Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
221/21.2T8AMT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
VENDA DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP20210909221/21.2T8AMT-B.P1
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 186º, nº2, do CIRE consagrou presunções iuris et iuris que permitem qualificar a natureza culposa da insolvência.
II - Essas presunções são aplicáveis à insolvência de uma pessoa singular.
III - A alienação da casa de habitação da insolvente cerca de 24 meses antes de instaurar a presente acção, sem motivo relevante, quando já estava pendente uma execução, e a utilização do produto da venda para pagar, no valor de 50 mil euros (2/3 do total) um suposto crédito do seu pai e familiares configura a dissipação de um bem, que agrava de forma relevante a situação patrimonial da massa insolvente assim prejudicando os credores.
IV - Por causa disso existem elementos seguros nos autos para ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 221/21.2T8AMT
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Sumário:
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Nas suas alegações veio a insolvente concluir que:
A) O comportamento da recorrente sempre foi pautado pela boa fé, transparência e honestidade, não possuindo cadastro criminal.
B) Não se apurou, no presente processo de insolvência que a recorrente se não tivesse pautado, em momento algum, pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica, só se justificando o indeferimento liminar caso se conclua pela negativa.
C) Por outro lado, igualmente não foi trazido aos autos qualquer elemento que aponte no sentido da culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência – está também preenchida a alínea e) do art.º 238.º.
D) Nenhum credor, nem o próprio administrador de insolvência, indicou probabilidades de existência de culpa, dizendo mesmo, no seu Relatório de 7 de Abril, a folhas 4 que: - “Não possui o administrador da insolvência qualquer elemento que desminta categoricamente o exposto pela devedora na petição inicial.”
E) Como se pode verificar, a decisão impugnada apoiou-se no disposto na al. e) do n.º 1 do art. 238º do CIRE, do qual resulta que o pedido de exoneração será liminarmente indeferido se “constarem já do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º.”
F) Nos termos do art. 186º, essa culpa sempre terá que ser factualmente concretizada e enquadrada nalguma das situações que, de acordo com este último preceito, revelam a existência dessa culpa.
G) E ressalta da referida al. e) do Art. 186º, que o indeferimento liminar do pedido de exoneração deve ser decidido apenas quando os elementos contidos nos autos indiciem com toda a probabilidade a existência da culpa do devedor (não basta assim qualquer indiciação, ainda que ligeira – torna-se necessário verificar que a culpa do devedor está indiciada com toda a probabilidade
H) A recorrente, não se retardou na apresentação à insolvência simplesmente porque não se encontrava nela;
I) Aliás, nenhum credor veio opôr-se à exoneração do passivo restante, não obstante terem sido notificados.
J) Até eles nem sequer colocaram aqui o pressuposto da perspectiva de melhoria da situação económica da insolvente, uma vez que (foi) sempre com o rendimento da insolvente que foi cumprindo com as suas obrigações;
L) Ao contrário do despacho que indeferiu a exoneração do passivo considera a recorrente que se acham verificados os pressupostos necessários para o deferimento da exoneração do seu passivo restante uma vez que a insolvente sempre agiu de boa fé, tanto nos termos dos princípios da proporcionalidade e da temporalidade, tendo prestado todos os esclarecimentos solicitados, não agindo, assim, com culpa nem se acham preenchidos os requisitos previstos no artigo 238º n.º 1 al. d) do C. I. R. E., sendo por esse facto merecedor de uma nova oportunidade.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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3. Questões a decidir
1. determinar se o pedido de exoneração do passivo restante deve ou não ser rejeitado liminarmente.
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4. Factos provados
1. A insolvente nasceu no dia ..-..-1968, sendo solteira.
2. O agregado familiar da devedora é composto pela própria.
3. A devedora trabalha na Câmara Municipal C…s, auferindo a quantia de €2.065,86 ilíquida por mês.
4. Foram relacionados pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 129.º do C.I.R.E., os créditos constantes do requerimento de 16-04-2021 do apenso A, no valor global de € 200.810,52.
5. No dia 31-01-2007 foi celebrada uma escritura pública inerente a um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, nos termos da qual, a insolvente se constituiu fiadora e principal pagadora ao Banco D…, S.A. da dívida no montante de €165.000,00 ali assumida por E… e F… inerente á aquisição de fracção autónoma ali identificada (cfr. cópia de escritura junta com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
6. No dia 31-01-2007 foi celebrada escritura pública de abertura de crédito com hipoteca e fiança, nos termos da qual entre E… e marido F… e o Banco D…, S.A. foi ajustado e assente um contrato de abertura de crédito, com o limite de cinquenta e nove mil e dez euros, válido pelo prazo de 480 meses…
7. …Sendo declarado, além do mais, por G…, que se constituía fiadora e principal pagadora das dividas contraídas pelos referidos E…e F… (cfr. escritura junta com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
8. No dia 16 de Dezembro de 2011 o Banco D…, S.A. instaurou uma execução comum indicando como quantia exequenda o valor de € 227.994,60, execução essa interposta contra E…, F…, G… e H…, alegando os referidos contratos, a disponibilização dos montantes neles identificados e a sua utilização pelos mutuários e o incumprimento da obrigação de pagamento das prestações a partir de 01-03-2011 (cfr. requerimento inicial executivo junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
9. No dia 02-05-2019 foi expedida notificação para a entidade patronal da devedora para, em 10 dias, declarar o vencimento da ora insolvente e para proceder ao desconto mensal de um terço de todos os valores líquidos auferidos pela mesma, até perfazer a quantia de €154.994,66.
10. O crédito do Banco D…, S.A. foi cedido à I…, SARL.
11. No apenso de reclamação de créditos encontra-se reconhecido à I…, SARL no montante de €148.733,08, como crédito comum, e o montante de €427,44 como crédito subordinado.
12. No apenso de reclamação de créditos encontra-se reconhecido a J… o crédito comum no montante de €29.550,00.
13. No apenso de reclamação de créditos encontra-se reconhecido a K… o crédito subordinado no montante de €22.100,00.
14. No dia 16-09-2019 a ora insolvente vendeu, pelo preço de 75.000,00 a fracção autónoma que se encontrava registada em seu nome pela ap. 19 de 1988/06/04, designada pelas letras “QQ”, composta por habitação no 1.º andar, fundo, esquerdo – um lugar reservado no aparcamento existente na sub-cave e identificado com o n.º 14, com o que a compõe, a qual faz parte integrante do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada pela ap. 17 de 1987/10/06, sita na Rua …, à …, n.ºs …. e …., na freguesia de …, concelho de Guimarães, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o n.º 121, … (cfr. documento designado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, junto com o relatório a que se reporta o artigo 155.º do CIRE, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
15. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ao pagamento do empréstimo bancário concedido pelo Banco L… para a aquisição do imóvel, garantido por hipoteca, pagamento esse no valor de €18.399,85.
16. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ainda ao pagamento de comissão de venda à imobiliária M… no valor de €6.150,00.
17. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ainda ao pagamento do montante global de €44.832,51 ao pai da insolvente, alegadamente a titulo de restituição de montantes por este emprestados à devedora.
18. O valor remanescente foi pago à executada E… e serviu para pagamento de diversas despesas.
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5. Motivação de direito
Está em causa um dissídio sobre a aplicação (ou não da exoneração dos créditos) nos termos do art. 235º e 236º, do CIRE.
A figura da exoneração do passivo restante, inspirada no modelo de fresh start foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo DL n.º53/2004, de 18 de março, e confere ao devedor, pessoa singular, a liberação definitiva do seu passivo que não seja pago integralmente no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, verificadas determinadas condições previstas na lei.
Da origem do instituto é evidente que este beneficio assume natureza eventual, condicionada à adopção de determinados comportamentos, isto é, existe uma extinção de dívidas concedida a devedor que, como acentua Assunção Cristas[1] tenha um comportamento anterior e atual pautado pela “boa-fé”, “transparência” e “honestidade”13.
Por causa disso, o artigo 238.º, nº1, do C.I.R.E. dispõe que o pedido de exoneração deve ser liminarmente indeferido s, no que aqui interessa: “constarem já do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º.”
Essa norma, por sua vez determina que a situação de insolvência é culposa quando tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação do devedor, seja ela dolosa ou com culpa grave, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Ou seja, estamos assim limitados:
a) aos actos praticados pela insolvente depois de 2018;
b) Actos esses que sejam qualificados como dolosos ou com negligência grave
c) E que provoquem, de forma directa e relevante a “a criação ou agravamento da situação de insolvência”.
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1. Do limite temporal
Está em causa a alienação do imóvel de habitação da insolvente que ocorreu em 2019.
Logo o requisito temporal está preenchido.
2. Da existência de culpa
Cumpre salientar, porque a apelante parece esquecer essa norma, que é pacifico entre nós que o art. 186º, nº2, do CIRE consagrou um conjunto de presunções cujo objectivo é precisamente facilitar a qualificação da insolvência como culposa.
Existem duas presunções diferentes.
Nos termos do art. art. 186º, nº2, do CIRE , que é aqui aplicável a uma pessoa singular, com as devidas adaptações[2], consagra-se, de modo taxativo, um elenco de presunções iuris et de iure[3].
A insolvência é sempre tida como culposa quando estejam em causa actos praticados, no que aqui interessa, com o intuito de empobrecer o património do devedor (als. A e b)[4].
Acresce, que é também pacifico entre nós, que o critério valorativo do comportamento da insolvente é o normal em direito civil, ou seja a de um devedor médio colocado naquela situação concreta.[5]
A culpa do devedor deverá aferir-se, assim, “a partir de indícios e por um padrão de homem médio em respeito pelos seus credores”[6].
Sendo que nos termos gerais (art. 487º, nº2, do CC) é imposto ao agente um triplo dever de:
A) cognoscibilidade (saber os limites e consequências das suas condutas);
b) prevenção (antecipar a eventual lesão de direitos alheios);
b) e actuação (agir com o zelo e a cautela de uma pessoa média).
Por isso, o padrão valorativo exigível terá de incluir um grau relevante de desconformidade com o padrão exigível.[7]
Ora, no presente caso está demonstrado que, dois anos antes da apresentação à insolvência e quando se encontrava a correr termos uma execução cuja quantia exequenda (no valor de €227.994,60) era parte substancial do passivo que aqui se quer exonerar, a insolvente alienou o imóvel onde habitava utilizando o produto da venda nos seguintes termos:
15. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ao pagamento do empréstimo bancário concedido pelo Banco L… para a aquisição do imóvel, garantido por hipoteca, pagamento esse no valor de €18.399,85.
16. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ainda ao pagamento de comissão de venda à imobiliária M… no valor de €6.150,00.
17. Com o produto da venda referida em 14. a insolvente procedeu ainda ao pagamento do montante global de €44.832,51 ao pai da insolvente, alegadamente a titulo de restituição de montantes por este emprestados à devedora.
18. O valor remanescente foi pago à executada E… e serviu para pagamento de diversas despesas”.
Ou seja, em termos práticos é simples e seguro afirmar que os credores destes autos perderam (ou foram prejudicados) numa quantia aproximada de 50 mil euros[8] que se dissipou nas mãos da insolvente, do seu pai e da Sra E…. Tudo isto sem que, note-se se tenha sequer justificado a necessidade de alienação desse imóvel que era a casa de morada da insolvente.
É, pois, segura a dissipação de activos patrimoniais da insolvente, pelo que está preenchida a previsão da al d), do nº2, do art. 186º, do CIRE: “disposição dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”.
Conforme salienta o Ac da RG de 8.3.2018 nº PROCESSO N.º: 826/14.8TBGMR-F.G1 (Afonso Andrade): “Da comparação entre os regimes jurídicos da qualificação da insolvência e da exoneração do passivo restante, resulta uma grande proximidade teleológica, podendo os dois serem explicados com a necessidade sentida pelo legislador de “punir” aqueles devedores que com dolo ou culpa grave, tenham prejudicado os seus credores, e, ao invés, de “premiar” de alguma forma aqueles devedores que o não tenham feito”.
Sendo certo que situações semelhantes foram consideradas, nos mesmos termos como geradores de não concessão liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Assim nesta secção, o Ac da RP de 6.2.2020 (do relator), nº Proc. Nº 3160/16.5T8VNG-D.P1 decidiu que “Essas presunções derivam da necessidade de garantir uma maior eficiência da ordem jurídica na responsabilização das administrações. Para aferir a culpabilidade da actuação o tribunal terá de respeitar a business judgment rule, entendida como a avaliação, de acordo com critérios de razoabilidade, das decisões empresariais tomadas pelos administradores de empresas. Mas essa regra só abarca os «honest mistakes» e a violação do dever de diligência, nunca o dever de lealdade”.
O Ac da RL de 8.7.2021 nº 2475/20.2T8VFX-B.L1-1 (Paula Cardoso), decidiu que “É motivo de indeferimento liminar do pedido de exoneração o facto de a devedora ter doado à sua filha menor o único imóvel de que era proprietária, reservando para si o usufruto do mesmo, numa altura em que tinha já o ónus de se apresentar à insolvência, e não o fez, agravando a sua situação económica com a celebração daquele negócio jurídico, não podendo ignorar que não tinha expectativas de melhorar a sua situação financeira, assim reduzindo o seu património e agravando a impossibilidade do cumprimento das suas obrigações, prejudicando os seus credores”.
O AC da RG de 9.7.2020, nº 2622/19.7T8VNF-B.G1 (Moreira Dias): “Preenche a presunção inilidível da al. a) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, o gerente da sociedade devedora/insolvente que, em nome desta, vende o pavilhão industrial onde aquela sociedade exercia a sua atividade industrial a uma sociedade terceira e, bem assim toda a maquinaria com que esta exercia essa sua atividade industrial a uma outra sociedade, de modo que a sociedade devedora/insolvente fica impossibilitada de exercer o seu giro industrial e de manter as relações de trabalho que mantinha com os seus trabalhadores, e que deposita o produto dessas vendas numa conta aberta em nome da sociedade devedora/insolvente e que paga, com parte do produto dessas vendas, os débitos dessa sociedade a determinados credores, que escolhe, em detrimento de outros credores, a quem nada paga (os trabalhadores da sociedade), dando destino desconhecido ao restante produto dessas vendas e quando apenas vem a ser apreendido para a massa insolvente escassas centenas de euros e uma máquina de bordar.
Nos mesmos termos o Ac. do TRG, de 1.10.13, nº 2127/12.7TBGMR-D.G1 (MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO): “A ocultação prevista no art. 186.º, n.º 2, al. a) do CIRE basta-se com uma atuação que, alterando a situação jurídica do bem – por exemplo vendendo um imóvel a terceiro, com uma relação próxima direta ou indireta com o alienante – impeça ou dificulte a sua identificação, acesso ou acionamento pelo credor.”
E, o AC da RC de 28.05.2013, nº 102/12.0TBFAG-B.C1 (JusNet 3129/2013) que “a lei não exige a ocultação total no sentido de se tornar impossível o seu acesso ou conhecimento, mas apenas parcial no sentido de vontade, concretizada, de subtrair o bem ao direito/conhecimento do credor e respetiva ação legal”.[9]
Podemos, portanto concluir pela existência de uma conduta dolosa[10] da insolvente que se presume (e é) culposa.
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3. Do agravamento da situação de insolvência
Como vimos existe entre nós uma discussão sobre se a presunção de culpa abarca ou não o nexo de causalidade na criação ou agravação do estado de insolvência.
No presente caso não é necessário tomar posição sobre esta questão, pois, é seguro e evidente que a conduta da insolvente determinou a perda ou subtracção de parte considerável dos bens que constituíam o seu património do devedor.
Bastará dizer que 2/3 do valor do imóvel onde habitava desapareceu e que por isso, os restantes credores perderam um bem imóvel e/ou uma quantia no valor de, pelo menos, 50 mil euros.
Conforme se refere na decisão recorrida: “A subtracção do imóvel do âmbito da presente insolvência, mediante a transmissão do seu direito de propriedade, impediu que ele fosse aqui apreendido e objecto de liquidação o que, traduzindo um manifesto prejuízo para os credores da devedora cujos créditos foram reconhecidos, consubstancia ainda e no caso um manifesto beneficio em proveito do seu pai (o pai da devedora viu o seu alegado crédito ser “pago” na sua quase totalidade quando no âmbito desta execução universal certamente tal não sucederia).
Por tudo isso, é evidente que a decisão recorrida deve ser integralmente mantida e a presente apelação julgada improcedente.
6. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal coletivo julga integralmente improcedente o recurso interposto e, por via disso, confirma integralmente a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante porque decaiu inteiramente.

Porto em 9.9.2021
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
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[1] Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in “Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, setembro de 2005, Edição Especial – Novo Direito da Insolvência, p. 170.
[2] Cfr. As RP de 26.11.09 n.º 138/09.9TBVCD-M.P1 (Filipe Caroço).
[3] isto é, nos termos do art. 350º, do CC presunções que não admitem prova em contrário.
[4] Cfr. por todos CATARINA SERRA, O Regime Português da Insolvência, p. 141. A única questão discutida é a de saber se essa presunção incluiu também (ou não) o nexo de causalidade entre a conduta do devedor e a criação ou agravamento da situação de insolvência, cfr. por exemplo RUI ESTRELA DE OLIVEIRA, “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, Julgar 11 (2010), pp. 237 e ss..
[5] Nos mesmos termos, mas de forma indireta, Ac da RG de 3.7.2014, nº 1084/13.TBFAFH:B1.
[6] Ac da RP de 17.10.2021, nº 23/11.4TBESP-C.P1 (Anabela Carvalho).
[7] Ac da RG de 21.5.2013, nº 2998/12.7TBGMR-E.G1 (Paulo Barreto), que faz apelo a um “acentuado grau de reprovação” , requisito esse que, salvo o devido respeito, não subscrevemos porque como vimos não faz parte da letra e teologia da norma.
[8] O valor da venda 75.000 euros deduzido do crédito hipotecário desse imóvel e despesas da venda.
[9] Em termos semelhantes, abordando a mesma norma apesar de em concreto atingirem resultados diferentes cfr. Ac da RG de 1.6.2017, nº 1046/16.2T8GMR-B.G1 (Pedro Damião Cunha); Ac da RL de 11.5.2017, nº 65/12.2TBPTS-Q.L1-6 (Anabela Calafate); Ac da RP de 8.9.2020, nº 624/19.2T8BJA-A.P1 (Eusébio Almeida), e Ac. da R.P. de 13-06-2018, proc. n.º 3144/12.2TBPRD-C.P1.
[10] O dolo é o “conhecimento e vontade da realização do facto”, neste caso venda do imóvel e utilização directa e/ou indirecta do seu produto de venda.