens adjudicados, conforme consta dos factos provados), por não se mostrarem razoáveis tais despesas, nomeadamente quando comparadas com as de €7.000,00 tidas com a inventariação dos inúmeros bens móveis apreendidos, a exigir um trabalho exaustivo, despesas estas que, apesar de não autorizadas, foram aprovadas.

Acresce que, como escrevem citados autores, a fls. 346 da obra igualmente citada e em anotação ao artº 55º, nº 3 (“O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”), ainda que assumindo que isso pode ser acusado de excessivo rigor, o CIRE «leva a ideia da pessoalidade do cargo ao ponto de rejeitar o recurso ao auxílio de terceiros e do insolvente, com ou sem remuneração, quando não haja prévia autorização da comissão de credores.
De resto, ainda quando autorizada competentemente, a intervenção de técnicos ou outros auxiliares do AI é sempre imputável a este, que assume para si a correspondente responsabilidade, sem prejuízo da que àqueles couber pessoalmente na qualidade de agentes materiais».
Como é sublinhado no acórdão da RE de 11/5/2017, Proc. nº 114/15.2T8RMZ-D.P1, disponível em www.dgsi.pt., o carácter prévio da autorização significa que ela só pode ser concedida antes de se recorrer ao auxílio de outrem, não sendo possível falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida. O simples silêncio dos credores ao longo das diligências realizadas, não pode ter o significado que o recorrente lhe atribui. Cada um dos credores pode, muito legitimamente, ter partido do princípio que a autorização existia porque autorizada foi pelo juiz.
E sustenta-se no acórdão deste Tribunal de 20/6/2017, Proc. nº 1079/11.5T2AVR-G.P1, www.dgsi.pt, «assim, no que concerne às despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, o reembolso das mesmas é possível, mas não basta que o AI se limite a juntar aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e de presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação da sua actuação. Pois desde logo, exige-se que o AI justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores, v.g. devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza, escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, daí a necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar»
E, no caso, o recorrente, cuja remuneração variável contempla já o resultado da liquidação da massa insolvente (nº 2 do artº 23º do EAJ) não pediu prévia autorização para as despesas em causa.
Improcede, deste modo, a apelação.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pela massa insolvente.
*
Porto, 7/2/2019
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira