Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2294/14.5JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: PENA DE MULTA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RP201710262294/14.5JAPRT.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 732, FLS.384-388)
Área Temática: .
Sumário: I - Estando o arguido a cumprir pena de prisão efectiva no EP não é permitido cumular a pena de prisão com a prestação de trabalho a favor da comunidade, para cumprimento simultâneo no EP de uma pena de multa.
II - O princípio da igualdade na dimensão da sua aplicação aos cidadãos através dos tribunais tem as suas manifestações mais relevantes na aplicação de igual direito a casos idênticos e na utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus “poderes discricionários” como é a fixação das penas e o montante da indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 2294/14.5JAPRT.P1
Comarca de Aveiro
Instância Local de São João da Madeira

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - Relatório.
1.- No Processo Comum singular nº 2294/14.5JAPRT da Instância Local de S. João da Madeira, Juiz 1, da Comarca de Aveiro, foi submetido a julgamento o arguido B…, identificado na sentença a fls. 346.
2.- A sentença de 17.01.2017 condenou o arguido, além das custas e taxa de justiça, pela prática em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256º/1 alíneas d), e) e f) e n.º3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que totaliza a quantia de 1.000,00€.
3.- Tal sentença transitou em julgado.
4.- Em 23.02.2017, o condenado e recorrente veio requerer que a pena de multa que lhe foi imposta fosse substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade relegando o seu cumprimento para data a fixar mas sempre após a libertação daquele.
5. Na sequência de tal requerimento, o MP promoveu se solicitasse ao processo à ordem do qual o arguido cumpre pena de prisão a remessa de certidão da liquidação da pena aí efectuada e do despacho que recaiu sobre a mesma, com nota do respectivo trânsito em julgado.
6. Obtidos os solicitados elementos o MP teve vista no processo e a 21.03.2017, promoveu que, “… sem prejuízo da possibilidade de pagamento da multa em prestações (art. 47º, n.º3 do Código penal) e da aplicação do artigo 49º, n.º3 do Código Penal, … se indefira o requerido”.
7.- Em 23.03.2017, A Srª juiz titular ordenou “…com cópia do requerimento apresentado pelo arguido determino que se solicita ao Estabelecimento prisional que informe se será possível o arguido exercer alguma prestação de trabalho no estabelecimento cumprindo assim pena de trabalho a favor da comunidade enquanto se encontra em cumprimento da pena de prisão.
Dê-se conhecimento ao arguido deste despacho e da douta promoção que antecede para que querendo se possa pronunciar nomeadamente quanto á aplicação do previsto no artigo 49º/3 do Código penal.”
8. A fls. 402 consta informação do E.P. onde se respiga: “…cumpre informar que o entendimento da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais nesta matéria é no sentido da inviabilidade do cumprimento de trabalho comunitário pelos reclusos durante o cumprimento efectivo das penas de prisão em que se encontram condenados. Não obstante, informo que neste E.P. não tempos possibilidade de fazer cumprir este tipo de medida, por questões organizacionais e de segurança”.
9. Após foi proferido o seguinte despacho que é também o despacho recorrido:
«(…)
Requerimento do arguido de fls. 369 e 370:
Veio o arguido requerer a substituição da pena de multa em que foi condenado pela pena de trabalho a favor da comunidade relegando-se o seu cumprimento para data a fixar mas após a libertação daquele.
O arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum (Tribunal Colectivo nº 103/14.4JAPRT, por acórdão de 30.10.2015, na pena de 13 anos de prisão. Foi detido em 16.12.2014. Conforme liquidação de pena junta a fls. 388 e sgts., atingirá o meio da pena em 24.1.2013, os dois terços, em 13.8.2024, os cinco sextos, em 18.8.2026, e o termo em 24.7.2029.
O Ministério Publico pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido por considerar que a prestação de trabalho em substituição do cumprimento da pena de multa tem como pressuposto que o condenado se encontre em liberdade e que o trabalho assuma uma restrição dessa liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas, sem prejuízo da possibilidade do pagamento da multa em prestações (artigo 47º/3 do Código Penal) e da aplicação do artigo 49º/3 do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 48º/1 do Código Penal, a requerimento do condenado pode o tribunal ordenar que a pena de multa seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerou-se, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.10.2016, in www.dgsi.pt que “a pena de trabalho a favor da comunidade tem um conteúdo punitivo traduzido na perda para o condenado de parte dos seus tempos livres, mas permitindo-lhe manter o seu ambiente de vida e integração social, e um conteúdo socialmente positivo, que se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.”
Solicitou-se ao Estabelecimento Prisional que informasse se seria possível que o arguido exercesse alguma forma de trabalho, enquanto em cumprimento da pena de prisão, sendo a resposta no sentido de não terem possibilidade de fazer cumprir este tipo de medida por questões organizacionais e de segurança (informaram também ser esse o entendimento da Direcção - geral de Reinserção e Serviços Prisionais).
Atenta a situação do arguido revela-se assim impossível para já o cumprimento da pena de substituição.
Considera-se também que a dilação do cumprimento por um período tão longo iria desvirtuar as finalidades que com a execução da pena se pretendem alcançar.
Conclui-se assim que esta forma de cumprimento não é apta a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – cfr. artigo 48º do Código Penal, pelo que se indefere o requerido pelo arguido.
Notifique-se.»
*
Inconformado com o referido despacho veio o condenado interpor recurso, que rematou com as seguintes conclusões:
«(…)
b) Ficou provado na sentença já transitada em julgado que o Recorrente estava a cumprir pena de prisão ao abrigo de um outro processo (processo 103/ I4AJAPRT), que no estabelecimento prisional não estava a realizar qualquer trabalho - remunerado ou não - e que o mesmo não detinha qualquer tipo de rendimentos.
c) Ficou provado que a companheira e os cinco filhos do casal (quatro deles menores) recebem o rendimento social de inserção, não existindo qualquer outro rendimento para sustento do agregado familiar.
d) O Recorrente a 23 de Fevereiro de 2017 requereu a substituição daquela pena de multa por trabalho a favor tia comunidade, uma vez que quer ele quer a sua família vivem com parcas condições económicas e financeiras.
e) O requerimento de substituição da pena de multa foi indeferida, pelo Tribunal “ad quo”, conforme despacho datado de 20 de Abril de 2017, por considerar que esta forma de cumprimento não é apta a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. F) Para tanto o Tribunal “ad quo”, estudando a possibilidade do eventual substituição da pena de multa por urna pena de trabalho a favor da comunidade em sede de privação da liberdade, consultou o Estabelecimento Prisional onde o Recorrente se encontra a cumprir pena, tendo este referido que não tinha condições organizacionais e de segurança que possibilitassem essa solução.
g) O sistema penal português postula dois tipos de finalidades: a finalidade de prevenção geral (a defesa do próprio ordenamento jurídico) e a finalidade de prevenção especial.
h) Na prevenção especial, e em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele necessária do ponto de vista da prevenção especial de socialização; em segundo lugar sempre que reste ao dispor mais do que uma espécie de pena de substituição.
i) O Tribunal “ad quo” condenou o Recorrente em pena de multa significando que aquela pena era adequada a cumprir as finalidades de punição, ao invés de uma pena de prisão.
j) O Recorrente pretende cumprir a pena na qual foi condenado mas dadas as suas parcas condições económicas e financeiras, bem como as da sua família, não tem como conseguir liquidar a pena de multa, mesmo que em prestações.
k) Tendo o Tribunal “ad quo” indeferido a sua substituição da pena de multa, e não tendo o Recorrente possibilidade de a cumprir, está a obrigar o Recorrente a - mais tarde - vir a cumprir pena de prisão por aquele incumprimento (artigo 49 CP).
l) E o próprio Estado que está a coarctar ao Recorrente a possibilidade de o mesmo cumprir uma pena que ele próprio condenou.
m) Se o Tribunal “ad quo” entendeu que a pena de multa era adequada a cumprir as finalidades, e não a pena de prisão, porque razão poderá posteriormente o Recorrente cumprir uma pena com génese mais gravosa do que aquela a que foi inicialmente condenado, quando foi o próprio Estado que não lhe deu condições para a cumprir/substituir?!.
n) Este impedimento coloca em desigualdade o Recorrente em relação a outros, violando o Principio da Igualdade plasmado no artigo 13º Constituição da República Portuguesa, e que é um dos principais princípios essenciais de um Estado de Direito Democrático.
o) Para além de o próprio Estado contradizer-se a si mesmo: postula no artigo 70º do Código Penal a preferência pelas penas não privativas da liberdade mas na prática não dá condições para que o Recorrente possa cumprir/substituir a pena de multa a que foi condenado.
p) E nem se diga que o incumprimento desta pena de multa é imputável ao Recorrente. Este incumprimento é tão só imputável ao próprio Estado porquanto não dotou os estabelecimentos prisionais de condições para que os reclusos possam exercer trabalho aquando da sua reclusão, e não concedeu a substituição da pena pelo trabalho a favor da comunidade - último reduto do Recorrente poder cumprir voluntariamente a pena de multa que foi condenado.
q) É, portanto, o próprio Estado, protector da Constituição da República Portuguesa e Direitos Fundamentais, que não cumpre com aquilo que postula, quando in casu impede o Recorrente de poder cumprir uma pena que ele próprio condenou, fazendo tábua rasa de todos basilares de um Estado de Direito Democrático bem como de todos os Direitos Fundamentais.
r) Mais, substituindo a pena de multa do Recorrente por trabalho a favor da comunidade o Estado estará ainda a exercer uma outra função essencial no sistema jurídico penal: a de oferecer condições ao recluso para se reinserir em sociedade.
s) Ao ser substituída a pena de multa por trabalho a favor da comunidade e, mesmo que não seja relegado o seu cumprimento aquando da sua libertação, o Recorrente sempre saberá que está a cumprir uma pena a que foi condenado (finalidade preventiva) e o Estado também estará, simultaneamente, a cumprir a sua tarefa de ressocialização e integração dos condenados.
t) Actualmente, a evolução do sistema penitenciário tem seguido no sentido de impor restrições à actuação repressiva das instituições penitenciárias quer pelos limites impostos pelos direitos fundamentais, quer para atenuar todo o regime de ordem e segurança em nome da recuperação e reinserção social do recluso.
u) É unânime a importância de dotar o recluso de hábitos de trabalho e de competências necessárias à sua real ressocialização, para além de ainda auxiliar na manutenção da ordem e da segurança na prisão.
v) Deste modo, se é considerado necessário esta adaptação ao mundo prisional por parte do recluso, se é importante a realização de formações e trabalho em ambiente prisional e se a realização desses trabalhos é permitida, não se entende como não têm possibilidade de fazer cumprir este tipo de medida por questões organizacionais e de segurança.
w) Tendo sido desde início colocado de lado pela sentença do Tribunal “ad quo” a condenação do Recorrente a uma pena de prisão, conforme o disposto no artigo 70 do Código de Processo Penal, deve-se permitir a substituição da pena de multa a que o Arguido Recorrente foi condenado por outra pena menos gravosa.
x) Caso contrário, além da amputação da possibilidade de substituição da pena por parte do Estado, a mesma constituiu uma inaceitável e inconstitucional violação de princípios constitucionais e penais, nunca podendo afirmar-se que o não cumprimento da pena é imputável ao arguido.
y) É ao Estado que cabe a manutenção do ordenamento jurídico e da segurança mas nunca em detrimento da Lei Suprema (Constituição da República Portuguesa) e dos princípios e direitos fundamentais que protegem e guiam as pessoas em geral e, em particular o ora Recorrente.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedentes e em consequência a pena de multa em que o recorrente foi condenado substituída pela pena de trabalho a favor da comunidade.»

Respondeu o Ministério Público, rematando a sua resposta com as seguintes conclusões:
«1 – Nos termos do disposto no art. 48º, n.º 1 do Código Penal, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – A prestação de trabalho em substituição do cumprimento da pena de multa tem, pois, como pressuposto que o condenado se encontre em liberdade (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 11-07-2013 e Acórdão da Relação do Porto de 05-11-2014, ambos disponíveis no sítio www.dgsi.pt) e que o trabalho assuma uma restrição dessa liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas.
3 – Ou seja, pressupõe uma situação de liberdade do condenado que permita, no plano prático e logístico, assegurar a prestação de serviços gratuitos nas entidades beneficiárias, situação que se revela impossível estando o arguido em situação de reclusão.
4 - Na verdade, e salvo melhor entendimento, não deve ser substituída por trabalho a favor da comunidade o cumprimento da pena de multa se o condenado se encontra em cumprimento de pena de prisão, por se diluir no cumprimento desta e não deverem ser cumuladas.
5 – E não se diga, como o fazem os defensores da tese oposta e como faz o Recorrente B…, que a não se aceitar a tese do Recorrente, se viola o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, pois não se pode comprar o que a priori não é comparável nem parte de situações igualitárias entre cidadãos. Uma coisa é estar em liberdade e outra é estar legal e legitimamente preso em cumprimento e pena. A violação do princípio a igualdade só ocorreria se, estando os dois cidadãos em iguais condições (de liberdade ou de prisão) se negasse a um o que outro se concedeu (cfr., neste sentido, o já citado Acórdão da Relação do Porto de 05-11-2014, disponível no sítio www.dgsi.pt).
6 – Ora, o Recorrente B… encontra-se a cumprir uma pena de 13 anos de prisão à ordem do processo comum colectivo n.º 103/14.4JAPRT do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira (J2), cujo termo ocorrerá apenas a 24-07-2029.
7 – Assim, e sem prejuízo da possibilidade de pagamento da multa em prestações (art. 47º, n.º 3 do Código Penal) e da aplicação do art. 49º, n.º 3 do Código Penal, entendemos ter sido acertada a decisão que indeferiu a requerida substituição da pena de multa por dias de trabalho e que deve ser confirmado o despacho recorrido, não tendo sido, por conseguinte, violadas quaisquer disposições legais, nomeadamente os invocados arts. 48º, n.º 1 do Código Penal e 13º da Constituição da República Portuguesa.
Razões pelas quais se entende que o recurso não merece provimento.»
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Neste Tribunal, a Exma. PGA pronunciou-se defendendo a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Nesta Relação, a Exma. PGA pronunciou-se defendendo a improcedência do recurso.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
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1.-Questões a decidir.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Assim, no caso em apreço, é a seguinte a questão a decidir:
- Averiguar da legalidade do despacho judicial de indeferimento da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
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2. Apreciação.
O condenado, como resulta do exposto, encontra-se a cumprir pena de prisão efectiva em Estabelecimento Prisional à ordem de outro processo.
No seu requerimento pretende a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, mas o seu cumprimento relegado para data a fixar, sempre após a libertação daquele.
No presente recurso pretende apenas a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
Este regime tem aplicação:
- se ao condenado dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos e o mesmo nisso consentir e
- a requerimento do condenado, com vista à substituição, total ou parcial, de pena de multa que lhe foi imposta.
Esta última situação é a que está em causa nos autos, com o acrescento de que o recorrente, condenado, se encontra em cumprimento de uma pena de prisão de 13 anos, com termo previsto para 24.07.2019.
Sobre a possibilidade de arguido em cumprimento de pena ver substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade pena de multa em que foi condenado, não existe norma expressa e a jurisprudência encontra-se dividida, embora se surpreenda na tese que sufraga a possibilidade da substituição em causa o cumprimento de penas curtas de prisão.
Posto isto, dada a similitude entre o caso dos autos e aquele que foi tratado no Acórdão do TRP de 11.05.2014, desta mesma secção, Relator Desembargador Augusto Lourenço, disponível in www.dgsi.pt. citado pelo recorrente no seu requerimento, e pelo MP na sua resposta passamos a segui-lo de perto, por concordarmos com a jurisprudência ali expendida.
«[R]elativamente ao cumprimento da pena de multa, estabeleceu-se um conjunto de etapas, normativamente ordenadas de forma sucessiva, no sentido de se alcançar o pagamento da quantia económica que traduz aquela forma de sanção, afastando-se a pena privativa da liberdade como alternativa e vincando-se o seu carácter subsidiário, (cfr. artº 47º a 49º, do cód. penal).
Consequentemente, para além do normal pagamento voluntário no prazo legal estatuído, consagrou-se ainda a possibilidade de pagamento diferido e em prestações, quando a situação económica e financeira do condenado o justifique (art. 47º n º 3 do cód. penal) e a substituição total ou parcial por dias de trabalho sempre que se entenda que tal forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 48º nº 1).
Na falta de cumprimento voluntário por qualquer dessas vias segue-se a execução patrimonial e, só em caso de frustração desta, ocorre a conversão da multa em prisão subsidiária cuja execução poderá, ainda, ser evitada mediante o pagamento da quantia devida ou suspensão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta (artº 491º nº 1, do cód. proc. penal e 49º nº 1, 2 e 3, do cód. penal).»

Dispõe o art. 48º nº 1 do Cód. Penal:
1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
No caso concreto o recorrente foi condenado em pena de multa e requereu tempestivamente substituição desta por dias de trabalho a favor da comunidade.
Todavia, como vimos o recorrente condenado encontra-se preso em cumprimento de pena à ordem de outro processo.
A questão que se coloca é a de saber se neste caso será exequível a aplicação do regime de substituição da pena de multa por trabalho dentro do próprio estabelecimento prisional?
E como se assinala no acórdão deste TRP que vimos seguindo “[A] resposta, prende-se com a natureza da medida e com a finalidade última da aplicação das penas, devendo por isso indagar-se, nestes casos, se a prestação de trabalho dentro do próprio estabelecimento prisional onde o condenado se encontra preso, como pena substitutiva da pena de multa, satisfaz de forma adequada as finalidades da punição.
Não obstante a existência de alguma jurisprudência que admite tal possibilidade, (cfr. Ac. Trib. Rel. Lisboa de 16.11.2009 disponível em www.dgsi.pt), propendemos para a tese maioritariamente aceite que a recusa, (cfr. Ac. do Trib. Rel Guimarães de 11.07.2013 disponível em www.dgsi.pt) uma vez que, estando o arguido preso em cumprimento de pena, falecem os pressupostos que permitem a aplicação de tal medida punitiva, a qual, a aceitar-se nos termos requeridos, seria desvirtuar a sua finalidade, uma vez que se diluía no cumprimento de outra pena - a de prisão - quando é sabido que os reclusos exercem muitas vezes diversas tarefas similares dentro dos próprios Estabelecimentos Prisionais, sem que isso assuma natureza de prestação de trabalho a favor da comunidade e muito menos medida punitiva.
Como decorre da interpretação literal da própria norma, o legislador previu tal pena no pressuposto de que o arguido se encontre em liberdade e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas; só assim a prestação de trabalho comunitário poderá cumprir a sua finalidade, o que não aconteceria se a cumulássemos com o cumprimento da pena de prisão enquanto esta decorre e no mesmo estabelecimento.»
Concordamos com o expendido, pelo que aceitamos a tese que recusa a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade a cumprir no estabelecimento prisional onde o arguido cumpre pena de prisão, ou noutro.
Acresce que dada a diferente natureza das penas não são as mesmas cumuláveis, pelo que sempre haveria de dificuldades intransponíveis decorrentes do facto de as penas deverem ser sucessivamente cumpridas, talvez, por isso, no requerimento inicial o recorrente tenha solicitado que o cumprimento da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade fosse relegado para data a fixar, sempre após a libertação daquele.
Relegação de cumprimento que, atenta a duração da pena de prisão que cumpre, 13 anos, por razões de prevenção geral e especial, é manifestamente desadequada, pois à eventual data do cumprimento o mesmo não faria qualquer sentido, por desactualizadas as razões de prevenção que à data da condenação sobrevinham e que neste momento ainda se mantêm.
Quanto à invocada violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.
Tendo em atenção quer o disposto no artigo 13º quer o artigo 20º da CRP e levando em conta, para o que ao caso interessa, que a vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade na dimensão de igualdade de aplicação do direito aos cidadãos através dos tribunais, tem as suas manifestações mais relevantes na aplicação de igual direito a casos idênticos e na utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus «poderes discricionários» (fixação de penas, montantes de indemnização, etc) - vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I” – 4ª edição revista – 2007, pág. 338. – cumpre referir que, no caso concreto, e como se escreve no referido Ac. do TRP “não se pode comprar o que a priori não é comparável nem parte de situações igualitárias entre cidadãos. Uma coisa é estar em liberdade e outra é estar legal e legitimamente preso em cumprimento de pena. A violação do princípio da igualdade só ocorreria se, estando os dois cidadãos em iguais condições (de liberdade ou de prisão) se negasse a um o que outro se concedeu.”
Onde o recorrente vê injustiça relativa vemos, nós, mera descriminação positiva baseada em circunstâncias diversas, nomeadamente o facto de o recorrente se encontrar preso em cumprimento de uma pena de prisão, sendo a sua liberdade condição de aplicação da pena substitutiva, e os eventuais condenados a quem seja concedida a pretendida substituição, em liberdade.
Salvo melhor entendimento, parece-nos claro que, estando o recorrente a cumprir pena de prisão efectiva em Estabelecimento Prisional, não faz sentido, nem é legalmente permitido, vide o artigo 77º, n.º3, desconhecendo-se se os respectivos crimes estão ou não em concurso, cumular a pena de prisão com a pena de prestação de trabalho comunitário para cumprimento em simultâneo, dentro do próprio estabelecimento, face à diferente natureza de cada uma das penas, o respectivo grau de gravidade e objetivos que perseguem.
Pelo exposto, se conclui pela improcedência do recurso.
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III. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso.
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Custas pelo arguido, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º9 do regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa de justiça em 3 [três] UC, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
*
Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do C.P.P.
Porto, 26 de Outubro de 2017.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares