Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5626/17.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
GOZO
PERÍODO DE PRÉ-AVISO
DOS PROPORCIONAIS DE FÉRIAS
INTERPRETAÇÃO DO REGIME ESTABELECIDO
Nº do Documento: RP201903085626/17.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 291, FLS 14-25)
Área Temática: .
Legislação Nacional: Nº 5 DO ARTº 241º DO CT/2009
Sumário: I - Os critérios de interpretação da lei encontram-se enunciados no artigo 9.º do Código Civil, havendo que atender ao elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”), mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico, integrado pelos elemento sistemático, racional ou teleológico e histórico.
II - Da aplicação desses critérios resulta que o regime estabelecido no n.º 5 do artigo 241.º do Código de Trabalho, de determinação pela entidade patronal do gozo de férias no período do pré-aviso, não integra os proporcionais de férias referentes ao ano da cessação do contrato.
III - Daí que não possam ser considerados em condições de ser gozados, no período de pré-aviso, salvo acordo expresso entre empregador e trabalhador, os proporcionais de férias referentes ao ano da cessação do contrato, impondo-se antes aplicar o regime expressamente estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do mesmo Código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 5626/17.0T8MTS.P1
Autor: B...
: C..., S.A.
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Relator: Nélson Fernandes
Adjuntos: Des. Rita Romeira
Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B... instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra C..., S.A., pedindo que esta fosse condenada: a) no pagamento do valor pecuniário de 922,94 € referentes a 19 dias úteis de férias não gozadas; b) no pagamento do valor pecuniário de 979,61 € referentes a 20 dias úteis de férias vencidas a 01.01.2017 e reportadas ao ano civil de 2016; c) no pagamento do valor pecuniário de 979,61 € referentes aos proporcionais de férias referentes a 20 dias úteis de férias vencidas a 01.01.2017 e reportadas ao ano civil de 2016; d) no pagamento do valor pecuniário de 90,86 € referentes a 11 horas de formação profissional; e) no pagamento de 250,00 a título de danos morais, num total de 3.223,02 €. f) no pagamento dos respetivos juros de mora, à taxa legal aplicável de 4% ao ano, vencidos e vincendos, e até efetivo e integral pagamento, liquidando-se os já vencidos, desde o dia 28.11.2016 até à presente data, no valor de 125,74 €, num total global de 3.348,76 € (3.223,02 € + 125,74 €).
Para tanto, em síntese, alegou que, tendo trabalhado por conta da Ré com uma antiguidade reportada a 19/10/2004 e até 28/11/2016, denunciou tal contrato de trabalho, sendo que, na data em que remeteu a declaração de denúncia, tendo ainda por gozar 19 dias de férias acumuladas desde o ano de 2008, a Ré, na sequência da comunicação da denúncia, impôs-lhe o gozo de 28 das de férias, com o que não concordou, opondo-se ao gozo das férias, mas que foi impedido de trabalhar pela Ré, o que lhe provocou um sentimento de forte humilhação. Mais alegou que ficaram por prestar 11 horas de formação profissional, que não lhe foram pagas.

1.1 Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a Ré para contestar.

1.2 A Ré contestou, impugnando o alegado pelo autor, defendendo a posição que assumiu aquando da cessação do contrato.

1.3 Fixado o valor da ação em €3.348,76, foi de seguida proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

1.4 Prosseguindo os autos os seus termos, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos e por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de €1.486,98 a título de férias não gozadas e proporcionas de férias do ano da cessação do contrato.
Custas a cargo de autor e réu, na proporção dos respectivos decaimentos.
Notifique.
Registe.”

1.4.1 Apresentou a Ré requerimento no qual arguiu nulidades da sentença e pediu a respetiva reforma, concluindo do modo seguinte:
“Requer-se a V. Exia que se digne a revogar a sentença, ora em crise, por ser a mesma nula ou por se considerar que ocorre causa de reforma, o que aqui vai defendido, devendo a mesma ser substituída por outra que considere improcedente o pedido de pagamento ao Autor dos proporcionais de férias, com as demais consequências legais.”

1.4.2 Também o Autor apresentou requerimento no qual arguiu nulidades da sentença, concluindo do modo seguinte:
“Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, vem requerer a V.ª Ex.ª se digne proceder à revogação da sentença judicial porque ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, e, consequentemente:
a) ser reformada a Sentença Judicial no sentido de contemplar a condenação da ré ao pagamento dos juros de mora expressamente peticionados na alínea f) do pedido formulado pelo autor na petição inicial; e
b) ser reformada a Sentença Judicial no sentido de pronunciar-se, invocando as razões pelas quais não atendeu aos esclarecimentos oportunamente prestados pelo autor quanto ao sentido e alcance do pedido formulado na petição inicial no que concerne ao subsídio de férias.
c) Tudo, com as legais consequências.”

1.5 No seguimento, proferiu o Tribunal a quo decisão com o teor seguinte:
“A sentença proferida enferma, na verdade, de alguns lapsos e erros de raciocínio dos quais nos penitenciamos, e que cumpre esclarecer e rectificar.
Vejamos.
O ponto 14. dos factos provados (em que a ré comunica ao autor um crédito de 28 dias de férias) resulta expressamente do teor do documento junto pela ré com a contestação e que consta de fls. 39v dos autos.
No entanto, os elementos a ter em conta para a decisão a proferir não podem partir dessa declaração, mas apenas dos constantes dos pontos 16. e 27. dos factos provados, de onde resulta que no termo do contrato o autor tinha por gozar 24 dias de férias (reafirma-se que o documento em que o Tribunal se baseou para prova desse facto, constante de fls. 13v a 15, constitui uma mensagem de correio electrónico e respectivo anexo enviada pela ré ao autor a 21/10/2016).
Conforme exposição feita na sentença, e ponderando que o autor gozou dois dias de férias até 30 de Abril (que se terão de imputar nas férias que ficaram por gozar no ano de 2015, vencidas pelo menos a 1 de Janeiro desse ano), é de considerar que no momento da cessação do contrato o autor tinha por gozar 7 dias das férias vencidas a 1/1/2016 e 17 dias de férias dos anos transactos. A estes acresceriam os dias de férias proporcionais do ano da cessação do contrato, que ascendiam a 20.
Por argumentação já aduzida na sentença, entendemos na impossibilidade da ré impôr ao autor o gozo dos 17 anos de férias vencidos em data anterior a Janeiro de 2016.
No entanto, e aí se situa o erro de raciocínio contraditório da sentença, nada obstava a que a ré impusesse ao autor o gozo destes 20 dias de férias, proporcionais ao ano da cessação do contrato.
Assim, sendo certo que no período de tempo decorrido entre 24 de Outubro e 28 de Novembro de 2016 decorreram 25 dias úteis é de considerar todo este período como efectivo gozo de férias.
Deste modo, é de concluir que à ré restava proceder ao pagamento de 2 dias de férias (proporcionais do ano da cessação do contrato) e dos 17 dias referentes vencidas em momento anterior a Janeiro de 2016.
Uma vez que no recibo final a ré pagou cinco dias de férias, cumpria apenas proceder ao pagamento de 14 dias de férias, pelo que é nestes termos que a condenação final se tem de concretizar.
Formulando o autor o pedido com base na retribuição mensal de €1068,67, é de considerar que pelos 14 dias de férias tem o mesmo a receber a quantia de €680,06.
A este montante serão, efectivamente, devidos os juros de mora peticionados desde o dia 28/11/2018 à taxa de 4%, até efectivo pagamento, que por lapso se deixou de apreciar na sentença, por força do disposto no art. 805º, n.º 2, al. a), do Código Civil.
No que respeita à omissão de pronúncia quanto à excepção de abuso de direito, a verdade é que a sua dedução na contestação não foi identificada nos termos em que o impõe o art. 572º, al. c), do Código de Processo Civil. Acresce que, o invocado abuso de direito baseava-se no pressuposto do conhecimento do autor de que os factos alegados não correspondiam à verdade (cfr. art. 42º da contestação). Como decorre do art. 334º do Código Civil (que nunca foi invocado pela ré), pressuposto de sua apreciação é que o devedor reconheça a existência do direito do titular, do credor, mas que o seu exercício constitua um abuso de direito.
Nos presentes autos a ré afirma apenas que a instauração desta acção constitui abuso de direito por o autor não ser titular de qualquer crédito de férias. Reconhecendo o Tribunal o direito do autor aos 14 dias de férias nos termos exposto, não se percebe que abuso de direito pretende a ré ver apreciado. Inexiste portanto a omissão de pronúncia arguida pela ré.
Nestes termos, na sequência de todo o exposto, perante os requerimentos formulados pelas partes e ao abrigo do disposto nos arts. 615º, n.º 4 e 616º, n.º 2, do Código de Processo Civil, reformo a sentença proferida nos seus fundamentos em conformidade com o supra exposto e, em consequência, reforma-se ainda o decisório que passa a constar dos seguintes termos:
- Condeno a ré no pagamento ao autor da quantia de €680,06 a título de férias não gozadas, acrescida de juros de mora à taxa de 4% até efectivo pagamento.
Sem custas pelo incidente.”

2. Não se conformando com o decidido, apresentou o Autor recurso de apelação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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2.1. Contra-alegou a Ré, sustentando a inadmissibilidade do recurso ou se assim se não entender a sua improcedência.

2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância nos termos do despacho que se transcreve de seguida:
“Por considerar que o recurso interposto pelo autor tem por objecto a decisão para si desfavorável que resulta da reforma da sentença (que é o alcance e limite possível do recurso que pode interpor ao abrigo do disposto na 2ª parte do n.º 6 do art. 617º do Código de Processo Civil), entendo que o mesmo é admissível.
Assim, recebo o recurso interposto pelo autor a fls. 113 e ss o qual é de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo conforme o previsto na 2ª parte do n.º 6 do art. 617º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”

3. Subidos os autos a esta Relação, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso, referindo nomeadamente que o artigo 241.º, nº 5, do CT “permite ao empregador impor unilateralmente o gozo de férias já vencidas durante o período de pré-aviso e nunca o gozo das vincendas”, pois que, diz, “os proporcionais de férias que se venceriam a 1 de Janeiro do ano subsequente ao da cessação do contrato de trabalho vencem-se no exacto dia da cessação do contrato de trabalho.- artº 245.º nº 1 b) do CT, acórdãos citados pela A do TCAN, referentes ao processo 01826/1105 BEPRT, 1ª secção , contencioso Administrativo de 2.7.2015 e processo 00247/12.7BEPNF, disponíveis in www.dgsi.pt., para os quais se remete”.

3.1 Respondeu a Recorrida, mantendo a sua posição quanto à inadmissibilidade do recurso ou, caso assim se não entenda, pela sua improcedência.
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III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se o Tribunal a quo errou no julgamento na aplicação do direito aos factos ao ter considerado, com a reforma da sentença a que procedeu, que assistia à Ré a possibilidade de impor ao Autor, antes da data da cessação do contrato, o gozo dos proporcionais de férias referentes ao ano da cessação do contrato.
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IV – Fundamentação
A) De facto
1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. No dia 18 de Março de 2005, com efeitos a partir do dia 19 de Outubro de 2004, o autor celebrou com a sociedade por quotas D..., L.da, N.I.P.C. n.º ........., com sede em ..., Zona Industrial ..., em Vila Nova de Famalicão, um contrato individual de trabalho sem termo, conforme documento junto aos autos a fls. 9 e 10.
2. O autor foi admitido ao serviço daquela sociedade comercial para, sob a autoridade e direcção daquela, exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de estampador.
3. Auferindo o autor uma retribuição mensal ilíquida, no valor de 550,00 €, acrescida de um subsídio de refeição, no valor de 3,25 €, por cada dia de trabalho.
4. No dia 22 de Janeiro de 2008, o autor celebrou com a aqui ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo, então, sido acordado entre as partes que os direitos adquiridos pelo trabalhador, ora autor, na sociedade por quotas D..., Lda., continuariam a produzir efeitos mesmo após a contratação para a empresa C..., S.A., nomeadamente, no que respeita à antiguidade e à categoria profissional, conforme documento junto aos autos a fls. 10v e 11.
5. O autor foi admitido ao serviço da ré para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de operador de máquinas.
6. Auferindo o autor uma retribuição mensal ilíquida, no valor de €850,00, acrescida de um subsídio de refeição, no valor de €5,79, por cada dia de trabalho, num horário de 40 horas semanais, com um período diário de trabalho de 8 hora (cláusula 4ª do contrato de trabalho)
7. O autor desempenhou as suas funções nas instalações da empresa sitas na Avenida ..., n.º ..., ..., ....-... Vila Nova de Famalicão.
8. De acordo com a cláusula 8ª do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre o autor e a ré, “o trabalhador teria direito a 22 dias úteis de férias remuneradas e ao respectivo subsídio de férias, nos termos legais”.
9. Era habitual na ré serem gozadas as férias pelos trabalhadores nas 3 semanas do mês de Agosto e uma semana no Natal.
10. O autor, por vezes, ia trabalhar em dias de férias marcadas, pelo que no ano de 2016 tinha 19 dias de férias, identificadas pela ré como do” ano anterior”.
11. No dia 28 de Setembro de 2016, o trabalhador enviou à sua entidade empregadora, ora ré, uma carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor:
Venho, por este meio, rescindir o contrato de trabalho celebrado com a Vossa empresa a 22 de Janeiro de 2008, cumprindo assim o pré-aviso mínimo de sessenta dias de antecedência, definido por lei, relativamente à data em que pretendo que os seus efeitos cessem. Data essa que será de sessenta dias de calendário a partir data da Vossa notificação, a qual se verificará no dia da Vossa assinatura do aviso de recepção da presente carta. Nomeadamente, até ao termo dos sessenta dias supra referidos, pretendo ainda gozar o período de férias a que tenho direito, devendo ainda V. Exas., como sabem, pagar-me no final do contrato o montante de todos os créditos laborais devidos, relativamente aos subsídios de férias e de Natal vencidos e vincendos, em proporção à prestação de trabalho do corrente ano. Assim como, os créditos devidos pela formação profissional obrigatória e não prestada no decurso do último ano, nos termos da lei.
12. Esta carta foi recebida pela ré no dia 29 de Setembro de 2016.
13. A cessação do contrato de trabalho produziu os seus efeitos no dia 28 de Novembro de 2016.
14. A ré comunicou ao autor que os seus créditos de férias eram de 28 dias, os quais deveriam ser gozados entre o dia 24 de Outubro e 28 de Novembro de 2016.
15. Mais comunicou a ré ao autor que este não deveria apresentar-se ao trabalho a partir do dia 24 de Outubro de 2016 e, se o fizesse, a sua prestação efectiva de trabalho seria por si impedida, o que se veio a verificar.
16. No dia 21 de Outubro de 2016, a ré enviou ao autor um e-mail com o Mapa de Férias do ano de 2016, onde se encontra vertido que este teria ainda a gozar 24 dias úteis de férias, conforme documento de de fls. 13v a 14v que aqui se dá inteiramente reproduzido.
17. Por carta datada de 21/10/2018 o autor comunica à ré que considera ter um crédito de férias de 19 dias referente ao “ano anterior e transitada para este ano civil” e um crédito de 5 dias de férias correspondente ao remanescente dos 22 dias de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2016, e um créditos correspondente às “adquiridas ao longo do presente ano e que se venceriam a 1 de Janeiro de 2017”, conforme documento de fls. 15 que aqui se dá por inteiramente reproduzido
18. No dia 24 de Outubro de 2016 e em dias que se seguiram, o autor apresentou-se ao trabalho e foi pela ré impedido de trabalhar, sendo, inclusivamente, proibido de permanecer nas instalações da empresa.
19. Neste seguimento, o trabalhador chamou a G.N.R. de Vila Nova de Famalicão e apresentou queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho.
20. De seguida, o trabalhador dirigiu-se às instalações da A.C.T. de Braga no sentido de saber quais os direitos laborais que lhe assistiam.
21. Pelo menos no dia 24/10/2016 o autor permaneceu algumas horas à porta das instalações da ré.
22. Do último recibo entregue pela ré ao autor consta terem-lhe sido pagos os seguintes valores, conforme documento junto aos autos a fls. 17:
- Ordenado base, no valor pecuniário de €1.068,67;
- Isenção de horário, no valor pecuniário de €267,17;
- Subsídio de férias, no valor pecuniário de €59,64;
- Subsídio de natal, no valor pecuniário de €59,64;
- Cinco dias de férias, à razão de €65,06 por dia, no valor pecuniário de 325,30;
- Cinco dias de subsídio de férias, à razão de €65,06 por dia, no valor pecuniário de €325,30;
- Subsídio de férias, no valor pecuniário de €131,10;
- Subsídio de natal, no valor pecuniário de €721,25;
- 68 horas de formação profissional, à razão de €8,26 por hora, no valor pecuniário de €561,68, tendo o autor recebido o valor pecuniário liquido total de €2.391,58.
23. Nos últimos três anos de duração do contrato a ré ministrou formação profissional ao autor, pelo menos, 12 horas no ano de 2014 e 14 horas no ano de 2015.
24. Em Outubro de 2016, a ora Ré comunicou oralmente ao autor que pretendia que o mesmo gozasse 28 dias de férias, com início a 24 de Outubro de 2016 e término a 28 de Novembro de 2016.
25. A ré formalizou a sua comunicação, entregando uma carta em mão ao autor, que o mesmo se recusou a receber, conforme documento de fls. 53.
26. A ré prestou todas as restantes horas formação profissional ao autor nos últimos três anos, para além das que lhe pagou e se encontram referidas em 22.
27. Do mapa de férias de 2016 elaborado pela ré, e junto a fls. 14v dos autos, resulta que o autor dispunha de 19 dias de férias “do ano anterior”, gozou um dia de férias no mês de Fevereiro, um dia de férias no mês de Abril e 15 dias de férias no mês de Setembro.”
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B) Discussão
1. O Direito do caso
Como se avançou anteriormente, a única questão a decidir prende-se com saber se assistia à Ré/patronal a possibilidade de impor ao Autor/trabalhador, antes da data da cessação do contrato, o gozo dos proporcionais de férias referentes ao ano da cessação do contrato.

1.1 Direito a férias / seu enquadramento geral
Vejamos antes de mais, porque relevante para a apreciação, o regime legal estabelecido no Código de Trabalho (CT) sobre o direito a férias.
Em traços genéricos, e como primeira abordagem, poderemos partir do pressuposto, que temos por incontroverso, de que, vigorando entre as partes um contrato de trabalho, o Autor/trabalhador tinha direito, em cada ano civil, ao gozo de férias retribuídas – sem prejuízo, ainda, diga-se, dos direitos aos subsídios de férias e de Natal [1] –, num período mínimo de 22 dias úteis, que se vencem em 1 de janeiro e que em regra se reportam ao trabalho prestado no ano anterior, sendo as férias gozadas, por regra, no ano civil em que se vencem – o direito a férias, também por imposição legal, é irrenunciável e que não pode ser substituído, ainda que com o acordo do trabalhador, por qualquer compensação, económica ou outra, quanto a um período mínimo de 20 dias [2]. Também como resulta de lei, o período de férias é marcado em princípio por acordo entre empregador e trabalhador, estabelecendo a mesma lei, na ausência desse acordo, regras para a sua marcação pelo empregador [3], como ainda, de resto, para a alteração do período de férias, seja por motivo relativo à empresa seja por motivo relativo ao trabalhador [4].
Resultam ainda de lei, assim do artigo 245.º do CT, os efeitos da cessação do contrato de trabalho no direito a férias, aí se estabelecendo, nomeadamente, o direito ao recebimento da retribuição de férias e respetivo subsídio, correspondentes a férias vencidas e não gozadas, bem como aos proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação [5], sendo que, com particular relevância para o caso que se aprecia, estabelece-se no n.º 5 do artigo 241.º do CT que, “Em caso de cessação do contrato de trabalho sujeita a aviso prévio, o empregador pode determinar que o gozo das férias tenha lugar imediatamente antes da cessação.”

1.2 Dos proporcionais de férias
Feita uma breve abordagem sobre o regime legal constante do CT sobre férias, importa de seguida apreciar, sendo esta a questão sujeita a controvérsia das partes, se o Tribunal a quo, na sentença recorrida, mais propriamente na sentença após a reforma que operou, fez ou não uma adequada aplicação do direito, no que se refere aos proporcionais de férias a que o Autor tinha direito, ao concluir, diversamente do que havia entendido anteriormente – sentença antes da reforma operada –, que nada obstava a que a Ré impusesse ao Autor o gozo, antes da cessação do contrato, dos 20 dias de férias proporcionais ao ano da cessação do contrato, daí retirando o mesmo Tribunal, como consequência, na consideração ainda de que é de ter como efetivo gozo de férias todo o período de tempo decorrido entre 24 de Outubro e 28 de Novembro de 2016 (25 dias úteis), a conclusão de que à Ré “restava proceder ao pagamento de 2 dias de férias (proporcionais do ano da cessação do contrato) e dos 17 dias referentes vencidas em momento anterior a Janeiro de 2016”, razão pela qual, porque no recibo final foram pagos cinco dias de férias, apenas cumpria “proceder ao pagamento de 14 dias de férias”. Em conformidade com esse entendimento, afirmou então a sentença que por esses 14 dias de férias tem o Autor a receber a quantia de €680,06.
Como resulta das respetivas conclusões, desse entendimento diverge o Autor/recorrente – no que é acompanhado pelo Ministério Público junto desta Relação, no parecer que elaborou –, argumentando, no essencial, que ocorre inadequada interpretação do n.º 5 do artigo 241.º do CT, no que concerne ao gozo de proporcionais de férias do ano da cessação do contrato de trabalho, sendo a interpretação correta a que o Tribunal havia realizado inicialmente, não podendo confundir-se as férias já vencidas – assim em 1 de janeiro (e reportadas ao ano anterior), que completaram de forma perfeita as fases intrínsecas à sua formação, tendo-se verificado o seu vencimento antes da data da cessação do contrato de trabalho –, as quais podem por essa razão ser gozadas por imposição unilateral do empregador no período de pré-aviso, ao abrigo do artigo 241.º n.º 5 do CT, com os proporcionais de férias, referentes ao ano da cessação do contrato, que não se integram na previsão dessa norma, não podendo assim ser imposto o seu gozo, quer porque não pode a entidade patronal substituir-se ao legislador e antecipar a data do vencimento dos referidos proporcionais de férias – os proporcionais de férias que se venceriam a 1 de Janeiro do ano subsequente ao da cessação do contrato vencem-se no exato dia da cessação desse contrato, nos termos do artigo 245.º n.º 1, al. b) do CT –, quer também, diz ainda, porque os princípios base da Teoria Geral do Direito Civil, do Direito das Obrigações e do Princípio constitucional da Segurança Jurídica, na sua vertente da tutela da confiança dos cidadãos, obstam de forma categórica a que se possa impor o gozo de um crédito antes da data do seu vencimento. Por último, porque, diz, sempre se opôs ao gozo de proporcionais de férias durante o período de aviso prévio, não podendo ser considerada a sua ausência das instalações da Ré/recorrida entre os dias 24 de Outubro de 2016 e o dia 28 de Novembro do mesmo ano como um gozo de 20 dias correspondentes a proporcionais de férias – tendo sido ele, diversamente, isso sim, impedido de prestar trabalho –, que deve ser revogada a sentença (reformada), sendo condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de €1.486,98 a título de férias não gozadas e proporcionais de férias do ano da cessação do contrato, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor de 4% ao ano e até efetivo e integral pagamento, sendo que, atendendo a que a Ré pagou entretanto o valor pecuniário no €458,66, que deve ser deduzida tal importância pecuniária.
Defendendo a Apelada o julgado, cumprindo-nos apreciar, desde já avançamos a nossa posição sobre a questão controvertida e que é objeto de recurso, assim no sentido de que, salvaguardando naturalmente o devido respeito por diverso entendimento, assiste razão ao Apelante.
Na verdade, não resultando cabalmente esclarecido da sentença recorrida o fundamento legal para a solução nessa afirmada, que de resto contraria a que inicialmente foi alcançada pelo mesmo Tribunal, consideramos que, no caso, é esta e não pois aquela a solução que melhor dá resposta à questão suscitada, sendo que, para essa alcançar, se podem acompanhar em geral os argumentos avançados pelo Apelante no presente recurso, e segundados pelo Ministério Público no seu parecer, argumentos esses que, na nossa ótica, encontram real sustentação no regime legal em vigor sobre o direito a férias, a que aludimos genericamente em momento anterior, como ainda, também, aliás, nos próprios princípios gerais sobre vencimento e exigibilidade dos direitos.
No sentido de fundamentar o nosso afirmado entendimento, recorreremos também às regras de interpretação da lei, em particular a propósito do sentido a dar à norma constante do n.º 5 do artigo do artigo 241.º do CT em vigor.
Dispõe-se no artigo 9.º do Código Civil (CC), o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por referência, pois, aos critérios enunciados no preceito citado, importa fixar, de entre os sentidos possíveis da norma a interpretar, qual é então o seu sentido e alcance decisivo, como aponta Manuel de Andrade [6], para o que importará ter presente, desde logo, o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”) – com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto –, mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico – pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica –, integrado pelos elemento sistemático – que compreende a consideração das demais disposições integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas (unidade do sistema jurídico) –, racional ou teleológico – a ratio legis, ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser – e histórico – o contexto em que a norma foi elaborada, incluindo a sua evolução histórica e as suas fontes, ou seja, as circunstâncias em que a norma foi elaborada – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2016 (fixação de jurisprudência), que nesta parte se segue de perto, por apelo aos ensinamentos de Baptista Machado [7], frisando ainda que a interpretação tem também que ser atualista (“tendo… as condições específicas do tempo em que é aplicada”)[8].
Cumprindo pois tal objetivo, sem grandes dúvidas diga-se, temos como ajustada, como dissemos já, a interpretação defendida pelo Apelante e não pois a que foi seguida pelo Tribunal recorrido na sentença reformada sobre o campo de aplicação do n.º 5 do artigo 241.º do CT.
Na verdade, o elemento gramatical – o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei”), como se disse com a sua função negativa, eliminando pois todos os sentidos que não encontrem no texto qualquer apoio, correspondência ou ressonância –, assim o uso pelo legislador na norma a interpretar da expressão “o gozo das férias”, na consideração, que se impõe, de que o gozo do direito em causa, assim no caso a férias, se reporta, em regra, como resulta também expressamente da lei [9], ao trabalho prestado no ano civil anterior e que se vence apenas em 1 de janeiro, então, por decorrência desse mesmo regime, que aliás não pode ser dissociado também dos regimes estabelecidos na lei geral sobre aquisição e exigibilidade/vencimento do direito [10], a norma apontará, dentro dos sentidos possíveis, para uma interpretação que, respeitando esses regimes, considere aí integradas apenas as férias cujo direito ao seu gozo já se possa considerar vencido e, enquanto tal, no período do pré aviso, em condições de serem gozadas.
Esse mesmo sentido, acrescente-se, é também o que ressalta para nós em termos lógicos, integrando como se disse os elemento sistemático – que compreende a consideração das demais disposições que integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas (unidade do sistema jurídico) –, racional ou teleológico – a ratio legis, ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser –, pois que se adequa quer ao que se referiu anteriormente sobre a aquisição e vencimento do direito, quer ainda, em termos expressos, nas demais normas legais referentes ao direito a férias, em particular a que estabelece o regime aplicável aos casos de cessação do contrato, constante de norma própria – reaparece-se que o artigo 241.º, em que se inclui o regime que se analisa, trata da «Marcação do período de férias», portanto férias já vencidas, sendo que a norma referente aos efeitos da cessação do contrato apenas foi incluída, em termos de sistematização do Código, mais tarde, sem que nesta se faça qualquer ressalva, que nesse caso se imporia, quanto à possibilidade de aplicação do regime estabelecida no n.º 5 do artigo 241.º –, sendo que, vista a redação do artigo 245.º do CT, nesse se assinalando sem dúvidas a diferença de tratamento e regimes, se constata que as férias vencidas e não gozadas constam da alínea a) e os proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação constam da alínea b), que de resto, mesmo para efeitos de antiguidade, como resulta do n.º 3 do preceito, têm também tratamento diverso, pois que só o período das primeiras é considerado para efeitos de antiguidade.
Diga-se, aliás, a propósito desta questão, que percorrendo a nossa Doutrina jus-laboral se constata que, para além de essa assinalar precisamente a distinção entre aquisição e vencimento do direito a férias, também vai de encontro, a propósito da verificação nos quadros do artigo 245.º dos efeitos da cessação do contrato quanto aos proporcionais de férias, à solução a que chegámos.
Assim, Maria do Rosário Palma Ramalho [11], pronunciando-se a propósito da circunstância de a lei se ocupar “ainda dos casos da cessação do contrato de trabalho no direito a férias”, esclarece que, neste caso, “o art. 245º do CT antecipa o vencimento do direito a férias para o momento da cessação do contrato e reporta-o, naturalmente, ao tempo efectivo de execução do contrato no ano da cessação. Assim, quando o contrato de trabalho cessa, o trabalhador tem os seguintes direitos: - se já gozou as férias relativas ao ano anterior e vencidas a 1 de Janeiro do ano da cessação do contrato, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias que corresponda ao tempo de execução do contrato no ano da respectiva cessação, bem como ao respectivo subsídio (...) – art. 245.º nº 1 a) e b); - se o trabalhador ainda não gozou as férias relativas ao ano anterior e que se venceram a 1 de Janeiro desse ano, acresce ao direito anterior o direito à retribuição correspondente a essas férias não gozadas e ao respectivo subsídio por inteiro (art. 245º nº 3); além disso, se a cessação do contrato estiver sujeita a aviso prédio, o empregador pode determinar que o gozo das férias tenha lugar durante o período de aviso prévio (...)”
Do mesmo modo António Monteiro Fernandes [12], a propósito do que denomina como “mecanismo do cálculo da compensação pelas férias cujo gozo seja impossibilitado pela cessação do contrato de trabalho”, quando refere que esse “mecanismo – uma originalidade do nosso sistema – cuida de compensar o trabalhador, não apenas pela inutilização do período de férias de que beneficiaria no ano em que ocorre a cessação do contrato (férias já vencidas em 1 de Janeiro desse ano), mas ainda pela frustração da expectativa referente às férias a gozar no ano seguinte – isto é, daquelas que se venceriam em 1 de Janeiro desse ano, se o contrato não cessasse antes de tal data. Esta última (ou primeira, porque é tratada em primeiro lugar) parcela da compensação é determinada através de um critério que assenta necessariamente no princípio da ligação das férias ao ano anterior: o trabalhador receberá uma importância equivalente a um período de férias e respectivo subsídio «proporcionais ao tempo de serviço prestado até à data da cessação» (art. 245º/1). Pressupõe-se, em suma, que o direito às férias iniciadas no dia 1 de Janeiro de certo ano se vai progressivamente sedimentando ao longo do ano anterior – de tal modo que, a meio deste, o trabalhador é já considerado titular de uma expectativa (juridicamente tutelada, como se vê) respeitante a metade do futuro período de férias.”
Ainda João Leal Amado [13], que depois de afirmar que “as férias consistem, assim, num direito de formação sucessiva e de vencimento diferido”, aponta que assim se compreende “a solução vertida no art. 245º do CT, quanto aos efeitos da cessação do contrato no direito a férias”, exemplificando aliás: “No nosso exemplo, supondo que o contrato de trabalho se extinguiu, por qualquer motivo, em abril de 2013, isso implicará que o trabalhador deva auferir a retribuição e o subsídio correspondentes às férias vencidas em 1 de janeiro de 2013, férias que o trabalhador não chegou a gozar (nº 1, al. a), do art. 245º), bem como um montante proporcional ao tempo de serviço prestado em 2013, pois a partir de 1 de janeiro começou a formar-se um novo direito a férias, quie se venceria plenamente em 1 de Janeiro de 2014, mas que se vence antecipada e parcialmente aquando da extinção do vínculo, em abril de 2013 (nº 1, al. b), do mesmo preceito).”
Por último, Luís Menezes Leitão [14], ao referir que “em caso de cessação do contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente a um período de férias, proporcional ao tempo de serviço prestado até à data de cessação, bem como ao respectivo subsídio (art. 345.º, n.º 1, b)”.
Ou seja, como se viu, nenhum dos Autores citados aponta para a aplicação, neste caso, do regime estabelecido no n.º 5 do artigo 241.º do CT.
Deste modo, nos termos expostos, salvaguardando mais uma vez o devido respeito pela solução alcançada na sentença recorrida, defendida também pela Apelada, consideramos que não podem ser considerados em condições de ser gozados, no período de pré-aviso, os proporcionais de férias referentes ao ano da cessação do contrato, precisamente porque se não encontra então ainda, como se viu, vencido o direito, pois que, afinal, devendo em princípio vencer-se apenas em 1 de janeiro do ano seguinte (e ser então gozadas, também em princípio, apenas nesse ano), o facto que determina o seu vencimento anterior é precisamente, e apenas, o da ocorrência da cessação do contrato, fazendo então nascer o direito, mas apenas, pois, na precisa data dessa cessação, não podendo assim, antes, falar-se em “gozo de férias”, expressão utilizada no n.º 5 do artigo 241.º do CT, sendo que, quanto à sua consideração nessa data da cessação do contrato, se terá de aplicar, em princípio, o regime expressamente estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 245.º do mesmo Código.
E dizemos em princípio pois que se poderá eventualmente considerar que se tem por salvaguardada, neste âmbito, a possibilidade, por acordo expresso das partes, dentro do princípio da liberdade contratual, por não existir nesse âmbito norma imperativa que o afaste, de poderem ser gozados os proporcionais de férias, dentro desse período de pré-aviso [15], situação que, porém, sequer importa no caso apreciar, pois que, face ao que se provou, não podendo ter-se como expressa essa vontade do Autor/trabalhador na carta (ponto 11.º da factualidade provada) que enviou a 28 de Setembro de 2016 – dizendo-se apenas nessa que pretende “gozar o período de férias a que tenho direito”, como se viu anteriormente, nesse momento o direito a gozar as férias referentes aos proporcionais desse ano ainda não se encontravam vencidas –, antes pelo contrário, como resulta dos pontos 17.º, 18.º e 19.º, deparamo-nos com uma sua recusa a esse gozo.
Por todo o exposto, sem necessidade de outras considerações, porque temos por verificada uma inadequada aplicação da lei, procede totalmente o recurso, impondo-se em conformidade revogar a decisão recorrida, ou seja a sentença reformada, por termos aliás como adequada a solução que havia anteriormente sido afirmada pelo Tribunal na sentença que inicialmente proferiu, incluindo o valor a que então chegou e que não foi colocado em causa no presente recurso, assim o da condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de €1.486,98 a título de férias não gozadas e proporcionas de férias do ano da cessação do contrato, bem como, também, nesta parte como afirmado na sentença reformada, os respetivos juros de mora, peticionados, muito embora sem prejuízo da dedução de quantia que a esse título tenha sido entretanto paga.
Decaindo, a Recorrida suporta as custas do recurso, sendo as da ação em proporção do vencimento/decaimento (artigo 527.º do CPC).
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V - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida (sentença reformada), condenando-se a Ré, sem prejuízo da dedução de quantia que a esse título tenha sido entretanto paga após a prolação da sentença, a pagar ao Autor a quantia de €1.486,98, a título de férias não gozadas e proporcionas de férias do ano da cessação do contrato, acrescida dos juros de mora à taxa legal.
Custas do recurso pela Recorrida, sendo as da ação em proporção de vencimento/decaimento.
Anexa-se sumário - artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
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Porto, 8 de março de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Cfr artigos 263.º e 264.º, do Código do Trabalho de 2009 (CT).
[2] Cfr. artigos 237.º, n.ºs 1, 2 e 3, 238.º, n.ºs 1 e 5, e 240.º, do CT.
[3] Cfr. artigos 241.º e 242.º do CT.
[4] Cfr. artigos 243.º e 244.º, do CT.
[5] Alíneas a) e b) do seu n.º 1.
[6] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 21
[7] Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, págs. 175 e segs
[8] Como se afirma no mesmo Acórdão, citando em parte o Acórdão do mesmo Tribunal de 9 de Julho de 2010 (publicado no DR, Iª série de 9/07/2010), «“na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, por conseguinte, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei (cfr. no mesmo sentido o acórdão do STJ de 28/09/2005 – Cons. Sousa Peixoto – publicado no DR, Iª série de 10/11/2005) e de 30/04/2014, proc.3230/11.6TTLSB.S1 (Cons. Melo Lima)».
[9] Assim n.ºs 1 e 2 do artigo 237.º do CT.
[10] Diferença, como bem salienta o Recorrente, apontada, para além da Jurisprudência, também pela Doutrina, sendo que, quanto a esta última, para além da indicada pelo mesmo Recorrente – assim Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 5ª edição, página 217 –, também a Doutrina Jus-laboral lhe faz expressa referência, desde logo a propósito do direito a férias, assim, nomeadamente:
- Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho”, Parte II, 6.ª ed., pág. 445, ao referir que “Da aquisição do direito a férias deve distinguir-se o momento da sua exigibilidade ou vencimento”;
- António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 17.ª ed., pág. 374, quando refere que “o facto de o trabalhador, com a celebração do contrato, se tornar desde logo titular do direito a férias não lhe oferece imediatamente a possibilidade de as gozar. A exigibilidade desse gozo depende do vencimento do direito, que ocorre segundo um ciclo anual, em 1 de Janeiro de cada ano civil (art. 237º/1)”;
- João Leal Amado, “Contrato de trabalho”, 2016, pág. 235, ao referir que “As férias consistem, assim, num direito de formação sucessiva e de vencimento diferido;
- Luís Menezes Leitão, “Direito do Trabalho”, 5.ª ed./2016, pág. 319, ao referir que “O direito a férias reporta-se, em regra, ao trabalho prestado no ano civil anterior (art. 237º, nº 2). Precisamente por esse motivo a lei estabelece que ele adquire-se com a celebração do contrato de trabalho, mas só se vence no dia 1 de Janeiro de cada ano civil subsequente à contratação (art. 237º, nº 1).
[11] Obra Cit., pág. 461.
[12] Obra cit., pág. 376/7
[13] Obra cit., pág. 235/6
[14] Obra cit., pág. 323
[15] Solução que parece apontar o Acórdão da Relação de Évora de 29 de Março de 2011, Relator Desembargador João Luís Nunes (disponível em www.dgsi.pt), quando se refere, citando, “não obstante, não poderá também deixar de ter-se presente que alegando a Ré que comunicou a cessação do contrato ao Autor, caso o tivesse feito antecipadamente, poderia, eventualmente, e por acordo das partes, o Autor ter logo gozado os proporcionais de férias que seriam devidas até ao termo do contrato.”