Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
31/17.1T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2018053031/17.1T8PVZ.P1
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 831, FLS 211-226)
Área Temática: .
Sumário: I - Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, é de dois anos o prazo de prescrição, tratando-se de culpa leve ou levíssima, e de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave.
II - A intermediação financeira pode constituir uma categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros, mas pode também traduzir-se num ato de execução da relação bancária já em desenvolvimento, mas em qualquer dos casos a reparação dos danos resultantes do seu incumprimento reconduz-se à responsabilidade contratual.
III - É de natureza extracontratual a responsabilidade do intermediário financeiro quando, na sua estrita ligação aos deveres que lhe competem, viola os seus deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente os deveres de informação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 31/17.1T8PVZ
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 1

Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B..., residente na ..., nº..., .º, Vila do Conde, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Banco C..., SA., com sede na ..., nº..., Lisboa, e D..., SA, ..., nº .., Lisboa, pedindo:
a) a declaração de que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações E... ao F... foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%;
b) a declaração de responsabilidade do Réu C... pelo reembolso desse capital;
c) e a sua condenação a proceder a esse imediato reembolso da quantia de 50.000,00 euros que foi investida na referida compra, acrescida de juros vencidos desde 07/10/2014 até reembolso do capital, e de 10.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais;
d) a condenação da Ré D... no pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelos danos não patrimoniais causados.
Alegou, em súmula, que adquiriu ao balcão do F... uma obrigação E..., no valor global de 50.000,00 euros, com o prazo de 10 anos, tendo a mesma sido vendida com a garantia de ter o valor de capital garantido, sendo tão segura como um depósito a prazo. Foi ainda informado que poderia efetuar o resgate da aplicação ao fim de 5 anos. Como o F... foi nacionalizado, tentou proceder ao resgate antecipado do capital investido, o qual lhe foi negado. Decorrido o prazo de 10 anos, foi informada que a aplicação em causa não tem cobertura de garantia de capital, porquanto a sociedade a que se reporta a obrigação se encontra insolvente, sendo o F..., atual C..., apenas um intermediário da sociedade E1.... Invocou a responsabilidade contratual e extracontratual do Réu C....

Formulou desistência do pedido deduzido contra a D..., tendo sido proferida decisão, transitada em julgado, que homologou tal desistência.

Citado, o Réu C... contestou, excecionando a prescrição do direito invocado pela Autora, por terem decorrido mais de 2 anos desde a data em que ela teve conhecimento da conclusão da operação. De qualquer modo, age em abuso do direito, porque nunca reclamou do produto que subscreveu, sempre recebendo os juros que lhe eram devidos, assim lhe gerando a confiança de não ser colocada em causa tal subscrição. No mais, impugnou os factos alegados, narrando as circunstâncias em que o produto em causa foi subscrito.

Respondendo à exceção de prescrição, alegou a Autora não ser aplicável o citado prazo prescricional, mas o prazo de prescrição de 20 anos. Por outro lado, o prazo de prescrição apenas se iniciou com o vencimento da obrigação em maio de 2016.

Foi realizada audiência prévia e foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência final, com observância do formalismo legal, tendo a Autora sido convidada a fazer intervir o marido, atenta a sua ilegitimidade para a ação. Juntou a mesma documento comprovativo do consentimento deste para a propositura desta ação.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) Declara que a aquisição da obrigação E... ao F... foi efectuada no pressuposto que o produto financeiro em causa estava a coberto da garantia de reembolso de capital a 100%;
b) declara que o R. Banco C... é o responsável pelo reembolso do capital investido pela A. e marido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros);
c) condena o R. Banco C... a reembolsar a A. do capital investido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde o dia 09/05/2016, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer;
d) absolve o R. Banco C... quanto ao mais peticionado.”

Inconformado, o C..., S.A. recorreu da sentença, finalizando a sua alegação do seguinte modo:
“I. O Banco Recorrente não pode assim concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nas alíneas 9 e 24.
II. Entende ainda a Recorrente que deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
25 - Foi transmitido ao marido da Autora que o produto em questão se tratavam de obrigações emitidas pela E1..., empresa que detinha o Banco, facto que transmitia ao produto em causa uma segurança adicional, sendo transmitido que quem garantia o capital era o grupo E1....
26 - A Autora e o seu marido tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações E... em Novembro de 2008 com recepção.
III. Tendo em conta o depoimento da testemunha marido da Autora nas partes acima transcritas deveria ter sido dado como não provado o facto descrito no ponto 9 dos factos dados como provados sendo dado como provado o facto nº 26 acima descrito.
IV. Deveria ainda ter sido dado como não provado o facto 24 dos factos dados como provados uma vez que nenhuma prova foi produzida relativamente ao mesmo.
V. O facto provado 26, acima descrito, deverá ser adicionado na sequência do depoimento da testemunha G..., nos trechos acima indicados, bem como da análise do documento junto pela mesma na audiência de julgamento.
VI. Não é porque foi afirmado ao Recorrido que a aplicação financeira tinha “capital garantido e juros garantidos”, que podemos legitmamente concluir que o Banco assumiu a dívida da E1...!
VII. Conforme dispõe o art. 595º nº 1 alínea b) do Código Civil, a assunção de dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Acrescenta depois o n.º 2 que “em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
VIII. A assunção da dívida pode ser liberatória nos casos previstos na primeira parte do n.º 2 do art. 595º do CC. Isto é, dependendo de declaração expressa do credor, o devedor originário pode ficar dela exonerado, pela assunção da dívida por novo devedor. Ou então, como acontece na maioria dos casos, ser uma assunção cumulativa da dívida, em que devedor originário e novo devedor se obrigam simultaneamente, sendo ambos solidariamente responsáveis perante o credor.
IX. Um dos indícios que pode apontar para a assunção cumulava da dívida é o facto de, aquando da declaração do novo devedor, tanto o credor quanto o declarante terem conhecimento de que o devedor principal não estava em condições de pagar, uma vez que não se verifica a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao fiador sub-rogado.
X. Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial, se tivesse assumido a dívida deste.
XI. Essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu!
XII. Não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à E1... em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela.
XIII. Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C..
XIV.A garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.
XV. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
XVI. Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes, sob pena de traição da identidade da figura e violação do princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores.
XVII. Se o Banco Apelante tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA., mas teria isso sim que se estender à generalidade dos subscritores e, por isso, estar contida na nota informativa do papel comercial, figurando o aqui Apelante como garante do reembolso, o que, tal qual resulta da nota informativa junta aos autos a fls., não sucedeu!
XVIII. A condenação do Banco Réu com base na assunção de uma dívida extravasa em muito quer a causa de pedir, quer o pedido dos presentes autos, não sendo por isso viável e legal.
XIX. A declaração de uma garantia deve ser específica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio…
XX. Uma declaração negocial corresponde a uma vontade de uma parte em se vincular negocialmente de acordo com o teor dos termos da mesma.
XXI. Claramente uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso!
XXII. Não foi feita a prova de que a declaração em causa - capital garantido - não fosse mais do que uma mera caracterização do produto - que até era, como melhor veremos adiante!
XXIII. Falta, em suma, a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.
XXIV. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!
XXV. A expressão “garantia de capital e juros no termo do prazo” apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
XXVI. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco..
XXVII. O risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações E..., porque sendo a E1... dona do Banco a 100%, o risco da E1... estava indexado ao risco do próprio Banco.
XXVIII. Ainda que a actuação do Banco Réu fosse considerada em desrespeito pelas suas obrigações como intermediário financeiro, não consta dos factos provados qualquer facto que reconduza essa actuação a um dolo ou a uma culpa grave.
XXIX. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
XXX. A Autora, através do seu marido, sabe pelo menos desde Novembro de 2008, como o próprio afirma, da natureza a implicações do investimento efectuado!
XXXI. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 2017!
XXXII. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
da natureza a implicações do investimento efectuado!
XXXI. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 2017!
XXXII. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
XXXIII. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 236º, 595º, 628º, 220º do Código Civil e 324º do CMVM,
Termos em que se requer a V. Exas. que alterem a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima expostos, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores
Ainda que assim não se entenda sempre se requer a V. Exa. que, com base na matéria dada como provada na primeira instância, revoguem a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores»

Em resposta, a Autora aduziu as subsequentes conclusões alegatórias:
“a) – Os factos dados como provados, mostram-se sustentados não só pela prova produzida em sede de discussão de Audiência e julgamento, como pelos documentos que a suportam.
b) – Ficou manifestamente provado além do mais que:
5 – O funcionário do balcão do F... que vendeu a obrigação E... afirmou, aquando daquela venda, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido.
6 – Afirmou que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este.
8 – A A. e o marido adquiriram o produto atentas as condições que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário do F....
9 – Em Novembro de 2011, o marido solicitou o resgate do capital investido, o que lhe foi recusado.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pelo recorrente.»

II. Objeto do recurso
Como o âmbito recursivo é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente [artigos 635º r 639º do Código de Processo Civil (CPC)], salvo questões do conhecimento oficioso, importa conhecer das seguintes questões:
i) A intermediação financeira e a responsabilidade civil do demandado;
ii) A prescrição do direito da Autora.

III. Fundamentação
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O Recorrente discorda da matéria de facto dada como provada descrita nas alíneas 9 e 24, cujo conteúdo fáctico é o seguinte:
«9 – Em Novembro de 2011, o marido solicitou o resgate do capital investido, o que lhe foi recusado.
10 – Gerando na A. e marido dúvidas sobre o reembolso efetivo do capital investido.
11 – O R. C... recusou o reembolso do capital investido após o decurso do prazo de 10 anos estabelecido, uma vez que a E1... se encontra insolvente.
12 – A A. e o marido sentem angústia perante a possibilidade de não lhes ser reembolsada a quantia de 50.000,00 euros que foi investida.
13 – Foi paga à A. e ao marido, a título de juros relativos à obrigação E..., a quantia de, pelo menos, 5.423,92 euros.
14 – A A. e o marido conheceram que haviam adquirido uma obrigação E1... pelo menos através dos extratos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza.
15 – A A. e o marido procederam ao depósito da quantia de 223.500,00 euros no Banco F....
16 – Tendo em vista a aplicação desta quantia em produtos de elevada rentabilidade e sem risco.
17 – Foi sugerido à A. e marido que aplicassem 150.000,00 euros em UP´s de F1..., deixando a restante quantia à ordem para quando fosse possível adquirir obrigações E....
18 - As obrigações E1... foram emitidas pela E2..., SA.
19 – Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco F....
20 - Situação que se manteve até ser nacionalizada.
21 – Uma obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
22 - Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património.
23 - O risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da E1... ser indexado ao risco do próprio Banco.
24 - A A. e o marido foram informados que poderiam obter liquidez ao fim de 5 anos, pois que era, à data, fácil o endosso da obrigação, tendo sido por essa via que a adquiriram.»
Pugna ainda pela prova dos seguintes factos que foram dados como não provados:
«25 - Foi transmitido ao marido da Autora que o produto em questão se tratavam de obrigações emitidas pela E1..., empresa que detinha o Banco, facto que transmitia ao produto em causa uma segurança adicional, sendo transmitido que quem garantia o capital era o grupo E1....
26 - A Autora e o seu marido tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações E... em novembro de 2008 com receção».
Atenta a extensão da matéria de facto colocada a reapreciação recursiva, procederemos à audição da prova testemunhal para, na sua ponderação com os documentos juntos aos autos, a valorarmos criticamente com vista à decisão dos pontos de facto controvertidos.
H..., marido da Autora e contitular de uma conta bancária no C..., aquela que agora está em causa, disse ter procedido à subscrição do produto financeiro em questão, tendo sido informado pela gestora de conta, G..., sua amiga, que tinha todas as garantias do depósito a prazo, de prazo mais alargado, mas podendo resgatá-lo ao fim de 5 anos. Acabou por aplicar e 50.000,00 €, com pagamento de juros semestrais, que foram sempre pagos nas datas previstas. Mais disse que, entretanto, «surge esta situação do banco F... ter sido nacionalizado, altura em que eu me desloco a um balcão do banco F... próximo do meu local de trabalho no Porto, mais concretamente na ..., e perguntei lá ao senhor qual era a melhor forma que eu tinha para resgatar aquele produto financeiro atendendo às circunstâncias e aquilo que se falava já relativamente ao F.... Nesse dia esse senhor, pela reação dele eu vi que havia qualquer coisa ali de anormal que se estava a verificar e o que ele me aconselhou foi eu deslocar-me, portanto, ao balcão do lá F... de ... para esclarecer a situação. Eu nesse mesmo dia…». Interpelado pela Senhora Juíza, explicou que, para a subscrição daquele produto, foi atendido pela G... e, depois, ela chamou o Sr. I..., gerente, que confirmou aquela informação. Continuando a sua narração, referiu que, depois de ter falado com o tal funcionário, «contactei a D. G... pelo telefone e perguntei-lhe: oh G... fui aqui a um banco vosso, a uma dependência vossa; relativamente a esse produto que eu tenho aí financeiro e o senhor, achei uma atitude estranha no comportamento dele e ele disse para me deslocar aí ao vosso balcão. Eu queria que a G... me enviasse as cláusulas contratuais deste produto, uma vez que nunca me foi fornecido nenhuma documentação relativamente a isso, e então a D. G..., no dia 4 de novembro, enviou-me por mail todo esse articulado das cláusulas contratuais, dessas que depois vim a saber serem obrigações da E1..., e das condições, portanto, constatando ali que era um produto de risco, o que ia contrário a tudo aquilo que eu tinha falado na altura com a D. G....» Mais acrescentou que a G... sabia que «eu nunca, jamais, em altura alguma, iria subscrever um produto qualquer que tivesse risco de investimento. Portanto, só nesse dia 4 de novembro, depois de ler essas cláusulas contratuais, é que eu tive conhecimento que tipo de produto e, prontos, fiquei surpreendido com isso, e até atendendo à relação de amizade que havia, de me ter subscrito um produto dessa natureza». Mais disse: «na sequência disso e depois do contacto telefónico que tive com a G..., embora ela tivesse dito para estar descansado, que não havia problema nenhum, que era uma fase conturbada do banco, que tudo se ia resolver; eu no dia 10 de novembro de 2008 dirigi uma carta ao F..., Balcão ...., a solicitar a devolução desses 50.000,00€ » e não obteve resposta. Narrou que, em diversas insistências que foi fazendo, sempre lhe foi dito pelo banco que a situação se iria resolver. No decurso da instância, reafirmou que só soube a natureza do investimento quando lhe foram enviadas as cláusulas contratuais e, ciente disse, «redigi para lá uma missiva a solicitar a devolução dessa quantia…». Instado se ficou na disponibilidade da D. G... a subscrição das obrigações disponíveis, respondeu negativamente, explicando que antes lhe foi garantido que «era um produto que não estaria disponível de imediato, mas que ia tratar disso». Interpelado sobre o aviso de débito daquela quantia e de o mesmo referir estarem em causa obrigações E..., disse que dele teve conhecimento em março de 2007, mas não lhe chamaram a atenção os dados do documento. Reiterou que sempre esteve convencido que era um produto F.... Quanto ao montante que foi debitado para além dos 50.000,00 €, referiu ter-lhe sido dito respeitar aos juros de aquisição do produto. Mais expôs que todos os meses recebia um extrato mensal e sempre que havia qualquer movimento enviavam extrato. Confirmou que, em novembro de 2008, tomou conhecimento da documentação relativa ao produto e tomou consciência de que tinha adquirido produtos da E1.... Donde tenha feitos diversas reclamações sobre o engano que lhe causaram, por estar convencido que tinha adquirido um produto com a mesma garantia do depósito a prazo. Soube que era um produto “um pouco diferente do depósito a prazo”, mas tinha as mesmas garantias do depósito a prazo. Por isso, se convenceu que não era um depósito a prazo normal, era um depósito a 10 anos, mas poderia resgatar ao fim de 5 anos. Quanto à participação do Sr. I... na promoção do produto, esclareceu que ele foi chamado pela D. G..., e ele também explicou que era um produto sem qualquer problema, que podia ser subscrito à vontade.
Deste depoimento resulta claro que a Autora e o marido tiveram conhecimento da real natureza do produto subscrito – Obrigações E..., em novembro de 2008. Aliás, ele próprio refere que esse seu conhecimento lhe adveio da informação que a G... lhe remeteu, por e-mail. Ao tomar consciência da natureza do produto, tentou imediatamente o seu resgate, mas foi-lhe recusado, porque a E1... já estava insolvente. A testemunha G..., como especificaremos, disse não recordar este facto, mas admitiu-o e confirmou os receios do marido da Autora quando tomou consciência da situação.
Assim, o ponto 9 dos factos dados como provados, que situa esse conhecimento e pedido de resgate em novembro de 2011, deve ser dado como não provado, e, em contraponto, damos como provado o ponto 26 dos factos não provados, com a seguinte redação: “A Autora e o seu marido tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações E... em novembro de 2008 com receção de um e-mail contendo a nota informava do mesmo”, que passa a integrar o ponto 25. dos factos provados.
Prosseguindo na análise dos depoimentos das duas restantes testemunhas, vemos que G... disse ter sido funcionária do F... e, nessa qualidade, falou com o marido da Autora sobre a aplicação na presença do gerente, o Sr. I... e, na altura, falou-se em várias alternativas para a aplicação daquele dinheiro, incluindo em depósitos a prazo. Já havia uma relação comercial com o cliente, de confiança de parte a parte e, como o produto já não estava em fase de subscrição: «Não pudemos logo aplicar o montante neste produto que está aplicado … e assim que houvesse disponibilidade para cedência contratual contactaríamos o cliente e assim sucedeu». Instada se a Autora e o marido tinham outras aplicações, disse que nunca venderia um produto que, de antemão, soubesse que, a médio prazo, pudesse prejudicar o cliente. Explicou que houve uma reunião com os clientes e o gerente do balcão: «A reunião não foi liderada por mim, foi liderada pelo gerente I... … estando nós na altura convictos que não estávamos perante um produto que pudesse prejudicar o cliente». Interpelada pela Senhora Juíza sobre o que disseram ao cliente sobre este produto, respondeu: «É que este produto foi apresentado ao cliente como sendo um produto que teria rentabilidade em que não iria correr risco… Uma parte da nota interna que nos chegou na altura – capital garantido e elevadas taxas de remuneração». Mais referiu que esse produto estava explicado no designado argumentário, que corresponde às instruções que são enviadas aos funcionários para vender o produto ao cliente. Instada se aos clientes faziam concreta referência às obrigações da E1..., retorquiu: «Eu não posso garantir, provavelmente que a disse… naquela reunião, eu não sei se essa referência saiu da minha boca, eu não me lembro, pode ter saído e pode não ter saído». E à pergunta se dizia quem garantia o capital, disse: «Era o grupo E1... e, na altura, na data, era impensável para nós funcionários acontecer o que aconteceu… pelas empresas que faziam parte da E1...». Ante a insistência da questão – quem garante o capital, afirmou: «Pelas empresas da E1.... Já tínhamos vendido títulos das empresas e a experiência que tinha tudo era de cumprimento total. Na altura, em 2006, pelo aquilo que conhecia, não tinha motivo…» Mais acrescentou estar crente de tudo ter sido explicado devido à pessoa do cliente: «O perfil do cliente… ele esmiuçava, perguntava tudo. Pessoa cuidadosa, responsável, consciencioso, era uma pessoa que perguntava tudo ao pormenor.» Também esclareceu: «A subscrição é posterior ao documento. Só ficou disponível uma cessão de posição contratual de 50.000,00. No ato da concretização do negócio não esteve presente. Recorda que, na altura, foi entregue pelo I... uma nota informativa sobre o produto.» Interpelada, disse não recordar de lhe terem sido pedidas informações sobre o produto e que tenha respondido através de mail com o seu envio. Perguntada sobre o conteúdo da nota informativa, respondeu: «Não lhe posso dizer ao pormenor, mas como todas as notas explicativas têm de constar todos os elementos para que não fiquem dúvidas ao cliente». Instada se tem muitas folhas, disse: «Tem, tem. O normal é entregar previamente para o cliente refletir. Eu não entreguei, mas o que me foi sempre transmitido é que foi entregue ao cliente.» Mais acrescentou não estranhar a subscrição daquele produto pelo Dr. H... (marido da Autora): «O F1... também é um investimento de risco e o Dr. H... também subscreveu.» Sobre a temática da reunião para decisão de aplicação das quantias pecuniárias que a Autora e seu marido disponibilizavam, esclareceu que foram apresentados diversos produtos «era tudo tratado com seriedade, mas não pode precisar se foram feitas contas para os diversos produtos». Confrontada com o documento de fls. 134 a 147 disse corresponder a material de uso dos funcionários para venda do produto.
A testemunha J... foi funcionário do F..., embora de um outro balcão, e agora é funcionário do C.... Explicou que, como o colega I... teve um problema de saúde e não pode testemunhar, veio fazê-lo, porque também vendeu obrigações E.... Disse não conhecer a Autora e o marido, pelo que apenas pode «falar da sua experiência com o produto». Referiu: «Estas obrigações tal como as de 2004, tinham indicações de que o produto era garantido, com elevadas remunerações, tendo como óbice um prazo alargado de 10 anos. Mas diziam que era melhor do que um depósito a prazo e o risco era F..., porque este era a parte financeira do grupo». Explicou que quando falavam do “resgate” a 5 anos estavam a reportar-se à possibilidade da E1..., sem pedido do cliente, desmobilizar o produto, porque o produto podia ser cedido em qualquer período da sua vigência. O produto envolvia a possibilidade da entidade emitente, a E1..., optar por devolver o empréstimo obrigacionista antes do final do prazo, com autorização do Banco de Portugal (Call Option). Informação que está bem patente no documento de fls. 60, que corresponde à nota interna que a direção de marketing do banco mandou aos seus funcionários com vista à venda do produto. E à pergunta sobre quem garantia o produto: «O que eu recebia era com o símbolo F.... Para mim, o que era ponto de ordem era capital garantido. Aquilo que eu tinha ali era F.... O grupo era todo um. Para nós era tudo F....» Sobre o risco do produto, disse: «Numa carteira de clientes há sempre alguns que aceitam o risco, mesmo quando podem perder o capital todo». Explicou que, sobre este produto, costumava dizer aos clientes: «Eu também comprava. Só não compro porque não tenho dinheiro». Sobre as informações que a hierarquia lhe dava sobre o produto: «Sempre nos disseram: são produtos melhores que os depósitos a prazo.» Esclareceu que tudo aconteceu numa época em que tudo parecia seguro: «Na altura ninguém falava do Fundo de Depósitos (…) (este) Era um produto para os melhores clientes. Numa fase inicial eu tive clientes que compravam e havia clientes que cediam a posição.»
Tal como o tribunal a quo, o depoimento desta testemunha J..., que continua a ser funcionário do banco demandado e que, ao tempo, era funcionário do F... cria a séria convicção de que o produto financeiro em causa era vendido aos clientes como um produto de capital garantido, em termos similares aos depósitos a prazo. Aliás, o documento de fls. 134 a 136, apelidado de argumentário, que esta testemunha e a testemunha G... confirmaram corresponder ao material por si usado na promoção do produto junto dos clientes, e que lhe havia sido remetido pela “hierarquia do F...”, descreve estas obrigações E1... como produto com capital garantido e elevadas taxas de remuneração. A testemunha J..., que intermediou a venda destes produtos noutro balcão, admitiu que a garantia era prestada pelo F.... O argumentário tinha o símbolo F...; tratava-se de um grupo, numa altura em que todos estavam convictos da boa saúde financeira do grupo e, sendo o F... o vetor financeiro do grupo, inculcava ser ele a prestar tal garantia, pois que era ela que vendia um produto da sua casa mãe. Situação que nos parece plausível, porque a sociedade emitente, a E2..., SA, era titular de 100% do capital social do Banco F.... Asserção que está compaginada com o documento de fls. 29, que traduz uma nota interna relativa a idênticas obrigações da E1..., mas emitidas em 2004, na qual o único símbolo que está inscrito na nota é F.... É certo que o conteúdo da nota referencia que o produto corresponde a obrigações da E1..., mas a leitura imediata, até pelo tamanho do texto nela inscrita, é a procedência F....
Tidos estes dados quadram com as informações constantes daquele documento informativo do F..., designado por argumentário, e que os funcionários usavam na promoção do produto. Evidentemente, que sendo a Autora e o seu marido pessoas de formação académica superior e habituadas a investir em produtos financeiros, não deixamos de estranhar que não estivessem atentos aos documentos com que forma contactando. Por exemplo, foi-lhes entregue o documento de fls. 61 reporta-se ao extrato bancário da conta da autora e exibe o débito de 50.665,79 euros, em 22/02/2007, para aquisição do produto financeiro em causa, referindo expressamente “aquisição de obrigações E...”. Identicamente, o documento de fls. 106 traduz os avisos de débito relativo à aquisição do produto e ao pagamento de juros. Documento esse que, tal como regista a motivação probatória da sentença recorrida, está identificado como um título do mercado de capitais, o que sempre era referenciado nos avisos de crédito de juros (documentos de fls. 106 a 110).
Portanto, em termos documentais, não há qualquer dúvida que o produto foi sempre identificado como obrigações subordinadas E.... E também a testemunha G..., funcionária do F... e amiga do marido da Autora e que também interveio na promoção do produto, designadamente junto deste, embora reconhecendo que sempre afirmou estar em causa um produto de capital garantido, disse que a entidade que garantia o pagamento era a E1....
Nesta valoração, à luz das regras da experiência comum, parece-nos que não terá sido informado à Autora e seu marido da liquidez do produto ao fim de 5 anos, porque todos os documentos referem essa possibilidade de reembolso antecipado a partir do 5.º ano (Call Option), mas só por iniciativa da entidade emitente, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal. Aspeto que foi confirmado pelas testemunhas e que foi transmitido aos clientes que, ainda assim, poderão ter percecionado deficitariamente o alcance de tal informação. Por isso, estamos convictos que essa concreta informação foi transmitida à Autora a seu marido, tal como lhes foi transmitida a facilidade de cessão da posição contratual do produto, por haver sempre titulares interessados em transacionar as obrigações, modo pelo qual eles próprios adquiriam o produto. Aliás, este é um dos elementos que nos cria a convicção de que a Autora e seu marido sabiam que não estava em causa um depósito a prazo, mas um outro produto financeiro com idêntica garantia de reembolso, posição assumida neste processo. Assim, o ponto 24, dos factos provados passa a exibir o seguinte texto: «A Autora e o marido foram informados que estava em causa um produto de acessível transmissão e, por essa via, de fácil obtenção de reembolso».
Já quanto à restante matéria de facto dada por provada e não provada, não vislumbramos qualquer desacerto com a prova produzida, quer documental quer pessoal. O tribunal a quo usou de rigor na sua apreciação, dando disso nota ao responder sob o ponto 14. dos factos provados em conformidade com o que os documentos revelam: «A A. e o marido conheceram que haviam adquirido uma obrigação E... pelo menos através dos extractos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza».
Face ao expendido, damos parcial procedência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, exarando a fundamentação de facto em conformidade com o decidido.

2. Os factos provados
1 – A Autora é titular de obrigação E1..., no valor global de 50.000,00 euros vendida ao balcão do F..., agência ..., subscrita em novembro de 2006.
2 – Até ao dia 08/11/2014 foram pagos à Autora os juros do capital investido.
3 – As ações do Banco F... foram nacionalizadas pela Lei 62-A/2008, de 11/11, tendo a sua gestão sido atribuída à D....
4 - O Banco C... adquiriu ao Estado Português em 30/03/2012 as ações que detinha do Banco F....
5 – O funcionário do balcão do F... que vendeu a obrigação E... afirmou, aquando daquela venda, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido.
6 – Afirmou que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este.
7 – O referido funcionário disse ainda que tal aplicação seria efetuada pelo prazo de 10 anos, estando o reembolso previsto para 08/05/2016.
8 – A Autora e o marido adquiriram o produto atentas as condições que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário do F....
9 – Não provado (alterado pela Relação)
10 – Gerando na Autora e marido dúvidas sobre o reembolso efetivo do capital investido.
11 – O Réu C... recusou o reembolso do capital investido após o decurso do prazo de 10 anos estabelecido, uma vez que a E1... se encontra insolvente.
12 – A Autora e o marido sentem angústia perante a possibilidade de não lhes ser reembolsada a quantia de 50.000,00 euros que foi investida.
13 – Foi paga à Autora e ao marido, a título de juros relativos à obrigação E..., a quantia de, pelo menos, 5.423,92 euros.
14 – A Autora e o marido conheceram que haviam adquirido uma obrigação E1..., pelo menos, através dos extratos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza.
15 – A Autora A. e o marido procederam ao depósito da quantia de 223.500,00 euros no Banco F....
16 – Tendo em vista a aplicação desta quantia em produtos de elevada rentabilidade e sem risco.
17 – Foi sugerido à Autora e marido que aplicassem 150.000,00 euros em UP´s de F1... deixando a restante quantia à ordem para quando fosse possível adquirir obrigações E1....
18 - As obrigações E1... foram emitidas pela E2..., SA.
19 – Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco F....
20 - Situação que se manteve até ser nacionalizada.
21 – Uma obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
22 - Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património.
23 - O risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da E1... ser indexado ao risco do próprio Banco.
24 - A Autora e o marido foram informados que estava em causa um produto de acessível transmissão e, por essa via, de fácil obtenção de reembolso (alterado pela Relação).
25. A Autora e o marido tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações E... em novembro de 2008 com receção de um e-mail contendo a nota informava do mesmo (aditado pela Relação).

3. Subsunção jurídica
3.1. A intermediação financeira e a responsabilidade civil do demandado
A factualidade descrita traduz, na verdade, a existência de uma atividade de intermediação financeira desenvolvida pelo banco F..., que foi, entretanto objeto de nacionalização e as suas ações foram vendidas ao demandado C....
Os Bancos estão legitimados ao exercício da atividade de intermediação financeira [artigos 293º/1, al. a) do Código dos Valores Mobiliários (CdVM)[1] e 3º, al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[2]] e foi, no âmbito dessa atividade, que o F... propôs à Autora e seu marido a subscrição do produto financeiro “E...”. Estabeleceram entre si uma relação contratual que provinha de data anterior, embora ignoremos o hiato temporal que precedeu esta concreta negociação. Admitimos que pudesse estar em causa uma relação bancária duradoura em que a execução da prestação se prolongou no tempo, porque está adquirido que, no âmbito desse relacionamento, a Autora subscreveu, em novembro de 2006, aquele produto, nele investindo 50.000,00 €. Alcançou a Autora que não estava em jogo um depósito a prazo, mas um produto financeiro que tinha garantia de reembolso do capital investido, tal como foi informado pelo F.... A verdade é que, findo o prazo de 10 anos a que estava submetido esse produto, ou seja completado o prazo para o reembolso em 08/05/2016, o demandado declinou a entrega do capital (n.º 7 dos factos provados).
Previamente à subscrição a Autora e marido foram informados pelo funcionário do balcão do F... que vendeu a obrigação E... que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido, mais comunicando que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este, aplicação pelo prazo de 10 anos e com o reembolso previsto para 08/05/2016. Condições que os determinaram a adquirir tal produto (n.os 5 a 8 da fundamentação de facto), mas que não deixam de revelar uma relação de confiança Banco/cliente que, por regra, se desenrola numa relação complexa e duradoura que se desdobra em recíprocos deveres relativos a diversificadas práticas bancárias, comummente decorrente do ato nuclear que é a abertura de conta. Deveres que se desdobram em três grupos: i) deveres de proteção que, nos preliminares contratuais, vinculam as partes a abster-se de atitudes que provoquem danos nos hemisférios pessoais ou patrimoniais umas das outras; ii) deveres de informação que as obrigam mutuamente a prestarem as informações e os esclarecimentos necessários à plena adesão ao contrato, os quais são mais intensos a cargo da parte mais forte e em favor da mais débil; iii) deveres de lealdade para desenvolver, nos preliminares e no consenso negocial, condutas reciprocamente corretas e honestas[3]. Em suma, todo o relacionamento pré-contratual e contratual deve orientar-se pela boa fé, sendo ilegítimos todos os comportamentos que, desviando-se da honesta procura do consenso negocial, venham a causar danos à contraparte.
E se a boa fé impera no domínio civilista em geral, ela é particularmente relevante no setor bancário, impondo-se a prevenção do erro, nomeadamente sobre aspetos conexos com a essência negocial e implicações jurídicas conhecidas por uma das partes, em especial pelo proponente. Com efeito, «a boa fé surge como um critério norteador de comportamentos, impondo às partes um conduta de que possa valorar-se honesta, correcta e leal. Pretende com tal fórmula exprimir-se a ideia de que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não defraudar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, tornando-se, pois, necessário que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe correctamente no tráfico jurídico»[4]. E estes deveres são tanto mais intensos e extensos quanto mais inexperiente e não qualificada for a contraparte, exigência destinada a «compensar o desnível de informação»[5].
Afirma-se que «a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradoura de negócios assentes em ligação especial de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual»[6]. No caso em apreço, a operação aqui em causa insere-se precisamente no relacionamento de confiança existente entre o F... e a Autora e seu marido, seus clientes.
Na intermediação financeira presume-se a culpa do intermediário (artigo 304º-A/2 do CdVM, norma que foi aditada pelo decreto-lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro e, portanto, sem aplicação ao caso concreto). Ainda assim, a sua culpa presume-se à luz do regime geral da responsabilidade contratual (artigo 799º/1 do Código Civil). Norma que contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa: «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa»[7]. Daí que, na presença de «um acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»[8].
Nesta linha de análise, aceitando estar em causa o incumprimento do F... da relação contratual estabelecida com a Autora, designadamente não agindo com a lealdade que lhe exigia a cabal explicação do retorno do capital e suas consequências num instrumento financeiro como aquele que lhe propôs. Essa falta de informação do beneficiário, designadamente da entidade que garantia o capital, responsabiliza, automaticamente, o obrigado. «O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestara a informação ou que beneficiara de alguma causa de justificação ou de escusa»[9].
Os pressupostos da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade contratual são a inexecução ilícita e culposa da obrigação, a existência do dano e o nexo de causalidade adequada entre este e aquela (artigos 798º, 799º e 808º/1 do Código Civil). Ocorrem a inexecução ilícita do contrato por ato comissivo que desvirtuou o produto financeiro oferecido, a culpa, presumida à luz das regras gerais que regem a responsabilidade contratual e não ilidida, o dano e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele facto. O valor do dano seria, prima facie, equivalente ao capital investido – 50.000,00 euros –, valor que o F... assegurou que seria reembolsado findo o prazo de dez anos.
A respeito da responsabilidade civil do intermediário financeiro defende-se que o enquadramento da situação factual deve ser ponderada à luz dos diversos mecanismos jurídicos disponíveis, «confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (art. 483º e segs. do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações (arts. 798º e sgs. do C. Civil) ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado, na esteira de Canaris, de uma terceira via de responsabilidade civil»[10]. No âmbito do regime da responsabilidade civil dos intermediários financeiros têm relevância os princípios norteadores da sua atividade, consagrados no CdVM (artigo 304º/ 1 e 2, na redação vigente à época), que lhes impõem a proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem eles observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Estas regras de conduta constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente os deveres de informação, que convocam o instituto da responsabilidade civil extracontratual[11]. E a responsabilidade por informações coloca-se, como problemática autónoma, «quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem»[12]. Aliás, dentre as regras de conduta impostas às instituições de crédito pelo RGICSF (artigo 73º) conta-se a de assegurar aos seus clientes elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar as apropriadas condições de qualidade e eficiência. Identicamente, exige que, nas relações com os clientes, os administradores e empregados das instituições de crédito procedam com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados (artigo 74º). Nesta linha de pensamento, sempre caberia ao demandado ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende com a demonstração de que, havendo informações inexatas, o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua e, no caso, não foi ilidia a sua culpa. Está demonstrado que, à data da subscrição do produto, uma obrigação era um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente e, como esta (a E1...) era “mãe” do F..., como um dos principais ativos, o risco de um depósito a prazo era semelhante a uma tal subscrição, por o risco da E1... ser indexado ao risco do próprio banco (n.ºs 21 a 23 dos factos provados). Vale por dizer que o clima gerado nos funcionários do F... a propósito da ausência de risco daquele produto levava-os a não alertar os clientes para o risco que ele sempre envolvia, como veio a suceder. Por isso, se entende que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objetivo, se deve presumir a culpa do banco, pois está em causa uma informação prestada por uma entidade especializada na matéria, comprometida à prestação de informações exatas[13].
Assim, a comercialização deste produto financeiro com informação de capital garantido e risco semelhante ao de um depósito a prazo responsabiliza, em primeira linha, pela entidade emitente do produto, mas essa responsabilidade estende-se, por via da intermediação financeira, ao F..., no âmbito do relacionamento contratual que manteve com o investidor[14].
Esta situação tem, contudo, a especificidade de o F.. ter sido nacionalizado e as suas ações terem sido vendidas ao demandado C..., que opõe não ter assumido a dívida da E1.... Cremos, contudo, e isso não resulta da sentença impugnada, que a sua responsabilidade não deriva da assunção da dívida da E1..., entidade emitente das obrigações, entretanto declarada insolvente, mas da aquisição das ações do F.... E este responde pela sua própria conduta, por violação dos deveres explicitados ao contratar. Não de trata, pois, de assumir uma obrigação de uma outra empresa do grupo, mas de uma obrigação própria do F....
O Réu, ao contestar, não declina a transmissão das obrigações do F..., antes sugere aceitar que as mesmas lhe foram comunicadas, e, decerto por isso, omite qualquer referência à aquisição das ações do F... e suas consequências. E, em sede recursiva, mantém o mesmo silêncio, limitando-se a pugnar pelo afastamento da responsabilidade do F... e pela inexistência da assunção da dívida da E1....
Vejamos em que medida é que essa obrigação do F... se transmite ao Banco C..., aqui demandado.
O Estado Português nacionalizou todas as ações representativas do capital social do F..., S. A. e aprovou o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização (lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro). Com efeito, esse diploma (artigos 2º/3 e 4 e 6º do Anexo) determinou que, independentemente de quaisquer formalidades, foram transmitidas para o Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, todas as ações representativas do capital social do F..., livres de quaisquer ónus ou encargos, para todos os efeitos legais, de modo a que a alteração na titularidade das ações produziu os seus efeitos diretamente por força da lei e passou a ser oponível a terceiros independentemente de registo.
Entretanto, foi aprovado o processo de reprivatização da totalidade do capital social do F... (decreto-lei 2/2010, de 5 de janeiro) e definida a operação de reprivatização através da alienação da totalidade das ações representativas do capital social do F..., mediante as modalidades de concurso público e de oferta de venda destinada exclusivamente a trabalhadores do grupo F.... Essa operação de reprivatização assegurou a integral preservação do interesse patrimonial do Estado e dos interesses dos contribuintes, dos trabalhadores e dos depositantes (artigo 2º).
Este diploma de reprivatização foi alterado pelo decreto-lei 96/2011, de 19 de agosto, mas não introduziu modificações no tocante aos elementos que destacámos. Por seu turno, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/2011, que regulamentou a operação de reprivatização do capital social do F..., aprovou o caderno de encargos dessa operação de reprivatização por venda direta da totalidade das ações nominativas representativas de 100% daquele capital social. Por outro lado, a Resolução do Conselho de Ministros 38/2011, de 6 de setembro, procedeu à adjudicação da proposta apresentada no âmbito da venda direta da totalidade das ações do F... e reservou um lote de ações para aquisição por parte dos trabalhadores, em condições preferenciais.
A aquisição de empresa pode ocorrer através da aquisição direta de empresa (asset deal) ou através de aquisição do capital social da sociedade que é titular da empresa (share deal)[15]. Embora, por regra, a aquisição de participações sociais corresponda a uma compra de direitos, situações há em que a compra e venda de participações sociais é uma forma de transmissão indireta de empresa, que se pode traduzir na mera transmissão de ações [artigo 328º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)], mas pode também envolver a aquisição da empresa. «Esta verifica-se quando se adquire, não apenas uma posição maioritária, mas antes a totalidade, ou quase totalidade, das participações sociais, e as partes pretendem atribuir ao comprador a titularidade da empresa»[16]. Dentre os critérios distintivos da aquisição de empresa num share deal está o critério quantitativo, apontando para a percentagem do capital social adquirido e, enquanto alguns autores exigem a totalidade do capital social, desprezando uma quantidade diminuta, outros pressupõem uma maioria qualificada de controlo, que possibilite a alteração dos estatutos ou a aquisição de uma participação que possibilite ao adquirente a titularidade isolada da empresa[17]. Porém, entende-se que este critério não deve prevalecer sem a interpretação e qualificação do contrato, designadamente na averiguação das faculdades de disposição e controlo do adquirente sobre os elementos corpóreos e incorpóreos da empresa. O que se trata mesmo é de averiguar se as partes realizaram uma verdadeira alienação da empresa, embora a quantidade de ações adquiridas constitua um relevante elemento de interpretação.
Recentrados no caso F..., visto o processo de formação do contrato de venda de ações realizada pelo Estado face à iminência da insolvência do banco, não hesitamos em considerar que está em causa uma venda de empresa, por se tratar de uma sociedade do setor bancário e financeiro, por apenas 5% do capital social ter sido preferencialmente conferido à compra dos trabalhadores e devido à imposição das propostas de compra incidirem sobre 95% do capital social.
Poderá suscitar dúvidas a manutenção da personalidade jurídica do F..., porque a nacionalização das participações sociais não extinguiu a respetiva personalidade jurídica (artigo 7º). Porém, do Relatório e Contas do C..., relativo ao ano de 2012, consta que o Banco C... decidiu incorporar este no F..., mediante a concretização de uma fusão por incorporação, com a consequente extinção do Banco C..., passando o F... a usar a denominação social de Banco C..., S.A.[18]. Ora, a fuso mais não é do que a faculdade de duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, se fundirem mediante a sua reunião numa só (artigo 97º do CSC). E com a inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade (artigo 112º, a), do CSC).
Do explanado redunda, portanto, a transmissão das obrigações do F... para o demandado e, decerto, por isso, continuou o C... a liquidar à Autora os juros remuneratórios do produto, o que fez até 08/10/2014 e só se recusou a reembolsar o capital investido quando, findo o prazo de subscrição, em 08/05/2016 os subscritores exigiram o seu retorno.

3.2. A prescrição do direito da Autora
O demandado opôs a prescrição do direito da Autora, alegando que a responsabilidade do intermediário financeiro prescreve decorridos dois anos. De facto, a esse propósito, estatui o artigo 324º/2 do CdVM que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos. Trata-se de norma, que, em função da própria epígrafe, se reporta à responsabilidade contratual do intermediário financeiro, pois, no tocante à responsabilidade extracontratual, é convocável o artigo 498º/1 do Código Civil, que prevê a prescrição do direito indemnizatório em três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Estando demonstrado que a Autora teve conhecimento da totalidade das características do produto em causa obrigações subordinadas E... em novembro de 2008 e, tendo a citação do Réu ocorrido apenas em 12/01/2017, há muito estaria prescrito o direito da Autora a indemnização, qualquer que seja a solução jurídica adotada, responsabilidade contratual ou extracontratual.
A decisão recorrida dá a entender que está em causa o prazo geral de prescrição de vinte anos convocável para a responsabilidade contratual, mas é nossa opinião, salvaguardando o muito respeito devido por diverso entendimento, que esse prazo geral de prescrição se encontra afastado na intermediação financeira, porque o específico regime legal que lhe é deferido prevê um prazo de prescrição bem mais curto. Como o prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, é inquestionável que deve ser convocado este prazo curto de prescrição, desde que esteja em jogo uma situação de responsabilidade contratual derivada da intermediação financeira. E, na responsabilidade civil dimanante da intermediação financeira, é também de vinte anos o prazo de prescrição quando estão em jogo situações de dolo ou culpa grave, a significar que o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, e de vinte anos nos casos de dolo ou de culpa grave (artigo artigo 324º/2 do CdVM)[19]. Vale por dizer que o dolo ou culpa grave provoca a desaplicação do prazo curto de prescrição, sendo convocável o prazo de prescrição de 20 anos.
Este nível de culpa exige o emprego de qualquer sugestão ou artifício com intenção de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo) ou quando ocorra a dissimulação do erro do declarante (dolo negativo)[20] ou um elevado grau de inobservância do dever de cuidado do declaratário, em comportamentos temerários, indesculpáveis, reprovados pelo mais elementar sentido de prudência, correspondentes àquelas condutas que não são assumidas pela generalidade das pessoas[21].
Não obstante, a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (artigo 325º/1 do Código Civil). E está demonstrado que o Réu liquidou os juros devidos pelas obrigações subscritas pela Autora e seu marido até ao dia 08/11/2014, pois está provado que até essa data foram pagos os juros do capital investido, portanto, mesmo depois da nacionalização e aquisição das ações pelo demandado (n.º 2 dos factos provados). Esse último ato de pagamento de juros, documentado no respetivo extrato bancário, remetido pelo Réu C... à Autora, dá garantias suficientes de que representa uma inequívoca declaração de reconhecimento da existência do seu direito.
Como o efeito interruptivo do reconhecimento se funda na confiança que este desperta no titular acerca do vigor do seu direito e essa confiança existe quando seja dirigida ao respetivo titular declaração nesse sentido, cremos que houve, da parte do Réu, o reconhecimento do direito da Autora. Porém, a partir desse reconhecimento, em 08/11/2014, iniciou-se a contagem de um novo prazo prescricional que a grave negligência do intermediário financeiro reconduz ao prazo prescricional de vinte anos. Outrossim, o risco associado àquela concreta aplicação foi omitido na informação que o banco prestou à Autora e seu marido, sem que os mesmos se tenham apercebido que estava em causa um investimento de risco. Era uma aplicação de empresa do grupo do banco, o que fazia crer estar assegurado o reembolso do capital e juros, numa operação bancária sem risco, mas cabia ao F... prestar todos os esclarecimentos necessários à cabal compreensão dos clientes do produto financeiro em jogo. Estando demonstrado que o funcionário do balcão do F... que vendeu a obrigação E... à Autora e seu marido afirmou, aquando daquela venda, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido e que, por isso, eles adquiriram o produto face às condições que lhe foram dadas por aquele funcionário (n.ºs 5 e 8 dos factos provados), cremos ter o banco agido com culpa grave. Nesta avaliação são ponderáveis os interesses inerentes à norma, as características da relação banco/cliente, especialmente a especial confiança depositada pelos clientes na instituição bancária e os deveres de informação, lealdade e boa fé desta em relação ao cliente. O Código de Valores Mobiliários insere normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o cliente compreende os riscos envolvidos, para, então, formar o seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade[22].
Destarte, concluímos que o intermediário financeiro agiu com culpa grave e, sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição de vinte anos, é patente que não prescreveu o direito de indemnização conferido à Autora. Assim, sem razões para censurar a sentença recorrida, confirmamos a decisão do tribunal a quo.

Regime de custas: As custas da apelação são suportadas pelo Recorrente (artigo 527º/1 do CPC).

IV. Dispositivo
Na defluência do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do Recorrente.
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Porto, 30 de maio de 2018.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Aprovado pelo decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, na redação dada pelos sucessivos diplomas de alteração, incluindo a introduzida pelo decreto-lei n.º 219/2006, de 02 de novembro, aplicável à situação dos autos.
[2] Aprovado pelo decreto-lei nº 298/1992, de 31 de dezembro, com as sucessivas alterações, na redação do decreto-lei nº 1/2008, de 3 de janeiro).
[3] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 349.
[4] Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, págs. 65 e 68.
[5] Almeno de Sá, ibidem, pág. 72.
[6] Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, 2002, pág. 335.
[7] António Menezes Cordeiro, ibidem, págs. 313 e 314.
[8] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 314.
[9] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 315.
[10] Luís Menezes Leitão, Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra Editora, 2000, pág. 45.
[11] In www.dsgi.pt: Acs. STJ de 10/01/2013, processo 9/10.4TVPRT.P1.S1; 12/01/2017, processo 428/12.3TCFUN.L1.S1.
[12] Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do Banco por Informações à Luz do art. 485 do Código Civil, in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pág. 138.
[13] Luís Menezes Leitão, Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, Direito Bancário, Volume II, Almedina, 2002, pág. 230.
[14] In www.dgsi.pt: Ac. STJ de 10-01-2013, processo 89/10.4TVPRT.P1.S1.
[15] António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Compra e Venda de Empresa, in RLJ 137º, n.º 3947, pág. 78.
[16] António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, ibidem, pág. 81.
[17] António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, ibidem, pág. 85.
[18] Disponível em http://www.bancoC....pt.
[19] Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 256, apud Ac. RP de 07/01/2013, processo 1015/10.6TVPRT-A.P1, in www.dgsi.pt; em sentido idêntico: in www.dgsi.pt: Acs. STJ de 17/03/2016, processo 70/13.1TBSEI.C1. 23/01/2018, 4327/16.1T8VIS.C1; 05/05/2015,
[20] Almeno de Sá, ibidem, pág.99.
[21] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 3.ª ed., pág. 467, nota 3.
[22] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 17/03/2016, processo 70/13.1TBSEI.C1.S1.