Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2194/13.6TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CURA MARIANO
Descritores: ARRESTO
RESPONSABILIDADE DO CREDOR
CULPA IN AGENDO
OBJECTO DO RECURSO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO PELO RECORRIDO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA
DANOS
Nº do Documento: RP201611212194/13.6TBPNF.P1
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 642, FLS. 50-51)
Área Temática: .
Sumário: I - A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do art.º 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente, e não para impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido para o que é necessária a interposição de recurso independente ou subordinado, como previsto no art.º 633.º do mesmo Código.
II – A nulidade de sentença por excesso de pronúncia não abrange a consideração como provado de facto que, por qualquer motivo, não podia ser objecto de apreciação.
III – A utilização das regras da experiência tem de ser rodeada de especial cuidado, devendo recorrer-se apenas a máximas que convoquem um amplo consenso na cultura média do tempo e lugar em que ocorre a fixação do facto desconhecido e delas retirar apenas os factos concretos que, num juízo de normalidade (probabilidade judicial), se tenham verificado.
IV – É possível considerar como provada uma ocorrência futura, desde que baseada num juízo de previsibilidade.
V – A responsabilidade do requerente do arresto infundado, prevista no art.º 621.º do Código Civil, abrange não só os casos de dolo, mas também os de simples negligência.
VI – A afectação da credibilidade e imagem do arrestado, como resultado de um arresto infundado, é indemnizável, ainda que a vítima seja uma pessoa colectiva, devendo a respectiva indemnização ser fixada com recurso à equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2194/13.6TBPNF.P1

Processo n.º 2194/13.6TBPNF – Comarca do Porto Este – Penafiel – Instância Central – Secção Cível – J3
Relator: João Cura Mariano
Adjuntos: Maria José Simões
Augusto Carvalho

Autora: B…, Limitada

Ré: – C…, Limitada
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A Autora instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 60.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, acrescida dos respetivos juros de mora vincendos, desde a data da citação da presente ação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alega que a Ré, ao peticionar o arresto de bens da Autora, alegou factos falsos e não agiu com a prudência normal, pois que, se o tivesse feito, não lhe seria difícil apurar que o património da Autora integra um activo financeiro de imóveis e móveis sujeitos a registo de valor muito superior ao crédito da Ré, o que afastava a necessidade de decretar o peticionado arresto, designadamente tornava inexistente o justo receio de perda da sua garantia patrimonial. Mais alegou os danos que dessa conduta da Ré resultaram para a Autora.
A Ré contestou, excecionando a ilegitimidade processual da Autora, em relação a algumas das indemnizações peticionadas e impugnando, de forma motivada, alguns dos factos. Mais alegou que a Autora nenhum entrave colocou ao arresto dos bens, pelo que, ao atuar como atua, encontra-se em manifesto abuso de direito.
Concluiu pela procedência daquela exceção processual e, para o caso de assim não se entender, defendeu a sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu, pronunciando-se sobre a exceção arguida, defendendo a sua legitimidade para pedir as indemnizações questionadas.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade deduzida pela Ré.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgando parcialmente procedente a ação, condenou a Ré a pagar à Autora, a quantia de € 8.000,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vincendos desde a data da prolação da presente sentença até integral e efetivo pagamento do capital em dívida.
Absolveu a Ré do demais peticionado pela Autora.

A Ré recorreu desta decisão, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A decisão recorrida julgou contra o Direito e a realidade dos factos, ao arrepio das normas de direito substancial e adjetivo, o que justifica a apresentação do presente recurso de apelação, já que a Recorrente não se conforma com a decisão proferida que a condenou a pagar à Recorrida a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de danos não patrimoniais por esta sofridos.
A prova produzida em audiência de julgamento jamais poderia ter levado o Tribunal a considerar PROVADOS os factos n.ºs 7.º e 9.º e NÃO PROVADO o facto n.º 11.
O facto provado sob n.º 7 "que à data do decretamento do arresto em causa, a autora não estava numa situação económica difícil nem era do conhecimento da ré nem do público em geral que a autora estivesse numa situação de pré-falência não liquidando os seus débitos" (sublinhado e negrito nosso); o facto provado sob o n.º 9, que a "ré era conhecedora desta situação, tendo alegado o contrário no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo"; e o facto não provado sob o n.º 11.º, que "os factos alegados pela ré no requerimento inicial do procedimento cautelar de arresto se tivessem alicerçado nos factos que lhe foram sendo reportados e conhecidos da ré, nomeadamente informações prestadas por funcionários da autora, fornecedores, clientes, cartas devolvidas, não receção de contactos por parte da autora, e informações prestadas por outros fornecedores".
Isto porque a prova destes factos não emergiu de qualquer documento junto aos autos, bem como da prova testemunhal que nestes autos prestou o seu depoimento.
Em boa verdade, todas as testemunhas, sem exceção, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… (todas indicadas pela Recorrida), bem como da testemunha indicada pela Recorrente, Dra. K…, Agente de Execução, jamais referiram quaisquer factos suceptiveis de terem levado o Tribunal a considerar tal matéria como provada.
Compulsada a totalidade dos seus depoimentos nas sessões de julgamento de 07.10.2015, 16.10.2015 e 19.11.2015 (cfr. audições dos seus depoimentos), resulta que nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre a circunstância ou possibilidade da Ré ter tido ou não conhecimento da situação económico- financeiro da Autora.
Se nem sequer nenhuma das testemunhas foi inquirida quanto a esse facto (da Ré saber ou pelo menos desconhecer com culpa grave a situação económico-financeira da Autora), como foi capaz o Tribunal recorrido de considerar provado tais factos?
A resposta está dada na sentença em crise: através do recurso às regras da experiência comum, pois, compulsada a motivação da resposta à matéria de facto resulta que o Tribunal recorrido apenas o considerou "de acordo com as regras da experiência comum, que seria impossível à ré desconhecer tal situação e supor ou ter elementos para supor que a situação fosse aquela que alegou no requerimento de arresto que apresentou no Tribunal (...) "de acordo, também, com as regras da experiência comum, o tribunal convenceu-se que a ré sabia muito bem que a situação financeira da autora era aquela que foi dada como provada e não aquela que alegou naquele procedimento cautelar de arresto, até porque, no meio comercial tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva "saúde financeira das empresas" - cfr. Trans. Parcial de fl. 10 da Sentença (sublinhado nosso).
Ora, a Recorrente nos autos processo cautelar de arresto n.º 128103/125YIPRT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, deduziu factos que o Tribunal nestes autos considerou bastantes para decretar a providência cautelar (c/r. Factos provados 2 e 3), tendo o mesmo sido realizado de acordo com fls 219 a 242 dos autos (facto provado n.º 4).
A Recorrente não mentiu ao Tribunal, não tendo usado quaisquer factos falsos, relatando aquilo que lhe foi trazido ao seu conhecimento (algumas informações por um ex-trabalhador da Recorrida) de factos relacionados com a má situação financeira da Recorrida, que foi corroborado no Tribunal pelas testemunhas indicadas que também dos factos tinham conhecimento (cfr. Requerimento Inicial e decisão que decretou o arresto em fls dos autos).
Tais factos, apreciados em momento prévio à propositura do arresto demonstravam, perante o homem médio que exerce a sua atividade comercial, a existência de uma frágil situação económico-financeira da Autora, imputável à própria Recorrida e à situação económico financeira em que se encontrava e que era do conhecimento da Recorrente.
Face aos factos que conhecia, a Recorrente socorreu-se da tutela jurisdicional, lançando mão do procedimento cautelar de arresto, tipificado pelo legislador para este tipo de situações, sendo que perante tais factos o Tribunal pronunciou-se em sentido afirmativo (c/r. Facto provado 3), após ouvir a prova testemunhal e compulsada toda a prova documental junta autos.
Urge ainda referir que o Tribunal não requereu qualquer diligência de prova, o que poderia ter feito oficiosamente, sendo que o procedimento cautelar foi decretado não pela Recorrente, mas pelo Tribunal que considerou a existência do periculum in mora e que, apesar de julgada procedente a Oposição ao Arresto, pelos mesmos factos aqui alegados, jamais referiu o Tribunal que a Recorrente tenha enganado/ludibriado os autos pela prova carreada para os autos pela Recorrente.
Por um lado, se fosse tão manifesto quanto parece referir a sentença recorrida, de acordo com as "regras da experiência comum", deveria o Tribunal, quando tendo julgado procedente a Oposição ao Arresto, ter condenado a Recorrente como litigante de má-fé, não só no próprio procedimento cautelar, como na Oposição sendo que tal condenação é de conhecimento oficioso, o que não sucedeu, ao abrigo do anterior 456.º n.s 1 do CPC (atual 542.º, o que, objetiva e manifestamente, não sucedeu,
Para além disso, conforme ensina o Conselheiro António Santos Abranges Geraldes, "(...) o simples facto de ter sido julgada improcedente a ação principal não determina necessariamente a responsabilização do requerente pelos prejuízos causados ao requerido" (Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 3.ª Edição, Procedimentos Cautelares, Almedina, janeiro de 2004, p. 321), o mesmo sucedendo para a Oposição ao procedimento cautelar 1.
Não é pelo simples facto da providência cautelar ter sido julgada improcedente, que automaticamente a Recorrente fica obrigada a indemnizar a Recorrida, não podendo o Tribunal recorrido ter olvidado que os presentes autos tinham por objeto a apreciação da responsabilidade civil do requerente de providência cautelar infundada, de acordo com o consignado no art. 374.º do Código de Processo Civil.
Dispõe tal normativo que se a providência cautelar for considerada injustificada ou vier a caducar por facto não imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal, sendo que para que o Tribunal Recorrido se socorresse deste normativo, teria a Recorrida que provar que a Recorrente não agiu com a prudência normal conforme resulta da nossa abundante jurisprudência sobre esta matéria.
A este propósito, chama-se aqui à colação o já decidido por este Colendo Tribunal da Relação do Porto, "I - Para que sobre o requerente de providência cautelar considerada injustificada impenda o dever de indemnizar ao abrigo do art. 390, n° 1 do Cód. do Proc. Civil, é necessário que este, ao requerê-la, não tenha agido com a prudência normal, a qual corresponde à diligência do bom pai de família, ou seja da pessoa normalmente cuidadosa e prudente; II - A prova deste facto compete ao lesado, requerido na providência" (cfr. Trans. Parcial de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de outubro de 2009, processo n.º 43/09.9TJPRT.P1 em www.dgsi) - sublinhado e negrito nosso.
Conforme é unânime da doutrina e na jurisprudência, este normativo consagra um caso particular de responsabilidade extracontratual pelos prejuízos resultantes da atuação culposa do requerente de uma providência cautelar que, omitindo os deveres de prudência e de cuidado, que lhe eram exigíveis, requer, sem que para tal tenha fundamento, uma providência cautelar que, ao produzir os seus efeitos, causa prejuízos ao requerido, daqui resultando que a pretensão indemnizatória nestes autos formulada pelo autor só poderá proceder se este cumulativamente alegar e Provar a existência de prejuízos e a culpa do requerente, traduzida esta numa anormal imprudência (cfr. entre outros, Ac. Rei. Porto de 7.5.2009, p. 0837421, disponível in www.dgsi.pt e. Ac. Rel. Porto de 23.11.2004, p. 0425933, disponível in www.dgsi.pt, bem como vide Lebre de Frestas, Montalvão Machado e Rui Pinto, "Código do Processo Civil Anotado", vol. 29, 2.ª ed., p. 125).
Com todo o respeito, que é muito, perguntamos: onde está essa prova? Onde está a prova produzida pela Lesada, ora Recorrida, da culpa da requerente? Onde está, sequer, a inquirição às testemunhas indicadas sobre tais factos? Não está, respondemos nós. O que está demonstrado, é que de acordo com a informação que na altura a Recorrente tinha, existia uma situação debilitada da Recorrida, o que justificou o recurso à providência cautelar.
E tanto assim é que o Tribunal decretou o arresto, tal a evidência dos factos, não constando que alguma testemunha tenha mentido, e que, por via disso, tenha sido extraída certidão para apresentação de participação criminal por falsas declarações, sendo que, como bem sabe este Tribunal, não provar o facto não significa que se está a mentir!
O Tribunal recorrido julgou provado os factos em crise nºs 7.º, 9.º, 15.º e não provado o facto n.º 11 com base, única e exclusivamente, no critério da regra da experiência comum, o que manifestamente traduz uma errada apreciação da matéria de facto, porquanto não está alicerçado em qualquer facto concreto, sendo que as regras da experiência comum referidas pelo Tribunal recorrido não colhem, porque a lei exige expressamente a prova da culpa ou negligência grosseira da Requerente.
Sendo que essa prova tem que provir de factos concretos, que in casu, não advieram aos autos por quem tinha o encargo processual - o ónus -, de o fazer nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil era a Recorrida, e na dúvida, sempre seria resolvido contra a parte a quem o facto aproveita, portanto, a Recorrente nos termos do art. 414.º do CPC.
O princípio da livre apreciação da prova, segundo os sábios ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, "significa apenas a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas" (Vd. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3, pág. 245; e em sentido idêntico vide Vol. 4.º pág. 570).
A Sentença recorrida, na esteira do art. 5.º CPC, teria que procurar a "verdade formal (infraprocessual) e não outra alicerçada em conclusões não proveniente de nada concreto (Vd. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares...págs. 347 e ss), não poderá, também, este Tribunal olvidar que a prova que o Tribunal a quo considerou para considerar provados os factos em crise foi, na sua totalidade, prova testemunhal, que na quase sua totalidade foi composta funcionários (ou ex- funcionários) da Recorrida, não tendo existido - estranhamente -, um único documento comprovativo da situação económico-financeira da empresa, tão pouco foi feita prova de que a Recorrente tivesse conhecimento da alegada realidade económico-financeira positiva da Recorrida.
Não tinha, e por não ter socorreu-se, legitimamente, do Tribunal, pelo que o Tribunal recorrido ao julgar como julgou violou, entre outras, as disposições dos arts. 374.º, 414.º e 5.º do CPC, bem como o consignado em art. 342.º do Cód. Civil, o que face à total ausência de prova deverá consubstanciar que este Tribunal proceda à alteração da resposta dada à matéria de facto sob factos provados n.ºs 7.º e 9.º que deverá receber a resposta de NÃO PROVADO, para além de se considerar PROVADO o facto n.º 11.
Importa, ainda, referir que o Tribunal recorrido considerou, de forma totalmente inusitada, PROVADO o facto n.º 15, isto é "15? - A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso", não alcançando a Recorrida em que fundamentos fácticos e jurídicos o Tribunal Recorrido se alicerçou para considerar provado tal facto.
Pois, é totalmente incompreensível (e processualmente insólito) como é que o Tribunal recorrido pode julgar para o futuro ("constará"), sendo que com todo o respeito: o Tribunal responde a factos que pode apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre se amanhã, ou daqui a um ano, qualquer informação irá constar em tais relatórios e "rankings", porque não tem forma de saber, de apreciar, de julgar tal facto como julgou, tendo em consideração a data em que foi proferida a decisão recorrida.
A resposta dada traduz, manifestamente, uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, o que expressamente se argui ao abrigo do art. 615.º, n.º 1, d), do CPC, pois o Tribunal não podia ter decido da forma como decidiu, pois, como refere Rui Pinto, nos termos art.º 5.º n.º 1 do CPC que "o tribunal não possui poder inquisitórios" no que fiz respeito aos factos essenciais, ainda mais para o futuro {Cfr. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Edição, abril de 2014, p. 26).
Ou consta da lei que o decretamento do arresto irá constar em rankings de empresas online (cuja legalidade é bastante duvidosa), ou então teria a Recorrida que fazer prova que os rankings constarão, para o futuro, de tal informação.
Sendo que se o Tribunal considerou provado que constará no ranking o decretamento do arresto, também verdade é que teria de considerar provado que foi julgada procedente a oposição ao mesmo e que, por via disso, foi levantado.
Para além disso, compulsada toda a prova testemunhal, nenhuma se pronunciou ou foi inquirida/questionada relativamente tal facto, tendo, alegadamente, o Tribunal recorrido decidido segundo o critério das "regras da experiência comum".
E tendo-o o feito, não o poderia porquanto a prova deste facto apenas poderia ser realizada para o passado ("consta" ou "constou entre a data X e a Data Y"), nunca para todo o futuro, estando obrigado, ainda a justificar-se em prova documental que, repita-se, não existe nos autos, pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido incorreu na nulidade da sentença a que alude o art. 615.º n.º 1 d) do CPC, nulidade que expressamente se argui e que, por via disso, deverá determinar que se considera NÃO PROVADO a 15ª - A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso.
Sem prescindir, considerando-se aqui, por economia processual, integralmente reproduzido o que supra se referiu, sempre se dirá que o facto provado n.º 15 deveria ter recebido a resposta de NÃO PROVADO porquanto da prova produzida (testemunhal e documental) não resultou qualquer prova nos autos que tivesse sustentado a resposta dada pelo Tribunal Recorrido, porquanto nenhum documento ou nenhuma testemunha se pronunciou relativamente à possibilidade do decretamento do arresto constar em relatórios e rankings nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedoras tenham acesso.
Pelo que, por erro notório na apreciação da prova, deverá considerar-se NÃO PROVADO o facto n.º 15, alterando-se, por via disso, a resposta dada pelo Tribunal a quo, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
Sempre se dirá, que compulsada a fundamentação de direito da sentença em crise resulta que a condenação da Recorrente, segundo o Tribunal recorrido, se alicerça na responsabilidade a que alude o art. 374.º do Cód. de Processo Civil, bem como nos termos do disposto no art. 483.º n.º 1 do Cód. Civil (cfr. fls. 11 e ss da Sentença recorrida).
Contudo, nenhuns fundamentos existem para tal condenação, desde logo, face ao supra alegado (que aqui se considera reproduzido por economia processual) pelo facto da Recorrida não ter cumprido com o ónus de demonstrar que a Recorrente tinha conhecimento da alegada situação económico financeira positiva, e que para além disso, tivesse agido com culpa, conforme exige o referido art. 374.º do CPC, o que expressamente se invoca.
Acresce que, para que existisse responsabilidade civil, extracontratual (por factos ilícitos), necessário se reportava, nos termos do art.º 483.º do Código Civil, que se verificasse um ato voluntário do agente, ilicitude do facto, imputação do facto ao lesante (culpa do agente), dano e nexo de causalidade entre facto e dano, pressupostos que, manifestamente não se verificam, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
E tanto não se verificaram, que de toda a panóplia de pedidos formulados pela Recorrida, alegando € 60.000,00 de danos patrimoniais e não patrimoniais, alguns deles respeitantes a danos de outrem que não a Recorrida, conforme o vertido na PI da Recorrente, o Tribunal recorrido, face à ausência de factos e fundamentos, entendeu recorrer à equidade e condenar a Recorrente a proceder ao pagamento da quantia de €8.000,00 a título de danos não patrimoniais, o que, com todo o respeito, não se pode aceitar pois desconhece a Recorrente que danos visa tal indemnização ressarcir.
Por um lado, a Recorrida, sendo uma pessoa coletiva, não tem direito a qualquer valor a título de indemnização por danos morais, pois sua natureza jurídica assim o impede, conforme o já decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Quanto muito, traduzir-se-ia num prejuízo de ordem material, afetando a sua esfera patrimonial, para os quais a lei (art. 484.º do CC) prevê a responsabilização do causador destes danos, o que não resultou provado, pelo simples facto que nenhum prejuízo existiu por parte da Recorrida, pelo que nunca poderia o Tribunal recorrido ter condenado a Recorrente nos termos em que condenou, justificado no disposto nos arts. 496.º n.º 3 e 494.º do Cód. Civil (cfr. fls. 14 da sentença), já que inexistiram quaisquer danos na esfera patrimoniais e não patrimonial da Recorrida.
Além disso, os factos considerados provados sob pontos a 10.º a 18.º da sentença não são fundamento, de forma alguma, para justificar a condenação da Recorrente em indemnização por danos não patrimoniais (cfr.. fls. 16 da sentença), pois ao arrepio de toda a jurisprudência o Tribunal recorrido decidiu que a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos dos arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC basta-se com meros incómodos.
Pelo que, mesmo considerando a própria factualidade considerada provada, o que por mera cautela se aceitaria, nunca a Recorrida poderia ter sido condenada, conforme decidiu o Tribunal recorrido, pelo que, ao julgar como julgou, o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições dos arts. 483.º, 496.º n.º 3 e 494.º do Cód. Civil.
Sem prescindir, e pelos exatos fundamentos supra referenciados, considerando os citados normativos dos arts. 496.º e 494.º sempre a indemnização no valor de €8.000,00 (oito mil euros), reporta-se manifestamente excessiva, não se podendo olvidar que a Recorrida é uma pessoa coletiva e que a prática dos nossos Tribunais é de arbitrar indemnizações, em pessoas singulares que sofreram, indemnizações com valores bem mais baixo que aquele que foi nestes autos fixado, valor, com todo o respeito, totalmente descabido, pelo que sempre importaria, por este Tribunal, a sua redução para um valor nunca superior a € 500,00 (quinhentos euros).
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.ª Excs mui Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso revogando-se a sentença recorrida, e substituindo-a por outra que absolva a Recorrida dos pedidos formulados pela Recorrente, mais alterando-se a resposta à matéria de facto nos termos supra elencados.
Sem prescindir, que se dignem a reduzir a condenação realizada pelo Tribunal a quo para um valor nunca superior a € 500,00.

A Autora apresentou contra-alegações em que respondeu às alegações apresentadas pelo Recorrente e requereu a ampliação do âmbito do recurso, impugnando parcialmente a decisão sobre a matéria de facto, tendo concluído pela alteração da decisão recorrida, de modo a que a Ré fosse condenada a pagar-lhe € 16.000,00 acrescidos de juros de mora.
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1. Do objeto do recurso
A Autora, nas contra-alegações apresentadas, disse pretender ampliar o âmbito do recurso.
Conforme resulta do artigo 636.º do Código de Processo Civil, esta faculdade do recorrido é concedida, em primeiro lugar, quando, existindo uma pluralidade de fundamentos da ação, se pretende que o tribunal conheça do fundamento ou dos fundamentos em que a parte vencedora decaiu, para a hipótese do fundamento vencedor ser julgado procedente pelo tribunal de recurso (n.º 1).
Além disso, também permite ao recorrido requerer a ampliação do objeto do recurso, invocando, a título subsidiário, a nulidade da sentença ou impugnando a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas (n.º 2).
Em todas estas situações apenas se permite que a parte recorrida amplie o objeto de conhecimento do recurso, prevenindo a hipótese deste poder ser julgado procedente, de modo a poderem ser ponderadas situações que na 1.ª instância não influenciaram a decisão tomada.
Ora, não é isto que a Autora pretende com a apelidada ampliação, mas sim impugnar o sentido da decisão recorrida na parte em que ficou vencida.
Na verdade, a sentença recorrida absolveu a Ré de parte do pedido indemnizatório formulado e é relativamente a essa parte que a Autora impugna a decisão da matéria de facto de modo a obter uma alteração do decidido quanto ao montante da condenação.
Tal objetivo não é alcançável através de um simples pedido de ampliação do objeto do recurso previsto no artigo 636.º do Código de Processo Civil, sendo necessário interpor recurso independente ou subordinado, conforme se encontra previsto no artigo 633.º do Código de Processo Civil.
Por esta razão não se admite a ampliação do âmbito do recurso deduzida pela Autora.
Encontrando-se o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente são as seguintes as questões a apreciar:
- A sentença é nula, por excesso de pronúncia?
- Não devem ser considerados provados os factos n.º 7 e 9 da sentença recorrida, na parte em que se pronunciaram sobre o conhecimento da Ré relativo à situação económico-financeira da Autora, devendo antes considerar-se provado o facto 11 que consta daquela como não provado?
- Não deve ser considerado provado o facto n.º 15 da sentença recorrida?
- Não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade prevista no artigo 621.º do Código de Processo Civil?
- Uma pessoa coletiva não tem direito a ser indemnizada por danos morais?
- Os danos que resultam dos factos 10.º a 18.º são meros incómodos que não têm a gravidade suficiente para serem indemnizáveis?

2. Da nulidade da sentença
A Ré arguiu a nulidade da sentença por esta ter considerado provado o facto que consta do seu n.º 15, o que estava impedida de fazer por se tratar de “facto futuro”, pelo que teria conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento.
O artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil, considera nula a sentença em que o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A consideração como provado de facto que, por qualquer motivo, não podia ser objeto de apreciação, não é abrangida por esta alínea, não sendo uma “questão” para efeitos de aplicação da consequência prevista no artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que a sua ocorrência não provoca a nulidade de toda a sentença, mas a simples eliminação de tal facto da lista dos factos provados e a sua consequente desconsideração.
Por esse motivo revela-se improcedente a arguição da nulidade da decisão recorrida.

3. Os factos
3.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A Ré discorda que a sentença recorrida tenha considerado provados os factos que dela constam sob os n.º 7 e 9 da sentença recorrida, na parte em que se pronunciaram sobre o conhecimento da Ré relativo à situação económico-financeira da Autora, defendo que deveria ter sido considerado provado o que consta do facto n.º 11 da lista dos factos não provados.
Entre outros, a sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
7º - À data do decretamento do arresto em causa, a autora não estava numa situação económica difícil, nem era do conhecimento da ré nem do público em geral que a autora estivesse numa situação de pré-falência, não liquidando os seus débitos.
8º - Naquela data, a autora encontrava-se numa situação económica financeira regularizada, encontrando-se a laborar, a receber os seus créditos a liquidar os seus débitos, tinha crédito, dinheiro e o financiamento bancário nunca lhe tinha sido recusado.
9º - A ré era conhecedora desta situação, tendo alegado o contrário no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo.
E considerou não provado:
11º - Que os factos alegados pela ré no requerimento inicial do procedimento cautelar de arresto se tivessem alicerçado nos factos que lhe foram sendo reportados e conhecidos da ré, nomeadamente informações prestadas por funcionários da autora, fornecedores, clientes, cartas devolvidas, não receção de contactos por parte da autora, e informações prestadas por outros fornecedores.
A sentença recorrida motivou do seguinte modo a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada no que toca à factualidade em discussão:
No que respeita aos factos que estavam controvertidos e que foram objeto do julgamento, o tribunal baseou a sua convicção na análise crítica, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, e conjugada dos documentos juntos aos autos a fls. 29 a 80, 118 a 130, 138 a 147, 193 a 242 e 258 a 283, devidamente examinados em julgamento e não infirmados por ninguém, e dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas na audiência de discussão e julgamento.
Assim, os factos dados como provados extraem-se da conjugação dos referidos elementos documentais com os depoimentos das testemunhas D…, E…, F…, G…, H…, I…, todos funcionários da autora, à data do arresto, sendo que algumas ainda o são, e do depoimento da testemunha J…, funcionário bancário.
Com efeito, as testemunhas revelaram conhecimento direto da maior parte dos factos dados como provados e, em relação a outros factos, revelaram conhecimento de natureza instrumental que permite alicerçar convicção segura sobre factos essenciais.
Por outro lado, tais testemunhas apresentaram razão de ciência válida para o conhecimento que demonstraram e tiveram depoimentos isentos, mostrando-se, portanto, depoimentos credíveis.
Acresce que estão evidenciados do referido quadro probatório todos os factos dados como provados relacionados com a vida financeira e económica da autora, à data do arresto, sendo que, de forma mais significativa, tais factos estão evidenciados pelos depoimentos das testemunhas F…, economista e diretor financeiro da autora, I…, contabilista da autora, e J…, pessoa que, à data do arresto, se encontrava com um processo bancário de financiamento à autora, cuja aprovação sofreu apenas um ligeiro atraso, em virtude da sua entidade patronal – L… – ter tomado conhecimento do arresto e ter querido informações complementares para avaliar a possibilidade de aprovação desse financiamento, o que acabou por acontecer.
De resto, tais factos são também confirmados pela circunstância de ainda hoje a autora se manter em laboração e com trabalho, não estando sequer indiciado da prova que essa vida financeira e económica tivesse sofrido qualquer perturbação, anterior, contemporânea ou posterior ao arresto.
Deste modo, entendeu-se ser forçoso concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que seria impossível à ré desconhecer tal situação e supor ou ter elementos para supor que a situação fosse aquela que alegou no requerimento de arresto que apresentou em tribunal.
Consequentemente, de acordo, também, com as regras da experiência comum, o tribunal convenceu-se que a ré sabia muito bem que a situação financeira da autora era aquela que foi dada como provada e não aquela que alegou naquele procedimento cautelar de arresto, até porque, no meio comercial, tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva “saúde” financeira das empresas.
Importa acrescentar que tais depoimentos não foram infirmados por nenhum outro meio de prova, designadamente pelo depoimento da testemunha arrolada pela ré, K…, a senhora solicitadora que concretizou o arresto.
Se a prova da situação económica da Autora resultou dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, já o conhecimento pela Ré dessa situação foi alcançado através do funcionamento de uma presunção judicial, não tendo esse conhecimento sido referido por qualquer depoimento ou constado de qualquer documento.
Entendeu o tribunal recorrido que, de acordo com as regras da experiência comum, a Ré sabia necessariamente que a situação financeira da Autora era aquela que foi dada como provada e não aquela que alegou no procedimento cautelar de arresto, uma vez que no meio comercial, tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva “saúde” financeira das empresas.
Uma presunção judicial é uma ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil).
O facto indiciário conhecido é o de que estamos perante duas empresas que tinham relações comerciais entre si (empreiteira/subempreiteira), os factos presumidos foram os de que a Ré tinha conhecimento de que a situação económica da Autora não só não era aquela que invocou para que fosse decretado o arresto, como esta tinha uma situação económico-financeira “saudável”, e a regra da experiência comum invocada pela decisão recorrida é a de que no meio comercial, tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva “saúde” financeira das empresas.
Tendo em conta as especiais vulnerabilidades das regras de experiência, resultantes da ausência de controle da sua fiabilidade, a sua utilização tem de ser rodeada de especial cuidado, devendo recorrer-se apenas a máximas que convoquem um amplo consenso na cultura média do tempo e lugar em que ocorre a fixação do facto desconhecido [1] e delas retirar apenas aqueles factos concretos que, num juízo de de normalidade (probabilidade judicial), se tenham verificado.
Se, face à atual facilidade de acesso a meios de informação sobre alguns dados económico-financeiros das empresas, não nos parece que a máxima de experiência utilizada pela decisão recorrida comporte riscos na sua utilização como uma generalização empírica, já os conteúdos de alguns dos factos desconhecidos que dela se extraíram nos parecem excessivos.
Na verdade, se aquela facilidade de acesso permite admitir como suficientemente provável que não era do conhecimento da Ré nem do público em geral que a Autora estivesse numa situação de pré-falência, não liquidando os seus débitos, tendo alegado essa situação no procedimento de arresto por forma a viabilizar o mesmo, uma vez que, naquela data, a Autora vivia numa situação económica financeira regularizada, encontrando-se a laborar, a receber os seus créditos a liquidar os seus débitos, tinha crédito, dinheiro e o financiamento bancário nunca lhe tinha sido recusado, já se revela excessivo inferir-se que a Ré conhecia com detalhe a “boa” situação económico-financeira da Ré. A probabilidade de existir esse conhecimento não assume um grau de suficiência tal que permita ao julgador afirmar esse facto como provado, num juízo de probabilidade.
Quanto ao que consta do facto considerado como não provado pela decisão recorrida no n.º 11, não foi produzida qualquer prova que revelasse a sua veracidade, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pela Ré, pelo que a sua inserção na lista dos factos não provados não merece discussão.
A Ré também revelou a sua discordância quanto ao que consta do facto n.º 15 da sentença recorrida.
É a seguinte a redação desse ponto:
A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso.
A Ré entende, em primeiro lugar, que não é possível considerar como provado um facto que só poderá ocorrer no futuro.
Ora, estando nós perante a alegação de danos futuros, como fundamento parcial de um pedido indemnizatório, e permitindo o artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, a possibilidade de o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, é óbvia a possibilidade de se considerar como provada tal ocorrência futura, desde que baseada num juízo de previsibilidade.
Mas a Ré também sustenta que não foi produzida qualquer prova sobre a previsível ocorrência deste facto.
Ora, ouvindo o depoimento da testemunha F…, economista e técnico oficial de contas, este confirmou que a efetivação de um arresto de bens a uma sociedade comercial é acessível às empresas que oferecem um serviço informativo sobre a situação comercial da generalidade das empresas a nível nacional e internacional e cuja existência é conhecida, revelando-se tal depoimento sério e credível.
Face às considerações acima expostas devem manter-se os factos n.º 7 e 15.º como provados e o n.º 11 como não provado, passando o n.º 9 a ter a seguinte redação:
A Ré alegou o contrário do referido em 8.º no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo.

3.2. Factos provados
São, pois, os seguintes, os factos provados na presente ação:
1º - A Ré anteriormente detinha a denominação social de “M…, Lda.”, tendo procedido à alteração para a denominação “C…, Lda.”, tendo alterado a sua sede para a Rua …, n.º …., Porto.
2º - A Ré intentou providência cautelar de arresto contra a Autora, com base nos factos que descreveu no seu requerimento inicial constante de fls. 32 a 35 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, procedimento cautelar este que correu os seus termos com o n.º 128103/125YIPRT, no extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel.
3º - O referido arresto, sem audição prévia da aí requerida, veio a ser decretado por decisão datada de 6/08/2012, transitada em julgado e constante de fls. 216 a 218, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4º - O arresto, então, decretado veio a ser realizado nos moldes constantes dos termos de fls. 219 a 242 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5º - Após e quando aí citada, a Autora, ali requerida, deduziu oposição, sendo que foi proferida sentença, em 19/03/2013, transitada em julgado, declarando a mencionada oposição procedente e, em consequência, foi ordenado o levantamento do arresto decretado.
6º - A Autora intentou contra a Ré ação declarativa que corre os seus termos, sob a forma de processo ordinário, pela qual reclama da ré o montante das notas de débito n.º 7/2012 de 10/07, no valor de € 101.601,49 e nota de débito n.º 8/2012, de 10/07, no valor de € 128.535,01.
7º - À data do decretamento do arresto em causa, a Autora não estava numa situação económica difícil, nem era do conhecimento da ré nem do público em geral que a autora estivesse numa situação de pré-falência, não liquidando os seus débitos.
8º - Naquela data, a autora encontrava-se numa situação económica financeira regularizada, encontrando-se a laborar, a receber os seus créditos a liquidar os seus débitos, tinha crédito, dinheiro e o financiamento bancário nunca lhe tinha sido recusado.
9º - A Ré alegou o contrário do referido em 8.º no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo.
10º - Em consequência do arresto decretado e da remoção dos bens arrestados, a autora ficou privada de usar o mobiliário da sua sala de reuniões.
11º - O arresto decretado e a remoção de bens determinaram que, no imediato, um número exato de funcionários em concreto não apurado deixassem de ter um posto de trabalho com computador, secretária e cadeiras, vendo-se esses funcionários obrigados a, no imediato, partilhar secretárias.
12º - No dia 28 de agosto de 2012, o dia da concretização do arresto, um número exato de funcionários da autora em concreto não apurado que se encontravam nas suas instalações a laborar tiveram de, por algumas horas, parar de trabalhar, pois não tinham condições para o continuar a fazer em virtude do decurso da diligência de arresto realizada e pelo facto de, a seguir, terem de colocar em ordem o escritório após a remoção do mobiliário descrito no auto de fls. 221 a 226 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13º - Na copa que a autora possuía no local onde foi levado a cabo o arresto e por causa deste, a mesma viu-se privada de três mesas e sete cadeiras, sendo que aquela copa era o local onde os seus funcionários confraternizavam nos intervalos de descanso.
14º - Alguns clientes/fornecedores da autora ficaram a ter conhecimento do arresto, tendo estado um veículo à porta da autora a carregar mobiliário e equipamentos informáticos, no dia do arresto, o que afetou a sua credibilidade, a confiança e a sua imagem.
15º - A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso.
16º - A autora ficou privada de exibir para o exterior a publicidade das suas obras, uma vez que os dois televisores que tinha na montra, e onde eram projetadas para o exterior imagens de obras e projetos da autora, foram arrestados e levados.
17º - Os bancos das redondezas, os estabelecimentos comerciais aí existentes e todas as pessoas que circulavam na rua onde se situa as instalações da autora presenciaram o episódio de arresto, tendo algumas representado a possibilidade de a autora estar a atravessar dificuldades económicas.
18º - A autora foi questionada na pessoa dos seus legais representantes, pelo menos, por um banco sobre o que se estava a passar.
19º - O arresto e toda a movimentação que se gerou à sua volta, durante algum tempo, determinou que os sócios gerentes da autora tivessem sofrido abalo, indignação, inquietação e vergonha.

4. O direito aplicável
A Autora, com a presente ação, pretende que a Ré a indemnize dos prejuízos que resultaram da realização de um arresto de bens que lhe pertenciam, tendo essa providência cautelar sido considerada injustificada com o julgamento da oposição apresentada pela Autora após a efetivação do arresto.
O artigo 621.º do Código Civil dispõe que se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado quando não tenha agido com a prudência normal.
Estamos perante a previsão específica de um caso de culpa in agendo, enquanto modalidade da responsabilidade civil.
Esta previsão específica da responsabilidade do requerente para as situações de arresto injustificado é muita antiga no nosso direito, funcionando a sua consagração expressa como um desencentivo aos pedidos imprudentes de arresto de bens, face aos riscos de injustificadamente ser decretada uma medida potencialmente causadora de danos, com base num mero fumus boni iuris e que dispensa a audição prévia do requerido.
O Código de Processo Civil de 1876 já previa essa responsabilização no artigo 366.º, obrigando mesmo o arrestante, como condição para ser decretado o arresto a assinar um “termo de responsabilidade por perdas e danos se a final for julgado improcedente e nulo o arresto, por ter havido da sua parte ocultação da verdade ou asserção contrária a ela”.
O Código de Processo Civil 1939, no § único do artigo 415.º, continuou a prever expressamente a possibilidade do arrestado pedir uma indemnização por perdas e danos nos embargos ao arresto, alegando que o arrestante e testemunhas faltaram conscientemente à verdade.
O mesmo sucedeu com o Código de Processo Civil de 1961 que, além de manter, com ligeiras alterações formais, no artigo 407.º, n.º 4, o anteriormente contido no referido § único do artigo 415.º, do Código de Processo Civil de 1939, no artigo 404.º, n.º 1, dispôs expressamente que o requerente do arresto responde por perdas e danos se o arresto vier a ser julgado insubsistente, por ter havido da sua parte, intencional ocultação ou deturpação da verdade.
Com a inclusão do disposto no artigo 621.º do Código Civil de 1966, acima transcrito, a consequente revisão do Código de Processo Civil de 1967, excluiu deste diploma o que dispunha o anterior 404.º, n.º 1, mantendo o constante do artigo 407.º, n.º 4, agora com o número 406.º, n.º 4, passando o artigo 387.º deste diploma a prever genericamente a culpa in agendo para os procedimentos cautelares inominados.
O Decreto-lei n.º 329-A/95 veio a eliminar a referência do artigo 406.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, passando esta responsabilidade, relativamente à providência de arresto, a estar apenas regulada no Código Civil (artigo 621.º).
Nesta conturbada evolução legislativa verificou-se uma alteração importante dos requisitos deste tipo de responsabilidade quando no artigo 621.º do Código Civil se entendeu suficiente para a responsabilização do requerente que este não tenha agido com a prudência normal ao requerer a realização do arresto, passando a estar abrangidos não só os casos de dolo, mas também os de simples negligência.
Na altura em que expôs os motivos para a sua proposta de redação do que veio a ser o artigo 621.º do atual Código Civil, a qual mereceu acolhimento, escreveu Vaz Serra:
Ao passo que o nosso Código de Processo Civil (o de 1939) só admite a responsabilidade do requerente no caso de dolo ou má fé, e o Código brasileiro nos de malícia ou erro grosseiro, o Código alemão contenta-se com que o arresto seja infundado e o Código italiano com a falta de prudência normal.
De todas estas fórmulas, a que parece preferível é a do Código Italiano, pela consideração de que, não tendo havido má fé do requerente, não é razoável que seja sempre o arrestado a suportar os prejuízos derivados do arresto mal decretado, pois, a iniciativa do arresto partiu do credor. Por outro lado, porém não convém impor a responsabilidade ao credor pelo simples facto de o arresto vir a mostrar-se infundado, pois com isso assustar-se-iam os credores que muitas vezes não podem ter a certeza de que o arresto não vem a ser julgado infundado, o que ou levaria a abster-se de o requerer apesar de, examinando a situação com prudência, o suporem legítimo.
Parece que, entre as duas tendências opostas – exigir a lei a má fé (ou o erro grosseiro) e contentar-se com ser infundado o arresto -, deverá escolher-se um meio termo e considerar responsável o requerente quando não tenha procedido com a prudência ou cuidado normal, isto é, quando não tenha procurado informar-se, com a prudência ou cuidado do homem normalmente prudente ou cuidadoso, da verdadeira situação.
Se o credor usou deste cuidado e, no entanto, o arresto vem a ser julgado infundado, não pode assacar-se-lhe culpa e não deve, por isso, responder pela reparação do dano [2].
Daí que Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto [3] digam, relativamente ao requisito da culpa na responsabilidade do requerente do arresto infundado face ao disposto no artigo 621.º do Código Civil: a atuação do requerente pode traduzir-se como até 1967 era estabelecido, na ocultação intencional de factos ou na sua deturpação consciente, quer no plano da afirmação do direito de fundo, quer no da invocação do periculum in mora; mas pode igualmente consistir em imprudência ou erro grosseiro na alegação e na prova dos factos, de que o tribunal não se aperceba ao proferir a decisão cautelar, bem como em culpa leve: a prudência normal que lhe é exigida corresponde à diligência do bom pai de família e este é responsável pelas atuações danosas que tenha com mera culpa, abrangendo esta a culpa leve.
No presente caso, foi ordenado o levantamento da providência de arresto anteriormente decretada, como resultado da procedência da oposição deduzida pela ali Requerida posteriormente a ter sido decretado e executado arresto dos seus bens, pelo que estamos perante uma situação de arresto injustificado, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 621.º do Código Civil.
Na base do decretamento deste arresto esteve a alegação pela então Requerente de uma descrição da situação económico-financeira da empresa arrestada que preenchia uma hipótese de justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito que não correspondia à verdade, tendo-se provado que essa não correspondência era do conhecimento da Requerente. Verificou-se, pois, uma deturpação consciente dos factos na invocação do periculum in mora, por parte da Requerente, que esteve na origem do decretamento da providência, o que preenche uma conduta dolosa que integra a previsão do artigo 621.º do Código Civil, estando verificados todos os pressupostos desta responsabilidade civil por culpa in agendo.
Em consequência da realização do arresto em bens da Requerida resultaram provadas as seguintes consequências:
10º - Em consequência do arresto decretado e da remoção dos bens arrestados, a autora ficou privada de usar o mobiliário da sua sala de reuniões.
11º - O arresto decretado e a remoção de bens determinaram que, no imediato, um número exato de funcionários em concreto não apurado deixassem de ter um posto de trabalho com computador, secretária e cadeiras, vendo-se esses funcionários obrigados a, no imediato, partilhar secretárias.
12º - No dia 28 de agosto de 2012, o dia da concretização do arresto, um número exato de funcionários da autora em concreto não apurado que se encontravam nas suas instalações a laborar tiveram de, por algumas horas, parar de trabalhar, pois não tinham condições para o continuar a fazer em virtude do decurso da diligência de arresto realizada e pelo facto de, a seguir, terem de colocar em ordem o escritório após a remoção do mobiliário descrito no auto de fls. 221 a 226 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13º - Na copa que a autora possuía no local onde foi levado a cabo o arresto e por causa deste, a mesma viu-se privada de três mesas e sete cadeiras, sendo que aquela copa era o local onde os seus funcionários confraternizavam nos intervalos de descanso.
14º - Alguns clientes/fornecedores da autora ficaram a ter conhecimento do arresto, tendo estado um veículo à porta da autora a carregar mobiliário e equipamentos informáticos, no dia do arresto, o que afetou a sua credibilidade, a confiança e a sua imagem.
15º - A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso.
16º - A autora ficou privada de exibir para o exterior a publicidade das suas obras, uma vez que os dois televisores que tinha na montra, e onde eram projetadas para o exterior imagens de obras e projetos da autora, foram arrestados e levados.
17º - Os bancos das redondezas, os estabelecimentos comerciais aí existentes e todas as pessoas que circulavam na rua onde se situa as instalações da autora presenciaram o episódio de arresto, tendo algumas representado a possibilidade de a autora estar a atravessar dificuldades económicas.
18º - A autora foi questionada na pessoa dos seus legais representantes, pelo menos, por um banco sobre o que se estava a passar.
19º - O arresto e toda a movimentação que se gerou à sua volta, durante algum tempo, determinou que os sócios gerentes da autora tivessem sofrido abalo, indignação, inquietação e vergonha.
Esta factualidade revela três tipos de consequências:
Perturbações no funcionamento corrente da Autora, sem que se tenham provado que delas tenham resultado prejuízos patrimoniais (10.º a 13.º e 16.º); afetação da credibilidade e imagem da Autora (14.º, 15.º, 17.º e 18.º); afetação psicológica dos sócios-gerentes da Autora, sem que se tenha provado que dela resultaram prejuízos patrimoniais para a Autora (19.º).
Esta última consequência não é um dano suportado pela Autora, dado que ela é uma pessoa jurídica distinta da dos seus sócios-gerentes, pelo que não tem direito a reclamar o pagamento de uma indemnização por tal resultado.
Também no que respeita às perturbações que resultaram para o funcionamento da Autora, como resultado do arresto de algum mobiliário a ela pertencente, tendo em consideração as características das perturbações ocorridas e a sua curta duração, deve considerar-se que estamos perante ligeiros incómodos, cuja gravidade não merece a intervenção do direito, escapando à previsão do n.º 1, do artigo 496.º do Código Civil.
Resta a afetação da credibilidade e da imagem da Autora, como resultado da realização de um arresto nos seus bens, designadamente o mobiliário dos seus escritórios.
Sendo este um dano moral do qual podem ser vítimas as pessoas coletivas, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 484.º do Código Civil, deve o mesmo ser indemnizado, por recurso a um juízo de equidade, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 e 3, do Código Civil, tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso, designadamente que a conduta do Requerente foi dolosa.
Face ao que consta da matéria fáctica provada nesta matéria entende-se como adequado o valor fixado pela sentença recorrida (€ 8.000,00) como indemnização pelos danos morais suportados pela Autora, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso pela Recorrente.
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Porto, 21 de Novembro de 2016
Cura Mariano
Maria José Simões
Augusto Carvalho
_________
[1] Vide, sobre as máximas da experiência e sobre as cautelas na sua utilização como meios de prova Luís Filipe Pires de Sousa, em Prova por presunção no direito civil, pág. 75 e seg., 2.ª ed., Almedina.
[2] No B.M.J. n.º 73, pág. 70.
[3] No Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, ed. de 2001, da Coimbra Editora.