Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5443/15.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: RECURSO
EFEITO SUSPENSIVO
CAUÇÃO
IDONEIDADE
CÁLCULO
PARTE LIQUIDA DA CONDENAÇÃO
PARTE ILIQUIDA DA CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RP201801085443/15.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º267, FLS.73-79)
Área Temática: .
Sumário: I - A caução prevista no artigo 83º, nº2 do Código do Processo do Trabalho visa, por um lado, permitir que à apelação seja atribuído efeito suspensivo e, por outro, garantir o pagamento da quantia em que o apelante venha a ser condenado no processo.
II - No cálculo do montante da caução deve incluir-se a parte líquida e ilíquida da condenação.
III - O incidente é processado nos próprios autos, impondo-se garantir o contraditório sobre o valor e a idoneidade da caução oferecida.
IV - As notificações por transmissão eletrónica, presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
V - É idónea a caução depositada em conta bancária do Instituto de Gestão Financeira e das Infra - Estruturas da Justiça, à ordem da secretaria, por meio do documento único de cobrança.
VI - Não pode considerar-se validamente prestada a caução se o comprovativo do respectivo pagamento não for tempestivamente junto aos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5443/15.2T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Fernanda Soares
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
Na acção de impugnação de despedimento colectivo, que B… instaurou contra C…, S.A., uma vez proferido despacho saneador, nos termos do artigo 160, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, veio esta última interpor recurso, solicitando que fosse atribuído efeito suspensivo, requerendo a prestação de caução da importância em que foi condenada, por meio de depósito, nos termos do nº2 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho, tendo solicitado ainda a fixação do montante a caucionar.
Por despacho de 20.06.2017, tal recurso foi admitido, como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos.
No mesmo despacho foi determinada a notificação da Ré para, no prazo de 10 dias, prestar caução, numa das modalidades previstas no artigo 83º, nº2 do Código de Processo do Trabalho, com a advertência prevista no nº4 do mesmo normativo.
A notificação da Ré foi efectuada, na pessoa do respectivo mandatário, via citius em 21.06.2017.
Em 27.06.2017, a Ré procedeu ao pagamento por documento único de cobrança (DUC) da importância de €17.424,55.
Em 12.07.2017, a Ré veio querer a junção do comprovativo de prestação de caução, no montante de €17.424,55, nos termos do disposto no artigo 83º, nº2 do Código de Processo do Trabalho.
Por despacho de 24.08.2017, foi proferido o despacho em crise, com o seguinte teor:
“Fls. 1474 e 1475: julgo validamente prestada a caução.
Na decorrência, atribuo ao recurso interposto o efeito suspensivo (art.º 83.º n.º 2 do C. P. do Trabalho).”
O Autor veio interpor recurso deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 24/08/2017, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar validamente prestada a caução pela R., atribuindo ao recurso interposto o efeito suspensivo.
B) Porquanto, e salvo o devido respeito, que é muito, entende o A., ora apelante, que em face do processado e do Direito aplicável, deve o respeitável despacho ser revogado e substituído por outro que julgue não admissível a prestação de caução por manifesta extemporaneidade e falta de idoneidade do valor e modo pelo qual foi prestada pela Ré, com a atribuição automática do efeito meramente devolutivo à apelação.
C) Na verdade, entende o Apelante que a douta decisão recorrida, data vénia, fez errada interpretação e aplicação dos números 2, 4 e 5 do artigo 83.º do CPT e dos números 913.º e 915.º do CPC.
COM EFEITO,
D) No seu requerimento de interposição de recurso, a R. limitou-se a referir que pretendida que ao seu recurso interposto fosse atribuído efeito suspensivo, ao abrigo do disposto do n.º 2 do art.º 83.º do CPT, requerendo a prestação de caução da importância em que foi condenada, por meio de depósito, sendo tal requerimento totalmente omisso quanto ao cálculo provisório de tal quantia.
E) Limitando-se, mais tarde, nomeadamente, em 12/07/2017 e, portanto, mais de dez dias após a notificação elaborada em 21/06/2017 e para a qual remete, a proceder à junção aos autos de requerimento com Documento Único de Cobrança e respectivo comprovativo de pagamento, com a descrição de “depósitos autónomos”, no valor de €17.424,55, alegando tratar-se de comprovativo de prestação de caução, sem, contudo, mais vez, justificar o cálculo de tal quantitativo.
F) Deste modo, sempre seria de não admitir o incidente de prestação de caução quer por falta de indicação do valor a caucionar, no requerimento de interposição de recurso, quer, ainda, por falta de alegação dos factos que concorreram para a determinação do valor de €17.424,55, inscrito no Documento Único de Cobrança, junto aos autos em 12/07/2017.
G) Por outro lado, importa não olvidar que o A., na qualidade de recorrido, não foi notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 915.º e n.º 2 do art.º 913.º, ambos do CPC, isto é, para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia, o que configura uma nulidade, por omissão de um ato que a lei prescreve, expressamente prevista na lei e que influiu no exame e decisão da causa, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais, mormente, o disposto na al. a) do art.º 187.º e al. a) do n.º 1 do art.º 188.º ou, caso assim não se entenda, no art.º 195.º, todos do CPC.
H) O que acarretará a anulação de todo o processado, após o requerimento de prestação de caução deduzido pela R., nomeadamente, o douto despacho recorrido datado de 24/08/2017, o que se espera e requer.
I) Sem prescindir, a putativa caução oferecida pela R., e julgada válida pela douta decisão recorrida, para além de manifestamente extemporânea, porque prestada para além do prazo de dez dias que lhe foi fixado, é, ainda, insuficiente, pois não garante a totalidade do crédito resultante da condenação, e inadequada em termos qualitativos, uma vez que não foi prestada por um dos meios previstos no n.º 2 do art.º 83.º do CPT.
J) De fato, através de notificação elaborada em 21/06/2017 e, portanto, considerada efetuada em 26/06/2017, foi a R. notificada para, no prazo de 10 dias, prestar caução numa das modalidades previstas no art.º 83.º, n.º 2, com a advertência prevista no n.º 4 do mesmo normativo.
K) Acontece, porém, que, apenas em 12/07/2017, e, portanto, dezasseis dias após a notificação para o efeito, veio a R. proceder à junção aos autos de requerimento com Documento Único de Cobrança e respetivo comprovativo de pagamento, com a descrição de “depósitos autónomos”, no valor de €17.424,55, alegando tratar-se de comprovativo de prestação de caução.
L) Em consequência, e como determina o n.º 4 do art.º 83.º do CPT, deveria, data vénia, o incidente de prestação de caução suscitado pela R. ter sido julgado improcedente.
M) Ao não ter decidido assim, o Tribunal o quo, com a devida vénia, violou o disposto no n.º 4 do art.º 83.º do CPT, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente o incidente de caução suscitado pela R.
N) Ainda sem prescindir, a caução prestada pela R. não se subsume a nenhuma das modalidades previstas no n.º 2 do art.º 83.º do CPT.
Pelo que, também a este trecho, andou mal, data vénia, a douta decisão recorrido ao ter julgado validamente prestada pela R. a caução a que alude o n.º 2 do art.º 83.º do CPT, o que acarretou a violação de tal dispositivo legal.
O) Por fim, importa referir que, ainda que tempestiva e idónea, em termos qualitativos, a caução prestada pela R, peca por manifestamente insuficiente, em face do valor resultante da sua condenação.
P) Ora, nos termos da douta sentença recorrida, vem a R. condenada a pagar ao A. todas as retribuições que este deixou de auferir, desde a data do despedimento (07/09/2014) até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto no artigo 390.º do Código de Trabalho; uma indemnização em substituição da reintegração, prevista no n.º 1 e 2 do art.º 391.º do Código do Trabalho, computada no montante mínimo de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, que, na presente data, se fixa em €4.777,50 (quatro mil, setecentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos);
Acrescido de juros, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Q) Assim, até ao presente encontram-se vencidas as retribuições desde o mês de Setembro de 2014; e, considerando ainda um previsível período de 6 meses até ao trânsito em julgado da decisão, isso significa a existência de um crédito provável por retribuições vencidas e vincendas até ao Março de 2018, o que perfaz 42 meses de retribuição, no valor cada de € 1.558,00.
R) A estes meses acresce ainda três meses referentes a subsídios de férias vencidos no ano de 2015, 2016 e no corrente ano e três meses referentes a subsídios de Natal vencidos em 2015, 2016 e relativo ao corrente ano (cfr. artigo 263.º, n.º 1 e 264.º, ambos do Código do trabalho).
S) Tudo somado obtém-se o equivalente a 48 meses de retribuição e o valor de €74.784,00 (€1.558,00 x 48 meses).
T) Nesta sequência, por virtude da condenação já proferida nos autos, a quantia provável do crédito do Autor é de €79.561,50 (€74.784,00 + €4.777,50).
U) E, destinando-se a caução a garantir o pagamento do quantitativo do crédito provável do Autor, a fim de obter o efeito suspensivo da apelação, é esse o montante que a Ré deveria ter prestado nos termos e modo legalmente previstos.
V) Por tudo o exposto, ao ter decido nos termos em que o fez, a douta decisão recorrida violou o disposto nos números 2, 4 e 5 do artigo 83.º do CPT e dos números 913.º e 915.º do CPC.
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerado Tribunal, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue não admissível a prestação de caução por manifesta extemporaneidade e falta de idoneidade do valor e modo pelo qual foi prestada pela Ré, com a atribuição automática do efeito meramente devolutivo à apelação interposta pela R..” (realce e sublinhado nossos).
O recurso foi regularmente admitido por despacho de 09.10.2017.
No mesmo despacho, foi determinado o desentranhamento das contra-alegações deduzidas pela Ré, e a respectiva devolução, por terem sido apresentadas para além do prazo de 10 dias previsto artigos 80º, nº 2, e 81º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho.
Remetidos os autos a este Tribunal, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser indeferido o incidente suscitado de prestação de caução, com o seguinte teor:
“Nos termos do artigo 872, n.2 3, do CPT, emite-se o seguinte parecer:
Vem o presente recurso interposto pelo A., B… (fis. 107/114v2), por não se conformar com o douto despacho de fls.106, proferido em 24.08.2017 que, julgou validamente prestada a caução e em consequência atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto pela Ré “C… S.A.”.
Nas conclusões da alegação, suscita o recorrente as seguintes questões:
- Não devia ser julgada validamente prestada a caução, por falta da indicação do valor a caucionar no requerimento de interposição do recurso e alegação dos factos que concorreram para a determinação desse valor (€17.424,55);
- A caução prestada e julgada válida é manifestamente extemporânea, porque prestada para além do prazo de 10 dias, 16 dias após a notificação para o efeito, veio a Ré juntar em 12.7,2017 o Documento único de Cobrança;
- A caução prestada não se subsume a nenhuma das modalidades previstas no nº 2 do artº 83 do CPT;
- A caução ‘mesmo que considerada idónea e tempestiva é insuficiente.
- O A não foi notificado para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia, o que configura uma nulidade (prevista nos art2s 187º a) e 188, nº 1 a) ou caso assim não se entenda, no artº 195º todos do CPC)
Não constam dos autos as contra-alegações da Ré.
O Recorrente, vem recorrer do despacho da M Juiz «a quo» que julgou válida a caução prestada no valor de €17,424,55, a fim de obter o efeito suspensivo do recurso de apelação Interposto pela Ré.
Esta foi condenada, nos termos do disposto no artº 390º do CT a pagar àquele as retribuições desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, com as deduções previstas no artº e uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, que foi fixada à data da sentença em €4.777,50.
Segundo o disposto no nº1 do artigo 83 do C. P. Trabalho a apelação tem efeito meramente devolutivo a não ser que o apelante preste caução da importância em que foi condenado, para obter, assim, o efeito suspensivo, impedindo, deste modo, que o apelado execute a sentença.
Por isso, a prestação de caução a que alude o referido artigo constitui uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente, obrigação que no caso em análise é a de pagar o quantitativo determinado na sentença.
O valor da caução revela-se, assim, fixado arbitrariamente.
E, com vista a deixar assegurada a finalidade que a exigida prestação de caução visa acautelar, importa considerar no cômputo do valor da caução a prestar o montante das prestações retributivas vencidas e vincendas desde a data do despedimento da trabalhadora, considerando a duração previsível do recurso (cerca de 6 meses) e o teor do referido acórdão do STJ nº6/2006, nelas se incluindo os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
Pois, o Acórdão do S.TJ., n.º 6/2006, in D.R. n.º 205, 1 Série, de 24.10.2006, reportando-se embora ao art. 79.º/1 do anterior C.P.T. (cujo teor é coincidente com o do actual art. 83.º/1), velo estabelecer e uniformizar Jurisprudência nestes termos:
“O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar...para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo, quer a parte liquida, quer a parte ilíquida da condenação”.
Por outro lado, para determinar o montante da caução a prestar, deve-se ter tomado em conta a duração do recurso.
Na verdade, não podemos esquecer que o trabalhador, de acordo com o determinado na sentença recorrida, tem direito a receber as remunerações intercalares e a indemnização por despedimento, calculados até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
E se assim é, então a caução a prestar deve garantir, à partida, a satisfação desses créditos.
Em nosso entender, tal critério é objectivo e assegura minimamente a satisfação dos créditos do trabalhador reconhecidos na sentença recorrida.
A recorrente, na pessoa do respectivo mandatário, foi notificada via Citius no dia 21.6.2017, para no prazo de 10 dias prestar caução, tendo sido prestada no dia 27.6.2017 por meio de auto liquidação de documento único de cobrança, dentro daquele prazo (cfr. fls 22 e 23), sem contudo juntar no prazo de 10 dias o respectivo comprovativo.
No entanto, salvo melhor opinião prestou a caução dentro do prazo.
A caução prestada com a apresentação do DUC, constitui uma garantia bancária, pelo que se inclui num dos meios de prestação previstos no nº 2 do artº 339 do CPT.
Contudo como o recorrente refere nas suas conclusões o montante da caução é insuficiente e o mesmo não foi notificado para se pronunciar sobre a idoneidade da caução.
Como refere o acórdão da Relação do Porto de 10.1.2000 de 10.1.2000: CJ 2000, 1º243, no sumário:
“I-Em processo laboral, o recurso pode ter efeito suspensivo, desde que o apelante requeira, no requerimento de interposição, a prestação de caução, que só pode ter lugar por depósito ou garantia bancária e terá de corresponder ao valor pelo qual aquele tiver sido condenado. Il Requerida a prestação de caução por valor Inferior, a caução não pode ser julgada válida mesmo que o apelado não tenha impugnado o valor e a idoneidade da caução oferecida.
No requerimento de interposição do recurso de apelação a recorrente refere que nos termos do disposto no nº 2 do artº 83 nº2 do CPT pretende prestar caução para obter o efeito suspensivo do recurso.
A recorrente indicou, o montante a caucionar, bem como a modalidade da caução, não Justificando o valor a prestar, pelo que não deu cumprimento ao disposto no artigo 913º, nº 1 do CPC, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art9 1 n2 2 a) do CPT, inviabilizando, assim, o processamento deste incidente de prestação de caução, dado a sentença não ter condenado em quantia certa, dependendo de simples cálculo aritmético apurar as retribuições que o recorrente deixou de auferir desde o despedimento, ocorrido em 7.9.2014. Neste sentido os acórdãos desta relação de 9.11.1999 e 20.9.2005, publicados na CJ tomo V, pág 291 e 292 e Cl tomo IV, pág 284 e 285.
Por outro lado, como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo do Trabalho, a págª 85, o recorrente deve “(...)justificar o cálculo do quantitativo, especialmente nos casos em que a condenação seja ilíquida ou parcialmente ilíquida.”
Assim deve ser indeferido o incidente suscitado de prestação de caução.”
As partes, ouvidas, não se pronunciaram quanto ao douto parecer do Ministério Público.
Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” do artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência cumpre decidir.
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
2. Objeto do recurso
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº4 e 639, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões que se elencam pela ordem que se justifica:
- aferir da idoneidade da caução prestada.
- aferir da tempestividade da caução prestada;
- aferir se o despacho em crise enferma de nulidade processual, por o Autor não ter sido notificado para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia;
- aferir se a caução prestada é suficiente.
2.1. Fundamentação de direito:
Dispõe o artigo 83º, nº1 do Código de Processo do Trabalho:
«1- A apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração;
(…)».
Refere António Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, página 562 a 563, “Nos recursos de apelação no processo do trabalho o efeito-regra é meramente devolutivo (art.83.º, nº1, do CPT), o que historicamente se explica com a frequência com que o trabalhador surge na posição de sujeito processual activo com especial interesse na efectivação da eventual sentença condenatória do empregador.
Trata-se de um regime que favorece a eficácia na resposta judiciária tanto mais indispensável quanto é certo que os interesses que no processo laboral se discutem reclamam o máximo encurtamento do pedido que medeia entre o surgimento do conflito e a sua resolução. Deste modo, a decisão proferida pode ser executada ou produzir os efeitos a que a mesma se destinar ainda antes de transitar em julgado.”, (sublinhado nosso).
No nº2 do artigo 83º, prevê-se a possibilidade do recorrente obter efeito suspensivo, «se no requerimento de interposição de recurso, requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado por meio de depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos, ou por meio de fiança bancária ou seguro caução.».
O incidente de prestação de caução é processado nos próprios autos, (artigo 83º, nº5 do Código de Processo de Trabalho).
No mais, como se Lê no Acórdão do S.T.J. de 06.06.2001, in www.dgsi.pt, «Não estabelecendo o Código de Processo do Trabalho as regras concernentes ao processamento do incidente de prestação de caução, há que se recorrer às estabelecidas no Código de Processo Civil, atenta a natureza subsidiária deste (…).».
Necessário é pois garantir o contraditório sobre o valor e a idoneidade da caução oferecida – cfr. artigos 913º, nº2 e 3º, nº2, ambos do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 1º, nº2 al. b) do Código de Processo do Trabalho.
A caução é uma garantia especial das obrigações prevista no artigo 623º e seguintes do Código Civil.
A caução a que alude o artigo 83º, nº2 do Código de Processo do Trabalho tem um duplo objetivo:
1º - A obtenção do efeito suspensivo da apelação;
2º - A garantia de pagamento da quantia em que o apelante venha a ser condenado no processo.
O S.T.J., no Acórdão n.º 6/2006, in D.R. n.º 205, I Série, de 24.10.2006, reportando-se embora ao artigo 79º, n.º 1 do anterior Código de Processo do Trabalho (com teor coincidente com o do atual artigo 83º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, no parte que aqui interessa), veio uniformizar jurisprudência nestes termos:
“O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar (…) para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo, quer a parte líquida, quer a parte ilíquida da condenação.”.
Nos termos do disposto no nº4 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho, «O juiz fixa o prazo, não excedente a dez dias, para a prestação de caução e se esta não for prestada no prazo fixado, a sentença pode ser desde logo executada.».
Em concreto, o despacho que admitiu o recurso interposto pela Ré, determinou a notificação desta para, no prazo de 10 dias, prestar caução, numa das modalidades previstas no artigo 83º, nº2 do Código de Processo do Trabalho, com a advertência prevista no nº4 do mesmo normativo, ou seja, de que não sendo a caução prestada no prazo fixado, a decisão em causa pode ser logo executada.
Tal despacho foi notificado à Ré, na pessoa do respectivo mandatário, via citius, em 21.06.2017. Desde já se refere que tal notificação se considera efectuada em 26.06.2017.
Com efeito, importa aqui atender ao teor da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, onde se mostram definidos os termos da tramitação electrónica dos processos e que no artigo 25º preceitua:
«1 - As notificações por transmissão eletrónica de dados são realizadas através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt.
(…)»
Ainda ao disposto no artigo 248º do Código de Processo Civil, nos termos do qual:
«Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no nº1 do artigo 132, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.». (sublinhado nosso).
O processamento do pagamento da caução foi efetuado pela Ré no dia 27.6.2017 por meio de auto liquidação de documento único de cobrança, como resulta do teor de fls. 22 e 23 dos presentes autos.
Como tal, foi efetuado no primeiro dia do prazo fixado para o efeito, cujo final se verificava no dia 06.07.2017.
O Autor refere ser a caução inadequada, em termos qualitativos, por não ter sido prestada por um dos meios previstos no nº2 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho.
Importa ter presente a Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, lendo-se no respectivo preâmbulo, «O Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, procedeu a uma profunda reforma do sistema de pagamento das custas processuais, mediante o qual se promoveram os objectivos de simplicidade e celeridade no processamento das contas judiciais.
O aludido decreto-lei que aprovou o novo Regulamento das Custas Processuais foi posteriormente alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, de forma a conjugar os calendários das medidas essenciais para a melhoria do sistema de justiça com a entrada em vigor do novo Regulamento das Custas Processuais, com efeitos a 20 de Abril de 2009.
Esta importante reforma tem entre os seus objectivos uma redução sustentada das taxas de justiça a pagar, permitir uma maior utilização das ferramentas informáticas disponíveis na elaboração das contas judiciais, uma melhor compreensão por parte do cidadão dos montantes pagos em tribunal e aumentar a celeridade no sistema de cálculo dos pagamentos dos tribunais.
O sistema que se cria com esta regulamentação das custas processuais é mais inteligível para o cidadão, permite maior rapidez na actualização do software e dos montantes a pagar e alarga a possibilidade do pagamento a várias instituições financeiras.
É um sistema que permite a qualquer pessoa o pagamento de taxa de justiça ou de qualquer montante devido ao tribunal através do documento único de cobrança judicial. ». (sublinhado nosso).
Dispõe o artigo 9º da mesma Portaria:
«Quantias depositadas à ordem dos processos
1 - Todos os pagamentos de custas, multas e penalidades processuais, assim como actos avulsos, o produto de coimas e de execuções, rendas, salários, cauções e outras quantias estranhas ao pagamento directo de custas processuais, são depositadas em conta bancária do Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ) à ordem da secretaria, por meio do documento único de cobrança (DUC), sem prejuízo das receitas próprias das entidades diversas.
(…)». (sublinhado nosso).
Conclui-se assim que o pagamento da caução foi adequadamente realizado através do documento único de cobrança, não assistindo nesta parte razão ao Autor.
Como se referiu já, o pagamento por auto liquidação de documento único de cobrança foi efectuado em 27.06.2017.
Não obstante, o respectivo comprovativo apenas foi junto aos autos em 12.07.2017.
Entende o Autor que não tendo a Ré comprovado nos autos a prestação de caução, no prazo de 10 dias, subsequentes à notificação do despacho de 14.06.2017, a mesma é extemporânea.
Por seu turno, o Ministério Público, atenta a data da liquidação do documento único de cobrança, entende que a Ré prestou a caução dentro daquele prazo.
Ficou já referido que a notificação do despacho de 14.06.2017, se presume efetuada em 26.06.2017.
Necessário é atender ao previsto na Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, que a propósito do documento comprovativo prevê no artigo 22º:
«1 - O interessado deve entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento juntamente com o respetivo articulado ou requerimento, salvo disposição legal em contrário, nos termos da portaria que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos.
2 - Deve ser indicada a referência que consta do DUC em local próprio, previsto nos formulários de apresentação de peça processual constantes do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3 - Fora dos casos previstos na lei ou regulamentação própria e quando não exista norma que disponha de forma diferente, os pagamentos efectuados através do DUC importam a junção ao processo do respectivo documento comprovativo, no prazo de cinco dias posteriores à data do pagamento.».
Em realce, no próprio DUC, a que se reporta o teor de fls. 22 dos presentes autos, consta o alerta para a necessidade de entrega do documento comprovativo do pagamento ou de se realizar a comprovação desse pagamento junto do Tribunal, conforme o disposto na Portaria nº 419-A/2009 de 17.04.
Em concreto, porém, a Ré juntou o comprovativo do pagamento da caução em 12.07.2017, como tal 15 dias depois de ter efectuado o pagamento através do DUC, em 27.06.2017.
Mesmo considerando que a Ré efetuou o pagamento da caução antes do final do prazo que lhe foi concedido para o efeito, o qual terminava apenas em 06.07.2017, salientamos que caso a mesma tivesse efetuado o pagamento nessa data, atento o referido prazo de cinco dias, o comprovativo do pagamento teria de ser junto até ao dia 11.07.2017.
Afere-se pois que o mesmo comprovativo não foi junto aos autos tempestivamente e assim sendo, que a Ré não demonstrou atempadamente ter pago a caução, como se lhe impunha face à notificação que lhe foi efetuada.
Em conformidade e desde logo por tal fundamento, não pode considerar-se tempestivamente comprovado o pagamento da caução pelo que se impõe revogar o despacho que a considerou validamente prestada.
Destarte, o recurso interposto pela Ré do despacho saneador, proferido nos termos do artigo 160, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, tem efeito meramente devolutivo (artigo 83º, nº 1 do Código de Processo de Trabalho).
Fica, por outro lado, prejudicado o conhecimento, em concreto, das demais questões suscitadas no âmbito do presente recurso.
3. Decisão:
Por tudo o exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela Ré.

Porto, 08 de Janeiro de 2018.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais