Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1530/14.2TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROCESSO TUTELAR CÍVEL
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO PROVISÓRIA
CADUCIDADE
CONFIANÇA DO MENOR
CRITÉRIOS ACTUAIS
ALIMENTOS
Nº do Documento: RP201702201530/14.2TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º644, FLS. 245-290)
Área Temática: .
Sumário: I - As decisões provisórias e cautelares a que se refere o artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível proferidas em qualquer estado da causa caducam quando for revogada, alterada ou proferida a decisão final.
II - A sentença proferida num processo tutelar cível e, em particular, num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tem eficácia imediata independentemente do recurso, e do seu efeito, que dela venha a ser interposto.
III - A nulidade da sentença decorrente da oposição dos fundamentos com a decisão ou de ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra a lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
IV - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
V - É o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão que o tribunal tenha que tomar em relação ao seu projecto de vida (artigo 1906.º do CCivil).
VI - A figura primária de referência (primary caretaker), não obstante seja tida como referente no meio jurídico e seguida pelos nossos tribunais, cremos ser insuficiente para estribar uma decisão sobre o projecto de vida de uma criança, pois que limita todo um manancial de experiências a um momento (aquele em que criança é mais dependente) e a uma única figura, desvalorizando outros aspectos vivenciais da criança que são fundamentais para que ela se desenvolva de forma harmoniosa e autónoma.
VII - A investigação científica tem posto em evidência a importância de a criança manter o relacionamento e os vínculos com ambos os progenitores, desde que estes revelem competências parentais adequadas, desmontando a ideia de que a figura que esteve mais presente nos primeiros meses/anos de vida é a única figura de vinculação importante para a criança ou a figura de vinculação exclusiva.
VIII - Daí que nas acções de regulação das responsabilidades parentais, a melhor decisão resultará sempre da análise séria e sensível dos elementos da matéria de facto, do conhecimento imediato dos magistrados relativamente às pessoas envolvidas, e do empenho na procura da satisfação do melhor interesse da criança.
IX - Não obstante os alimentos sejam devidos desde a propositura da acção (artigo 2006.º do CCivil), no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades, isso apenas é valido em relação ao progenitor não residente e incumpridor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1530/14.2TMPRT-A.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Gondomar-Juízo F. Men.-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
I- As decisões provisórias e cautelares a que se refere o artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível proferidas em qualquer estado da causa caducam quando for revogada, alterada ou proferida a decisão final.
II- A sentença proferida num processo tutelar cível e, em particular, num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tem eficácia imediata independentemente do recurso, e do seu efeito, que dela venha a ser interposto.
III- A nulidade da sentença decorrente da oposição dos fundamentos com a decisão ou de ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra a lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
IV- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
V- É o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão que o tribunal tenha que tomar em relação ao seu projecto de vida (artigo 1906.º do CCivil).
VI- A figura primária de referência (primary caretaker), não obstante seja tida como referente no meio jurídico e seguida pelos nossos tribunais, cremos ser insuficiente para estribar uma decisão sobre o projecto de vida de uma criança, pois que limita todo um manancial de experiências a um momento (aquele em que criança é mais dependente) e a uma única figura, desvalorizando outros aspectos vivenciais da criança que são fundamentais para que ela se desenvolva de forma harmoniosa e autónoma.
VII- A investigação científica tem posto em evidência a importância de a criança manter o relacionamento e os vínculos com ambos os progenitores, desde que estes revelem competências parentais adequadas, desmontando a ideia de que a figura que esteve mais presente nos primeiros meses/anos de vida é a única figura de vinculação importante para a criança ou a figura de vinculação exclusiva.
VIII- Daí que nas acções de regulação das responsabilidades parentais, a melhor decisão resultará sempre da análise séria e sensível dos elementos da matéria de facto, do conhecimento imediato dos magistrados relativamente às pessoas envolvidas, e do empenho na procura da satisfação do melhor interesse da criança.
IX- Não obstante os alimentos sejam devidos desde a propositura da acção (artigo 2006.º do CCivil), no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades, isso apenas é valido em relação ao progenitor não residente e incumpridor.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, casado, residente em …, …, ….-… Gondomar, intentou a presente acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, relativamente a C…, seu filho, contra D…, mãe do menor, residente na rua …, …, em Matosinhos, Alegou, em síntese, que o menor é filho do Requerente e da Requerida, que são casados entre si, mas deixaram de viver juntos.
Aduziu, ainda, que os Requeridos não estão de acordo sobre a forma de exercerem as responsabilidades parentais, sendo que o menor reside habitualmente com a mãe.
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Procedeu-se à conferência a que alude o artigo 175.º da OTM (à data vigente), não tendo sido possível obter o acordo dos progenitores quanto à regulação das responsabilidades parentais.
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Os requeridos, notificados para o efeito, apresentaram as alegações que constam dos autos e que aqui por brevidade se dão por reproduzidas.
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A Segurança Social procedeu à elaboração de relatórios sobre a situação económico - social do Requerente e da Requerida e que foram juntos aos autos.
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Após, foi então fixado o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais constante da acta de 06/11/2014.
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Foram realizadas avaliações psicológicas a ambos os progenitores e cujos relatórios se encontram juntos aos autos sob as referências 7148240 e 7148254.
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Realizou-se audiência de julgamento com observância de todos os formalismos legais.
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A final foi proferida decisão que regulou o exercício das responsabilidades parentais da seguinte forma:
1º- O menor fica a residir com o progenitor, B…, o qual assumirá a responsabilidade pela decisão das questões da vida corrente do menor;
2º- A decisão de questões de particular importância da vida da menor caberá a ambos os progenitores;
3º- Quanto a convívios:
3.1. Enquanto a progenitora permanecer a residir em Portugal:
a)- o C… passará com a mãe, quinzenalmente, o período que decorre entre quinta-feira após o termo das actividades escolares e segunda-feira, até ao início das actividades escolares;
b)- estará ainda com a mãe na semana anterior ao fim-de semana a passar com o pai, desde quarta feira após o termo das actividades escolares até sexta-feira de manhã, ao início das actividades escolares;
c)- passará com a mãe metade das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão;
d)- para o efeito os progenitores comunicarão um ao outro até ao dia 31 de maio do respectivo ano o período de férias de Verão que pretendem gozar;
e)- se tal período coincidir, nos anos ímpares prevalecerá a vontade do pai, enquanto que nos anos pares, prevalecerá a vontade da mãe;
f)- nos anos ímpares passará a primeira metade das férias de Páscoa e de Natal com o pai e a segunda com a mãe e a segunda com mãe e nos anos pares passará a primeira metade das férias de Páscoa e de Natal com a mãe e a segunda com o pai, e assim sucessivamente;
g)- passará com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe;
h)- passará com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai;
i)- passará ainda, alternadamente, o seu aniversário com a mãe e com o pai;
j)- nas épocas festivas do Natal e Ano Novo: nas vésperas de Natal e Ano Novo de 2017, a Menor passará com a mãe e o dia de Natal e de Ano Novo com o pai, alternando nos anos seguintes;
3.2. a partir do momento em progenitora passar a residir fora do país, nomeadamente nos EUA, o regime de convívios atrás fixado será de imediato substituído pelo seguinte:
a)- a progenitora poderá visitar o menor livremente quando se encontrar em Portugal, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares do menor;
b)- para o efeito deverá avisar o progenitor, com pelo menos três dias de antecedência;
c)- nessas ocasiões o menor ficará com a mãe e com esta pernoitará o número de dias a acordar com os progenitores;
d)- em caso de discórdia quanto a tal questão, a mãe ao longo do ano poderá conviver com o C… pelo menos o mesmo número de dias que conviveria de acordo com o regime atrás fixado a vigorar enquanto esta se mantiver a residir em Portugal (sendo para o efeito contabilizados os dias de convívio regular e dias de férias);
e)- o menor passará dois terços das férias de Verão com a mãe e um terço com o pai;
f)- para o efeito os progenitores comunicarão um ao outro até ao dia 31 de maio do respectivo ano o período de férias de Verão que pretendem gozar;
g)- o menor passará as férias de Páscoa com a mãe;
h)- o menor passará parte das férias de Natal com o pai e outra parte com a mãe nos termos a seguir referidos;
i)- o menor passará o período de férias de Natal que decorrer até ao dia 25 de Dezembro inclusive com o progenitor com quem nesse ano passar o natal e véspera e o dia de natal e as férias restantes, a partir do dia 26 de Dezembro com o progenitor com quem passar a véspera e o dia de ano novo;
j)- nos anos ímpares o menor no natal e véspera e o dia de natal com a mãe e a véspera e o dia de ano Novo com o pai; e nos anos pares o menor no natal e véspera e o dia de natal com o pai e a véspera e o dia de ano Novo com a mãe.
k)- se tal período coincidir, nos anos ímpares prevalecerá a vontade do pai, enquanto que nos anos pares, prevalecerá a vontade da mãe;
l)- nos anos ímpares passará a primeira metade das férias de Páscoa e de Natal com o pai e a segunda com a mãe e a segunda com mãe e nos anos pares passará a primeira metade das férias de Páscoa e de Natal com a mãe e a segunda com o pai, e assim sucessivamente;
m)- quando se encontrem no mesmo país, o menor passará com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe;
n)- quando se encontrem no mesmo país, o menor passará com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai;
o)- quando se encontrem no mesmo país, o menor passará ainda, alternadamente, o seu aniversário com a mãe e com o pai;
p)- o menor gozará férias com esta na residência desta, nomeadamente nos EUA e noutro local, informando a mãe o pai do local em que o menor se encontrará.
Em qualquer das situações os progenitores assegurarão o contacto diário do menor com o outro progenitor, em particular quanto residirem em países diferente, em horário por eles a definir, via skype ou por outro meio que permita não só audição mas também a visualização do menor;
4º- a progenitora contribuirá com a quantia de €100,00 (cem euros) por mês, para o sustento do menor, quantia que entregará à progenitora, até ao dia 8 a que respeita, por transferência bancário ou qualquer outro meio de pagamento idóneo.
A progenitora suportará de 30% das despesas de saúde e educação do menor, aqui se entendendo apenas livros e material escolar, inerentes ao menor e o progenitor suportará 70% das mesmas.
Tal importância será anualmente actualizado no mês de Janeiro, em função da taxa de inflação fixada em Janeiro de cada ano, ocorrendo a primeira actualização em Janeiro de 2017.
5º- A título de prestações vencidas desde o início da acção, a progenitora pagará ao progenitor quantia de € 2.900,00 (dois mil e novecentos euros).
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Não se conformando com o assim decidido vieram quer a progenitora quer o Ministério Público interpor os respectivos recursos concluindo as suas alegações pela forma seguinte:

Progenitora
I. Por decisão proferida em 3 de Outubro de 2016, a Mmª. Juíza a quo regulou as responsabilidades do menor C…, nascido em 6 de Dezembro de 2011, fixando a sua residência definitivamente junto do progenitor, regime de convívios à mãe e o valor da pensão de alimentos a entregar por ela ao filho.
II. A sentença sub iudice é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão.
III. O menor C… com 4 anos está entregue á Mãe desde que nasceu, Mãe, aqui Apelante que dele cuida em exclusivo desde que ele nasceu, tendo deixado de trabalhar para cuidar tratar e amar o filho- o filho é a sua prioridade máxima!!!!
IV. Na vida de um menor de 4 anos, em que a Mãe é a sua principal cuidadora e a sua figura de referência devem ser estes os factos e critérios principais para decidir a guarda, entregando-se por isso o menor á guarda da Mãe.
V. Fundamentou a Sra. Juiz a decisão de confiar a criança aos cuidados do progenitor por entender que este seria mais idóneo a promover os contactos com a progenitora.
VI. Teve em consideração o clima e níveis de humidade na cidade de Nova Iorque, o que, com a devida vénia, é uma matéria que extravasa as competências da Mmª Juíza, atenta a especificidade da matéria, e que dúvidas não há que fica alem das regras da experiência, pois de outro modo também se deveria ter dito que o Litoral de Portugal tem igualmente um clima húmido, e fosse esse o perigo, a sentença que atribui ao pai a guarda ao menor, a fim de acautelar os seus interesses, deveria ter imposto que o progenitor se mudasse para o interior do país.
VII. A Apelante, Drª D…, distinta médica dentista, com um curriculum vitae brilhante deixou Londres onde se encontrava a trabalhar para dar à luz, amar, cuidar e proteger uma criança. Largou tudo para ser mãe!
VIII. Enquanto o progenitor manteve a sua actividade profissional com toda a sua pujança, antes e depois do nascimento do menor, com o relevo de o fazer deslocando-se ao estrangeiro três vezes por semana, conjugando a sua actividade profissional no estrangeiro com a clinica E…, de que é dono e onde exerce a sua actividade de médico implantologista, com a agravante das horas a que chegava e saia de casa, o que revela o pequeno contacto que tinha com a família, máxime o menor que nem o chegava a ver por já estar a dormir quando chegava–cfr. factos 25, 56, 109, 182, 199 202 e 203 da sentença a quo.
IX. Progenitor que apresenta um histórico de ocupação académica e profissional que obsta à imagem de um pai de família tradicional que (como a sentença a quo procura fazer transparecer) dará prevalência aos laços familiares.
X. Assim, duvida não pode haver que a apelante é e sempre foi a cuidadora principal do menor. Que dele cuidou ininterruptamente nos seus quase cinco anos de vida–cfr. factos 49, 50, 109 e 182 da sentença a quo.
XI. Isento de dúvidas é que a progenitora é a pessoa que mais tempo esteve, e está, presente na vida do menor. Sendo, por isso, a sua figura de referência.
XII. Veja-se que já em 2015 o menor tinha medo de se separar da mãe e ainda hoje revela estar mais ligado a ela nas suas rotinas do dia-a-dia e na sua segurança, tal como afirmou a psicóloga, Drª. F…–cfr. factos 147 e 149 da sentença a quo.
XIII. Citérios que a doutrina e jurisprudência vêm adoptando para ponderar os interesses do menor e dessa forma atribuir a guarda aquele progenitor que melhor dê continuidade à estabilidade da criança de tenra idade.
a. Preferência maternal para crianças de tenra idade: “A regra judicial de atribuição da guarda dos filhos tem sido (…) a preferência maternal para crianças de tenra idade, considerando-se crianças de tenra idade, crianças mais velhas, pré-adolescentes”-vide Sottomayor, Maria Clara, “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 4ª Edição–Revista, Aumentada e Actualizada, Almedina, pág. 43.
b. A regra da figura primária de referência: “(…) o critério que nos parece mais correto e conforme ao interesse da criança, é que esta seja confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia (…)”-vide Sottomayor, Maria Clara, ob. Cit. Pág. 53
XIV. Em casos de crianças de tenra idade, é o reconhecimento do lado emocional da criança, a protensão dos interesses emocionais do menor, entregando-o ao progenitor que dele cuida no dia-a-dia– vide Sottomayor, Maria Clara–ob. Cit. Pág. 44.
XV. Jurisprudência e doutrinas que o Tribunal a quo procurou escapar como quem foge por entre os pingos da chuva mas acaba sempre e inevitavelmente molhado.
XVI. O Tribunal a quo entendeu que atribuir a guarda do menor ao progenitor seria a melhor forma de promover o contacto com ambos os progenitores, já que o pai seria o que melhor o fomentaria.
XVII. No pedaço de vida que lhe for apresentado, a Mmª Juíza a quo decidiu mal.
XVIII. A ponderada decisão da Mmª Juíza não atendeu a todos os factos com relevo para esse argumento. Não valorou os comportamentos da progenitora que revelam que esta sempre fomentou o contacto do menor com pai. Exemplo disso é:
a. A progenitora contratou um segurança privado para zelar pela sua segurança e pela segurança do menor aquando das visitas do progenitor, permitindo ao Pai que todos os dias estivesse com o filho, o visse e brincasse com ele (face às agressões de que já havia sido vítima, á recusa de entrega do menor pelo Apelado que indevidamente reteve o filho e não o trazia, ao incidente de não entrega do menor e ás ameaças de que não o entregaria se a Apelante não assinasse um acordo de guarda conjunta) quando podia simplesmente recusar as visitas ao menor, o que nunca aconteceu;
b. Pediu ao Tribunal a fixação urgente de um regime de visitas provisório a favor do Pai para garantir que o Pai veria o menor, o teria de trazer de volta e que o acordo seria exequível;
c. Nas ausências da progenitora privilegiou o pai do menor sempre que por causas de força maior precisou de se ausentar para fora do país. Concedendo assim ao progenitor mais tempo do que aquele que havia sido fixado na ata de regulação provisória das Responsabilidades parentais;
d. Entregou o menor ao Pai voluntariamente nos aniversários do menor e do Pai, e do dia do pai, com pernoitas, entregou o menor nas férias para passar metade das férias com o Pai
e. Em episódios extraordinários do menor a progenitora sempre comunicou ao pai do menor e respeitou a sua opinião.
f. Contractou uma Psicóloga para ajudar o menor na relação com o Apelado.
g. Várias foram os e-mails que enviou ao progenitor a propor um regime onde o progenitor teria ficado muitos mais dias com o menor do que aqueles que o Tribunal lhe acabou por fixar.
h. Perguntada, respondeu que se lhe fosse atribuída a guarda definitiva do menor, uma vez que iria fixar residência nos EUA, o menor poderia passar a totalidade das férias do verão com o pai, sem prejuízo dos restantes períodos durante o ano.
i. Enfim esta Mãe se há coisa que não faz é evitar o contacto do menor com o Pai a Apelante fomenta o contacto do menor com o Pai- já o Pai não autoriza o contacto do menor com a família materna e não fomenta o contacto do menor com a Mãe não o autorizando a ficar com a Mãe quando este após as longas terríveis viagens que a Mãe fez por ocasião da morte de seu Pai e da doença da sua Avó, pretendeu, chorando de forma histérica ficar com a Mãe! O Pai não o permitiu!!! O Pai não autoriza que o menor se ausente com a Progenitora, não permite que este fique com a Mãe nem altera fins - de - semana. Fui buscar o menor assim que foi proferida a decisão sub Júdice, arrancando-o à força!!
XIX. A apelante é pessoa idónea, capaz de cuidar do menor, tal como vem cuidando desde sempre. É uma Mãe excepcional como reconhecem as testemunhas do Apelado, que dá amor, colo e carinho ao filho!!! Que lhe dá rotinas e regras também, que tudo prescindiu por causa dele e por ele!!! Daí esta ligação tão forte, tão inquebrável entre o menor e Mãe, que a adora e ainda hoje chora quando tem de a deixar!!!! Esta atitude do filho é a prova do amor, dependência e ligação que lhe tem!!! Ela é o seu equilíbrio como referiu a Psicóloga!
XX. Refere ainda a Sra. Juiz que o progenitor dará maior estabilidade ao menor e entende que o estilo educativo do progenitor será mais adequado para o mesmo.
XXI. Erradamente porque resulta do relatório pericial do Dr. G… e das conclusões das avaliações, reiterado nas explicações e esclarecimentos prestados em Juízo que ambos os progenitores têm capacidades parentais e que ambos os modelos educativos são correctos e se completam.
XXII. Finalmente foram incorrectamente julgados os factos 27, 34, 45, 47, 62, 122, 139, 174, da sentença que devem ser retirados e eliminados da matéria de facto.
XXIII. Não deve concluir-se que a progenitora não reconhece a importância do progenitor na vida do filho, nem muito menos que só esta se reconhece a si própria como importante e significativa, tal como a Mmª Juíza a quo refere.
XXIV. O que aliás é contrariado por todos os factos referidos supra de: ter entregue o menor ao Pai durante 5 dias no seu aniversário, ter deixado o menor aos cuidados do Pai durante períodos de 15 dias quando foi a Moscovo (2 vezes) e ao Canadá, ter permitido que o menor fosse a aniversários do Pai e de familiares paternos, ter permitido que passasse todo o dia do Pai de 2015 e 2016 durante todo o dia e pernoitando com o Pai, ter permitido que passasse metade das férias da Páscoa em Abril e agora em Novembro, ter entregue o menor ao Pai para férias de verão, contactar o Pai em cada situação de doença do menor, comunicando-lhe o seu estado de saúde, e ainda deixar a casa de amigos onde se encontrava para permitir que o Pai falasse com o filho á vontade, assim como permitir que falem todos os dias sendo ela que inclusive o contacta muitas vezes o Pai o efeito.
FACTOS, COM INTERESSA NA DECISÃO, QUE O TRIBUNAL A QUO DEVIA DAR COMO PROVADOS
XXV. Do testemunho da Dr.ª F… – Psicóloga do menor-não foram extraídos determinados factos que mereciam relevo e assim serem dados como provados:
a. “O C… quando tinha que ir para o Pai despia-se todo e ficava aos berros de forma descontrolada”
b. “O C… tem medo de não voltar para a Mãe”
c. “Está muito agarrado à Mãe. Não ficava sequer sozinho sem a Mãe”
d. “Despia as roupas para não sair de casa. berrava….berros acutilantes…completamente! (para não deixar a Mãe). Continua a chorar quando tem de ir para o Pai.
e. “Ele vive com a Mãe, ele tem 24 horas com a Mãe, ele tem uma relação mais próxima com a Mãe, neste momento, de hábitos, rotinas, de segurança.
XXVI. Por isso a Mmª Juíza a quo devia ter dado como provado no art.º 149 não só que o menor se encontra mais ligado à Mãe no que concerne ás rotinas do dia à dia mas também que ele tem uma relação mais próxima com a Mãe, neste momento, de hábitos, rotinas, e até de segurança.
XXVII. Ficando por isso a sua segurança em causa se lhe tiram a Mãe!!!!!!!!!!!!!!
XXVIII. A Mmª. Juíza não deu como provado que:
a. Que a mãe é cuidadora, a mãe dá mimo, afecto, e (tem) proximidade em relação ao filho-como referiu a testemunha: “A Mãe dá mimo ao C…, dá-lhe carinho, afecto, preocupa-se com ele, é cuidadora”.
XXIX. Nem foi dado como provado que o progenitor saía aos fins-de-semana com os amigos para as suas actividades, e que almoçava na clinica onde trabalhava e não fazia as refeições com a Apelante nem com o filho.
XXX. Recorre-se também da decisão que condenou à Apelante no pagamento da quantia de € 2.900,00 (dois mil e novecentos euros) e ainda no pagamento mensal da quantia de €100,00 (cem euros) por falta de explicação e fundamentação.
XXXI. A perfeita análise dos factos provados em julgamento e outros que não se tiveram em consideração, são de tal forma fortes e incontornáveis, que é gritante a disparidade entre os fundamentos e o decidido.
EM SÚMULA
XXXII. O Tribunal a quo recorrido violou a lei do processo, mais concretamente as normas dos artigos 615.º, n.º1 al. c) do CPC.
XXXIII. A decisão a quo violou a lei substantiva ao errar na interpretação e aplicação das normas relativas aos interesses do menor/criança - art.º 1905º, n.º 1, do CC e 40º, n.º 1 do RGPTC.
XXXIV. Bem como, o Tribunal a quo tomou uma decisão ao arrepio de TODA a doutrina e jurisprudência, ao atribuir a guarda do menor a pessoa diferente do cuidador principal e da sua figura de referência.
XXXV. Finalmente, é urgente para efeitos de subsistência, que o menor seja autorizado a viajar imediatamente para Nova Iorque onde tem emprego e contrato de trabalho, conforme supra referido.
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Ministério Público
I – Por decisão proferida em 3 de Outubro do corrente ano, a Exma. Senhora Juíza titular destes autos regulou as responsabilidades do aqui menor C…, nascido em … de Dezembro de 2011, fixando a sua residência definitivamente junto do progenitor, regime de convívios à mãe e o valor da pensão de alimentos a entregar por ela ao filho.
II- Fundamentou a decisão de confiar a criança aos cuidados do progenitor, por evidenciar maior estabilidade com o pai e adesão ao seu estilo educativo, por a progenitora desvalorizar a figura do pai, por este se revelar ser mais idóneo na promoção dos convívios do menor com o outro progenitor, por o clima húmido de Nova Iorque não ser favorável à rinite alérgica do C…, por a progenitora ter pretendido confrontar em julgamento o pediatra do menor com o conteúdo de uma gravação que fizera, sem consentimento daquele e de forma furtiva, aquando de um atendimento ocorrido no consultório do clínico onde foi debatida a problemática de saúde do C… e, por fim, por o C… se encontrar integrado a nível familiar e social.
III- Antes de mais, há que o dizer que qualquer um dos pais tem competências parentais e condições para cuidar e proporcionar ao C… tudo aquilo que a vida tem de melhor, pelo que a sua entrega definitiva a um ou a outro, neste particular aspecto, nos deixa de alguma forma sossegados.
Entendemos, no entanto, que os critérios utilizados pela julgadora ao fixar a residência desta criança junto do pai vão ao arrepio daquilo que uma parte significativa da jurisprudência e da doutrina mais avalizada tem decidido e escrito sobre a matéria, daí circunscrevermos o nosso apelo quanto à questão de direito.
IV- Reconhecemos alguma pertinência aos fundamentos invocados que consubstanciaram a decisão de fixar a residência do C… junto do pai, e sem querer, de forma alguma, impor a nossa convicção à do julgador, que é absolutamente soberana, parece-nos que os mesmos por secundários, não vão ao encontro do interesse do menor. Na verdade, os critérios adoptados são pouco objectivos, de difícil aplicação, compreensão e de controlo pelos tribunais superiores.
V - Os modelos educativos de um e de outro progenitor são diferentes. A mãe é rigorosa nas rotinas (o C… tem que comer e dormir às horas determinadas) e não permite quebras mesmo em ocasiões festivas (tendo sido este uma das causa do divórcio e do mau relacionamento com a família paterna) . Já o pai não é tão intransigente nas rotinas e adequa o rigor à situação, sendo resiliente às birras alimentares do filho e consegue pela via da distracção levá-lo a comer aquilo que ele rejeita, o que nem sempre a mãe consegue. No entanto, tal como foi dito pelo perito médico do IML ouvido em julgamento, nenhum destes modelos educativos é melhor do que o outro.
Ambos são positivos e o desejável era que estes pais estivessem juntos, pois que o menor seria beneficiado com a educação que receberia de um e do outro progenitor. Não obstante esta diferença educativa, que a progenitora justificou por ser típica dos países de leste, ambos têm capacidades parentais, conforme resulta das conclusões das avaliações a que foram sujeitos e ponto 139 dos factos provados (174 com idêntica redacção).
VI- Aquando do seu depoimento a progenitora desvalorizou a figura do pai ao afirmar que aquilo que ele fazia poderia ser feito por uma ama. Utilizou-se, depois este argumento, para se concluir que a mãe não iria promover os contactos com o pai, caso a criança lhe fosse entregue e lhe fosse permitida a sua ida para os Estados Unidos da América. A progenitora foi injusta para com este pai e manifestamente infeliz na sua apreciação, pois que ele é uma figura presente na vida do C… e preocupado com tudo que envolve a vida do filho.
No entanto, não podemos valorizar em demasia essa apreciação, pois que esta mãe, que se expressava em inglês, estava debaixo de uma grande pressão, submetida a interrogatório e contra-interrogatório que se mantiveram por várias sessões, sendo até possível, por as suas declarações terem sido mediadas por intérprete, que não tivesse entendido o que lhe foi perguntado. Em todo o caso, o que resulta dos factos provados é que esta mãe, logo que foi fixado o regime provisório, cumpriu escrupulosamente os períodos de convívio do C… com o pai. Mesmo quando, em três ocasiões, se ausentou do país entregou o C… ao pai, assim satisfazendo a proibição de dele se ausentar com o filho. Igualmente foi cumpridora quanto aos convívios semanais não constando da matéria fáctica provada qualquer incumprimento neste âmbito. E todos sabemos bem que, quando há vontade em não cumprir o regime de visitas estabelecido, não faltam argumentos que o justifiquem, havendo sempre um médico amigo disponível para confirmar uma qualquer indisposição ou situação que incapacita uma saída da criança de casa.
VII- Não deixamos de reconhecer que o clima húmido de Nova Iorque não se apresenta como o melhor para quem sofre de problemas respiratórios. Esta questão foi colocada ao dr. H…, pediatra do C…, tendo ele respondido que a questão se resolve com a toma de medicação. Seguramente que em cerca de 19 milhões de pessoas que moram em Nova Iorque haverá milhares, incluindo crianças, que apresentam problemáticas respiratórias e não é por isso que não deixam de fazer a sua vida normal e com qualidade, desde que devidamente medicados, como, aliás, o C… tem feito, desde que nasceu, numa zona igualmente húmida como é a do litoral do Grande Porto.
VIII- Igualmente é certo não ter a progenitora agido bem ao gravar uma conversa privada com o pediatra do filho, às escondidas, com o propósito de pretender evidenciar contradições no seu depoimento em tribunal acerca dos problemas de saúde do C…, como aliás o evidenciamos, em julgamento, em resposta ao requerimento para audição do Dr. H…. No entanto, a maior responsabilidade, e com o devido respeito, não cabe à progenitora mas sim à sua Ilustríssima Mandatária, que lhe deveria ter dito que tal não seria possível por se tratar de uma prova obtida de forma absolutamente proibida.
IX- Concordamos em absoluto com a afirmação de o C… se encontrar bem inserido a nível familiar, social e escolar. O C… tem boa relação com a família alargada paterna e com eles gosta de conviver. Relaciona-se com os filhos dos amigos do pai e já criou as suas raízes na escola por si frequentada.
No entanto, não podemos deixar de sublinhar que para tudo isto decorrer com a normalidade que tem decorrido muito tem contribuído a presença da figura parental da mãe, que quanto a nós, e pelas razões que a seguir vamos expor, se assume como o progenitor de referência na vida desta criança, e sem a qual, esta estabilidade poderá ser perturbada.
X- Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulabilidade do casamento ou nos casos de separação de facto, de acordo com o nº 5 do art. 1906º do Código Civil “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
E o nº 7 completa dizendo que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles”.
O superior interesse do menor é assim o princípio que deve nortear qualquer decisão do tribunal relativa à regulação das responsabilidades da criança, sendo este um conceito vago e genérico que deve ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”– Almiro Rodrigues in “Interesse do Menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, pág. 18 e 19, ou, no dizer do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 8/91, “reconhece-se o interesse do menor como a força motriz que há-de impulsionar toda a problemática dos seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os seus legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspectos”.
XI- Este princípio completa-se com a regra de que a regulação das responsabilidades parentais não visa promover a igualdade entre os progenitores mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência (Conselheira Maria Clara Sottomayor, in Exercício as Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, pág.59 e segs.).
Segundo esta regra, a criança deve ser confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia, por permitir “ por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente. A figura primária de referência será, também, em regra, aquele progenitor com quem a criança prefere viver” (obra citada, pág. 59.).
XII- A nível dos tribunais superiores o critério da figura primária de referência, cremos de forma maioritária, tem sido acolhido como factor relevante para efeitos de regulação das responsabilidades parentais, citando-se a título exemplificativo os arrestos Acórdão do STJ de 04/02/2010, in www.dgsi.pt.; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/06/2016, in www.dgsi.pt”. ; Acórdão da Relação de Lisboa de 30/01/2014, in www.dgsi.pt. e Acórdão da Relação de Guimarães de 4/2/2016, in www.dgsi.pt.
XIII- A regra da figura primária de referência constitui um critério funcional e objectivo, e deve estar sempre presente na investigação factual dos Tribunais, constituindo ponto de partida e critério das decisões judiciais, só devendo ser afastado em situações de perigo para a criança, nos termos do art.º 3 º da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (neste sentido Conselheira Maria Clara Sottomayor , pág. 65, e Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, ali mencionado).
XIV- Perfilhando-se este critério como regra relevante para determinar com qual dos pais a criança deve ser confiada, impõe-se saber se os factos dados como provados permitem aferir qual dos dois progenitores assume tal função.
XV- Assim, da sua leitura e correlação, verificamos que o C… desde que nasceu esteve sempre aos cuidados da mãe (Ponto 49, 50, 109 e 182 dos factos provados). Mesmo após o seu nascimento e até Abril de 2014, tendo o progenitor mantido o registo anterior de passar duas/três noites em Londres em trabalho, era com a progenitora com quem o C… ficava (Ponto 25, 56, 109, 182, 202 e 203).
Quando se deslocava a Londres para leccionar no Y…, era igualmente com a mãe com quem o C… ficava (Ponto 109, 182 e 199). Mesmo quando o progenitor se encontrava a trabalhar em Portugal, era com a mãe com quem o menor ficava (ponto 109 e 182). A progenitora é dedicada ao filho e desde que este nasceu dedica-se exclusivamente a cuidar dele (Ponto 109). Em inícios de 2015 o C… revelava receio de se separar da mãe, não querendo, por exemplo ficar sozinho com a psicóloga, mas hoje já não é assim (Ponto 147). Actualmente o menor mostra-se mais ligado à mãe no que concerne às rotinas do dia-a-dia, por com ela passar mais tempo (Ponto 149).
XVI- A dedicação exclusiva aos cuidados do filho e às suas rotinas do dia-a-dia tem subjacente a ideia que cabia à mãe a primeira responsabilidade na preparação e planeamento das refeições, banhos, higiene, vestuário, o deitar e o adormecer o C…, incutir-lhe regras e princípios, lavá-lo a passear, etc., no que se traduz em ser ela quem desempenha a figura do chamado “Primary Caretaker (figura primária de referência).
XVII- Eventualmente, poderá até dizer-se que o C… tem para com a mãe uma forte dependência afectiva, já que, em 2015, revelava receio de se separar da mãe e, actualmente, dela depende para concretizar as suas rotinas diárias.
XVIII- O pai do C…, e como tivemos oportunidade de o dizer em sede de alegações de julgamento, é um progenitor presente, interessado e interveniente, tendo com o menor uma boa relação filial. Também ele interagiu com o filho nas suas mais variadas vertentes, disso sendo exemplo ter por várias vezes lhe aquecido a sopa que depois se encarregava de lhe dar, ter-lhe dado de comer quando ele fazia birra, tê-lo deitado e acordado de noite quando o menor chamava, mas não cuidou dele “predominantemente na constância do casamento”, critério decisivo, como vimos, para determinar com qual dos pais deve o C… ser confiado.
IXX- Na nossa óptica, e se nos é permitido fazê-lo, aquilo que parece resultar dos factos provados é terem estes pais definido um modelo de vida: o progenitor trabalha e ganha dinheiro para o agregado e a mãe fica em casa a tomar conta do filho, encarregando-se, predominantemente, de cuidar da sua alimentação, vestuário, educação e das lides domésticas.
XX- A figura primária de referência do menor é a sua progenitora e, por conseguinte, deverá ser com ela que deverá permanecer em nome do seu equilíbrio e estabilidade emocional, devendo em conformidade ser fixada definitivamente a sua residência com a mãe.
XXI- Entendendo-se, como entendemos, que o C… deverá ser confiado à progenitora, impõe-se, agora, dar resposta ao pedido por ela formulado de se fixar, com o filho, no estrangeiro, no caso, em Nova Iorque, com o qual, o pai, não concorda.
XXII- Antes de mais, diga-se, que nestas situações não há decisões de efeitos neutros, quer se permita que o C… possa acompanhar a mãe no regresso aos EUA quer se determine que fique com o pai, a criança irá sempre sofrer, já que ocorrerá um afastamento físico em relação ao outro progenitor, com diminuição significativa dos contactos directos entre um e o outro–que no entanto poderão ser colmatadas através de contactos regulares via internet empre devendo por via disso ser adoptada a solução que cause menos sofrimento ao menor–“A questão da mudança de residência deve ser analisada à luz das alternativas disponíveis, no caso de se proibir a deslocação. Nesse contexto, nenhuma das soluções é a ideal. Portanto, terá que se optar pela menos má “, Conselheira Clara Sottomayor, obra já citada, fls. 97 e segs..
XXIII- Constituindo-se esta mãe como a figura do dia-a-dia, a separação do C… da progenitora poderia ter como consequência aquilo que a investigação científica apela de “disrupção da vinculação”, fenómeno atribuído às dificuldades manifestadas pela criança na sua infância e posteriormente já na idade adulta ou psicopatologias, que resultam do efeito adverso da retirada do cuidador primário.
XXIV- A mudança de cidade ou de país da pessoa de referência com a criança só deverá ser recusada em três situações: falta de competências parentais do cuidador, doença da criança ou clima de insegurança no local de destino (obra citada, pág. 98).
XXV- Ora, nenhuma destas situações se verifica. A mãe é uma boa cuidadora (ponto 139 da matéria de facto), o C… não padece de nenhuma doença que impeça a sua deslocação para os EUA (tem rinite alérgica que está a ser tratada) e Nova Iorque é uma das cidades do mundo mais desenvolvidas e seguras.
XXVI- Aliás, o desejo de regresso aos EUA, já era algo que esta mãe tinha em mente, pois que, entre finais de 2012 e início de 2013, verbalizou a vontade do agregado (a própria, marido e filho) se mudar para aquele país (ponto 44 dos factos provados).
XXVII- Por outro lado, tendo o tribunal reconhecido que a relação com o pai do C… não tinha futuro, decretando o seu divórcio, ao não permitir-se a sua deslocação para o estrangeiro o tribunal tira-lhe com uma mão aquilo que com a outra lhe tinha dado, assim a obrigando a manter uma proximidade e relacionamento com a família paterna que é conflituosa e que ela não pretende.
XXVIII- Mais se diga, que a concretizar-se tal recusa, teríamos o Estado a interferir directamente na vida das pessoas e a desrespeitar o direito à deslocação e circulação, ínsitos no art.º 44 .º da Constituição da República Portuguesa.
IXXX- Acrescente-se, que esse desejo de regresso a Nova Iorque, onde viveu, estudou e conheceu o pai do filho, não resulta de nenhum capricho seu, antes sim, constitui um efeito natural e esperada de alguém que é de nacionalidade estrangeira e que acabou de se divorciar de um cidadão natural do país onde vive e da circunstância de não ter em Portugal família, amigos, nem condições para de forma digna sobreviver ou garantir o sustento do filho e que tem a ver com a circunstância de não poder exercer a sua actividade profissional de médica dentista, por não ter procedido junto da Ordem dos Médicos Dentista ao reconhecimento das suas habilitações, supostamente, devido a não dispor da quantia de €2.500, que seria necessária para esse efeito. Ao contrário, nos EUA, a progenitora tem família, um deles, o tio P…, cirurgião, que a tem apoiado economicamente, amigos e possibilidade de poder exercer a sua profissão de médica dentista, que naquela país é uma profissão muito bem paga e, dessa forma, condições para proporcionar ao C… tudo aquilo que ele precisa para crescer bem e de forma saudável.
XXX- É certo que se deu como provado que, após a separação, a progenitora teve duas propostas de emprego (ponto 136 e 179 da matéria de facto), mas tais propostas, para desempenhar funções de assistente médica dentista, uma, numa clínica privada e, e a outra, na clínica de que o progenitor do C… é sócio, foram por ela recusadas, aquela, pelo baixo salário proposto, e esta por inadequação às suas qualificações e por, dizemos nós, não se mostrar compatível com o clima de conflito existente entre a própria, progenitor e família do progenitor, cuja mãe (avó paterna do menor) ali também trabalha como gestora.
XXXI- Mesmo que se entenda, como o tribunal entendeu, que a mãe desvaloriza o papal do pai e que isso constitui um sinal de que no futuro, indo para os EUA com o filho, não promoverá os convívios, ainda assim e sem deixar de considerar tal postura censurável, não é legítimo privar o C… da sua figura de referência, pois, no fundo, estaríamos a puni-lo por um comportamento que não foi por ele praticado, citando-se, a este propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/07/2008 (Relatora: Rosário Gonçalves)–“Uma criança não pode ser penalizada por uma conduta a si alheia. Não se pode dizer que um pai que dificulta o regime de visitas da mãe, não seja um bom progenitor ao ponto de se lhe alterar, por essa razão, a guarda da menor”.
XXXII- Finalmente diga-se, com a relevância que isso possa ter, que o circunstancialismo que norteou a regulação provisória das responsabilidades parentais do C…, que foram aliás alvo de sindicância pelo douto Tribunal da Relação do Porto, em sede de recurso, não sofreram alterações supervenientes, pelo que só estas é que se constituiriam como fundamento bastante para promover uma mudança tão radical na vida desta criança.
XXXIII- O caso do C… não e, infelizmente, único. Cada vez mais os tribunais têm vindo a ser chamados a dirimir questões quer resultantes da ruptura da relação quer por questões de natureza profissional. O que importa, essencialmente, é a qualidade das relações e a “aposta” que se faz nas mesmas.
XXXIV- Assim sendo, mostrando-se justificado o desejo da progenitora regressar aos EUA e não colidindo essa vontade com o interesse do menor, antes se revelando de acordo com o mesmo, desde que estejam assegurados os contactos com o progenitor nos períodos de férias e regulares durante o ano, afigura-se-nos que deverá fixar-se a residência do C… junto da mãe e autorizar-se que a progenitora fixe a sua residência e a do C… no estrangeiro.
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Devidamente notificado contra-alegou o progenitor concluindo pelo não provimento dos recursos juntando ainda um parecer da autoria de Prof. Doutora I….[1]
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Já após a prolação da decisão definitiva veio a requerida em 10 de Outubro de 2016 (cfr. fols. 3943 dos autos) deduzir incidente de incumprimento quanto regime provisório que havia sido fixado alegando que o progenitor, no dia 10 de Outubro de 2016, foi buscar o menor ao Colégio J… por ele frequentado levando-o consigo por a sentença proferida no dia 3 de Outubro lhe ter atribuído a sua guarda.
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Devidamente notificado veio o progenitor opor-se a dizendo em suma que a decisão que regulou em termos definitivos o regime das responsabilidades parentais é de aplicação imediata importando, por isso, a caducidade do regime provisório.
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Conclusos os autos no dia 17 de Outubro de 2016 foi proferida decisão que julgando verificado o incumprimento, pelo progenitor, do regime provisório, na vertente da residência da criança o advertiu para o dever de se observar o que ali ficou estipulado, procedendo à imediata entrega da criança à progenitora.
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Não concordando com o assim decidido veio o progenitor interpor o respectivo recurso concluindo as suas alegações da seguinte forma:
1. A matéria de facto que, com base no alegado pela progenitora e admitido pelo progenitor, foi julgada assente no douto despacho, deve ser alterada, no sentido de em sua substituição ficar assente que o progenitor foi buscar a criança à escola, levando-a consigo, no dia 10 de Outubro de 2016 (e não a 6 desse mês, como, seguramente por lapso, consta do despacho), por considerar que a sentença que estabeleceu a residência do filho consigo estava em vigor.
2. Num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, as decisões provisórias e cautelares proferidas antes da sentença destinam-se a vigorar somente até essa sentença ser proferida e, por conseguinte, caducam quando tal sucede, como resulta do artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tendo assim a sentença efeitos imediatos e impondo-se logo que seja notificada, por força daquela norma e dos princípios orientadores que, de acordo com o imposto pelo artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, e pela remissão aí operada para o artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, devem nortear todas as decisões proferidas nas providências tutelares cíveis, nomeadamente, o do superior interesse da criança e, correlacionados com ele, os da intervenção precoce e da proporcionalidade e actualidade.
3. Tendo o Tribunal, após a realização da audiência de discussão e julgamento, chegado à conclusão, como in casu, de que o regime mais adequado à defesa do interesse da criança que tem em presença é, naquele momento, outro, que não o que foi estabelecido e vigorou provisoriamente, o entendimento, perfilhado no douto despacho recorrido, de que, enquanto não for fixado efeito ao recurso, a sentença está em estado de latência, não produzindo efeitos e continuado a vigorar o regime provisório, viola, não só no disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, mas também os sobreditos princípios orientadores, pois, à luz dos mesmos, dentre os quais avulta o do superior interesse da criança, é inadmissível que essa sentença não vigore imediatamente e que a mesma criança continue sujeita a medidas provisórias, e não à solução que o julgador considerou que o interesse dela aconselhava e reclamava, quando, ademais, se constata que, precisamente por ter entendido que é o juiz de primeira instância quem se encontra melhor colocado para definir o interesse da criança, atenta a proximidade que lhe inere, o legislador atribuiu, como regra (cfr. artigo 32.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), efeito meramente devolutivo ao recurso interposto da sentença aí proferida, presumindo assim que a solução nela alcançada será, de facto, a mais consentânea com a protecção daquele interesse, e não outra, máxime a provisória.
4. Acresce que, se, como resulta do previsto no artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Civil, as decisões provisórias se destinam a vigorar até que as questões a que respeitam sejam apreciadas a final, e se, por isso, as mesmas caducam com a prolação da sentença, daí só se pode extrair que essa sentença tem, logo que notificada, efeitos imediatos, posto que, de outro modo, o interesse da criança que se quis proteger e promover, ao ponto de se prever a tomada de medidas cautelares, ficaria sem qualquer protecção, já que, até ao transito em julgado ou até ser proferido despacho a atribuir efeito devolutivo ao recurso dela interposto, deixaria de existir qualquer regime (passando-se o mesmo se, pura e simplesmente, inexistisse qualquer decisão provisória), o que, mais uma vez, ofenderia, não só o princípio do interesse da criança, mas também os da intervenção precoce e da actualidade directamente relacionados com ele, consubstanciando solução que, também por isso, deverá ser rejeitada.
5. A eficácia imediata de uma sentença proferida num processo tutelar cível e, em particular, num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, resulta do próprio regime especial que lhes é aplicável, nomeadamente do referido artigo 28.º, n.º 1, e dos seus princípios orientadores, não existindo, por conseguinte, neste domínio, qualquer caso omisso, que leve a que se tenha de recorrer às regras do processo civil, muito menos ao artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, invocado pelo Mm.º Juiz a quo, pois, pelos motivos acima apontados, essa norma, na interpretação que dela é feita no douto despacho sub judice, contraria os fins da jurisdição de menores, devendo também por isso ser afastada a sua aplicação, nos termos do artigo 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
6. Por outro lado, o artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe sobre os requisitos de exequibilidade das sentenças condenatórias, pois só estas são título executivo (cfr. artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma), não se aplicando por isso às proferidas num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente no que respeita à residência da criança e regime de visitas, já que estas decisões, apesar de poderem ser cumpridas coercivamente, não são passíveis de um processo de execução.
7. Todavia, mesmo que assim não fosse entendido, a circunstância de o citado artigo 704.º, n.º 1, estabelecer que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo, não significa que a sentença fique em estado de latência até que o tribunal fixe esse efeito, pois o mesmo pode estar, logo à partida, fixado na lei como regra (sem prejuízo de outro poder ser atribuído pelo juiz, no despacho de recebimento), daí se concluindo que, sendo tal o que sucede nas providências tutelares cíveis (cfr. artigo 32.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), sempre produziria a douta sentença efeitos imediatos, atenta a excepção prevista naquela norma de processo civil para os casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo.
8. Face ao exposto, ao decidir que o regime provisório ainda estava, e está, em vigor e julgar assim verificado o incumprimento, pelo progenitor/apelante, desse regime, advertindo-o para o dever de observar o que ali ficou estipulado e para proceder à imediata entrega da criança à progenitora, violou o douto despacho sob recurso o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, e 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, assim como no artigo 4.º, alíneas a), c) e e), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, fazendo, ademais, errada interpretação e aplicação do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
9. Por conseguinte, a condenação do progenitor na sanção da advertência para o dever de observar o que ficou estipulado no regime provisório e para proceder à imediata entrega da criança à progenitora, mostra-se ilegal.
10. Razões pelas quais deve esse despacho ser revogado e, nessa decorrência, decidir-se que a sentença vigora desde o momento que foi proferida e notificada, com a consequente residência da criança estabelecida junto do pai, julgando-se assim improcedente o incidente de incumprimento deduzido pela progenitora e ilegal a sanção aplicada ao progenitor.
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Devidamente notificados quer a requerente quer o Ministério Público apenas este veio contra-alegar concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:

I- Recurso intercalar
a)- saber se, aquando da prática dos factos pelo progenitor descritos no requerimento apresentado pela progenitora, ainda estava actuante o regime provisório da regulação das responsabilidades que havia sido fixado, ou se, pelo contrário, tal regime já havia caducado perante a prolação da sentença com data de 3 de Outubro de 2016.
II- Recursos principais
a)- saber se a sentença recorrida é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão;
b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
c)- saber se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente feita, mais concretamente se o menor deve ficar a residir com o progenitor como foi decidido ou se, pelo contrário, tal residência deve ser atribuída à progenitora.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São os seguintes os factos que o tribunal recorrido deu como provados:
1- O Requerente B… tem nacionalidade portuguesa.
2- A Requerida D… tem nacionalidade americana e naturalidade russa.
3- C… nasceu a … de Dezembro de 2011 e é filho de B… e D….
4- Requerente e Requerida casaram em Portugal no dia … de Agosto de 2010.
5- Por sentença proferida em 07.07.2015, no processo de divórcio apenso, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre a progenitora e o progenitor.
6- Por decisão provisória proferida nos presentes autos, em 6 de Novembro 2014, foi:
a)- fixada a residência do menor C… junto da progenitora, a quem ficou a competir a decisão relativa aos actos da vida corrente do filho;
b)- definido um regime de visitas ao progenitor;
c)- decidido que as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do menor são exercidas em comum por ambos os progenitores;
d)- fixada uma prestação de alimentos no montante de €300,00/mês a pagar pelo progenitor ao menor, até ao dia 8 de cada mês.
7- O Requerente e a Requerida conheceram-se em Nova Iorque e nessa cidade iniciaram um relacionamento afectivo no ano de 2007.
8- Quando iniciaram tal relacionamento a Requerida residia em Nova Iorque, onde vivia desde os 16 anos.
9- O Requerente residiu em Nova Iorque entre 2004 e 2007, enquanto frequentou e concluiu a sua pós-graduação e mestrado na área da medicina dentária.
10- O Requerente e a Requerida são médicos dentistas.
11- A progenitora licenciou-se em medicina dentária nos Estados Unidos da América.
12- O progenitor licenciou-se em medicina dentária em Portugal.
13- Quando o Requerente concluiu a sua formação académica, o Requerente e a Requerida decidiram passar a residir em Londres, por perspectivaram que seria mais fácil para os dois exercerem a sua profissão de médicos dentistas nessa cidade, por o Requerente ser cidadão da União Europeia e pelo facto de a Requerida poder obter facilmente o reconhecimento do seu diploma americano pela Ordem dos Médicos Dentistas do Reino Unido.
14- Os progenitores mudaram-se para Londres e aí fixaram a sua residência.
15- O progenitor com o seu diploma obtido em Portugal poderia começar imediatamente a trabalhar em Inglaterra.
16- Em 2007, quando os progenitores deixaram os Estados Unidos da América, a progenitora não trabalhava.
17- A progenitora transferiu o seu processo, na universidade, para Londres, sabendo que o grau académico que viesse a obter em Londres não seria reconhecido nos Estados Unidos da América.
18- Em Londres, a progenitora deu início ao processo de reconhecimento da sua licenciatura obtida nos Estados Unidos da América, o que demorou aproximadamente 2 anos.
19- Em 2010 a Requerida terminou a sua formação académica em Londres e obteve licença para poder exercer aí a sua actividade como dentista.
20- Depois de completar a sua pós-graduação e ter obtido o reconhecimento da sua licenciatura em Inglaterra, a progenitora começou a prestar serviços na clínica denominada “K…”, a tempo parcial.
21- Começou a trabalhar dois dias por semana.
22- A progenitora foi admitida a exercer a sua actividade profissional no espaço da clínica denominada “K1…”.
23- Quando viviam em Londres, a principal fonte de sustento de ambos provinha da actividade profissional do progenitor.
24- O progenitor suportava também as prestações do empréstimo que a progenitora contraiu nos Estados Unidos da América para pagar os seus estudos.
25- O requerente dividia a sua actividade profissional entre Londres, a República da Irlanda e Portugal, passando por isso, em média semanal, duas/três noites fora de casa.
26- A progenitora solicitou à clínica “K1…” uma declaração endereçada à Ordem dos Médicos Dentistas que atestasse que aí trabalhou e obteve em Junho de 2010 o reconhecimento da equivalência do seu curso ao grau de mestrado, com o objectivo de vir a obter licença para exercer a sua actividade profissional em Portugal.
27- O grau académico obtido pela progenitora em Londres é reconhecido na Europa, inclusivamente em Portugal.
28- Em Londres, a progenitora frequentou um curso intensivo de português, à noite, com duração de três meses, tendo ainda contratado um professor particular, durante mais de dois meses.
29- A progenitora continuou a ter aulas de português em Portugal até ao nascimento do filho.
30- Nessa altura a progenitora já falava português e até escrevia em português, contudo depois deixou de fazer uma e outra coisa.
31- Aquando da gravidez da progenitora o casal decidiu ter chegado o momento para vir para Portugal e aqui fixar a sua residência.
32- A Requerida e o Requerente decidiram, por acordo, que o C… nasceria em Portugal, onde viveriam e onde dispunham do apoio dos familiares do progenitor.
33- Em Setembro de 2011 o Requerente e a Requerida vieram residir para Portugal.
34- Os progenitores arrendaram um apartamento em Matosinhos, na Rua …, porque a Requerida não quis viver em Gondomar e escolheu esta localidade para residirem, por ser numa zona mais movimentada e urbana e junto ao mar.
35- Isto apesar de o progenitor trabalhar em Gondomar e lá viver a sua família.
36- Os progenitores tinham o apoio de empregada doméstica.
37- Os progenitores contaram sempre com o apoio dos familiares do requerente, em especial da sua mãe e da tia L…, para cuidar do C….
38- A mãe do progenitor e a tia L… chegaram a passar dias e noites em casa do casal, cuidando do bebé, para que ambos pudessem descansar.
39- O progenitor e a sua família e amigos esforçaram-se para que a Requerida se sentisse bem e integrada em Portugal e no ambiente familiar.
40- A progenitora, após o nascimento do filho, por vezes não colocava as fraldas sujas no lixo, deixava biberões sujos espelhados pela casa, acumulava alguma loiça já utilizada na cozinha e alguns sacos do lixo.
41- Algumas vezes era o progenitor quem cozinhava as refeições, arrumava e limpava a casa.
42- O progenitor também assumia as tarefas inerentes aos cuidados do filho, dando-lhe o biberão, mudando-lhe a fralda e cuidando dele, acalmando-o quando ele chorava, nomeadamente durante a noite, mesmo quando tinha que trabalhar no dia seguinte.
43- A Requerida bombeava leite materno para um biberão para dar ao C…, que quer a própria quer o Requerente depois davam ao C….
44- A partir de data não apurada, mas situada entre finais do ano de 2012 e início do ano de 2013, o Requerente passou a pretender que a família (ela própria, o marido e o filho) mudasse de residência para os Estados Unidos da América.
45- Em Dezembro de 2013, o casal deixou de residir no apartamento situado na Rua …, em Matosinhos, devido ao facto de a casa apresentar algumas manchas de humidade/condensação que o Requerente julgava prejudicar a saúde do filho C….
46- O casal mudou-se para casa dos pais do Requerente onde permaneceu até se instalar no imóvel que arrendou localizado na Rua ….
47- Decorridos poucos dias, por causa de alguns sinais de humidade que este imóvel também evidenciava, por o Requerente entender ser prejudiciais à saúde do filho, o casal regressou a casa dos pais do Requerente.
48- O ambiente familiar entre o Requerente e os familiares do Requerente era tenso, chegando ela a dirigir-se-lhes de forma agressiva e mal-educada.
49- O C… sempre residiu em Portugal desde o seu nascimento.
50- Até à separação do ex-casal formado pelo Requerente e Requerida estes sempre residiram em Portugal com o C….
51- A Requerida fala em russo com o C… e em inglês com as demais pessoas.
52- O C… fala português fluentemente e também fala russo e inglês, embora esta última língua com menos fluência.
53- Desde que reside em Portugal a progenitora nunca trabalhou.
54- A progenitora não quis auxiliar o requerente na clínica até conseguir licença para trabalhar como médica dentista, como este também lhe sugeriu.
55- Enquanto o Requerente e a Requerida viveram juntos em Portugal era apenas o Requerente que assumia todas as despesas da família.
56- O Requerente e a Requerida decidiram que o Requerente, após a vinda para Portugal, continuaria a acumular o exercício da sua actividade em Portugal, onde montou uma clínica (em …), com a desenvolvida em Londres, onde iria a cada duas semanas.
57- A partir de data não concretamente apurada mas situada no início do ano de 2013, a Requerida passou a conviver menos com os familiares e amigos do Requerente.
58- Chegou acontecer que quando o casal recebia visitas em casa, a progenitora retirava-se com o filho quando o ia deitar.
59- A progenitora assumia uma postura rígida quanto ao cumprimento rigoroso dos horários de alimentação e descanso do filho C…, limitando por essa razão a participação da criança e dela própria em eventos e actividades promovidas pela família ou amigos.
60- Noutros aspectos a progenitora era permissiva com o filho, deixando-o, por exemplo, atirar fruta para o chão sem o repreender.
61- Quando o menor não comia rapidamente para que fosse dormir à hora programada a progenitora substituía a sopa por um croissant, um bolo, um copo de leite ou outro alimento qualquer desde que a criança aceitasse facilmente ingeri-lo.
62- No entanto, quando se enfurece com algum comportamento do C…, a progenitora adopta atitudes como partir pratos ou fechar o C… às escuras na casa de banho durante alguns minutos, enquanto este grita, deixando-o nervoso e aterrado.
63- Em algumas ocasiões, a progenitora demonstrava desagrado pelo modelo educativo do progenitor em relação ao filho menor de ambos, chamando-o a atenção, por vezes de forma pouco adequada, na presença de familiares e amigos, causando constrangimento a todos.
64- Na festa de aniversário do Requerente em 2013, apesar de o C… não mostrar sinais de ter sono, a progenitora não permitiu que o C… brincasse livremente com outras crianças e decidiu deitá-lo perto das 20h30, antes de serem cantados os parabéns ao progenitor.
65- Na festa do segundo aniversário do C…, organizada pela avó paterna, a Requerida, levou o filho embora com o pretexto de serem horas de dormir, apesar de ele estar visivelmente feliz e divertido a brincar com outras crianças, que permaneceram nessa festa, sem o aniversariante.
66- No dia de Natal do ano de 2013 passado em casa de uma tia do requerente-, como o almoço estava ligeiramente atrasado a Requerida não permitiu que o C… tomasse essa refeição festiva na companhia da família e, ao invés, depois de lhe dar a sopa deitou-o de imediato, apesar de a criança não ter sono e chorar intensamente, recusando-se a dormir.
67- No almoço comemorativo do aniversário do avô paterno, no dia 05 de Abril de 2014, este pediu à progenitora para tirar uma fotografia com o neto, juntamente com o seu grupo de amigos que estavam prestes a chegar, ao que aquela respondeu que só o permitiria se tal acontecesse dentro de um minuto, mas não em dez, pois eram então cerca de 12h 55m e ela queria deitar o C… às 13h00, acabando por não permitir que tal fotografia fosse tirada.
68- A Requerida apresentou queixa crime contra o Requerente, que deu origem ao processo nº 69/14.0PAGDM, relatando em síntese o seguinte: que este se vem mostrando agressivo com ela desde que mudaram para casa dos pais dele e que em 15 de Fevereiro de 2014, no interior da referida residência, utilizou um discurso agressivo e terá feito uso da força física para lhe retirar o filho de ambos dos braços, tendo-a empurrado quando lhe tentava tirar o seu telemóvel do qual pretendia apagar sem a sua autorização informação.
69- Por despacho proferido em 30.05.2014, sem que o Requerente tenha sido constituído arguido, foi determinado o arquivamento do identificado processo, por “resultar prova bastante da inexistência de qualquer crime”.
70- Os progenitores passaram a viver em casas separadas no dia 30 de maio de 2014, data em que a Requerida, levando com ela o filho, sem dar conhecimento prévio ao Requerente, saiu de casa dos sogros e se instalou no imóvel situado na …, em Matosinhos.
71- A progenitora em data não apurada mudou a fechadura da porta de entrada desse apartamento, impedindo que o Requerente aí acedesse com a chave que tinha na sua posse.
72- Após a saída da progenitora de Gondomar, com o C…, o Requerente deslocou-se várias vezes ao apartamento onde a Requerida se encontrava a viver com o C… e pediu-lhe para estar com ele, mas esta só o permitia em sua casa, na presença de um segurança privado que havia contratado.
73- O progenitor chegou a ver o filho na presença do segurança e fechado em casa da mãe, mas depois deixou de o fazer, pretendendo vê-lo sem ser fechado em casa da mãe com um segurança.
74- Por a Requerida não o permitir e o progenitor não aceitar estar com o filho apenas naquelas condições, apesar de continuar a deslocar-se diariamente a casa da progenitora para ver o filho deixou de o ver.
75- Por a Requerida ter apresentado contra ele a supra referida queixa e por estar acompanhada de um segurança, o progenitor fazia-se acompanhar de familiares e amigos quando se deslocava a Matosinhos para ir ver o C….
76- O progenitor chamou algumas vezes a polícia para tentar ver o filho.
77- Por várias vezes a progenitora não estava em casa à hora agendada para o progenitor ver o C… e este ficava à espera.
78- No ano de 2015 a progenitora deslocou-se à Rússia no período compreendido entre 13 a 29 de Maio, devido ao óbito do seu pai, e deixou o menor entregue aos cuidados do progenitor.
79- A progenitora deixou o menor novamente entregue aos cuidados do pai quando regressou à Rússia entre 8 e 22 de Julho de 2015.
80- A progenitora opôs-se a que o menor gozasse férias de Verão com o seu pai, mais concretamente que se deslocasse com ele para o Algarve na segunda quinzena de agosto, pretendendo que fossem considerados como férias do pai com o filho os dois períodos que o C… ficou entregue aos cuidados do pai, escolhidos pela Requerida de acordo com a sua necessidade/conveniência em deslocar-se ao estrangeiro.
81- O C… revela vinculação a ambos os progenitores.
82- Ambos os progenitores amam o C… e revelam vinculação a este.
83- O C… configura a existência de duas famílias na sua vida, de que gosta, uma constituída por si e pela sua mãe e outra constituída por si, pelo seu pai, pelos avós paternos e pela tia paterna.
84- O progenitor encara o problema de saúde do C…, consubstanciado numa renite alérgica, com normalidade.
85- O progenitor consultou três médicos, nos quais confia pelas competências técnicas que lhes são reconhecidas: o pediatra do C…, Dr.º H…, o Dr. M… (pediatra especializado nos problemas respiratórios das crianças) e a Prof.ª N… (pneumologista), para tratar da renite alérgica do C….
86- Os médicos recomendaram um tratamento para o menor que não passava pela administração de vacina anti-alérgica antes dos 5 anos de idade.
87- O Drº H…, com base nos seus conhecimentos médicos entende que a vacina para alergias criança não deve ser administrada a crianças antes da idade escolar (portanto, antes dos 6 anos) para, por um lado, permitir observar se a criança evolui no sentido de melhorar com o crescimento ou se de facto não melhora e, por outro lado, as vacina tem contra-indicações, pelo que não se deve administrar a crianças muito pequenas.
88- Perante a uniformidade dos conselhos médicos que lhe foram transmitidos pelos referidos 3 médicos e a confiança que os mesmos lhe merecessem entendeu ser de seguir os seus conselhos e tratamentos propostos pelos mesmos.
89- O progenitor mantém o acompanhamento do C… no pediatra que o segue desde o seu nascimento, articulando com este as opiniões obtidas junto dos outros dois médicos.
90- O progenitor não sobrevaloriza a referida doença do C…, pretendendo que o C…, não se sinta que não é uma criança normal por causa da sua renite alérgica.
91- A progenitora assume o problema de saúde do C…, que refere já ter crises de asma, como uma doença grave e limitadora.
92- A progenitora tem vindo a consultar diversos médicos para tratamento da renite alérgica do C…, alguns dos quais lhe diagnosticaram já asma e pretende ministrar-lhe vacina para a alergia a ácaros.
93- O progenitor não concorda que o filho seja seguido por um número tão variado de médicos pretendendo centrar o seu acompanhamento no pediatra do menor.
94- A progenitora ligou dezenas de vezes ao Dr.º H…, mesmo dos EUA, a propósito de questões de saúde do menor
95- Actualmente a progenitora refere não confiar no pediatra do menor, por não concordar com as suas opiniões e devido à “conspiração” que julga ter existido entre este a Segurança Social.
96- O C… mantém ainda hoje, no essencial, a medicação inicialmente prescrita pelo pediatra para tratamento do seu problema, embora tenham sido introduzidos outros medicamentos pelos diferentes médicos que a mãe tem consultado.
97- A mãe, quando o C… apresenta sintomas estar doente leva-o imediatamente aos serviços de urgência, normalmente da O….
98- O pai, quando o C… apresenta sintomas estar doente contacta o pediatra do menor e leva-o ao médico quando o pediatra ou aconselha a fazê-lo.
99- A progenitora considera que a postura assumida pelo pai relativamente ao acompanhamento da saúde do menor revela desinteresse deste pelo filho e falta de cuidado.
100- O progenitor discorda da postura educativa da progenitora, por considerar ser intransigente quanto aos horários por ela definidos e excessivamente permissiva quanto à necessidade de ensinar o menor a comer adequadamente.
101- O progenitor considera prejudicial para o menor que a progenitora introduza o dedo no seu ânus para o ajudar a defecar, quando este tem dificuldade em fazê-lo.
102- O progenitor associa os problemas do C… em defecar ao receio de que a mãe lhe introduza o dedo no ânus, considerando que este não apresenta tal problema quando está consigo.
103- A progenitora considera que o progenitor coloca os seus interesses à frente dos do menor ao pretender que os horários destes sejam definidos e, por vezes, alterados de modo a permitir que este faça as refeições com a família e participe nas festas de família e festas de amigos próximos.
104- A progenitora não reconhece a importância do menor conviver com a família do pai e com os amigos próximos e de longa data do pai e filhos destes.
105- A progenitora não reconhece a existência de uma ligação afectiva entre o C… e o pai.
106- O pai tem consciência que o C… gosta da sua mãe e que precisa de ambos os progenitores.
107- Após a separação do casal, sempre que o menor visita o progenitor é este que cuida do C….
108- O Requerente é um progenitor dedicado, carinhoso, paciente com o C… e simultaneamente persistente na função de educar no sentido de fazer refeições variadas e saudáveis e de lhe incutir confiança e autonomia.
109- A Requerida é dedicada ao seu filho e desde que este nasceu dedica-se exclusivamente a cuidar dele.
110- A Requerida é extremamente preocupada com a saúde do filho, encarando-o como uma criança com um problema de saúde grave.
111- O C… já começa a verbalizar o receio de ficar doente.
112- O progenitor consegue identificar os amigos do filho.
113- A progenitora confunde os seus sentimentos com os do filho, tendo dificuldade em identificar os sentimentos do filho quando são diferentes dos seus.
114- Os progenitores apresentam elevadas competências no relacionamento social e elevados níveis de assertividade.
115- O progenitor apresenta uma representação positiva do outro, interpretando, na sua generalidade, as atitudes como benevolentes e honestas.
116- O progenitor tende a mostrar uma elevada preocupação com os problemas dos outros, levando-o a manifestar muitas vezes comportamentos de ajuda.
117- O progenitor tende a ser prático e realista na resolução dos problemas, embora dê muita importância aos afectos.
118- O progenitor sente-se capaz de lidar com as dificuldades do quotidiano, quer na sua vida pessoal quer profissional.
119- O progenitor é autodisciplinado, demonstrando capacidade de prosseguir com os seus objectivos apesar das adversidades que possam surgir; organiza o seu espaço envolvente e pondera e planifica as suas decisões.
120- O progenitor vivenciou o nascimento do filho com grande satisfação e envolvimento.
121- Ambos os progenitores revelam conhecimento das aquisições desenvolvimentais do C…, características, gostos, hábitos e rotinas.
122- O progenitor é saudável.
123- A progenitora nasceu na Rússia e emigrou para os EUA aos 16 anos, com a mãe e a avó.
124- Os pais separaram-se quando a progenitora tinha 7 anos e, após a separação, o seu pai não manteve contacto com ela, embora vivesse perto de si.
125- A progenitora tem um irmão, 10 anos mais velho, que viverá no Canadá, e com o qual perdeu contacto desde que este se divorciou da primeira mulher.
126- A progenitora sofre de arritmia cardíaca, necessitando de realizar terapêutica medicamentosa regular.
127- A progenitora usufruiu de acompanhamento psiquiátrico, tendo realizado terapêutica medicamentosa, devido a perturbação ansiosa por ter vivenciado os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque.
128- A progenitora, no plano da afectividade, tende a vivenciar uma elevada ansiedade, estados de tensão emocional e elevada preocupação.
129- A propensão da progenitora para estados ansiosos é uma característica da sua personalidade, que á catalisada por factores contextuais, como sejam situações de conflito, nomeadamente com o progenitor, presença num contexto cultural e linguístico diferente e ainda gestão dos problemas de saúde do filho.
130- A progenitora tende a inibir a agressividade.
131- A progenitora tende a ser ponderada e a planificar as suas decisões.
132- A progenitora apresenta capacidade para se motivar e para evidenciar uma postura pró-activa na resolução dos seus problemas.
133- A representação negativa da progenitora relativamente ao progenitor parece estar associada à frustração de expectativas sobre um projecto de vida em comum.
134- “A representação negativa do progenitor em relação à mãe do seu filho, nomeadamente no que diz respeito às práticas educativas, e num momento de elevado conflito, poderão dificultar consensos e pontos de entendimento, e levar ao surgimento de situações de elevada tensão emocional para os progenitores e para a criança”.
135- “A representação negativa da progenitora em relação ao pai do seu filho, sobretudo sustentada em diferenças relativamente às práticas educativas, bem como a frustração de expectativas relativamente ao projecto de vida em comum e ainda nos afectos negativos que expressou em relação a ele fomenta um clima de conflito”.
136- Após a separação do casal, a Requerida teve uma oferta de emprego para trabalhar como assistente dentária, com um salário mensal de cerca de €800,00 por mês a tempo total e cerca de metade a tempo parcial.
137- A Requerida e o seu tio P…, que a auxilia economicamente, entenderam que a Requerida não deveria trabalhar a troco de tal salário, por ser baixo.
138- No ano de 2013, em maio, a progenitora deixou o C… entregue aos cuidados do progenitor quando permaneceu dez dias em Nova Iorque, e em Julho, deixou o menor com o pai quando foi para o Algarve com uma amiga durante 3 dias.
139- Ambos os progenitores revelam capacidade para cuidar do menor e prestar-lhe os cuidados de que necessita.
140- A Requerida declarou que iria mudar a sua residência para Nova Iorque durante este mês de Setembro de 2016, quer a residência do menor seja fixada junto de si quer não.
141- A Requerida deseja que o C… viva consigo em Nova Iorque.
142- A humidade ambiental é prejudicial para pessoas com alergias a ácaros, sendo favorável um clima quente.
143- Em Nova Iorque a humidade no ar é muito elevada.
144- A progenitora gravou uma conversa com o pediatra do C…, que a atendeu a título gratuito, no seu consultório e sem a presença do C…, sem o conhecimento deste médico. Conversa esta que pretendeu usar em Tribunal, o que não lhe foi permitido.
145- Após a saída da progenitora de Gondomar, durante os 3 meses em que o C… não viu o pai a mãe não lhe falava do pai, tendo esta declarado que agiu assim porque considerava que não era boa ideia falar do pai ao filho.
146- Uma ausência de 3 meses na idade em que o C… esteve sem ver o seu pai durante esse período é susceptível de levar a criança a rejeitar o progenitor.
147- Em inícios de 2015 o C… revelava receio de se separar da mãe, não querendo, por exemplo ficar sozinho com a psicóloga; mas hoje já não é assim.
148- Em Janeiro de 2015 o C… falava pouco, tinha dificuldades de expressão, o que pode ter a ver com o facto de falar várias línguas.
149- Actualmente o menor mostra-se mais ligado à mãe no que concerne às rotinas do dia-a-dia, por com ela passar mais tempo.
150- O menor gosta e fala muito em estar com o pai e brincar com o pai e com um amigo do pai e a filha deste, de nome Q….
151- O C… tem uma boa relação com a avó paterna, com quem fala e brinca.
152- O C… tem uma boa relação com a tia paterna, como quem brinca.
153- O C… fala no avô paterno, embora menos que na avó e tia paternas.
154- O C… tem rotinas saudáveis com a mãe e com o pai.
155- O C… tem uma relação saudável com o pai.
156- A progenitora revela angústia da separação do seu filho quando este vai para casa do pai.
157- As limitações de acesso de um progenitor à criança cria sérios riscos dos vínculos serem quebrados.
158- A progenitora preocupa-se demasiadamente e dá muito importância às questões negativas.
159- A progenitora é muito ansiosa e tem dificuldade em gerir a ansiedade, sendo estes traços da sua personalidade.
160- A circunstância de a progenitora estar a viver em Portugal, num contexto cultural diferente pode levar a uma exponenciação das suas dificuldades de gerir a sua ansiedade e da sua insegurança e pode manifestar-se na interpretação das situações como demasiado perigosas, mesmo quando não há razão para isso.
161- A progenitora verbaliza que existiu uma “conspiração entre a Segurança Social e do Dr.º H…”, pediatra do menor e que o Dr.º H… “é colega e talvez amigo do pai do B… e pensa que foi abordado pelo B… e pelo pai do B…”.
162- A progenitora considera que o progenitor não trata de forma adequada o menor e que nesta idade o C… não pode ser confiado ao pai nem um dia.
163- Quando menor teve varicela a mãe entregou-o aos cuidados do pai, em casa de quem permaneceu vários dias, para a mãe se proteger do risco de contágio com a doença já que nunca tinha tido varicela e tinha-se informado que a varicela pode ser perigosa para o adulto.
164- Quando o menor trincou um copo e cortou a boca, quando estava aos cuidados da mãe, esta telefonou ao pai para levá-lo ao hospital.
165- Quando a progenitora precisa da ajuda do pai, por exemplo para fazer compras e comprar medicamentos quando o C… está doente ele está sempre disponível para a ajudar.
166- O C… vai sofrer e vai reagir negativamente à separação, independentemente de ser separado da mãe ou do pai.
167- O afastamento do C… de qualquer dos progenitores é prejudicial para ele, não se sabendo de qual seria mais prejudicial.
168- A separação por alguns meses de um dos progenitores nesta altura da vida do C… terá consequências idênticas às que teria na vida de qualquer outra criança (nem mais nem menos).
169- A tensão entre pai e mãe é constante na vida do C….
170- O C… neste momento está muito mais estável.
171- Quando está com o Pai o C… brinca sem constrangimentos e mostra-se tranquilo.
172- A progenitora levou ao C… ao S… e à T…, passeia com ele, leva-o a parques infantis e diversões, à praia, etc.
173- O progenitor passeia com o menor, brinca com ele, lê-lhe histórias, leva-o à praia, a pescar, etc.
174- Ambos os progenitores revelam capacidade para cuidar do menor e prestar-lhe os cuidados de que necessita.
175- A Requerida não se encontra inscrita na Ordem dos Médicos Dentistas portuguesa nem efectuou qualquer pedido para o efeito até 22/02/2016.
176- Para exercer a actividade profissional de dentista em Portugal a progenitora, necessita de licença da Ordem dos Médicos Dentistas.
177- Para obter a referida licença da Ordem dos Médicos Dentistas a progenitora tem que dar início a um processo administrativo (necessita de apresentar requerimento de inscrição e, além do mais, juntar certificado e processo completo de equivalência do seu curso de medicina dentária emitido por estabelecimento de ensino superior público português e/ou juntar documentos que atestem a sua formação e experiência profissional obtida no Reino Unido (país membro da União Europeia que reconheceu a formação da progenitora obtida nos Estados Unidos da América), que ainda não impulsionou.
178- A progenitora invocou falta de dinheiro (cerca de €2.500,00) para tratar do processo na Ordem dos Médicos Dentistas portuguesa e pretendeu que o progenitor pague-se esse montante.
179- Após a separação, e no decurso do presente processo, o progenitor ofereceu à progenitora trabalho na clínica de que é sócio, embora não como dentista por a progenitora neste momento não poder exercer essa profissão mas numa função auxiliar da actividade médica.
180- A progenitora recusou a proposta do progenitor por inapropriado face à sua formação profissional.
181- A progenitora não se inscreveu no Centro de Emprego.
182- A progenitora sempre se dedicou a cuidar do filho menor do casal.
183- Não são conhecidos à progenitora rendimentos do trabalho ou outros.
184- A progenitora faz face a todas as suas despesas com o apoio do seu tio P…; apoio esse que lhe é concedido em parte a título de empréstimo e noutra parte é concedido sem qualquer contrapartida.
185- A progenitora é titular da conta bancária nº ………….-. da U…, cujo saldo em 27.06.2014 era de €1.100.00, em 20.02.2015 era de € 4.982.65 e em 29.06.2015 era de 9.474.86.
186- A totalidade das quantias creditadas–entregas em numerário e transferências na conta bancária nº ………….-. da U…, titulada pela progenitora, no período compreendido entre 27.06.2014 e 29.06.2015 foi de €55.035.00 (cinquenta e cinco mil, trinta e cinco Euros).
187- A progenitora vive desde 1 de Agosto de 2014 com o filho menor num imóvel que arrendou, situado na Avenida …, cuja renda mensal é de €550.00 (quinhentos e cinquenta Euros), tendo de imediato pago a quantia de €3.300.00 (três mil e trezentos Euros), correspondente a seis meses de renda.
188- O menor dispõe de um quarto próprio e o referido tem imóvel tem condições adequadas de conforto e de higiene.
189- A progenitora tem despesas mensais relativas a alimentação e saúde dela própria e do filho, despesas cujo montante concreto não ficou apurado.
190- A progenitora despende em consumos de electricidade o valor mensal aproximado de €82.00, de água o valor mensal aproximado de €30.00, de telefone e internet, o valor mensal de €60.62, mais despendendo quantias não apuradas em combustível, roupa e sapatos.
191- O filho menor do casal tem necessidades de roupa, calçado, produtos de higiene, brinquedos e actividades, em montantes não apurados.
192- A progenitora contratou para a residência sita na Rua …. serviços de telefone, telemóvel e internet.
193- A progenitora, em 31 de Maio de 2014, contratou com a sociedade “V…, Lda”, o aluguer de viatura automóvel, de gama média, pela renda mensal média de €674.91, locação que foi renovando interruptamente até ao mês de Abril de 2015.
194- A progenitora no Verão de 2014 gozou férias na companhia do filho, tendo ficado instalada no Hotel W…, em Braga, no que despendeu a quantia de €1.065.09.
195- A progenitora, em 24 de Julho de 2014 e até data não apurada, mas pelo menos até ao mês de Outubro do mesmo ano, contratou com a empresa “X…” serviços de segurança privada, a ser efectuado por um agente de segurança na residência da progenitora e para os locais para onde se desloque, pelo valor mensal de €1.500,00/mês, ao qual acresce o custo das refeições e transportes do agente.
196- A progenitora em Janeiro de 2015 inscreveu o filho menor nas actividades de Artes e Jogos Estruturados no Colégio J…, suportando os custos das inscrições e mensalidades, sendo que em Janeiro despendeu a quantia de €58.01, em Fevereiro despendeu a quantia de €50.00 e em Junho de 2015 suportou o pagamento dos custos inerentes à inscrição do filho para o ensino pré-escolar, no montante de €500.00.
197- O progenitor é licenciado em Medicina Dentária, pós-graduado em Implantologia e Reabilitação Oral e Mestre em Biomateriais e Biomimética.
198- O progenitor leccionou no Y…, deslocando-se a Londres para esse efeito, até data não apurada do ano de 2014, mas tal actividade não era remunerada.
199- O progenitor exerce a profissão de dentista na Clínica E1…, da qual é accionista.
200- O progenitor é sócio da Sociedade Z…, Unipessoal, Ldª.
201- Enquanto casal, o progenitor sempre conseguiu suportar sozinho todas as despesas do casal, o qual mantinha um bom nível de vida.
202- Nessa altura, de modo a conseguir a auferir rendimentos com que pudesse fazer face a todas as despesas, o progenitor dividia a sua actividade profissional entre Londres, a República da Irlanda e Portugal, deslocando a Londres para o efeito quando viviam já em Portugal.
203- O progenitor exerceu actividade profissional em Londres até Abril de 2014.
204- O progenitor exercia actividade em Londres por conta da Clínica E1…, S.A., que facturava e recebia o preço da mesma da entidade inglesa e, posteriormente lhe pagava, retirando cerca de €650.00 para cada valor de factura recebido.
205- O progenitor não pode exercer a sua profissão como médico dentista nos Estados Unidos da América, uma vez que o seu curso, tirado em Portugal, no Instituto Superior AB…, não é automaticamente reconhecido naquele país.
206- O progenitor nunca trabalhou em Nova Iorque ou em qualquer local dos Estados Unidos da América nem aí tem emprego.
207- No ano de 2011 o progenitor declarou para efeitos de IRS o rendimento global de €158.167.42, pagou €51.211.93 de impostos (retenções na fonte, pagamentos por conta e IRS) e descontou €2.725.24 para a Segurança Social.
208- No ano de 2012 o progenitor declarou para efeitos de IRS o rendimento global de €154.800,07, pagou de impostos €49.756.08 (retenções na fonte, pagamentos por conta e IRS) e descontou €2.786.84 para a Segurança Social.
209- No ano de 2013 o progenitor declarou para efeitos de IRS o rendimento global de €123.880.44, pagou de impostos €99.120.00 (retenções na fonte, pagamentos por conta e IRS) e descontou €2.692.02 para a Segurança Social.
210- No ano de 2014 o progenitor declarou para efeitos de IRS o rendimento global de €34.425.74, pagou de impostos €6.831.48 (retenções na fonte, pagamentos por conta e IRS) e descontou €1.393.76 para a Segurança Social.
211- O progenitor no mês de Janeiro de 2015 auferiu a quantia líquida de €1.242.95 de trabalho independente e a quantia líquida de €758.57 de trabalho dependente e que no mês de Fevereiro de 2015 auferiu a quantia líquida de €1.170.81 de trabalho independente e a quantia líquida de €758.87 de trabalho dependente.
212- O progenitor reside em casa dos pais e por vezes contribui para as despesas do agregado em média com cerca de €500,00.
213- Nesta casa o C… dispõe de um quarto próprio e a casa tem boas condições de higiene e habitabilidade.
214- Depois da separação o progenitor manteve o apoio e retaguarda dos membros da família de origem, que revelam disponibilidade nos cuidados a prestar a C… quando este integra o contexto da família paterna.
215- O progenitor pagava a quantia mensal de €53.00, respeitante aos serviços de telecomunicações que contratou com a “AC…” para o imóvel situado na Rua …, onde o casal habitou e pagava a renda desta habitação, mesmo quando só habitavam a progenitora e o C….
216- O progenitor suporta despesas em montante não apurado em calçado, vestuário e higiene, dele e do filho, brinquedos e actividade lúdicas com o filho.
217- O progenitor tenciona deixar de residir com a mãe e a irmã.
218- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos à ordem nº ……….., que tem como titulares o progenitor e a sua irmã AE…, cujo saldo em 02.06.2014 era de €150.50, em 20.02.2015 apresentava o saldo negativo de €32.68 e em 27.06.2015 tinha o saldo de €1.075.67.
219- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos à ordem nº ……….., que tem como titulares o progenitor e a sua irmã AE…, cujo saldo em 30.05.2014 era de €1.317.39, em 20.02.2015 era de €5.286.66 e em 29.06.2015 tinha o saldo de €4.114.26.
220- Está domiciliada na AD… a conta depósito Prazo Normal nº ……….., associada à conta de depósitos à ordem nº ……….., cujo saldo em 30.06.2015 era de €145.828.76.
221- Está domiciliada na AD… a conta depósito conta Juros Intercalares nº ………, associada à conta de depósitos à ordem nº …………, cujo saldo em 02.06.2014 era de €30.037.20, em 20.02.2015 e 02.06.2015 76 era de €30.000.00.
222- Está domiciliada no AF… a conta depósito à ordem com o NIB: ……………………, aberta a 09.12.2010, que tem desde esta data como titulares o progenitor e a sua irmã AG…, cujo saldo em Maio de 2014 era de €5.555.93, em Fevereiro de 2015 era de €5.468,24 e em Maio de 2015 era de €5.154.03.
223- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos Juros Intercalares nº ……….., associada à conta de depósitos à ordem nº ……….., cujo saldo em 19.08.2014 era de €53.748.61 e em 19.02.2015 era de €10.000.00.
224- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos à ordem nº ……….., que tem como titulares o progenitor, a sua irmã AG… e o sei pai AH… (1º titular), cujo saldo em 02.06.2014 era de €14.346.40, em 20.02.2015 era de €8.159.57 e em 29.06.2015 tinha o saldo de €6.880.31.
225- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos à ordem nº ……….., que tem como titular o progenitor, cujo saldo em 31.05.2014 era de €150.51, em 20.02.2015 era de €194.98 e em 29.06.2015 tinha o saldo de €15.3.
226- Está domiciliada na AD… a conta de depósitos à ordem completa nº ……….., que tem como titulares o progenitor, a sua irmã AG… e a sua mãe AI… (1º titular), cujo saldo negativo em 30.05.2014 era de €3.389.98, em 20.02.2015 era de €6.156,97 e em 29.06.2015 tinha o saldo de €4.605.53.
227- Está domiciliada no AJ… a conta de depósitos nº ……….., que tem como titular o progenitor, cujo saldo em 30.06.2014 era de €3.980.00 e em 05.04.2015 tinha o saldo de €3.916.80.
228- Está domiciliada no Banco AK… a conta depósito à ordem com o NIB: …………………., que tem como titular o R., cujo saldo global em Maio de 2014 era de €56.595.30, em Fevereiro de 2015 era de €52.542.96 e em Maio de 2015 era de €51.456.47.
229- Está domiciliada no Banco AL… a conta nº ….-…..-…., que tem como titular o R., cujo saldo em 2.06.2014 era de €7.544.11, em Fevereiro de 2015 era de €1.004.71 e em 04.06.15 era de €840.33.
*
C) Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados pelas partes ou que resultassem do julgamento - para além ou em contrário dos elencados como provados - com relevo para a decisão.
Em concreto, com relevo para a decisão não se provou que:
a)- quer o Requerente, quer a sua irmã AG…, sempre deixaram, em lugares acessíveis ao menor, seja cigarros, seja isqueiros;
b)- a Avó Paterna do menor deixa frequentemente objectos pequenos espalhados pela casa e chega a oferecer brinquedos ao menor com peças pequenas que, facilmente, podem ser engolidas, também nunca tendo feito qualquer esforço para tentar eliminar os riscos existentes numa casa para uma criança pequena até o menor ter caído várias vezes, tendo mesmo chegado a bater com a cabeça;
c)- toda a família paterna se esquecia de facas na beira da mesa da cozinha;
d)- em casa dos Pais do Requerente, é frequente deixarem-se comprimidos espalhados, em locais acessíveis ao menor;
e)- por duas vezes, a irmã do Requerente (AG…), deixou metade de um comprimido, chamado Victan (benzodiazepina) na bancada da cozinha, onde o menor C…, por vezes, brinca com os carrinhos.
f)- é frequente que o Requerente não percepcione os primeiros sintomas de que o menor está com um quadro alérgico, ou não percepcione quaisquer outros sintomas de doença do menor;
g)- o C… foi obrigado a ficar, à mesa, no jantar quando estava doente, cansado, recusando comer e esfregando os olhos;
h)- nesse dia, pelas 20H30, a Requerida tentou, de forma delicada, sensibilizar para o facto de o menor se dever deitar, não se mantendo à mesa, em face do evidente esforço em que estava;
i)- tal foi mal recebido pelo Requerente e pela Avó Paterna do menor;
j)- só trinta minutos mais tarde, é que a Requerida conseguiu que o menor se pudesse deitar e descansar.
k)- a Requerida, está a fazer esforço para arranjar um trabalho em Portugal;
l)- os progenitores fizeram planos para que, a curto prazo, a Mãe da Requerida, residente em Nova Iorque, viesse também morar em Portugal;
m)- que o C… continua a chorar quando vai com o pai;
n)- que o choro do C… era intenso e desesperado.
*
No que concerne ao recurso intercalar os factos a ter em conta são os que constam do relatório supra e que aqui se dão por reproduzidos.[2]

III. O DIREITO
1. Recurso intercalar
Começaremos a nossa apreciação pelo recurso intercalar, interposto pelo requerente, referente à decisão que julgou verificado o incidente de incumprimento do regime provisório que havia sido fixado nos autos.
E quanto a este recurso importa, desde logo, corrigir o lapso de escrita constante do despacho recorrido no que tange à data em que os factos ocorreram.
Efectivamente, certamente por lapso, o progenitor não foi, como aí se refere, buscar à escola o menor no passado dia 6 de Outubro, mas sim no dia 10 desse mesmo mês, realidade que corresponde àquilo que foi alegado pela progenitora no requerimento que apresentou e foi aceite pelo recorrente na sua resposta.
Feita esta pequena correcção, a questão que se neste recurso se coloca é:

a)- saber se, aquando da prática dos factos pelo progenitor, ainda estava actuante regime provisório da regulação das responsabilidades que havia sido fixado, ou se, pelo contrário, tal regime já havia caducado perante a prolação da sentença com data de 3 de Outubro de 2016.

Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que, na busca da solução para essa questão, haveria que se considerar que estabelecendo o artigo 704.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo, daí decorre o princípio geral no sentido de que a sentença, ainda que não transitada em julgado, ganha eficácia se ao recurso que a tenha por objecto for atribuído efeito meramente devolutivo.
Estribado nesse fundamento, considerou que enquanto não for fixado efeito ao recurso, a sentença está em estado de latência, não produzindo efeitos e que, em virtude disso, continuava em vigor o regime provisório, nos termos do qual a residência da criança foi fixada junto da progenitora julgando, por isso, verificado o incumprimento, pelo progenitor, do regime provisório na vertente da residência da criança.
Deste entendimento dissente o recorrente alegando, no essencial, que o regime provisório caducou com a prolação da sentença que ganhou eficácia no momento em que se considerou notificada aos interessados e que, regulando o exercício das responsabilidades parentais, decidiu que o menor passava a residir com o progenitor.
Quid iuris?
Como supra se referiu a questão que se coloca é saber, por um lado, o que acontece às medidas provisórias e cautelares quando é proferida sentença e, por outro, qual a eficácia de uma sentença proferida, num processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no ínterim temporal que vai desde a sua notificação às partes até ao seu trânsito em julgado, ou por dela não ter sido interposto recurso de apelação, ou a ter sido, até ser proferido despacho a admiti-lo e a fixar-lhe o efeito.
Como emerge dos autos, por sentença proferida em 03 de Outubro de 2016 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao C…, decidindo a Mm.ª juiz do processo e que presidiu à audiência de discussão e julgamento, que a criança fica a residir com o progenitor, B…, o qual assumia a responsabilidade pela decisão das questões da vida corrente do menor.
Esta sentença foi notificada aos progenitores, na pessoa dos seus ilustres mandatários, através de plataforma Citius, com data de elaboração e expedição de 06 de Outubro de 2016, presumindo-se, assim, notificada no dia 10 do mesmo mês.
Através de requerimento apresentado nesse mesmo dia, a progenitora veio deduzir incidente de incumprimento do regime provisório, alegando que o progenitor foi buscar a criança à escola no dia 10 de Outubro.
Pretensão a que o progenitor se opôs, admitindo ter, de facto, ido buscar o filho à escola no referido dia 10 de Outubro, por considerar que naquela data vigorava já a douta sentença que determinou que a criança ficava a residir consigo.
Será que assim é?
Sob a epígrafe “Decisões provisórias e cautelares”, dispõe o artigo 28.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - RGPTC-(Lei 141/2015 de 08/09) que:
-Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão”.
Como refere Tomé d’Almeida Ramião[3], “o n.º 1 do preceito permite ao tribunal dar resposta adequada e imediata, a título provisório, a questões que lhe são colocadas e que tem de conhecer a final, cujo conhecimento se lhe afigure conveniente, viabilizando a protecção e a defesa do superior interesse da criança, de modo a adequar a decisão à sua situação actual.”
Refere ainda este autor[4] que “ao abrigo deste preceito legal, o tribunal pode fixar provisoriamente uma prestação de alimentos em benefício da criança e a cargo do respectivo progenitor, decidir da fixação da sua residência, do exercício das responsabilidades parentais, fixar um regime de visitas ao progenitor residente, entre outras, sem que isso afecte a decisão que vier a ser tomada a final.”
Importa, porém, enfatizar que, como também refere aquele autor, a decisão proferida em qualquer estado da causa, mas antes da sentença, será sempre provisória e, atenta essa sua natureza, naturalmente, caduca quando for revogada, alterada ou proferida a decisão final.
Aliás, não poderia ser de outro modo, pois que a decisão provisória visa dar resposta imediata a questões que terão de ser apreciadas a final, estando-lhe subjacente um juízo meramente perfunctório, transitório e temporário, proferido muitas vezes sem muitas das diligências probatórias que no caso cabiam.
Pelo contrário, a decisão final tenderá a ser definitiva, regulando-se através dela o projecto de vida de uma criança (nomeadamente, com quem deve residir, quem exercerá as responsabilidades parentais relativamente a ela, como serão os seus convívios com o progenitor com quem não reside e qual o quantitativo alimentício que este deverá prestar-lhe com vista à satisfação das suas necessidades) sendo, por isso, proferida com base num juízo aprofundado só alcançável após a realização do julgamento e uma vez realizadas todas as diligências probatórias consideradas necessárias à concreta determinação da solução conforme ao superior interesse que se quer proteger e promover.
Aliás, diga-se, quando o tribunal estabelece na sentença um regime diferente do fixado provisoriamente, será necessariamente porque entendeu que esse regime é aquele que melhor acautela o interesse daquela específica criança, daí que, o regime provisório que vigorou, além de se mostrar desnecessário após a prolação da sentença, passa a ser também desajustado, face à ponderação nela realizada sobre o interesse da criança e à solução aí encontrada para o proteger.
A corroborar este entendimento de que, portanto, é o juiz de primeira instância quem se encontra melhor posicionado para definir o interesse da criança, atenta a proximidade que lhe está inerente, é que o legislador atribuiu, como regra, no artigo 32.º, n.º 4 do RGPTC, efeito meramente devolutivo ao recurso interposto da sentença proferida presumindo, assim, que a solução aí alcançada será, de facto, a mais consentânea com a protecção daquele interesse, e não outra, mais concretamente a provisória.
Decorre, do exposto que a sentença proferida num processo tutelar cível e, em particular, num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tem eficácia imediata independentemente do recurso, e do seu efeito, que dela venha a ser interposto, ou seja, antes do seu trânsito em julgado.
Se assim não fosse e como bem obtempera o recorrente nas sua alegações recursivas, no limite, numa situação em que a residência da criança é provisoriamente estabelecida junto de um progenitor que, mais tarde, após o julgamento, se vem a constatar ser negligente nos cuidados que lhe presta ou, até, que lhe inflige maus-tratos físicos, decidindo-se por isso na sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais que essa criança residirá com o outro progenitor ou até com terceira pessoa, a adoptar-se o entendimento expresso no douto despacho recorrido, com sustentação no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, então essa criança, maltratada pelo progenitor com quem esteve a residir provisoriamente, continuava, contra o seu interesse, valorado e definido na sentença, a residir com aquele progenitor até que se esgotasse o prazo de recurso ou que o tribunal lhe fixasse efeito meramente devolutivo.
Não pode ser.
Nessa linha de raciocínio, então, sempre que o tribunal decida, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, essa decisão não poderia ser logo concretizada, já que não se vê por que razão é que haverá que se distinguir uma decisão provisória de uma sentença tendencialmente definitiva, no sentido de a primeira ter eficácia imediata e a segunda não, certo como é que em ambas o tribunal procurou a solução mais conforme ao interesse da criança, mas foi na segunda que, logicamente, esse interesse foi ponderado de modo mais aprofundado e sustentado.
Acresce que, o artigo 704.º, n.º 1, do CPCivil dispõe sobre os requisitos de exequibilidade das sentenças condenatórias, pois só estas são título executivo [cfr. artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma], não se aplicando, por isso, às proferidas num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente no que respeita à residência da criança e regime de visitas, já que estas decisões, apesar de poderem ser cumpridas coercivamente, não são passíveis de um processo de execução, por se enquadrarem no âmbito das chamadas acções constitutivas, em que “perante o pedido de alteração das situações jurídicas das partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas entre elas, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que, embora fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença”.[5]
Mas ainda que assim não se entenda, a circunstância de o citado artigo 704.º, n.º 1, estabelecer que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado não tem, com o devido respeito por opinião contrária, o sentido de esse efeito dever ser o fixado judicialmente no despacho de recebimento do recurso ficando, até então, a sentença num estado de latência como se refere na decisão recorrida.
Efectivamente, pensamos, isso só será assim para a generalidade das acções mas não, atento o supra exposto, para as providências tutelares cíveis e mesmo para os processos de promoção e protecção de crianças em perigo-, quando o legislador não tenha estabelecido, como regra, determinado efeito para o recurso (v.g. por ter previsto que o recurso terá o efeito que o tribunal fixar) posto que, a tê-lo sido, será então ao efeito legalmente previsto que se deverá atender para se saber se uma determinada sentença tem, ou não, a chamada exequibilidade provisória.
Destarte, caso a lei preveja que o recurso interposto da sentença tem efeito suspensivo, a mesma não produz efeitos imediatos, nomeadamente como título executivo, e só os adquire se o tribunal, podendo fazê-lo, lhe fixar efeito meramente devolutivo.
No caso contrário, se a lei atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, a sentença torna-se imediatamente eficaz e poderá ser executada, mas perderá essa eficácia, e deixará então de ser exequível, na hipótese de o tribunal fixar ao recurso dela interposto, nos casos em que tal lhe seja legalmente possível, efeito suspensivo.
Como refere Lebre de Freitas[6]: “Esta exequibilidade da sentença só se produz, em regra, com o seu trânsito em julgado; mas não é assim - produz-se sem que a parte vencedora tenha de aguardar a decisão do tribunal superior - quando ao recurso é atribuído, pela lei ou pelo juiz (nos casos em que a lei o permite), efeito meramente devolutivo”, sendo que, como acima se referiu no artigo 32.º, n.º 4, do RGPTC, o legislador - na esteira, aliás, do que se verifica actualmente para a generalidade das acções cíveis estatuiu, como regra, para os recursos interpostos das providências aí previstas, o efeito meramente devolutivo, sendo o suspensivo, que pode casuisticamente ser fixado pelo tribunal, a solução excepcional.
Diante do exposto, mesmo que se considere haver lugar à aplicação, nestas providências, do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Cível, sempre produziu a douta sentença efeitos imediatos, atenta a excepção prevista nessa norma para os casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo.
*
Aqui chegados, torna-se evidente que ao agir como agiu o progenitor fê-lo a coberto da decisão judicial proferida nos autos, razão pela qual se não pode falar de incumprimento do regime provisório que havia sido fixado, pois que nesse dia-10/010/2016-,data da presumível notificação daquela decisão às partes, o referido regime provisório já tinha caducado.
Poder-se-á dizer que o comportamento do progenitor não terá sido o mais recomendável revelando ansiedade na concretização do decidido, pois que deveria ter esperado mais tempo para levar a efeito tal desiderato deixando, naturalmente, que o sentido decisório fosse assimilado e interiorizado quer pelo menor quer pela respectiva progenitora para que, de forma calma e serena, se operasse na vida de ambos a mudança que a decisão implicava.
Não foi esse o caminho seguido pelo progenitor, todavia o que não se pode dizer é que se verificou a situação de incumprimento que a progenitora veio trazer aos autos não podendo, desta forma, subsistir a decisão recorrida.
*
Procedem, assim, as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso intercalar.
*
2. - Recursos principais

2.1- Recurso da progenitora

Como supra se referiu a primeira questão colocada neste o recurso consiste em:

a)- saber se a sentença padece da nulidade constante da alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.

A recorrente arguindo a nulidade da sentença, sustenta que a mesma é nula por contradição entre a fundamentação e a decisão, pois que a Srª juiz não obstante considerar ser a mãe a cuidadora principal do menor e a quem ele está mais ligado acaba por entregar o menor ao pai.
Vejamos se assim é.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a sentença é nula, nomeadamente, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [alínea c)].
É pacífica a leitura da norma e do seu alcance, na doutrina e na jurisprudência.
A nulidade em questão verifica-se quando a fundamentação da sentença aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
A propósito desta nulidade diz, Lebre de Freitas[7] “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”.
No ensinamento do Prof. Alberto dos Reis[8] - ainda actual, apesar do tempo decorrido e das alterações legislativas que entretanto ocorreram, esta nulidade verifica-se “quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)”, quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
A lei refere-se aqui “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c) [correspondendo, na redacção actual, ao artigo 615.º, 1, c)], há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.[9]
Evidentemente que, no caso em apreço se não verifica a apontada contradição entre os fundamentos constantes da decisão e a sua parte dispositiva.
Na verdade, o tribunal recorrido o que fez foi ponderar e sopesar na fundamentação com quem dos progenitores o menor C… devia ficar a residir, tendo concluído que devia ser com o progenitor recorrido.
Ora, a parte dispositiva da decisão recorrida está em consonância com a respectiva fundamentação não obstante as considerações aí tecidas a propósito da ligação afectiva do menor à mãe e dela ter sido a sua cuidadora principal.
Como assim, não se vê onde exista a apontada contradição entre os fundamentos e a parte dispositiva da sentença.
Poderemos, como noutro passo já se referiu, encontrarmo-nos perante o erro de julgamento mas não perante oposição geradora de nulidade.
A nulidade por contradição intrínseca só ocorre quando a colisão se verificar entre os fundamentos e a parte decisória ou dispositiva da sentença.
Nestes termos, temos de concluir não se verificar a nulidade da sentença com base no fundamento invocado pela recorrente.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões 1ª e 2ª formuladas pela recorrente.
*
A segunda questão que no recurso vem colocada prende-se com:

b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Refere, neste segmento, a recorrente que foram erradamente dados como provados os factos constantes dos números 27, 34, 45, 47, 62, 122, 139, 174 da fundamentação (saliente-se, que o ponto 174 tem redacção idêntica ao ponto 139).
Os referidos pontos têm, respectivamente, a seguinte redacção:
27- O grau académico obtido pela progenitora em Londres é reconhecido na Europa, inclusivamente em Portugal;
34- Os progenitores arrendaram um apartamento em Matosinhos, na Rua …., porque a Requerida não quis viver em Gondomar e escolheu esta localidade para residirem, por ser numa zona mais movimentada e urbana e junto ao mar;
45- Em Dezembro de 2013, o casal deixou de residir no apartamento situado na Rua …, em Matosinhos, devido ao facto de a casa apresentar algumas manchas de humidade/condensação que o Requerente julgava prejudicar a saúde do filho C…;
47- Decorridos poucos dias, por causa de alguns sinais de humidade que este imóvel também evidenciava, por o Requerente entender ser prejudiciais à saúde do filho, o casal regressou a casa dos pais do Requerente;
62- No entanto, quando se enfurece com algum comportamento do C…, a progenitora adopta atitudes como partir pratos ou fechar o C… às escuras na casa de banho durante alguns minutos, enquanto este grita, deixando-o nervoso e aterrado;
122- O progenitor é saudável;
139- Ambos os progenitores revelam capacidade para cuidar do menor e prestar-lhe os cuidados de que necessita.
Mas qual a relevância jurídica dos pontos, 27, 34, 45, 47 e 122[10] (o ponto factual 122 só ganhava relevo significativo caso o estado de saúde do progenitor o inibisse de cuidar do menor) da fundamentação factual?
A resposta é, como nos parece evidente, nenhuma.
Na verdade, não se vê, em termos de subsunção jurídica, qual a relevância dos citados factos.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 130º do CPCivil).
Como refere Abrantes Geraldes,[11] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.4.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1.[12]
Por esse motivo, abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente aos factos em questão.
*
Quanto ao facto constante do ponto 62 diz a recorrente que foi erradamente dado como provado porque a testemunha que referiu esse facto – AE… - disse que o menor tinha feito xixi pelas pernas a baixo, mas acabou por reconhecer mais tarde que C… ainda usava fraldas durante o dia e durante a noite, razão pela qual teria sido impossível tal ter acontecido.
Acontece que, o facto em causa também foi corroborado pela testemunha AI… - mãe do progenitor - que se referiu ao comportamento da progenitora decorrente do menor ter feito uma birra há hora da refeição.
Aliás, diga-se, o que está descrito nesse ponto factual é a atitude da recorrente perante determinados comportamentos do menor e, para contrariar esse facto, não convoca aquela qualquer outro elemento probatório que, uma vez valorado, pudesse servir de contra-prova tornando assim o mesmo duvidoso e, por lógica implicância, não provado.
Como assim, deve tal facto manter-se no rol dos factos provados.
*
No que tange à prova do facto 139 da fundamentação factual (o ponto 174 tem a mesma redacção) o tribunal recorrido discorreu do seguinte modo:
Assim, o Tribunal valorou o teor dos relatórios das perícias médicas realizadas aos progenitores, juntas a fs. 1963 e ss. e 1971 e ss. dos autos, nas quais o menor também esteve presente, e os esclarecimentos do perito que as elaborou, prestados em sede de audiência de julgamento, para prova das capacidades parentais e características de personalidade reveladas pelos progenitores, bem como ara prova da vinculação existente entre o C… e os progenitores.
De salientar que das declarações prestadas por um e outro dos progenitores resultaram patentes as características de personalidade e capacidades parentais que lhes foram reconhecidas no apontado relatório e que resultaram dos esclarecimentos prestados pelo perito Dr. G…”.
Portanto, o tribunal recorrido quanto às capacidades parentais de ambos os progenitores estribou a sua decisão, maioritariamente, nos relatórios periciais.
Ora, não obstante a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo tribunal (artigo 389.º do CCivil) o certo é que os mesmos, sobretudo na área da competência e exercício da parentalidade, assumem relevo significativo tendo em conta a especificidade sobre que incide o seu objecto e, por assim ser, torna-se evidente, que a prova testemunhal embora não possa ser desvalorizada não terá o mesmo peso na motivação da decisão da matéria de facto.
Para questionar a capacidade do progenitor para o exercício da parentalidade, a recorrente convoca o depoimento das testemunhas AM… e AN… que o tribunal recorrido não valorizou justificando devidamente a sua decisão.
Acontece que, sobre este conspecto, a recorrente limitou-se a transcrever o depoimento das indicadas testemunhas, sem todavia fazer a sua análise crítica, como se lhe impunha.
Efectivamente, a lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, transcrever os depoimentos não é fazer a sua análise crítica, esta pressupõe que se construa um raciocínio lógico e fundamentado que leve a extrair uma conclusão baseada naqueles, ou seja, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
Portanto, os relatórios periciais, elaborados de forma rigorosa e fundamentada, constituem um meio de prova de extrema relevância que não é susceptível de ser questionado por meras opiniões, convicções ou pretensões, sempre subjectivas e interessadas.
Acresce que sobre este ponto factual o tribunal valorou ainda o depoimento das testemunhas Dr. G… e a Dr.ª F… referindo: “o Dr. G… e a Dr.ª F…, pela avaliação clínica que fizeram, relatam a existência clara de vinculação forte e segura do C… ao pai, reconhecendo como igual a importância dos pais na vida do filho, reconhecendo a ambos capacidades para cuidar do C… e sendo peremptórios e unânimes no sentido de não puderem afirmar que a distância de um seja mais nociva para o C… do que a distância do outro, apenas podem dizer que a distância quer de um quer do outro será prejudicial para o C… e causar-lhe-á sofrimento”.
Testemunhos estes que pela sua equidistância em relação ao objecto do processo e os seus conhecimentos técnicos têm, forçosamente, que ser devidamente valorados.
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Resulta, assim, do exposto não ter a recorrente convocado meios probatórios que merecerem diferente valoração daquela que deles fez o tribunal recorrido, para que não se reconhecesse ao progenitor capacidade para cuidar do menor e prestar-lhe os cuidados de que necessita, devendo, por conseguinte, os factos 139 e 174 continuar a constar do factos provados.
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Refere depois a recorrida que o ponto 149 da fundamentação factual devia ter outra redacção que não aquela que dele consta.
Ora este ponto factual tem o seguinte conteúdo:
Actualmente o menor mostra-se mais ligado à mãe no que concerne às rotinas do dia-a-dia, por com ela passar mais tempo”.
Entende a recorrente que o tribunal recorrido devia ter dado como provado no citado ponto não só que o menor se encontra mais ligado à mãe no que concerne às rotinas do dia-a-dia mas também que ele tem uma relação mais próxima com a mãe, neste momento, de hábitos, rotinas, e até de segurança.
Para o efeito convoca o depoimento da testemunha Dr.ª F….
Cremos porém, que o ponto factual em questão já espelha a realidade colhida do referido depoimento, pois que da transcrição que dele faz a recorrente não vemos que outro elemento pudesse constar do citado ponto.
Com efeito, se o menor está mais ligado à mãe nas rotinas do dia-a-dia torna-se evidente que ele tem uma relação mais próxima com ela e, como tal, nessa medida sente-se mais seguro, ou seja, o facto relevante “estar mais próximo da mãe nas rotinas do dia-a-dia” já consta do citado ponto, razão pela qual o seu conteúdo não tem que ser alterado nos termos propugnados pela recorrente.
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Quanto aos restantes factos que a recorrente entende que o tribunal devia ter dado como provado e não deu, dir-se-á que:
a)- o que consta da alínea a) são meras conclusões e não factos;
b)- o facto de o pai almoçar na clinica onde trabalhava não assume, como nos parece evidente, qualquer relevância quando desgarrado de outras circunstâncias que nos permitissem extrair a conclusão que podia tomar essas refeições em casa com a mulher e o filho e não o fazia sem motivo justificativo.
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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª juiz a quo efectivada no contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
Como assim, temos de convir que, os meios probatórios indicados pela recorrente, não são de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter a Mmª juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamento para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido.
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Improcedem, assim, as conclusões XXII a XXIX formuladas pela recorrente.
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Permanecendo inalterada a matéria de facto a terceira questão que vem colocada no recurso prende-se com:

c)- saber se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente feita, mais concretamente se o menor deve ficar a residir com o progenitor como foi decidido ou se, pelo contrário, deve ficar a residir com a progenitora.
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Importa salientar, antes de avançarmos, que apreciação da referida questão será feita em conjunto em relação quer ao recurso interposto pela progenitora recorrente quer pelo Ministério Publico, pois que neste recurso foi, como noutro passo já se referiu, a única questão colocada.
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Analisando.
O tribunal recorrido subsumindo a factualidade que dos autos resultou assente concluiu e decidiu que o menor C… devia ficara a residir com o progenitor.
Do assim decidido discordam quer o Ministério Público quer a progenitora alegando, no essencial, que a promoção do superior interesse do C… impõe que a sua residência seja estabelecida junto da mãe e nos Estados Unidos da América, por ser esta a figura primária de referência do menor e, por consequência, o progenitor que melhores condições e competências reúne para garantir ao filho o necessário equilíbrio e estabilidade emocional.
Que dizer?
Até à maioridade ou emancipação os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais (artigo 1877.º do CCivil[13]).
As responsabilidades parentais compreendem a segurança e saúde do menor, o seu sustento, a sua educação, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, devendo também os pais, de acordo com a maturidade dos filhos, ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida (artigos 1878.º e 1885.º).
Tanto a titularidade das responsabilidades parentais, como o seu exercício, cabem, em princípio, a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade.
Em caso de divórcio, como sucede na situação dos autos, terá que se ter em atenção o artigo 1906.º onde se preceitua o seguinte:
1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
A reforma de 2008 (Lei nº 61/2008, de 31.10) transformou o que anteriormente era um “poder” [poder paternal] numa “responsabilidade” [responsabilidades parentais], o que significa ter reforçado também os deveres dos progenitores, quer entre si, quer em relação aos filhos, pretendendo-se deste modo acautelar da melhor forma o superior interesse destes.
Da nova redacção do artigo 1906.º, acima transcrita, introduzida pela dita Lei nº 61/2008, resulta que as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância da vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo os casos de manifesta urgência em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível (nº 1).
Só se o exercício em comum for, nestes casos, julgado contrário aos interesses da criança, é que o tribunal deverá, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas apenas por um dos progenitores (nº 2).
Já quanto aos actos da vida corrente do filho o seu exercício incumbe ao progenitor com quem ele reside (nºs 3 e 4).
Conforme ressalta dos nºs 5 e 7 do transcrito artigo 1906.º a residência do menor C…, questão central do recurso interposto quer pela progenitora quer pelo Ministério Público, deverá ser decidida de acordo com o seu interesse.
É, portanto, o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão do tribunal relativa ao seu projecto de vida.
Trata-se, como é evidente, de um conceito vago e genérico que, devendo ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”[14], permite ao juiz alguma discricionaridade, mas também exige bom senso e ponderação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e as várias normas com implicação na questão.
Com efeito, o superior interesse da criança não pode ser um conceito abstracto, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26/01/1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12/09/1990, também estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (artigo 3.º, nº 1).
Por seu turno, estatuiu o artigo 9.º da referida Convenção que os “Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, (…) ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada” (nº 1), respeitando os Estados Partes “o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança” (nº 3).
Por sua vez a Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação.[15]
Evidentemente que a lei não elenca todos os factores que o Tribunal deverá para determinar aquele interesse.
Na verdade, aqui entra, inevitavelmente, uma dose de subjectivismo judiciário que se deve estribar, mesmo assim, na ponderação e criação de alguns subcritérios destinados a densificar aquele conceito e que tenham assento, como nos parece claro, nos factos que dos autos se mostrem assentes, devendo, portanto, cada caso ser decidido individualmente.
Maria Clara Sottomayor[16], agrupou as circunstâncias a serem atendidas pelos tribunais em dois factores - os relativos à criança e os relativos aos pais e que aqui se passam a transcrever:
Os primeiros englobariam as necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a adaptação da criança ao ambiente extra familiar de origem (escola, comunidade, amigos, actividades não escolares), assim como os efeitos de uma eventual mudança de residência causadas por uma ruptura com este ambiente, o seu comportamento social e a preferência por ela manifestada. Os segundos abrangem a capacidade dos pais para satisfazerem as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental dos pais, o sexo destes (a preferência maternal ou o princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança), a continuidade da relação de cada um dos pais com a criança, o afecto que cada um dos pais sente pela criança, o seu estilo de vida e comportamento moral, a sua religião, a sua situação financeira, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar aos filhos, a vontade que cada um deles manifesta de manter e incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor. Existem, ainda, outros factores, não ligados à pessoa dos pais ou da criança, que contribuem para a decisão final. São eles, por exemplo, condições geográficas, como a proximidade da casa de cada um dos pais da escola dos filhos, condições materiais, como as características físicas de cada casa, a possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, o número de ocupantes da casa e condições familiares, a companhia dos outros irmãos e a assistência prestada a um dos pais por outros membros da família, por exemplo, os avós”.
Todos os factores devem, pois, ser ponderados dentro do quadro factual, deixando de lado concepções que tendem a fazer a contabilidade dos cuidados primários fazendo uma hierarquização das ligações afectivas mais profundas, no confronto entre o pai e a mãe, para depois chegarem à conclusão, de que o progenitor que, dentro deste raciocínio, se encontra no topo dessa hierarquia é aquele que obrigatoriamente se apresenta como o melhor colocado para garantir a estabilidade do filho e o seu equilíbrio emocional.
Isto dito e ao contrário do que se refere nas alegações quer da progenitora recorrente quer do Ministério Público, não foi ignorado na decisão recorrida que a tese da figura primária de referência, ou do “primary caretaker”, na qual aqueles sustentam a defesa das suas posições, ganhou adesão em alguns sectores doutrinários e tem sido algumas vezes aplicada nos nossos tribunais.
Importa porém, que se tenha em consideração que, na grande maioria dos casos em que essa tese foi adoptada pelos nossos tribunais, foi-o não de forma acrítica, mas por ter sido considerada a melhor solução após terem sido devidamente ponderadas as circunstâncias do caso concreto, sendo que, não raras vezes, também foi afastada quando se constatou que o caso concreto tem a envolve-lo especificidades que levam a que se conclua por solução diferente e mais conforme com o interesse da criança.[17]
Ora, a investigação científica tem posto em evidência a importância de a criança manter o relacionamento e os vínculos com ambos os progenitores, desde que estes revelem competências parentais adequadas, desmontando a ideia de que a figura que esteve mais presente nos primeiros meses/anos de vida é a única figura de vinculação importante para a criança ou a figura de vinculação exclusiva.[18]
Diga-se, aliás, que partindo daquela premissa isso seria muito penalizador para crianças que, sendo por qualquer razão privadas desse contacto, sentir-se-iam muito desprotegidas e inseguras perante a ausência de outra figura que as pudesse securizar.
Como é consabido a situação mais habitual, pelo menos na cultura ocidental, é um dos adultos (normalmente a mãe) estar mais disponível nos cuidados à criança nos primeiros meses vida, isso não significa porém que a criança não desenvolva uma relação igualmente estruturante e de relevo com o outro progenitor quando este é competente e funcional.
Por outro lado é muito raro ambos os progenitores poderem estar em permanência com os seus filhos, sendo que, muitas crianças ficam desde cedo, geralmente a partir dos 4/5 meses de vida, confiadas grande parte do dia aos cuidados de terceiras pessoas (amas, educadores, outros familiares etc.) que não os pais sem que, ainda assim, essas pessoas sejam vistas e sentidas pela maioria das crianças como mais importantes que os progenitores.
Como assim, não podemos deixar de sublinhar que seria redutor conceptualizar o padrão de vinculação da criança a um adulto, com base apenas no facto de este estar mais envolvido nos primeiros meses de vida e, com base nisso, delinear o seu projecto de vida, sobretudo em situações em que a criança teve oportunidade de se vincular de forma segura a ambos os progenitores, sendo que está demonstrada a capacidade da criança estar vinculada a várias figuras ao longo do seu desenvolvimento, capacidade esta que se desenvolve a partir dos 18 meses de vida.[19]
A figura de primary caretaker, não obstante seja tida como referente no meio jurídico e seguida pelos nossos tribunais, cremos ser insuficiente para estribar uma decisão sobre o projecto de vida de uma criança, pois que limita todo um manancial de experiências a um momento (aquele em que criança é mais dependente) e a uma única figura, desvalorizando outros aspectos vivenciais da criança que são fundamentais apara que ela se desenvolva de forma harmoniosa e autónoma.
Durante o desenvolvimento da criança esta deve ter a liberdade e autonomia para estabelecer comportamentos de vinculação com ambas as figuras parentais, sendo que as rotinas de cuidado básico, higiene alimentação saúde etc., não determinam na totalidade a qualidade da relação da criança com cada uma das figuras de referência, uma vez que o registo emocional, a qualidade de interacção, o desenvolvimento afectivo, os estilos educativos ajustados a cada etapa do desenvolvimento da criança e promotores de autonomia são, entre outros, elementos essenciais para avaliar esta relação, razão pela qual a vinculação não se esgota nos cuidados primários.[20]
Assim, na perspectiva psicológica, a garantia dos cuidados primários (muito associados à sobrevivência da criança), é uma parte de um conjunto mais alargado de dimensões que devem ser consideradas na definição de um regime de regulação das responsabilidades parentais.[21]
Acresce que, como resulta declarado no próprio texto da exposição de motivos do projecto de Lei 509/X, que esteve na origem da lei 61/2008, de 31 de Outubro, as alterações aí introduzidas ao nível da parentalidade tiveram como pedra de toque a concepção de que “o exercício das responsabilidades parentais deve ser estipulado de forma a que a criança possa manter relações afectivas profundas com o pai e com a mãe, bem como ser o alvo de cuidados e protecção por parte de ambos em ordem à salvaguarda do seu superior interesse.”
Da mesma forma que, na mesma exposição de motivos, o legislador deixou também expresso que “na determinação da residência do filho, valoriza-se a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor”, em termos idênticos àqueles que depois, com a reforma introduzida pela lei 61/2008, de 31 de Outubro, passaram a constar do nº 7 do artigo 1906.º do CCivil já acima citado.
Portanto, não obstante o critério da figura primária de referência fosse, aquando da sobredita reforma, há muito conhecida e tratada, o legislador não o enunciou também como um critério, embora não o único, na determinação da residência da criança, nem vem sequer mencionado na aludida exposição de motivos.
Destarte, pretender-se que a doutrina da figura primária de referência deve nortear o julgador como critério principal de orientação na definição do superior interesse da criança parece-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, à luz da actual lei, da sua letra e do espírito que lhe presidiu, claramente excessivo e, tanto assim é, que um dos dois autores do trabalho a partir do qual foi elaborado o projecto de lei 509/X, o Professor Guilherme de Oliveira, tem uma visão assaz crítica em relação à tese do primary caretaker, que afasta como critério a ser adoptado na decisão relativa à residência da criança.
Com efeito, num artigo denominado “Ascenção e Queda da Doutrina do Cuidador Principal”[22] assinala o referido Professor que “nas acções de regulação das responsabilidades parentais, a decisão melhor resultará sempre da análise séria e sensível dos elementos da matéria de facto, do conhecimento imediato dos magistrados relativamente às pessoas envolvidas, e do empenho na procura da satisfação do melhor interesse da criança”, ressalvando a importância de se ter “a noção de que a riqueza do caso concreto pode mostrar sempre novas circunstâncias a que o tribunal deve prestar atenção”.
É claro que isso não exclui tal como refere o mesmo autor[23], “ (...) que a circunstância de um dos progenitores ter dispensado cuidados principais, permanentes ou exclusivos, e tenha criado assim um vínculo especial com o filho, não seja considerada pelo tribunal; mas deve ser considerada sempre em conjunto e em pé de igualdade com as outras circunstâncias do caso, isto é, sem preferência sobre as outras”.
Isto dito, alerta o referido Professor[24] para a necessidade de não abusar da doutrina do primary caretaker nem exagerar o seu valor, sendo que, como refere “a primeira forma de abuso é pretender importá-la sob a forma de uma presunção”, desde logo porque, “quando se pretende que o tribunal faça um juízo de mérito sobre o melhor regime para o filho, a eventual existência de uma presunção começaria por retirar a liberdade que aquele juízo reclama, impondo uma norma ao tribunal, acrescentando as dificuldades de fazer vingar uma solução diferente e melhor do que a solução presumida”.
Depois, porque tecnicamente errado, na medida em que “não se pode invocar uma presunção judicial quando o tribunal está à procura de saber qual é o melhor interesse do filho, para definir o regime que o satisfaz: aqui, o tribunal está a procurar a melhor decisão de mérito, e não a produzir uma prova. Se se pretendesse dizer que o tribunal devia admitir que o “cuidador principal” é o melhor guardião, estaria a prescrever-se uma regra de mérito que o tribunal devia seguir na decisão final”.[25]
De acordo com aquele autor[26], a segunda forma de abuso é encarar a doutrina do cuidador principal como um factor privilegiado, que exclui os outros tendo, desde logo, em atenção que “na lei portuguesa, tradicionalmente, apenas se anuncia o grande objectivo de satisfazer o interesse do menor; e acrescenta-se um factor que a lei quis acentuar, certamente para facilitar a sua entrada na ponderação final: o favorecimento das relações com o segundo progenitor” e porque, além disso, “a longa lista de fragilidades que a doutrina destacou mostra que o referido critério não tem o potencial necessário para substituir a ponderação de todos os factores; e a exigência legal desta ponderação mais vasta–reconhecida em todos os sistemas–retira-lhe forçosamente qualquer privilégio sobre todos os outros factores”.
A terceira forma de abuso é aplicar aquela doutrina fora do contexto em que apareceu e desapareceu, porquanto “foi ela própria reduzida ao seu justo valor pelos mesmos ventos que foram soprando na direcção de uma partilha das funções parentais pelos dois progenitores” e a quarta forma de abuso é, “pretender aplica-la para além das próprias forças”.[27]
*
Postos estes breves considerandos será que, no caso concreto, existe uma figura primária de referência para o menor C…?
Atentemos.
Na altura da concepção do menor C… os progenitores, que nessa altura residiam em Londres, decidiram que tinha chegado o momento de virem residir para Portugal, por ser aqui, onde dispunham do apoio dos familiares do progenitor que, de mútuo acordo, decidiram viver e criar o filho (cfr. pontos 31, 32 e 33 da fundamentação factual).
Perante esta tomada de posição dúvidas não se levantam que o projecto de vida que pai e mãe delinearam para o seu filho passava por ele viver e crescer em Portugal, sendo aqui que deveria desenvolver-se, fazer o seu percurso educativo, em suma, construir o seu mundo vivencial, relacional e afectivo, na companhia dos pais e também com a presença e suporte da família alargada do progenitor.
Decorre daqui que o C…, nascido em Portugal no dia 06 de Dezembro de 2011, actualmente com cinco anos de idade, viveu sempre, ininterruptamente, no nosso país com ambos os pais até à separação destes em 30 de Maio de 2014 (cfr. pontos 3, 49, 50 e 70 da fundamentação factual).
Após o nascimento do C…, os pais contaram sempre, ao nível da retaguarda de apoio, com o suporte e a ajuda da família paterna, residente em Gondomar, para cuidar da criança muito especialmente da mãe deste e de uma sua tia, respectivamente avó e tia-avó da criança, nomeadamente quando a criança nasceu, tendo inclusivamente chegado a passar dias e noites na casa do casal para que ambos pudessem descansar (cfr. pontos 32, 37, 38 e 39 da fundamentação factual).
Por essa razão o C… teve sempre uma convivência próxima e regular com aqueles seus familiares, com quem tem uma forte relação de afecto e a quem está também vinculado, especialmente à sua avó e tia AE… que residem com o pai, que fazem parte do mundo afectivo e vivencial da criança e que continuam inteiramente disponíveis para ajudar em tudo o que se mostre necessário aos seus cuidados e acompanhamento (cfr. pontos 83, 151, 152, 153 e 214 da fundamentação factual).,
É certo que a progenitora, primeiro por não trabalhar e, mais tarde, após a separação tem passado, mesmo no âmbito do regime provisório que em Novembro de 2014 foi fixado, mais tempo com o filho na sua companhia.
Apesar disso, não se pode concluir que o menor não tenha também relação afectiva forte com o progenitor.
Resulta, desde logo, provado que o progenitor vivenciou o nascimento do filho com grande satisfação e envolvimento e, desde que o C… nasceu, apesar de ser profissionalmente activo, também assumia as tarefas inerentes aos chamados cuidados básicos da criança, dando-lhe o biberão, mudando-lhe a fralda, cuidando dela, acalmando-a quando chorava, nomeadamente durante a noite e mesmo quando tinha de trabalhar no dia seguinte (cfr. pontos 42, 43 e 120 da fundamentação factual).
Sem dúvida que numa fase inicial, o progenitor exercia também actividade em Londres (que acabou por cessar por completo em Abril de 2014–cfr. ponto 203 dos factos provados) fazia-o, contudo, porque era o único a trabalhar e a ter a responsabilidade de auferir rendimentos suficientes para suportar sozinho todas as despesas da família e para lhes garantir um bom nível de vida (incluindo o pagamento do empréstimo bancário contraído pela apelante para estudar nos Estados Unidos) (cfr. pontos 23, 24, 53, 54, 55, 201 e 202 da fundamentação factual), sendo que, as referidas deslocações a Londres ocorriam apenas de quinze em quinze dias (cfr. ponto 56 da matéria da fundamentação factual).
Resulta também provado nos autos a interacção que existe entre o progenitor e o menor C…, ainda antes da separação dos mesmos, e que passava não só por brincar com ele, mas também por educá-lo e saber contê-lo, de modo adequado, com regras e rotinas (cfr. ponto 108 da fundamentação factual).
Postura, diga-se, muito mais assertiva daquela que assumia a progenitora.
Efectivamente, umas vezes a progenitora assumia uma atitude de rigidez absoluta e desproporcionada no que respeita ao cumprimento dos horários de alimentação e descanso do C… (especialmente quando se tratava de impedir a convivência do filho com a família paterna), limitativa da socialização da criança e dos convívios com a família e amigos (ex. no Natal ou aniversários, incluindo o do pai e o da própria criança), noutras vezes de permissividade, noutras até aplicando ao menor castigos absolutamente despropositados, numa postura parental conformada em moldes ansiosos, como o revelam os pontos 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66 e 67 da fundamentação factual.
Diante do exposto, não se pode concordar com o entendimento do Exº Procurador de que cabia à mãe a primeira responsabilidade na preparação e planeamento das refeições, banhos, higiene, vestuário, o deitar e o adormecer o C…, incutir-lhe regras e princípios, levá-lo a passear, etc., já que o que se verificava era que o progenitor procurava educar (factos provados nos pontos 100, 101 e 108 da fundamentação factual) e a progenitora deseducava, com posturas ora rígidas ora permissivas e limitativas do convívio da criança com o pai e com a família paterna (cfr. pontos 48, 59, 60, 61, 32 da fundamentação factual) e de desvalorização do papel do pai na educação e vida do filho (cfr. pontos 63 a 67 da fundamentação factual).
Por outro lado também não é correcta a afirmação do Exº Procurador de que o C… desde que nasceu esteve sempre aos cuidados da mãe, pois esses cuidados eram também partilhados com o pai, apesar de este trabalhar e aquela não.
De resto mesmo tendo o C… passado a residir habitualmente com a progenitora após a ruptura da vida conjugal, o progenitor tem conhecimento das aquisições desenvolvimentais do filho, características, gostos, hábitos e rotinas (cfr. ponto 121 da fundamentação factual).
E, se é verdade que ficou demonstrado que a progenitora é dedicada ao filho e desde que nasceu dedica-se exclusivamente a cuidar dele (ponto 109 da fundamentação factual), o pai também era dedicado ao C… e presente no seu quotidiano (cfr. ponto 108 da fundamentação factual).
Discorda-se igualmente da asserção que o Sr. Procurador extrai da factualidade assente quanto ao modelo de vida definido pelos pais, no sentido de deles concluir que esse modelo foi o progenitor trabalhar e ganhar dinheiro para o agregado e a mãe ficar em casa a tomar conta do filho, encarregando-se, predominantemente, de cuidar da sua alimentação, vestuário, educação e das lides domésticas.
Com efeito, do quadro factual que dos autos se mostra assente, resulta que o progenitor sempre teve na vida do filho uma presença efectiva e um enorme envolvimento aos mais diversos níveis, desde a realização das suas rotinas até à sua educação, que em momento algum delegou na progenitora, desempenhando em tudo isso um papel principal, e não meramente secundário nem monetário.
Importa, aliás, sopesar sobre conspecto que era suposto a progenitora trabalhar em Portugal, tendo ela, para esse efeito, ainda em Londres, iniciado diligências de modo a obter a licença necessária para exercer a sua actividade profissional de médica dentista no nosso país (cfr. ponto 26 da fundamentação factual) e se, também durante a convivência marital, a progenitora não trabalhou foi porque assim não quis, posto que, mesmo sem licença, poderia tê-lo feito na clínica do progenitor (cfr. ponto 54 da fundamentação).
Acresce que, a postura da progenitora com as lides domésticas também não era a mais adequada, já que, apesar de o casal dispor do apoio de empregada doméstica (cfr. ponto 36 da fundamentação factual) e de aquela não ter ocupação profissional, ainda assim não conseguia manter o lar limpo e organizado, pois que, não colocava as fraldas sujas no lixo, deixava biberões sujos espalhados pela casa, acumulava loiça já utilizada e sacos de lixo na cozinha (cfr. ponto 40 da fundamentação factual) sendo que, algumas vezes era o progenitor quem cozinhava as refeições, arrumava e limpava a casa (cfr. ponto 41 da fundamentação factual).
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No que respeita ao período posterior à separação, o progenitor, passou a estar com o C… de quinze em quinze dias, desde quinta-feira a segunda-feira, e também de quarta a quinta-feira, nas restantes semanas, estando assim a criança confiada aos cuidados exclusivos do pai, em média mensal, entre dez a doze dias (cfr. acta da Conferência de Pais de folhas 1157 e seguintes) tendo, quer no Verão de 2015, quer no de 2016, estado de férias com o C… durante quinze dias seguidos.
Por outro lado em Maio de 2015, o C… esteve com o pai dezassete dias seguidos, por ocasião da viagem que a progenitora fez à Rússia devido ao óbito do seu pai, altura em que deixou o filho entregue aos cuidados do progenitor (cfr. ponto 78 da fundamentação factual).
Em Julho do mesmo ano de 2015, a progenitora fez nova viagem à Rússia entre 8 e 22 de Julho e voltou a deixar o C… entregue aos cuidados do pai, que assim passou com o filho quinze dias seguidos (cfr. ponto 79 da fundamentação factual).
Também quando o C… teve varicela, a mãe entregou-o ao pai, aos cuidados de quem a criança permaneceu vários dias, porque a progenitora quis prevenir o risco de se contagiar, tendo sido então o progenitor quem, tratou do C…é (cfr. ponto 163 da fundamentação factual).
Daqui resulta que o menor C… tem vindo a passar com o progenitor períodos de tempo muito aproximados daqueles que passa com a progenitora, onde aquele se revela empenhado e interessado pois que, apesar de residir com a sua mãe e irmã (e poder contar com o apoio destas) após a separação do casal, sempre que o menor visita o progenitor é este que cuida dele (cfr. ponto 107 da fundamentação factual), brinca passeia com ele, lê-lhe histórias, leva-o à praia e à pesca etc. (cfr. ponto 173 da fundamentação factual).
Portanto, a tese que a progenitora veio trazer aos autos, de que o C… não quer ir com o pai, que não gosta de estar com este, que chora desesperadamente e rejeita veementemente ir com ele, que sofre com o tempo que com ele passa não ficou provada nos autos (cfr. elenco dos factos julgados não provados e que não forma, diga-se, objecto de impugnação).
Pelo contrário o que ficou demonstrado nos autos é que o C… revela vinculação a ambos os progenitores, sem distinção (cfr. ponto 81 da fundamentação factual); que configura a existência de duas famílias na sua vida de que gosta, uma constituída por si e pela sua mãe e outra constituída por si, pelo seu pai, pelos avós paternos e pela tia paterna (cfr. ponto 83); que tem uma relação saudável com o pai (cfr. ponto da fundamentação factual 155) e que quando está com o pai brinca sem constrangimentos e mostra-se tranquilo (cfr. ponto da fundamentação factual 171).
Diante do exposto, não se acompanha a afirmação do Ministério Público bem como da progenitora recorrente de que de que a mãe se assume como o progenitor de referência na vida desta criança e que o C…, tem com ela uma forte dependência afectiva, superior à que o liga ao progenitor, já que a mesma não se ancora no quadro factual que dos autos resultou demonstrado carecendo, assim, de sustentação a não ser que se entenda que o que releva é apenas a contabilidade das horas que cada um deles dispensa às rotinas do filho, independentemente da qualidade dessas horas e da postura/responsabilidade sendo, como bem se obtempera nas contra alegações recursivas, dispensável o julgamento e até, a alegação do que quer que seja em acréscimo a essa aritmética dos tempos.
Como assim, não cremos, salvo o devido respeito, que a doutrina do primary caretaker (figura primária de referência) invocada pelo Ministério Público, por mais que tenha sido válida para outras crianças, não o é para o menor C….
Na verdade, a circunstância de se ter julgado também provado que em inícios de 2015 o C… revelava receio de se separar da mãe, não querendo, por exemplo ficar sozinho com a psicóloga (hoje não é assim, ponto 147 da fundamentação factual) não afasta aquela conclusão a que chegou a Mm.ª juiz do processo e muito menos permite ao Digno Procurador da República e à recorrente sustentar que a progenitora é a referência da criança ou que esta tem relativamente a ela uma forte dependência afectiva.
Em primeiro lugar porque hoje-2016-já não é assim, em segundo lugar porque essa afirmação foi feita pela psicóloga a quem a mãe levou o filho, Dra. F… e por esta foi dito que não conseguiu identificar no C… o motivo por que não queria deixar a mãe mas pensa que estará relacionado com alguma vivência emocional do menor, e não com qualquer particular relação de dependência, tendo, inclusivamente, melhorado após ter ido para o infantário e ao contactar com outras crianças, nos exactos termos que constam da motivação da convicção do julgamento de facto realizado pela Mm.ª juiz.
Em terceiro lugar porque, como foi julgado provado e dito pela mesma psicóloga (em consonância com o perito do Instituto de Medicina Legal, Dr. G…, nos esclarecimento que prestou em julgamento), o afastamento do C… de qualquer dos progenitores é prejudicial para ele, não sabendo qual seria mais prejudicial (cfr. ponto 167 da fundamentação factual).
Ficou também provado que os progenitores amam o C… e revelam vinculação a este (cfr. ponto 82 da fundamentação factual) e que ambos os progenitores revelam capacidade para cuidar do menor e prestar-lhe os cuidados de que necessita (cfr. pontos 139 e 174 dos factos provados).
Decorre do exposto que ambos os pais têm amor e afecto ao menor e capacidade para satisfazer, de modo adequado, as suas necessidades básicas, estando o ligado a ambos, não demonstrando preferência por qualquer um deles.
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Perante o supra exposto, entendemos que a doutrina do primary caretaker não cabe nesta criança, razão pela qual haverá que chamar à colação outros aspectos e ponderar o que distingue cada um dos pais, para que depois se conclua qual, de entre os dois, melhores condições apresenta e qual aquele que demonstra ter um comportamento parental mais adequado, para que nele se confie de que irá garantir ao C… uma vida e um desenvolvimento estruturados, estáveis e equilibrados, sobretudo do ponto de vista emocional e afectivo.
Ora, seguindo o critério estatuído da lei cumpre, em primeiro lugar, ponderar se ambos demonstram, nos actos que praticam e na posição que expressam, a mesma disponibilidade para propiciar ao filho um relacionamento próximo e habitual com o outro e para partilhar um com o outro as responsabilidades parentais ou se, ao invés, existe entre eles alguma diferença (artigo 1906.º, nº 5 e nº 7 do CPCivil já noutro passo citado).
O progenitor evidencia, em relação à progenitora pontos negativos na sua postura educativa em relação ao menor C…, concretamente:
- a intransigência e rigidez quanto ao aos horários da criança por ela definidos;
- o facto de ela não educar o filho a comer devidamente e ser excessivamente permissiva no que respeita aos hábitos alimentares da criança;
- o facto de considerar prejudicial para o C… que ela, quando este não defeca, introduza o dedo no ânus dele para provocar que ele defeque, criando assim na criança o medo de o fazer, ao invés de o levar a seguir uma alimentação saudável que evite a obstipação da criança (cfr. ponto 100, 101 e 102 da fundamentação factual);
- o facto de discordar do modo como a progenitora encara a saúde do C…, agindo como se ele que tem alergia a ácaros, sem gravidade e vulgar em tantas crianças tivesse uma doença grave e limitativa, fazendo-o por isso ser consultado por diversos médicos e indo às urgências constantemente sempre que entende que a criança denota o mínimo de sintomas de doença, em vez de centralizar o acompanhamento da saúde dela no pediatra, o que provoca ansiedade no menino, que já mostra recear ficar doente (cfr. pontos 84 a 99, 110 e 11 da fundamentação factual).
Apesar disso, o progenitor entende e não subestima a importância que a progenitora tem na vida do C…, pois tem a consciência de que gosta e precisa dela (cfr. ponto 106 da fundamentação factual), o que nos permite sustentar que o progenitor está ciente da necessidade que o C… tem de conviver com a sua mãe e permite que se tenha como seguro que promoverá os convívios da criança com ela (mesmo indo a progenitora residir para Nova Iorque), para preservar a ligação e a vinculação entre eles.
O mesmo já não se pode dizer em relação à progenitora, razão pela qual se não entende a posição do Sr. Procurador quando sustenta que não há fundamento suficiente para que se diga que esta desvaloriza o papel do pai ou para que se suponha que, indo ela residir com o filho para os Estados Unidos da América, poderá obstaculizar à convivência deste com aquele, já que não é isso que resulta dos autos.
De facto, mesmo ainda durante a convivência marital, a progenitora já revelava, principalmente a partir do momento em que passou a querer voltar para os Estados Unidos da América (cfr. ponto 44 da fundamentação factual) um comportamento focado em si, também ao nível do exercício da parentalidade, de desautorização e diminuição da intervenção do pai na vida do filho e de obstaculização aos convívios da criança com a sua família, sendo disso evidência o facto de no aniversário do progenitor não ter permitido que a criança estivesse junto dele enquanto lhe cantavam os parabéns ou, no Natal de 2013, que não tivesse autorizado que a criança tomasse o almoço festivo na companhia daquele e do resto da família (cfr. pontos 48, 59, 63, 64, 65, 66, 67 da fundamentação factual).
Como ainda é de valorar o facto de, em Maio de 2014, quando decidiu deixar de viver com o progenitor e sair da casa dos sogros, para onde tinham ido viver em Dezembro desse ano a progenitora ter levado consigo o filho, sem dar conhecimento ao progenitor e à revelia deste, mudando de seguida a fechadura da porta do apartamento onde se instalou, na Rua …, em Matosinhos, correspondente àquele onde residiam antes de irem morar para cada dos pais do progenitor (cfr. pontos 70 e 71 da fundamentação factual).
Por outro lado, na conferência de pais realizada em 25 de Junho de 2014, pouco tempo depois da separação conjugal (cfr. folhas 165 e seguintes), e nas alegações que produziu (cfr. folhas 219 e seguintes), a progenitora deu conta da sua dita disponibilidade para promover os convívios entre pai e filho tendo também garantido a sua intenção de residir em Portugal e de procurar emprego neste país.
O certo é que essa postura não se reflectiu nas suas acções dado que, pouco tempo depois, e durante três meses consecutivos a progenitora, indiferente às graves consequências (cfr. ponto 146 da fundamentação factual) que daí poderiam advir para a preservação da ligação e da vinculação que, indiscutivelmente, o C… tinha e tem com o pai, impediu-os de conviver um com o outro, apenas se dispondo a permitir que eles estivessem juntos no interior da sua residência, com a porta trancada e com a presença de um segurança privado, especialmente contratado por ela para o efeito, sem mais ninguém, incluindo os familiares paternos, que assim afastou também do menor (cfr. pontos 72 a 76 da fundamentação factual).
Acresce que, esta mãe, apesar de dizer que ao agir dessa forma estava, com isso, a promover o relacionamento do filho com o pai, permitia-se, por várias vezes, nem sequer estar em casa à hora que agendava para o pai ver o C…, ficando aquele assim à espera (cfr. ponto 77 da fundamentação factual).
Mas mais elucidativo desta sua postura é a circunstância de, não obstante o C… não estar com o pai durante os três meses, a progenitora nem sequer falava deste à criança, porque achava que isso não era boa ideia o que, diga-se, por si só basta para que se tenha a perfeita noção daquilo que ela pensa do progenitor, pois que nem revela qualquer interesse em que o menor o preserve na sua memória (cfr. ponto 146 da fundamentação factual).
Ora, perante esta realidade como dizer que indo a progenitora para outro Continente, venha a ter uma atitude empenhada na manutenção do progenitor no quotidiano do filho, apesar da distância, e que passará, por exemplo, por falar-lhe nele e lembrá-lo?
Portanto, a progenitora desvaloriza completamente o papel do pai na vida do filho e só se reconhece a si própria como elemento significativo no quotidiano da criança e como a única capaz de cuidar dela, sendo disso exemplo o facto de considerar que a postura assumida pelo pai relativamente ao acompanhamento da saúde do C… revela desinteresse deste pelo filho e falta de cuidado (cfr. ponto 99 da fundamentação factual), apesar de o progenitor ser cuidadoso também com a saúde do filho, seguindo os conselhos dos médicos, especialmente do pediatra, e de, ao contrário dela, não sobrevalorizar a doença do C…, porque não há razões para a sobrevalorizar e porque fazê-lo incute ansiedade na criança e comporta o risco de ela sentir que não é uma criança normal, quando apenas tem uma vulgar rinite alérgica (cfr. pontos 84 a 98 da fundamentação factual).
Da mesma forma que é também sintomático dessa sua atitude o facto de não reconhecer a importância de o C… conviver quer com a família do pai, que lhe é tão próxima e afectivamente significante, quer com os amigos do progenitor de longa data e com os filhos deste, incluindo a criança (Q…) que a psicóloga, que ela escolheu para acompanhar o C…, referiu ser importante para este (cfr. pontos 104 e 150 da fundamentação factual).
Postura parental da progenitora também corroborada por não reconhecer sequer a existência de uma ligação afectiva entre o C… e o pai, de achar que o pai não é capaz de cuidar do filho um único dia, de entender que ele representa na vida da criança o papel de uma mera ama e que poderia muito bem ser substituído por esta (cfr. pontos 105 e 162 da fundamentação factual e respectiva motivação da decisão da matéria de facto).
Tudo isto revela, como bem se diz na decisão recorrida, da parte da progenitora uma postura parental de absoluta incapacidade de entender o interesse do C… e actuar em conformidade com esse interesse, aliada a uma total e completa desvalorização e desrespeito do papel desempenhado pelo progenitor na vida desta criança, que deixa transparecer uma personalidade auto centrada e que denota a sua inaptidão de apreender e promover os interesses do filho para além dos interesses dela, ao não reconhecer a importância que o progenitor tem na vida dele e, consequentemente, a necessidade que o menor tem de conviver, em condições dignas com o seu pai.
A verdade é que, para além do C… gostar de estar com o progenitor, este é um pai responsável, dedicado ao filho, carinhoso, cuidadoso e preocupado com ele, embora sem os excessos que norteiam a actuação da progenitora que não consegue separar a conjugalidade da parentalidade (cfr. ponto 133 da fundamentação factual) e recusar entender que o filho precisa também do pai, tendo, por isso, face a este, uma atitude de desvalorização e diminuição.
Aliás, quando precisou de viajar para o estrangeiro, já depois da separação (cfr. pontos 78 e 79 da fundamentação factual), a progenitora parece ter-se olvidado da referida desvalorização e diminuição da figura na vida do C…, ou mesmo quando teve receio de ser contagiada pela varicela do filho, quis que ele permanecesse então com o pai, para que este cuidasse dele, também na doença (cfr. ponto 165 da fundamentação factual).
E, quando o C…, encontrando-se aos cuidados da mãe, trincou um copo e cortou a boca, foi ao pai que a progenitora telefonou, para que fosse este a levar o filho ao hospital (cfr. ponto 164 da matéria de facto provada). Aliás, sempre que a progenitora necessita ou tem interesse na ajuda do pai - como, por exemplo, fazer compras ou comprar medicamentos para o C… - , também já não o trata como dispensável bem ao invés, recorre a ele, que está sempre disponível para a ajudar (cfr. ponto 165 da fundamentação factual).
Como resulta claro da douta sentença foi por toda esta postura e não apenas pelo facto de a mãe ter dito que o pai era igual a um ama, como se quer fazer passar a ideia nas alegações recursivas, que o tribunal concluiu que as declarações da progenitora, de que deseja o convívio do pai com o filho e que promoveria tal contacto se o filho fosse viver consigo para os EUA, não têm reflexos nas suas acções e não merecem credibilidade.
Acresce que, a justificação que o Ministério Público tenta dar para o facto de a progenitora ter equiparado o papel do C… ao de uma ama leva não se pode sufragar.
Efectivamente, para além de, perceber muito bem a língua portuguesa (cfr. pontos 29 e 30 da fundamentação factual) e de ter uma intérprete a fazer a tradução das perguntas e respostas, quando reconduziu o papel do pai ao de uma mera ama não estava a responder a uma pergunta mas a fazer uma afirmação pura e simples que é, aliás, consentânea com o modo como ela encara o progenitor na vida do filho e com as acções que adopta em relação a isso.
Significa, portanto, que aquela afirmação da progenitora é, sem margem para qualquer tergiversação, o corolário dessa sua postura parental e não, como também pretende o Digno Procurador, fruto do desgaste motivado pelo tempo que esteve a ser ouvida.
Da mesma forma que também não se acompanha o entendimento, quer do Ministério Público quer da progenitora, que pelo facto de esta ter entregue o C… aos cuidados do pai nas vezes em que se ausentou do país e ter cumprido a proibição de dele se ausentar com aquele, é o bastante para que se confie que ela irá promover os contactos da criança com o pai.
Com efeito, para além de o Tribunal ter proibido que o C… se ausentasse do país com a mãe, comunicou essa decisão aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e à Embaixada dos Estados Unidos da América, com a advertência de que a criança não poderia sair de Portugal nem obter passaporte em seu nome e, por isso, a progenitora, mesmo que o quisesse, tinha a noção de que não poderia levar o filho consigo (cfr. folhas 362 e seguintes e 367 e seguintes).
E se é certo que a progenitora deixou a criança confiada ao progenitor durante as viagens que fez, certo é também que, logo após se opôs a que ambos passassem férias juntos, por pretender que fossem consideradas férias do pai com o filho os dois períodos que este ficou entregue aos cuidados do pai, escolhidos por ela de acordo com a sua necessidade ou conveniência em deslocar-se ao estrangeiro, e não, como se torna evidente, para que eles passassem mais tempo juntos (cfr. pontos 78 a 80 da matéria de facto provada).
Como assim, aquela circunstância apontada pelo Ministério Público não teve, da parte da progenitora, qualquer pendor altruísta, mas antes egoísta e autocentrado, e muito menos permite que se sustente que tal é indicador de que ela promoverá os contactos do C… com o seu pai.
De realçar é também que, apesar de a mãe-tal como o pai - ter sido considerada capaz de cuidar do filho e prestar-lhe os cuidados de que necessita, isso consubstancia apenas uma das dimensões da parentalidade, que não basta para que se considere que um progenitor reúne as competências para garantir o desenvolvimento saudável do filho, sendo ainda necessário que se ponderem, também à luz da personalidade desse progenitor e das suas características de funcionamento psicológico, além do modo como ele se comporta, outras dimensões fundamentais a ter em conta para o desenvolvimento psicológico da criança.
Assim sendo, constatando-se que a progenitora tem uma atitude de sobrevalorização do seu papel em detrimento do papel do progenitor na vida do C…, manifestada nas atitudes que toma e na postura que tem em relação àquele, evidenciadas na douta sentença, e confundindo os sentimentos do filho com os seus próprios sentimentos não se pode dizer, como o Ministério Público defende que, mesmo a ter sido ela o principal cuidador da criança, seja com ela que o C… deverá permanecer em nome do seu equilíbrio e estabilidade emocional, pois esse equilíbrio e essa estabilidade passa também e fundamentalmente, por reconhecer aquilo que esta mãe não reconhece–a importância que o pai tem para o filho e, consequentemente, a necessidade que este tem de conviver com o seu pai.
Por outro lado, se é verdade, como refere o Ministério Público nas suas alegações, que o perito do Instituto de Medicina Legal que avaliou os pais, não valorizou de forma vincada as diferenças existentes entre estes ao nível do modelos educativos, o certo é que aquele perito referia-se apenas à circunstância de a mãe ser rígida (e não rigorosa, como diz o Digno Procurador da República), ao passo que que o pai já não é tão intransigente nas rotinas e sabe adequar o rigor à situação, sendo resiliente às birras alimentares do filho e conseguir, pela via da distracção e também do diálogo, levá-lo a comer o que, à partida, ele rejeita, aderindo o C… melhor ao modelo educativo seguido pelo progenitor, não só mas também no que à alimentação se reporta, e mostrando-se tranquilo na companhia deste.
Todavia, independentemente desse modelo educativo, a requerida denota ter, no concreto exercício da parentalidade, uma postura ansiosa, e pouco centrada nas necessidades do filho, que decorre também do facto de confundir os seus sentimentos ou interesses com os interesses do C… e de uma tendência para estados de ansiedade, que tem dificuldade em gerir e faz parte da sua personalidade (cfr. pontos 128, 129 e 159 da fundamentação factual), sendo por vezes pouco eficaz na avaliação daquilo que poderá constituir uma ameaça para a criança e pouco promotora da sua autonomia.
Sob este conspecto é de sopesar o facto de não demonstrar flexibilidade para agilizar o quotidiano em função das necessidades do C…, nomeadamente de socializar e conviver com os seus familiares, e no modo rígido como gere as rotinas dele (cfr.pontos 59 a 67 e 103 da matéria de facto); de não seguir o C… no seu pediatra sem justificação plausível (apenas porque, sem razão alguma, diz não concordar com os seus diagnósticos e pretende que ele é amigo do avô paterno, “conspirando” por isso com o pai e com, atente-se, a Segurança Social), levando-o a múltiplas consultas de especialidade (cfr. folhas 2529, 2530 e 2533) apenas porque põe em causa sistematicamente as opiniões dos médicos, ou pretendendo administrar-lhe uma vacina que tem contra indicações e foi desaconselhada por aquele pediatra e por outros médicos tudo isto sem o acordo do progenitor e contra a opinião deste (cfr. pontos 84 a 96 e 161 dos factos provados); de conduzir o filho às urgências vezes sem conta sempre e imediatamente quando acha que ele tem sintomas de estar doente, em vez de contactar o seu pediatra, quando, como resulta dos relatórios médicos juntos aos autos o menor nem sequer tem febre, apresenta-se bem disposta, não mostra dificuldades respiratórias e tem todos os níveis (incluindo o de oxigenação no sangue) normais (cfr. ponto 97 da matéria de facto); de assumir que o filho tem uma doença grave e limitadora, apesar de este sofrer de vulgar rinite alérgica, sem gravidade, induzindo infundados receios na criança, que já verbaliza ter medo de ficar doente (cfr. pontos 91, 110 e 111 da fundamentação factual).
Perante esta factualidade também não se pode afirmar que a mãe, por ter vindo a cuidar do C… mais tempo, se apresenta como o progenitor mais capaz de continuar a prestar-lhe esses cuidados e de lhe garantir um desenvolvimento estável e estruturado, que lhe dê confiança e autonomia, pois aquilo que resulta da matéria de facto é que esse progenitor é o pai, e não a mãe.
Para além disso, da leitura da douta sentença resulta que, ao contrário do que parece ter sido entendido pelo Digno Procurador da República, em momento algum a circunstância de o clima húmido de Nova Iorque não ser favorável à renite alérgica do C… constituiu fundamento para a decisão de estabelecer a residência da criança junto do pai.
Efectivamente, basta atentar na decisão para perceber que a referência aí feita ao clima de Nova Iorque apenas foi trazida à liça porque a progenitora nas declarações que prestou em audiência de discussão e julgamento já antevê que no caso de o menor ir viver consigo para Nova Iorque no Natal e Páscoa poderá não poder deslocar-se a Portugal por problemas de saúde leia se alergia a ácaros e asma e que, nesse caso, terá que ser o pai a deslocar-se a Nova Iorque.
Esta antevisão da progenitora foi então relevada pelo Tribunal recorrido como mais uma circunstância susceptível de conduzir à convicção de que ela não promoverá os contactos do C… com o progenitor, posto que não será necessário um grande juízo de prognose para que se tenha como altamente provável, face à postura da progenitora e à nula importância que ela atribui à ligação afectiva existente entre pai e filho e à forma desajustada como encara a doença (rinite) deste que, a ir a criança residir com a mãe para Nova Iorque, a doença do C… constituirá fundamento mais do que suficiente para obstaculizar a que este viaje para Portugal a fim de estar com o pai.
Porém, além de o C… não sofrer de qualquer doença grave e, muito menos, limitadora, essa dita doença grave que a progenitora persistentemente entende que o filho tem, embora constitua, segundo ela, fundamento bastante para que perspective a possibilidade de a criança não vir a Portugal para estar com o pai, já não representa problema algum quando se trata de, no interesse dela, deslocar a residência da criança para Nova Iorque, mesmo sabendo como seguramente sabe, já que aí viveu grande parte da sua vida que nessa cidade a humidade no ar é muito elevada, o que poderá ser nocivo para a renite alérgica do filho que é alérgico a ácaros.
Diga-se, como bem refere o Sr. Procurador da República, essa questão da alergia da criança a ácaros resolve-se com a toma de medicação, mas tanto se resolve com a toma de medicação em Portugal como nos Estados Unidos da América, sendo indiscutível que, se com a criança em Portugal, a questão da doença não constitui entrave a que o C… conviva com o pai, no contexto vivencial deste, também não o deveria ser na hipótese de ele passar a residir em Nova Iorque e vir, para esse efeito, a Portugal nas férias de Natal e Páscoa.
No que concerne à conduta moral da progenitora apesar de ter sido assinalada na sentença, com referência ao desvalor ético da atitude dela ao gravar uma conversa com o pediatra do C…, sem o conhecimento deste, não constituiu critério, e muito menos crucial, na decisão de estabelecer a residência da criança junto do pai não sendo, por isso, de sufragar a análise feita, a esse propósito, pelo Digno Procurador da República.
O que se tem de enfatizar é que os valores morais dos pais têm de ser valorados ainda que não em via principal, como critério a atender e ponderar, conjuntamente com os demais, quando se trata de decidir com qual dos dois progenitores a criança residirá e a qual deles caberá, na decorrência disso, educá-lo, também para a cidadania.
O que não se pode é acompanhar a desculpabilização que o Ministério Público faz, na sua alegação de recurso, relativamente a esse comportamento da progenitora, transferindo a culpa e a responsabilidade para a Ilustre Mandatária dela que, no seu entender lhe deveria ter dito que tal não seria possível por se tratar de um prova obtida de forma absolutamente proibida.
Na verdade, pondo de lado a questão de saber se o referido esclarecimento legal foi, ou não, dado à progenitora pela sua ilustre Mandatária, o que verdadeiramente releva, sob o ponto de vista ético ou moral, mais do que a pretensão de usar em Tribunal a gravação ilícita que efectuou, é o facto de, como se assinalou na sentença recorrida, a progenitora não a sua Mandatária ter gravado uma conversa com o pediatra do seu filho sem o consentimento do mesmo, que a atendeu gratuitamente no seu consultório, sendo isso imputável única e exclusivamente a ela.
Não se pode, por isso, sequer dizer, nem mesmo defender, agora sob o ponto de vista ético jurídico, que esse modo de actuação da progenitora resulta de falta de conhecimento legal ou que ela não soubesse que a lei, para além da moral, não lhe permitia adoptar esse tipo de conduta.
No que concerne às motivações da progenitora de voltar a residir nos Estados Unidos da América, assinaladas no recurso, importa, desde logo, dizer que esse seu desejo havia sido manifestado entre finais de 2012 e início de 2013 quando ainda vivia com o progenitor, pretendendo então mudar a residência de toda a família para Nova Iorque.
Mas ainda que esse seja o seu desejo, contrário à planificação e organização de vida que havia definido com o progenitor isso não lhe confere, sem mais, o direito de levar o menor consigo. É que a parentalidade responsável exerce-se de modo altruísta, centrado nas necessidades da criança e no interesse dela, pelo que é também à luz desse interesse que devem ser ponderadas e tomadas as decisões dos tribunais e não em função dos desejos, vontades ou anseios dos pais.
Por outro lado, como já se assinalou a vontade da progenitora de voltar a residir em Nova Iorque não é recente pois que encontra eco já ao tempo em que ainda vivia com o progenitor, não sendo assim exacto que se diga que na origem dessa decisão está a circunstância de se ter divorciado deste.
Mas ainda que se possa entender que a progenitora possa ter vontade de se juntar à sua família nos Estados Unidos da América, a verdade é que todos os familiares afectivamente significantes para o C…, com quem a criança mais proximamente tem convivido pai, tia, avós e tia avó paternos estão em Portugal.
Bom mas refere a progenitora que não pode ficar em Portugal porque aqui não tem licença para exercer a sua actividade.
Porém o certo é que ao longo de todo este tempo mais de dois anos que já decorreu desde que se separou do progenitor, nenhum passo deu para obter essa licença que pressupunha que tivesse iniciado o respectivo processo de licenciamento (cfr. pontos 175, 176 e 177 da fundamentação factual), o que não fez porque não quis, e não obviamente, por não ter dinheiro para pagar as despesas inerentes na Ordem dos Médicos Dentistas como ao atestam, aliás, os seus extractos bancários que lhe permitem, inclusivamente, ter disponibilidade financeira para gastos que consideramos supérfluos e não justificados (despesas com segurança privada, carros alugados ou férias cfr. pontos 193 a 195 da fundamentação factual).
Disponibilidade financeira essa que tem permitido à progenitora recusar propostas de emprego como assistente dentária, uma das quais oferecida pelo progenitor, por não aceitar desempenhar outra função que não a de médica dentista e de nem sequer se inscrever no Centro de Emprego (cfr. pontos 136, 179, 180, 181, da fundamentação factual).
O que tudo ponderado revela uma postura parental da progenitora pouco altruísta, pois nenhum sacrifício se dispõe a fazer em prol do filho e das inegáveis vantagens de este residir no país onde está integrado, com a presença do pai e da mãe na sua vida, mostrando-se antes centrada exclusivamente no seu interesse.
Portanto, ao contrário do defendido pelo Ministério Público, a invocada necessidade da progenitora de mudar a residência do filho para os Estados Unidos da América, não será assim tão premente e, por isso, não é superior à necessidade e ao interesse que o C… tem de se manter a residir em Portugal.
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Destarte, deve a criança manter-se a residir em Portugal e com o pai, que dispõe de todas as condições e competências para lhe dar tudo o que ele necessita e garantir-lhe um desenvolvimento estável e equilibrado, num ambiente familiar calmo, organizado, afectivamente gratificante e estruturado.
Resta dizer, para concluir que, ao contrário do propugnado pelo Digno Procurador da República, os regimes provisórios destinam-se a permitir que o tribunal dê resposta imediata, cautelar, a questões que lhe são colocadas, como a residência da criança, e que tem de resolver de imediato, bastando-se por isso com um juízo meramente perfunctório, momentâneo e transitório sobre o interesse dessa criança sendo por isso que, nos termos do artigo 28.º do regime Geral do Processo Tutelar Cível, esses regimes ou medidas vigoram apenas até ser proferida sentença.
Significa, portanto, que a definição na sentença de um regime diferente do provisório não tem que resultar de qualquer alteração superveniente das circunstâncias, bastando pois que se altere a ponderação e a avaliação que o tribunal fez acerca do interesse da criança, após aturada produção probatória e pleno exercício do contraditório, que só um julgamento permite.
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Isto dito cremos, salvo opinião em sentido contrário, sob o prisma da estabilidade do C… quer emocional quer a vivencial de rotinas, hábitos e espaços, não se vê como se possa defender que o interesse dele aconselha a manutenção da sua residência junto da mãe.
A progenitora está decidida a ir residir para os Estados Unidos da América e a levar consigo o C… (cfr. pontos 140 e 141 da matéria de facto), daí se concluindo que, caso a residência da criança seja fixada com ela, será mesmo esse o seu o destino.
Ora, o C… nasceu e viveu sempre em Portugal e está aqui perfeitamente integrado, sendo cá que tem todas as suas referências, estando numa idade em que as suas necessidades de socialização já se manifestam sendo em Portugal que o C… tem o seu núcleo de amigos.
O C… domina perfeitamente o português e, para além do russo, ainda não se expressa fluentemente em qualquer outra língua, nomeadamente no inglês (cfr. pontos 51 e 52 da fundamentação factual).
Por outro lado, para além dos pais, as principais referências afectivas do C… estão em Portugal e são todas familiares paternos (cfr. pontos 212 e 213 da fundamentação factual), com quem convive sempre que está com o pai e que estiveram sempre presentes na sua vida, ininterruptamente, desde que ele nasceu até hoje.
É certo que, como consta da decisão recorrida (cfr. pontos 166 e 167 da fundamentação factual), é indiscutível que o C… vai sofrer sempre e vai reagir mal à separação de qualquer um dos pais, seja separado da mãe, seja separado do pai.
Como assim, dada a forte ligação afectiva que o C… tem quer ao pai, quer à mãe, aquilo que, numa situação como esta, importa garantir-lhe é a possibilidade de ele poder continuar a manter contactos regulares com os dois e preservar os vínculos que o unem a eles, pois se assim não for, ao sofrimento decorrente da separação, somar-se-ão outros, resultantes do facto de perder a proximidade afectiva a algum deles.
Porém, isso só será possível se, da parte de ambos os progenitores, existir uma consciencialização para a importância que cada um deles tem na vida do filho e uma postura promotora dos contactos, e não obstaculizadora, sob pena de se colocar em risco o desenvolvimento emocional desta criança e, com isso, o seu equilíbrio, estabilidade e são desenvolvimento pelo que, ao contrário do defendido pelo Ministério Público, o risco da verificação daquilo que denomina a “disrupção da vinculação” tanto será grave se ocorrer em relação à mãe, como em relação ao pai, mas o perigo de vir efectivamente a verificar-se relativamente à figura paterna, caso o C… continue a residir com a progenitora é, comprovadamente superior, face à postura materna de desvalorização do papel do pai na vida do filho.
Como noutro passo já se referiu, dentre os dois progenitores, aquele que oferece maiores garantias de promover os contactos do outro progenitor com o filho e a manutenção da ligação afectiva que os une é o pai, e isto tanto vale para a hipótese de a progenitora se manter em Portugal ou passar a residir nos Estados Unidos da América, apesar de neste último caso se apresentar com maior acuidade, atenta a distância geográfica.
Para além disso, o sofrimento e a instabilidade do C…, decorrentes da separação de algum dos pais será, necessariamente, menor se ele não for desintegrado e desenraizado do seu ambiente, nem separado da sua família paterna alargada e puder manter os seus hábitos, espaços, rotinas e referências vivenciais e afectivas.
Acresce que é o pai quem evidencia um postura parental mais adequada e ajustada às necessidades do filho, por ter uma atitude educativa mais serena, centrada, consistente e responsável, sendo, também por isso, quem se encontra em melhores condições e reúne mais capacidades para propiciar ao C… um são crescimento e um ambiente estável, equilibrado e estruturado.
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Diante do exposto, nada temos a censurar à decisão recorrida que, concatenando todos esses factores e procurando apenas promover o superior interesse desta criança, estabeleceu a sua residência junto do pai e conferiu a este a responsabilidade pela gestão da sua vida corrente.
É claro que o ora decidido não se assume carácter definitivo.
Com efeito, tendo a recorrente fundamento, não obstante a decisão definitiva que neste recurso se confirma, sempre junto do tribunal recorrido ou o que for competente à data, pode pedir a alteração do regime fixado.
Com efeito, como se estatui no artigo 42.º, nº 1 do RGPTC sob a epígrafe “Alteração do regime”:
1- Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais (negrito e sublinhados nossos).
(…)
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo Ministério Público bem como as II a XXI, XXIII a XXIV e XXXII a XXXV formuladas pela progenitora.
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Na conclusão XXX refere a progenitora apelante também recorrer da decisão que a condenou no pagamento da quantia de €2.900,00 (dois mil e novecentos euros) e ainda no pagamento mensal da quantia de €100,00 (cem euros) por falta de explicação e fundamentação.
Quanto à sua condenação na quantia mensal de €100,00 a título de alimentos para o menor não se descortina a que falta de explicação e fundamentação se refere a recorrente.
Com efeito, basta ler a alínea c) intitulada de “Alimentos” constante da sentença para verificar que a Sr. juiz fundamentou devidamente a sua fixação aplicando o direito aos factos, concluindo pelo montante mensal de prestação alimentícia com que a progenitora devia contribuir.
Já não sufragamos porém, que essa prestação mensal seja devida a partir da entrada da acção e, portanto, que se tenha condenado a progenitora a pagar o montante de €2.900,00 (dois mil e novecentos euros) de prestações vencidas.
É verdade que, nos termos do artigo 2006.º do CCivil os alimentos são devidos desde a proposição da acção. Acontece que, isso é assim nas situações em que o menor está a residir com um dos progenitores e outro não contribui com qualquer prestação pecuniária para os seus alimentos.
Ora quando assim seja, quer na acção intentada para a fixação dos alimentos tout court quer no âmbito da regulação das responsabilidades parentais nas suas várias vertentes, o tribunal deverá condenar o progenitor incumpridor a pagar a prestação alimentícia desde a propositura da acção.
Todavia no caso em apreço o menor esteve, até à prolação da decisão recorrida, a residir com a progenitora, ou seja, quem tinha que contribuir com uma prestação pecuniária mensal para os alimentos do menor era o progenitor não residente, ou seja, neste caso concreto o pai, já que a mãe os prestava em espécie.
Significa, portanto, que a progenitora só deverá contribuir coma prestação mensal de €100,00 a título de alimentos a partir do momento em que o menor C… passou a residir com o progenitor.
Como assim, torna-se evidente que a decisão recorrida terá de ser revogada nesse segmento, procedendo, desta forma, em parte, a conclusão XXX formulada pela recorrente.
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IV-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
I - Recurso intercalar
a)- julgar a apelação interposta pelo progenitor recorrente procedente por provada e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.
II - Recursos principais
a)- julgar a apelação interposta pelo Ministério Público totalmente improcedente por não provada;
b)-julgar a apelação interposta pela progenitora parcialmente procedente por provada e consequentemente revogar a decisão recorrida na parte em que a condenou a pagar ao progenitor a título de prestações vencidas desde o início da acção a quantia de €2.900,00 (dois mil e novecentos euros), mantendo-se quanto ao mais a decisão recorrida.
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Custas em ambos os recursos pela progenitora sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida sob o pedido de apoio judiciário (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 20 de Fevereiro de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] O referido parecer, importa realçar, é apenas de conteúdo teórico e não opinativo sobre a decisão a tomar nos autos.
[2] Efectivamente, o progenitor aceitou o facto essencial que a progenitora alegou como fundamento do incidente- ter aquele no dia 10 de Outubro de 2016 ido à escola buscar o menor levando-o consigo.
[3] In O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Quid Juris, página 81.
[4] Obra citada pag. 82.
[5] Cfr. Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil-Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, página 26.
[6] In A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, página 304.
[7] In “Código de Processo Civil Anotado”, volº 2, Coimbra, 2001, pág. 670.
[8] In Código do Processo Civil Anotado”, volume V, Coimbra Editora, página 141.
[9] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1.ª edição, página 689.
[10] Embora seja, efectivamente, certo que os pontos 45 e 47 da fundamentação factual não tenham sustentação na prova produzida, pois que, revelando-se terem sido retirados da sentença do processo especial em que se pretendia a atribuição de uma pensão de alimentos à progenitora, a redacção nesses autos é inversa à que deles consta dos presentes, já que a referência à prejudicialidade para a saúde do menor devia ser imputável à requerida e não ao requerente como aí consta.
[11] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297.
[12] In www.dgsi.pt.
[13] Norma a que pertencerão todas as normas citadas sem menção de origem.
[14] Almiro Rodrigues in “Interesse do Menor, contributo para uma definição”, in Rev. Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18 e 19.
[15] Artigos 18º, nº 2, 36º, nºs 5 e 6, 7º, 69º e 70º.
[16] In “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio”, 4ª ed., Almedina, págs. 39 e segs.
[17] Veja-se a título de exemplo o Ac. desta Relação de 9/07/2014 e da Relação de Lisboa de Relação de 26/02/2013 ambos em in www.dgsi.pt.
[18] Ainsworth, 1991 e Cassidy & Shaver, 2016 citados por I… no parecer que foi junto com as alegações recursivas.
[19] Primeiro autor citado na nota anterior e Prior & Glaser, 2207 citado no mesmo parecer.
[20] Difonzo, 2014; Prior & Glaser, 2007 e Rigs, 2005 citados no parecer junto.
[21] Main, Hesse & Hesse 2011 citado no parecer junto.
[22] In Lex Familiae - Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 8, n.º 16, 2011, páginas 5 e seguintes.
[23] Obra citada.
[24] Obra citada.
[25] Autor e obra citada.
[26] Obra citada.
[27] Autor e obra citadas.