Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
498/15.2GBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: FACEBOOK
CONTA
FOTOGRAFIAS
PROVA
Nº do Documento: RP20170913498/15.2GBPNF.P1
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 727, FLS.120-124)
Área Temática: .
Sumário: A prova da titularidade da conta do Facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer principio de prova legal de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão, mas apenas submetido ao principio da livre apreciação da prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº498/15.2GBPNF.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
*
I. O MºPº veio interpor recurso da decisão instrutória proferida no processo nº498/15.2GBPNF do juízo de instrução criminal do Marco de Canavezes, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, que não pronunciou a arguida B… pela prática de um crime de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º, nº2, alínea b), do Código Penal, imputado na decisão, acusatória, de encerramento do inquérito.
*
I.1. Decisão recorrida (que se transcreve nos segmentos relevantes).
1. Relatório.
1.1. O despacho de acusação(…).
1.2. O requerimento de abertura da instrução.(…)
1.3. As diligências instrutórias e debate instrutório. (…)
2. Saneamento.(…)
3. Fundamentação.
3.1 As finalidades da instrução.(…)
3.2. Factos suficientemente indiciados.
1. A assistente C…, no ano de 2014, conheceu a arguida B… de forma não concretamente apurada.
2. A arguida transmitiu à assistente que gostaria de conhecer o filho desta, D…, nascido a 03.12.2010, o qual, à data, estava internado no Instituto Português de Oncologia (IPO), do E….
3. A assistente e a arguida mantiveram contactos pessoais no IPO E…, entre Dezembro de 2014 e Abril de 2015.
4. Altura em que a arguida deixou de aparecer no IPO E….
5. Durante o período compreendido entre Dezembro de 2014 e Abril de 2015 a arguida, quando visitava o filho da assistente no IPO E…, depois de oferecer brinquedos ao D…, pedia para tirar-lhe fotografias.
6. Alegando ser para mostrar aos funcionários da instituição para idosos onde dizia trabalhar, a fim de estes verem a felicidade da criança, os quais também queriam oferecer presentes aos meninos que se encontravam no IPO E….
7. Assim, com o consentimento da assistente e no pressuposto que não iriam ser publicamente exibidas e que serviriam apenas para mostrar aos supostos funcionários da instituição onde a arguida trabalhava e que iriam oferecer prendas às crianças doentes, a assistente autorizou a recolha de fotografias ao seu filho.
8. Pelo que a arguida tirou várias fotografias do filho da assistente, sozinho e em conjunto com a arguida e com outras crianças.
9. Em uma fotografia o D… aparece a dar um beijo na cara da arguida.
10. Em uma fotografia a cara do D… aparece num corpo de um anjo.
11. Em uma fotografia do D… este aparece abraçado pela arguida. Tribunal Judicial da
12. Em uma fotografia do D… este aparece a receber um beijo na cara da arguida.
13. Em uma fotografia do D… este aparece a dar um beijo na cara da arguida.
14. Em uma outra fotografia o D… aparece sozinho, dentro de veículo automóvel.
15. Em uma fotografia do D… este aparece a receber um beijo na cara da arguida.
16. Em uma fotografia do D… este aparece junto a uma outra criança.
17. Algumas das fotografias referidas em 9 a 16 estão acompanhadas por frases de teor sentimental.
3.3. Factos não suficientemente indiciados.
18. A arguida B… criou perfis no facebook, com o nome “B2…” e “G…”.
19. O conhecimento referido em 1 foi através da rede social “facebook”,
20. A arguida bloqueou o perfil da assistente no seu “facebook”.
21. A arguida postou nos seus perfis de “facebook” as fotografias do filho da assistente referidas em 9 a 16.
22. A arguida colocou as frases de teor sentimental referidas em 17.
23. A arguida deu a entender que o D… era seu filho.
24. Os perfis criados pela arguida estavam abertos ao público, podendo ser vistos por um número indeterminado de visitantes.
25. A arguida detinha as fotos referidas em 9 a 16.
26. A arguida publicou as fotos referidas em 9 a 16, bem sabendo que não estava autorizada pela assistente a fazê-lo e que agia contra a sua vontade, querendo expor publicamente a doença do filho da assistente.
27. Bem como criou do modo referido vários perfis como se fosse a mãe do D…, sendo na realidade criados pela arguida de forma a criar mais curiosidade nas redes sociais onde postou as fotos supra referidas.
28. Agiu a arguida de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
29. Agiu ainda a arguida, durante o período de tempo acima referido, reiterando sucessivamente o mesmo propósito, cometendo de forma homogénea os respectivos actos de publicação das fotos do filho da assistente, aproveitando-se do desconhecimento da assistente ao longo desse período de tempo e da facilidade com que poderiam colocar as fotos no seu perfil de facebook.
3.4. Motivação.
Nos termos do artigo 11.º/c) da Lei 109/2009, de 15/09, as disposições processuais previstas na referida lei, com excepção dos artigos 18.º e 19.º, aplicam-se relativamente a crimes em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico. Ora, nos termos do artigo 2.º/b) da referida lei, dados informáticos é qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático. Nos termos da al. c), dados de tráfego são os dados informáticos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de um sistema informático, gerados por este sistema como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando a origem da comunicação, o destino, o trajecto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente.
Olhando para a investigação constata-se que a mesma dispensou completamente, mas não só, os meios de obtenção de prova no quadro da chamada prova digital, optando pelo caminho simplicista do print screen e junção aos autos.
E é desde logo por isso que o Tribunal não pode dar como suficientemente indiciado que «A arguida B… perfis no facebook, com o nome “B2…” e “G…”» e consequentemente que a mesma tenha utilizado as fotografias do menor seja aí, seja em qualquer outro lugar ou espaço, o que em face da interligação com a restante factualidade levada à acusação importou a sua arrumação nos termos supra em sede de suficiente e insuficiente indiciação.
Aliás, mesmo a questão das fotografias juntas aos autos, onde aparece o menor e a arguida, tal não importa necessariamente a conclusão de que que tais fotografias foram sequer tiradas pela arguida (de qualquer forma nestes autos não está em causa a modalidade típica fotografar), bem como não importa a conclusão no sentido de a arguida as ter utilizado, seja no facebook (nos alegados perfis), como é dito na acusação, seja em qualquer outro lugar (não dito). Na verdade, em face da forma como a investigação foi desenvolvida, não existe qualquer elemento de prova que permita estabelecer minimamente um nexo de ligação à arguida quanto à utilização das fotografias do menor no mundo virtual.
Se é certo que a assistente afirma essa realidade e se também é certo que juntou uma série de imagens que apresentam alguma composição que retratam quer o menor (filho da assistente) quer a própria arguida – aparentando algumas dessas imagens (a não tratar-se de fotocomposição) terem sido tiradas por terceira pessoa, na medida em que retratam ambos (menor e arguida), embora se não desconheça a possibilidade técnica de gravação fotográfica automática – o certo é que os autos (para além dos dizeres exclusivos da assistente) contêm apenas fotografias onde se encontra o menor e a arguida.
De qualquer forma, como se disse, não resulta nos autos comprovado ter sido o dito espaço virtual o local de utilização. Para além de que, mesmo que não esteja em causa o acto de fotografar (a própria assistente afirma ter dado o consentimento à recolha de fotografias, lendo-se aqui que não ocorreu o acto de fotografar contra a vontade), a utilização das mesmas (fotografias) pela arguida nesse espaço virtual não está minimamente comprovada.
Na verdade, com todo o respeito pela opção da investigação, não basta juntar meia dúzia de print screen de alegados perfis para afirmar a autoria/criação dos mesmos por um determinado cidadão assente na mera circunstância de o nome desse cidadão constar dos mesmos (fls. 36 a 45, quanto a B2…, e fls. 57 a 63, quanto a B…), pois a experiência do dia-a-dia documenta variadíssimas situações de criação de perfis falsos.
Claro que a investigação mediante uma espécie de princípio de prova logo encaminhou o processo para a suspensão provisória do processo (veja-se o despacho de mero expediente do MP a fls. 64) e depois com mais uma ou outra diligência, no caso apenas a inquirição da denunciante (mãe do menor constante das fotografias) – sendo certo que o requerimento de fls. 81 e as fotografias de fls. 82 a 84, não têm qualquer relevância para este processo, pois referem-se a factos em investigação num outro inquérito a correr termos no DIAP da Maia – e a junção de alguns recortes de jornal de fls. 88 a 95, nestes se fazendo referência quer a factos objectos deste processo quer a factos respeitantes ao processo que corre no DIAP da Maia, mas tudo no quadro mais ou menos genérico da abordagem jornalística, face ao exercício da arguida do direito ao silêncio, logo deduziu acusação (considerando não estarem reunidos os pressupostos da suspensão provisória do processo ou do processo sumaríssimo).
Apesar da simplicidade comprometedora da investigação ainda ter permitido a afirmação na acusação (artigo 14.º da mesma) de que a arguida detinha as fotos (as referidas no artigo 11.º da acusação), o certo é que se trata de uma imputação tendencialmente especulativa, pois nem sequer assentou, no quadro dos meios de obtenção de prova ditos comuns, do resultado de uma simples busca à residência da arguida, com vista a realizar aí, para além do mais, uma busca online ou melhor dizendo a realizar uma pesquisa de dados informáticos (artigo 15.º da Lei 109/2009, de 15/09) e, se relevantes, proceder à apreensão dos mesmos (artigo 16.º da referida lei).
Tudo isto para dizer que relevantemente apenas temos as declarações da assistente a sustentar os factos da acusação – ou seja a alegada utilização das fotografias pela arguida – e por isso o Tribunal não considerou como suficientemente indiciado ter a mesma utilizado as fotografias do menor.
Ora, em face dos meios de obtenção de prova que não foram considerados, necessariamente não foi obtida prova relevante, nem podia ter sido, não se vislumbrando que no futuro se possa lançar mão dos meios de obtenção de prova não considerados pelo MP de forma a alcançar então prova sustentadora dos factos levados à acusação e imputados à arguida.
3.5. O crime imputado.
Dispõe o artigo 199.º do Código Penal que:
1. Quem, sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 . Na mesma pena, incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 197.º e 198.º”.
No que interessa trata-se de um crime que protege o bem jurídico imagem.
Na verdade, de acordo com a letra e o espírito do artigo 199.º/2-b) do Código Penal (modalidade que está em causa nos presentes autos), a utilização e divulgação de fotografia pré-existente terá relevância criminal mesmo que, originariamente, essa mesma fotografia tenha sido tirada com consentimento.
Necessário é que a utilização seja contra a vontade do ofendido, o que importa necessariamente que seja uma utilização por pessoa diferente do fotografado.
Ora, no caso dos autos, para além de não estar minimamente comprovado que as fotografias do menor tenham sido utilizadas no espaço virtual, mesmo que, por mera facilidade de exposição, se considere essa realidade como indiciada, o certo é relativamente ao agente dessa utilização – ou seja, a arguida – não existe prova relevante de suporte de imputação subjectiva do facto.
Uma última nota reveladora de alguma incoerência, mas que resulta exactamente da opção pela desconsideração dos meios de obtenção da prova, designadamente a afirmada prova digital.
Na verdade, conforme resulta do n.º 3 do artigo 199.º do Código Penal, por força da remissão para o artigo 197.º, ocorre a gravação aí prevista quando o facto – leia-se no caso a utilização das fotografias do menor – seja praticado através de meio de comunicação social.
Ora, não parece oferecer relevante dúvida que para os referidos efeitos, a utilização de uma rede social como o Facebook, tem o efeito “amplificador” pressuposto na agravação. A ser assim, como parece que é, deveria o MP ter considerado na indicação das “disposições legais aplicáveis” a referida norma. Mas não o fez, antes tratou a situação fáctica como se de uma mera situação de utilização de fotografias no mundo real se tratasse. O que significa (ou pode significar) que no subconsciente do digno acusador o mundo virtual não foi trazido para o processo. Mas era aí que se devia situar, pois foi aí que a assistente afirmou ter ocorrido a prática criminosa.
Consequentemente, será a arguida não pronunciada.
4. Decisão:
4.1. De não pronúncia.
Assim, tendo em conta o acima exposto, decido não pronunciar a arguida B… pela prática de um crime de um crime de fotografias ilícitas, p. e p. artigo 199.º/2-b) do Código Penal, como lhe imputa o MP.
*
I.2. Recurso do MºPº (conclusões que se transcrevem parcialmente).
b) O Ministério Público entende que a prova reunida em inquérito levaria muito provavelmente a uma condenação da arguida em sede de julgamento;
c) Com efeito, do teor do depoimento da assistente, conjugado com os prints do Facebook, das notícias de jornal e com a certidão do inquérito que correu termos na Maia, se retira um juízo de probabilidade qualificada da verificação dos factos e da sua autoria;
d) Na verdade, a arguida B… contactou a assistente que tinha o seu filho D… internado no IPO, via Facebook, tirou-lhe presencialmente fotografias com autorização e conhecimento da mãe, mas sob falsos pretextos, e na posse daquelas, publicou ou mandou publicar, em vários perfis da rede social Facebook, usando vários nomes, mas sempre com a sua própria fotografia de perfil, e seus elementos identificativos, mormente a profissão de enfermeira, aquelas fotos, fazendo-se passar por mãe do menor;
e) O MM JIC julgou incorrectamente na sua decisão instrutória os pontos 18 a 29 que se referiam à acusação pública; quer falhando na valoração da prova produzida em inquérito, o que resulta também do texto da própria decisão instrutória, quer na aplicação ao direito dos factos sobrantes e que deu como indiciados na decisão;
f) Na verdade, ao dar como indiciado que a arguida pediu à assistente para tirar as fotografias com o menor (pontos 5 e 6 da decisão instrutória), a consequência lógica seria a de que fora a assistente mais tarde a utilizar as ditas (dado que não se vislumbra, nem é alegado outra pessoa que tenha tido acesso às mesmas) na criação dos perfis e na publicação das fotos;
g) Daí que se entenda que a fragilidade da decisão instrutória, para além de erro de julgamento, provenha igualmente e também da própria contradição entre os factos dados como não provados, os factos provados e a motivação;
h) Seja como seja, tal prova a que supra se aludiu, criticamente apreciada, deveria levado à total procedência da acusação, porquanto sustenta uma probabilidade séria de condenação em julgamento;
i) Temos assim como bom que o MM JUIZ, ao não dar como suficientemente indiciados estes factos incorreu em erro notório de apreciação da prova - art? 410?, n?l e n?2, c), do Código de Processo Penal, mas também em erro de julgamento, com falha de exame crítico da prova produzida, que imporia uma decisão diferente da matéria de facto e, em consequência de Direito, que seria a pronuncia pelos crimes de que vinha acusada a arguida - art 374º, nº2, 308º todos do Código de Processo Penal.
*
I.3. Resposta da arguida (motivações que parcialmente se reproduzem).
É facto notório a existência de contas do "facebook" pirateadas ou de perfis que são imitados, já que é do conhecimento do homem médio a forma de criação de um perfil na rede social em causa, pois para se criar uma conta igual à de um perfil já existente no facebook" basta atribuir-lhe um nome igual ao da pessoa cuja conta se pretende imitar e copiar a sua fotografia de perfil do facebook", que é de acesso público, sendo certo que no caso presente não foi produzida qualquer prova de que o perfil utilizado tenha sido o seu e, ainda que tenha sido, não é inverosímil que possa ter sido outra pessoa a publicar as mencionadas fotografias.
Não consta dos autos a identificação do IP, nem sequer do router, única forma de provar da autenticidade da conta pelo que se desconhece o computador e sítio a partir do qual foram publicadas as fotografias aqui em causa.
Segundo as regras da experiência comum, resulta à saciedade evidenciado mais variadíssimos exemplos, num cenário de "mundo virtual", que os prints, não têm, nem podem ter, qualquer valor probatório e relevância jurídica, uma vez que são meros prints de facebook, que, pese embora, aparecerem com nomes de uma pessoa específica, são de fácil manipulação ao abrigo de criação artística por uma outra pessoa distinta;
Para além disso, e como bem refere o douto despacho de não pronúncia, a investigação assentou numa simplicidade comprometedora e de tendência especulativa, pois nem sequer cuidou de no quadro dos meios de obtenção de prova, providenciar por uma busca à residência da arguida, efectuar um busca on line, pesquisar dados informáticos e proceder caso relevantes à apreensão dos mesmos,
Para sustentar a tese da acusação temos somente as declarações da assistente, a qual aquando das sua inquirição, na qualidade de testemunha, referiu que só teve conhecimento das publicações através de uma alegada conversa on line com uma senhora de nome I…,
Dos presentes autos não consta qualquer identificação da referida pessoa, nem qualquer diligência tomada no sentido da averiguação para a descoberta de tal pessoa ou da alegada conversa tida on line com a assistente;
A arguida não tirou e não publicou no facebook fotografias do menor e teve desde sempre uma única conta na rede social facebook, com o nome "B1…", nome pelo qual é conhecida e sempre se deu a conhecer no contexto social e familiar onde se insere, jamais tendo criado outras contas com nomes e perfis distintos;
Os perfis constantes do despacho de acusação são de facto falsos, não foram criados pela arguida, nem por interposta pessoa em seu nome e no seu interesse, não podendo a mesma ser responsabilizada pelas públicações constantes das páginas dos citados perfis.
Assim, em conclusão, impunha-se que tivesse sido produzida prova no sentido da autenticidade do perfil que é imputado à arguida, o que não se verificou, e que tivesse sido suficientemente indiciado ter sido a mesma a tirar e a publicar/utilizar as fotografias do menor em causa, o que, de igual modo, não se verificou, ao menos para além de toda a dúvida razoável, pelo que bem decidiu o Tribunal, consequentemente ao determinar a não pronúncia da arguida e a sua inerente absolvição.
*
I.4. Parecer do Mº Pº (que se sintetiza, ao qual a arguida ofereceu resposta, de teor idêntico àquele referido)
Sendo de considerar manifestamente improcedentes os vícios previstos nas alíneas b) e c) do n°2 do artigo 410° do C. P. Penal, apontados à decisão impugnada, deverão, no entanto, ser decretada a sua revogação e substituição por outra que pronuncie a arguida B…, nos termos da acusação pública.
*
II.1. Objecto do recurso.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336)
Cabe a esta instância o dever de apreciar a prova produzida e deliberar de acordo com a mesma se existem indícios suficientes para pronunciar a arguida. A tarefa desta relação será reexaminar a causa, se existiu errada valoração dos indícios recolhidos pelo juiz de instrução criminal, balizados pela fundamentação expressa na decisão recorrida e pelas conclusões apontadas pelo recorrente, sem prejuízo da análise crítica da totalidade da prova produzida (exclusivamente em sede de inquérito).
*
II.2.Do mérito do recurso.
II.3.1. Argumentação da decisão instrutória recorrida e contra-argumentação do recorrente.
O juiz de instrução teve em consideração, na conclusão pela inexistência de possibilidade séria de condenação em julgamento da arguida, a consideração de uma única conclusão basilar: não existem meios de prova para, de forma suficiente, comprovar a utilização das fotografias do menor no espaço virtual e de imputação subjectiva do facto à arguida por preterição dos mecanismos de recolha de prova em suporte informático (previstos na Lei nº109/2009, de 15 de Setembro, mais propriamente no seu artigo 11º, nº1, alínea c)). Por outras palavras, face à natureza dos factos imputados na acusação (divulgação de imagens cuja autoria é imputada à arguida em determinados perfis de facebook cuja titularidade lhe é atribuída), constituem meios de prova inadequados, de acordo com o critério legal de suficiência de indícios, as declarações de quem tenha presenciado a divulgação e o registo fotográfico de tal divulgação, quer quanto à titularidade do perfil emitente (autoria), quer relativamente ao conteúdo divulgado.
Nos termos já apreciados por esta relação e que se reproduzem (Acórdão proferido em 05/04/2017 no processo 671/14.0GAMCN.P1, consultável em www.dgsi) “(…) o “facebook” é uma rede social que funciona através da internet e que, por isso, opera no âmbito de um sistema informático, tal como o define o artigo 1º da Lei nº 109/2009, de 15/09, que aprova a Lei do Cibercrime, o que significa que a recolha de prova está sujeita ao disposto naquele diploma, conforme decorre dos seus artigos 11º e 16º, este com referência aos seus nºs. 1 e 3.
Porém, importa distinguir aqui duas situações diferentes.
Uma, que respeita à recolha ou cópia de informação que alguém disponibiliza ou publicita no seu mural de “facebook” sem restrição de acesso, assim a tornando acessível a quem ali legitimamente poder aceder, tal como sucedeu no caso, pelo que nada impede a utilização das cópias daí extraídas, mormente para efeito de procedimento criminal.
Outra, a que se reporta à necessidade de proceder à apreensão de tal informação, isto é, ao original inserto naquela plataforma, esteja ou não tal informação ainda disponível, o que só será necessário se estiver em causa a genuinidade das cópias antes extraídas legitimamente, isto é, sem uma qualquer intrusão ilícita no sistema informático de outrem, pois que, aqui sim, há que observar a disciplina contida no mencionado artigo 16º, nºs. 1 e 3 do referenciado diploma(…)”.
O raciocínio exposto pelo juiz de instrução (que se não qualifica, naturalmente, como erro notório da apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, privativo da motivação judicial das sentenças) representa uma errada valoração dos meios de prova produzidos em sede de inquérito e errada concepção do sistema do direito probatório aplicável.
A prova da titularidade da conta de facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer princípio de prova legal, de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão.
Vale, naturalmente, o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal) e, nesse sentido, dispõe o inquérito de dois meios de prova da natureza assertiva e incontornável que permitirem concluir pela existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena à arguida artigo 308º, nº1, do Código de Processo Penal).
Por um lado, as declarações da assistente no sentido em que:
- teve acesso à conta originária de facebook da arguida através da qual a conheceu e, posteriormente, de forma presencial, por haver combinado um encontro por esse meio;
-deixou de ter acesso por a arguida ter bloqueado o seu perfil relativamente ao conteúdo divulgado;
- a arguida dispunha de fotografias do menor, captadas na presença da assistente;
- a assistente não autorizou a divulgação das fotografias do menor em perfil aberto ao público;
-o segundo perfil em causa (que não o originário) é utilizado pela divulgar imagens do menor, na disponibilidade da arguida, aparecendo no mesmo, pelo menos, como foto de capa, duas imagens distintas da arguida, bem como uma outra imagem da mesma inserta num postal virtual.
Por outro lado, o conteúdo conhecido pela assistente através de outras pessoas que se não encontravam bloqueadas foi objecto de registo fotográfico e sua corporização em papel. Não vemos qualquer motivo, sequer ligeiro, para duvidar, de acordo com as variáveis resultantes da narrativa efectuada pela assistente, que as imagens reproduzidas foram divulgadas nos perfis em causa (e, por isso, ali colocadas pela arguida).
Apesar de não estar expressamente previsto, neste tipo de recurso, o sistema de substituição (solução já jurisprudencialmente fixada pelo Acórdão do S.T.J nº4/2016, D.R. 1ª série, nº36, de 22 de Fevereiro de 2016 em relação às sentenças), nada obsta, uma vez que não é prejudicado qualquer direito de defesa da arguida, ao proferimento de acórdão substitutivo (cfr. artigo 310º, nº1, do Código de Processo Penal).
*
III. Nos termos expostos concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão instrutória, pronunciando B… pelos factos constantes da acusação pública de fls. 150 a 153, que se dão por reproduzidos, imputando-lhe a prática de sete (7) crimes de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artigo 199º, nº 2, alínea b), do Código Penal, com a produção dos meios de prova indicados no referido despacho.
Sem custas.
*
Porto, 13 de Setembro de 2017
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro