Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
869/15.4T8AVR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RISCOS COBERTOS
LEGITIMIDADE PARA ACIONAR A SEGURADORA
INTERESSE DIGNO DE PROTECÇÃO LEGAL
Nº do Documento: RP20211007869/15.4T8AVR.P2
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de seguro é um contrato de natureza formal, titulado por um instrumento escrito denominado apólice de seguro, através do qual o segurado transfere para a seguradora um determinado risco, contra o pagamento de um determinado preço (prémio do seguro).
II - Um dos elementos essenciais do contrato de seguro é, por conseguinte, a transferência de um certo e determinado risco, ou seja de um facto futuro e incerto do qual pode resultar algum dano.
III - No caso em apreço, estamos um seguro marítimo “All risks” que cobria os riscos inerentes ao transporte desde o armazém do exportador (Recorrente) até ao armazém do importador (G…), sendo que o seguro foi efectuado por conta e no interesse da alegada compradora (G…).
IV - A colocar-se em causa que o seguro foi efectuado por conta e no interesse da alegada compradora (G…) e que só esta, por essa razão e porque estamos perante uma venda Ex-Works, teria legitimidade substantiva para accionar a Recorrida, então teríamos de concluir que se trata de um seguro nulo por falta de objecto, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 869/15.4AVR.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
“B…, Lda.”, com sede na …, Lote .., …, Mealhada, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “C…, S.A.”, com sede em …, Avenida …, n.º …, Lisboa, “D…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º ., …, Mealhada e “E… Companhia de Seguros, S.A.”, com sede em Espanha, representada em Portugal, por F…, Lda., com escritório na Rua …, n.º .., 1º F, sala ., Matosinhos onde concluiu pedindo a condenação solidária das rés a pagar à autora a quantia de € 453.331,00 de indemnização pelo valor da mercadoria furtada, na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, por meio de arrombamento do cadeado de fecho do portão do parque, no parque de viaturas da empresa ora R., D…, Ld.ª., acrescida de juros à taxa legal de 8%, desde a data citação das RR. até integral pagamento.
Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial acordou com G…, comerciante de materiais de construção, residente em Cabo Verde, o fornecimento de diverso material da sua produção, a ser entregue por transporte via marítima.
Acrescenta que a mercadoria seria transportada, via terrestre, da sede da autora para o Porto de Leixões, através de uma transportadora, a aqui segunda ré, e do Porto, por um navio que identifica.
Mais alega, que celebrou com a ré, Companhia de Seguros C…, S.A., um contrato de seguro da totalidade da mercadoria, contrato titulado pela apólice que identifica, pelo valor de € 484.481,00, tendo procedido ao pagamento do respectivo prémio.
Acrescenta que o seguro cobria os riscos para transporte de cargas desde a Mealhada, via Leixões, até Cabo Verde, sendo que informou a Companhia de que a carga iria ser entregue no dia 12.05.2014 no transitário do cliente.
Mais alega, que o serviço de transporte da galera até ao Porto de Leixões foi contratado pela autora à segunda ré, tendo-se procedido ao carregamento da galera no dia 09.05.2014 e emitida a guia de transporte, tendo o transportador verificado o estado da carga e seu acondicionamento.
Alega, ainda, que o transportador levou a galera carregada, nesse dia, para o parque de estacionamento da sua empresa, sita na Mealhada, onde ficou, parque que é vedado e fechado.
Acrescenta que na noite de 10 para 11 de Maio, a galera foi objecto de furto por desconhecidos, que levaram a quase totalidade da carga, deixando o que consta do artigo 25º da petição inicial.
Mais alega, que o furto foi participado pela autora à ré, Companhia de Seguros C…, S.A. que, numa fase posterior, declinou o ressarcimento de qualquer indemnização à autora, em violação das cláusulas contratuais e do disposto no artigo 157º do RJCS.
Acrescenta, ainda, que a segunda ré, por sua vez, tinha celebrado com a terceira ré, um contrato de seguro das mercadorias por si transportadas, por apólice que identifica, tendo também participado o furto à referida Companhia.
Mais alega, que o transportador é igualmente responsável pelos riscos da mercadoria transportada, nos termos do disposto nos artigos 369º, 370º e 377º do Código Comercial, responsabilidade que está transferida para a terceira ré, por força do contrato de seguro de mercadorias entre ambas celebrado.
Acrescenta que a terceira ré declinou o pedido de indemnização invocando a existência de um outro seguro, o que não pode fazer, atento o disposto no artigo 133º do RJCS.
*
Regularmente citadas, contestaram a primeira e terceira rés, sendo que a segunda ré, D…, Lda., não apresentou contestação.
*
Citada a primeira ré C…, S.A., defendeu-se por excepção e por impugnação.
Invocou, desde logo, a incompetência material do tribunal cível, considerando como competente o Tribunal Marítimo.
Alegou, ainda, a ilegitimidade substantiva da autora, alegando que a mercadoria foi vendida em condições Ex Works (EXW), nos termos do qual o vendedor apenas está obrigado a colocar a mercadoria “à porta da fábrica”, sendo da responsabilidade do comprador contratar e pagar o transporte da mercadoria e assumir os riscos inerentes ao transporte, desde a origem até ao destino.
Invocou, igualmente, a nulidade do seguro, na medida em que o seguro foi celebrado com base na factura n.º 14, com data de emissão de 19.08.2013 e só posteriormente a ré teve conhecimento da factura n.º 365 emitida pela autora em 7.05.2014, assim como o facto de o seguro ter sido solicitado pela compradora, tendo o valor do prémio sido incluído nessa última factura.
Acrescenta que a autora, apesar de figurar como segurada, não tem interesse digno de protecção legal relativamente ao risco assumido, por serem aplicáveis as regras da venda EXW.
Por impugnação, coloca em causa as circunstâncias alegadas pela autora no que concerne ao negócio jurídico celebrado com a identificada compradora, assim como em relação ao sinistro participado, o que a leva excepcionar, ainda, a exclusão da cobertura do seguro.
Termina peticionado a procedência das excepções e subsidiariamente a improcedência da acção e absolvição do pedido.
*
Citada a terceira ré, E…, Companhia de Seguros, S.A., impugnou o negócio jurídico de compra e venda alegado pela autora, assim como as circunstâncias relacionadas com o sinistro.
Por excepção alega que o contrato de seguro celebrado com a segunda ré é subsidiário em relação ao contrato celebrado entre a autora e a primeira ré, podendo, esta seguradora, por via de regresso e dentro dos limites e garantias cobertos pelo seguro celebrado com a segunda ré, exigir da terceira ré o valor que pagou, sendo que o limite do capital seguro é de € 50.000,00 e a responsabilidade da terceira ré está limitada à convenção CMR, ao roubo e não ao furto.
Mais alega, que o valor das mercadorias não corresponde ao que consta da factura, valor que não ascende a mais de € 50.000,00.
Termina pedindo a improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
*
Realizou-se uma audiência prévia, no âmbito da qual a autora exerceu o contraditório em relação às excepções invocadas, pugnando pela sua improcedência.
Posteriormente realizou-se nova audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência material, relegando-se o conhecimento das restantes excepções para final por contenderem com o conhecimento do mérito da causa.
Foram conhecidos os pressupostos processuais, foi identificado o objecto do litígio e foram elencados os temas de prova.
A primeira ré interpôs recurso do despacho que julgou improcedente a excepção de incompetência material, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto (e constante do apenso A), que julgou o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
*
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
*
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
A) Absolver a primeira ré, C…, S.A., do pedido formulado pela autora;
B) Absolver a terceira ré, E…, Companhia de Seguros, do pedido formulado pela autora;
C) Condenar a segunda ré, D…, Lda., a pagar à autora a quantia de € 453.331,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal para os juros comerciais, desde a data da citação até integral pagamento.
*
Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente “B…, Lda.” veio interpor recurso de apelação.
*
Por decisão sumária proferida por este Tribunal foi decidido ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, anular a decisão proferida na 1ª instância por forma a que profira nova decisão, concretizando devidamente os factos provados e não provados, superando as aparentes contradições existentes e fundamentando de forma consistente a referida decisão, nomeadamente, sobre os pontos atrás mencionados, sem prejuízo de serem feitas outras alterações na decisão de facto que se tornem necessárias.
*
Foi proferida nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
A) Absolver a primeira ré, C…, S.A., do pedido formulado pela autora;
B) Absolver a terceira ré, E…, Companhia de Seguros, do pedido formulado pela autora;
C) Condenar a segunda ré, D…, Lda., a pagar à autora a quantia de € 453.331,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal para os juros comerciais, desde a data da citação até integral pagamento.
*
Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente “B…, Lda.” veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

“I. O presente recurso começa por abranger a impugnação da decisão da matéria de facto, na parte em que não considera provado a existência do contrato e que o mesmo seria realizado com transporte marítimo, bem como que tenha existido o carregamento da mercadoria e o seu furto, tudo matéria alegada na petição inicial e em sede de direito, impugna-se a decisão de absolvição da Ré C…, por não poder a A. reclamar dela o pagamento da indemnização, pois que tem interesse juridicamente atendível para o fazer.

II. Além disso, absolveu totalmente a ré Helvetia, quando na respectiva apólice a mesma assume uma responsabilidade parcial até certo montante, como se demonstrará.

III. Relativamente ao artigo 2º. da petição inicial, foi considerado não provado na nova sentença que, “no exercício da sua actividade comercial, a A. acordou com G…, comerciante de materiais de construção, com sede em …, …, República de Cabo Verde, o fornecimento de diverso material da sua produção, constante da factura proforma com o nº.14, emitida em 19/8/2013”, quando é por demais evidente que está provado esse contrato de fornecimento.

IV. Resulta do depoimento da mencionada G…, em conjugação com os documentos juntos aos autos e considerados provados, que foi acordado um contrato de fornecimento de material para Cabo Verde, material de cozinha e sanitários, que a destinatária, como agente comercial, despacharia em seu nome e procederia à venda por destinatários pré-definidos no momento da elaboração da encomenda, sendo ela quem procedia ao pagamento do material enviado, em prestações, sendo a primeira quando entregassem a mercadoria, em que seriam pagos cerca de duzentos e cinquenta mil euros, correspondente a 50% e o restante em três ou quatro prestações, como aliás fizeram em todos os negócios entre eles.

V. Este depoimento é perfeitamente coerente com os documentos juntos aos autos e cujos factos foram considerados provados, nomeadamente o mail a que se refere o facto provado nº. 3, na sequência do envio da factura proforma considerada provada pelo facto nº. 2, com a consequente celebração do contrato com objecto bem definido.

VI. Deve assim ser considerado provado o alegado no artigo 2º. da petição inicial, ou seja, que “no exercício da sua actividade comercial, a A. acordou com G…, comerciante de materiais de construção, com sede em …, …, República de Cabo Verde, o fornecimento de diverso material da sua produção, constante da factura proforma com o nº.14, emitida em 19/8/2013”.

VII. Nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invocam-se como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido os documentos juntos e dados como provados pelos factos 2 e 3 dos factos provados, o depoimento da testemunha G…, gravado no CD remetido pelo Tribunal Judicial da 1ª. Classe da Praia, 4º. Juízo Cível, recebido no Tribunal da Comarca de Aveiro, em 26 de Julho de 2017 - Refª. 5967327 no sistema CITIUS -.

VIII. Como adjuvante invoca-se o depoimento de parte do gerente da A., H…, que, depôs à matéria dos artigos 9º, 18º, 21º e 36º da contestação da Ré F… (com as restrições constantes do despacho de 15/03/2017), depoimento esse gravado das 11:15:30 às 12:00:53 na gravação da acta de audiência de julgamento realizada em 3 de Abril de 2019.

IX. Quanto ao ponto 4 “4º Não provado que o transporte da mercadoria seria efectuada por navio”, ainda é mais surpreendente, pois sendo a mercadoria destinada a Cabo Verde, só poderia ir por navio, obviamente e mais que isso, tal resulta expressamente dos seguintes documentos, cujo conteúdo foi dado como provado:
Facto 2 – factura proforma, onde se refere que a mercadoria seria remetida ao transitário no Porto ou Lisboa;
Facto 4 – certificado de seguro emitido pela Ré seguradora C…, que indica o nome de um barco que se não provou, sendo o transporte de Mealhada – Portugal, via Leixões – Portugal para Cabo Verde (doc. 3 junto com a petição inicial);
Facto 7 - Os riscos cobertos eram da cláusula A da apólice para transporte de cargas, desde a Mealhada Portugal, via Leixões - Portugal até Cabo Verde. (fls. 26 e 27);
Facto 17 - Da informação prestada pela “I…” de fls. 35, constam as datas previstas para as saídas do Porto de Leixões (e outros), sendo:
- Navio J…, dia de saída – 16 de Maio; último dia de recepção em doca – 14 de Maio;
- Navio K…, dia de saída – 30 de Maio; último dia de recepção em doca – 27 de Maio;

X. Deste modo, dúvidas não há de que deve ser considerado provado que “4º O transporte da mercadoria seria efectuado por navio”, invocando-se, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido os documentos juntos e dados como provados pelos factos 2, 4, 7, 17 e 20 dos factos provados, sendo que alguns deles são emitidos pela R. C….

XI. Deve ser considerado provado o alegado no artº. 5º. da petição inicial que “foi contratado o seu envio por navio, que sairia do Porto de Leixões, sendo a carga transportada da sede da A. para esse porto, por via terrestre em camião de transporte de contentores”, sem indicação desse navio, que se não provou, invocando-se igualmente, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido os documentos juntos e dados como provados pelos factos 2, 4, 7, 17 e 20 dos factos provados, sendo que alguns deles são emitidos pela R. C….

XII. Relativamente ao alegado no artigo “16.º: Não provado que o transportador verificou o estado da carga e o devido acondicionamento da mesma”, agora retirado dos factos não provados, mas sendo considerado provado pela negativa no ponto 76 da matéria de facto considerada provada, pois não definindo a lei qual a minúcia da verificação e acondicionamento da carga legalmente determinado, a resposta fáctica é incorrecta.

XIII. Dado o tempo já decorrido, as testemunhas não puderam confirmar a forma como foi feita a conferência da mercadoria. Porém, sendo dos seus procedimentos habituais fazê-lo, confirmaram que terá sido feita essa conferência pelo motorista, nos termos habituais.

XIV. Deve assim ser considerado provado o alegado no artigo 16º. da petição inicial, ou seja, que “o transportador verificou o estado da carga e o devido acondicionamento da mesma”, eliminando-se a actual redacção constante do ponto 76 dos factos provados, que deverá passar a ter a redacção que se deixa proposta, invocando-se para tal, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido o depoimento da testemunha L…, cujo depoimento se encontra gravado desde as 14:28:38 até às 14:51:36 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019 e o depoimento de parte de M…, cujo depoimento se encontra gravado das 14:52:20 a 15:59:09 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019.

XV. Relativamente ao facto não provado “22º. Na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, desconhecidos, por meio de arrombamento do cadeado de fecho do portão do parque, introduziram-se no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ld.ª., tendo cortado a lona do reboque e furtado diverso material”, deve ter-se em conta o que consta dos factos provados sob o nº. 33.

XVI. Nesse ponto 33, foi declarado provado que “no dia 12 de Maio de 2015, N…, legal representante da segunda ré participou no Posto Territorial de Mealhada da GNR um arrombamento do cadeado do fecho do portão do parque, com introdução no parque da empresa e o corte da lona do reboque de matrícula L-……., reboque que estaria engatado no veículo tractor de matrícula ..-..-MN, abrindo um grande buraco na lateral e furtado diverso material, constante da cópia da factura n.º 365 da autora, no valor de € 453.331, tendo, ainda, arrombado a tampa do depósito de combustível do veículo e retirado cerca de 100 litros de gasóleo (fls. 51)” e no facto 34, onde foi considerado provado que “em circunstâncias não apuradas, no dia 11 de maio de 2014, verificou-se que, no parque referido no artigo anterior, a lona do reboque foi cortada e aberto um grande buraco”.

XVII. Por sua vez, o facto 35º., considera provado o material que desapareceu, dando como provado que “do interior do reboque foi retirado material que lá se encontrava, e discriminado na factura n.º 365, não tendo sido retirado o seguinte”, que a seguir discrimina.

XVIII. Deve assim considerar-se provado que “na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, desconhecidos, introduziram-se no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ld.ª., tendo cortado a lona do reboque e despareceu diverso material” em consonância com os factos considerados provados nos pontos 33 e 34 da matéria de facto provada.

XIX. Nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invocam-se como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido, os documentos de fls. 51 (auto de denúncia) e fls. 55 (despacho de arquivamento do Mº. Pº.) e ainda o relatório circunstanciado do perito O…, da P…, junto pela ré C…, como doc.1 junto com a sua contestação, conforme o por ele escrito na página 5 do seu relatório e que se deixou transcrito, bem como o depoimento da testemunha L…, cujo depoimento se encontra gravado desde as 14:28:38 até às 14:51:36 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019 e o depoimento de parte de M…, cujo depoimento se encontra gravado das 14:52:20 a 15:59:09 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019.

XX. Dos factos provados sob os nº.s 34, 35 e 37, resulta assente que: 34.º Em circunstâncias não apuradas, no dia 11 de maio de 2014, verificou-se que, no parque referido no artigo anterior, a lona do reboque foi cortada e aberto um grande buraco; 35.º Verificou-se que do interior do reboque foi retirado material que lá se encontrava, e descriminado na factura n.º 365, não tendo sido retirado o seguinte: - Caixa de Madeira Acab., Zebrano p/ Modelo PRO SPA; - Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Branco Mate Alto Impa 20 m2; - Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Cinza Mate Alto Impa 20 m2; - Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Metalizado Mate Alto Impa 20 m2; - Banheira ZAPHIRO 200x100 c/ fronta redondo. E 37º. O valor da mercadoria retirada, tendo por base a factura n.º 365 foi de € 453.331,00.

XXI. Resulta provado que foram “furtados todos os demais artigos constantes da citada factura nº. 365, pelo que o valor do furto é de € 453.331”, sendo que a diferença está na colocação da palavra “furtados”, que agora a decisão ora recorrida considera apenas não provada quanto à palavra “furtados”.

XXII. De harmonia com as regras da experiência comum, quando objectos móveis diversos desaparecem, durante a noite, com introdução no parque de uma empresa e com o corte da lona do reboque de um a viatura ali estacionada, reboque que estaria engatado no veículo tractor de matrícula ..-..-MN, abrindo um grande buraco na lateral, não se demonstrando que o dono do parque e/ou da viatura tenha autorizado essa introdução, é evidente, segundo a experiência e as regras de senso comum que os objectos foram furtados, aliás em consonância com o conceito de furto que nos é transmitido pelo artº. 203º., nº. 1 do Cod. Penal, conceito esse aplicável nos restantes ramos do direito, de acordo com o princípio da unidade jurídica, que o artº. 9º., nº. 1 do Cod. Civil manda atender na interpretação das leis.

XXIII. Que houve furto é confirmado ainda pelo relatório circunstanciado do perito O…, da P…, junto pela ré C…, como doc.1 junto com a sua contestação, pelo que deve ser eliminado dos factos não provados que “27º. Pelo que foram furtados todos os demais artigos constantes da citada factura nº. 365, pelo que o valor do furto é de € 453.331” e alterado o facto 37, no sentido de dele constar que está provado que 37º. O valor da mercadoria furtada, tendo por base a factura n.º 365, foi de € 453.331,00”.

XXIV. Nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invoca-se como meio de prova o relatório circunstanciado do perito O…, da P…, junto pela ré C…, como doc.1 junto com a sua contestação, para que seja considerado provado o facto referido o depoimento da testemunha L…, cujo depoimento se encontra gravado desde as 14:28:38 até às 14:51:36 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019 e o depoimento de parte de M…, cujo depoimento se encontra gravado das 14:52:20 a 15:59:09 da audiência de julgamento de 3 de Abril de 2019, nas partes já transcritas.

XXV. Em sede de direito, entende a sentença que era “pressuposto que a autora tivesse alegado e provado o contrato de transporte internacional, porque foi esse o contrato invocado e não um contrato de transporte terrestre nacional entre a sua sede e o Porto de Leixões”, esquecendo que um dos princípios básicos de direito processual é o de que as partes estão vinculadas a alegar os factos, cabendo aos tribunais a sua qualificação jurídica . - Cfr. artº. 5º. Do Cod. Proc. Civil.

XXVI. Como consta do Ac. da Relação do Porto de 13/3/2017, proferido nos presentes autos e que confirmou a competência deste Juízo, “Conquanto na presente demanda a Autora/B…, Lda., alegue um contrato de seguro de carga de navio, cuja cobertura respeita ao risco de perda e danos que pudessem ocorrer durante o transporte marítimo das articuladas mercadorias de Portugal para Cabo Verde, certo é que a indemnização impetrada nos autos tem, alegadamente, como causa, o furto da mercadoria, ocorrido durante a execução do contrato de transporte terrestre, com carga nas instalações da Autora/B…, Lda., com destino ao porto de Leixões. Donde, o que está em causa, em razão do alegado incumprimento do contrato de transporte, é a reclamada responsabilidade da Ré/C…, SA., em virtude da cobertura, acessoriamente, assumida, quanto ao transporte terrestre das mercadorias a exportar pela Autora/B…, Lda, para Cabo Verde, decorrente do seguro de carga de navio, cuja cobertura respeita ao risco de perda e danos que pudessem ocorrer durante o transporte marítimo das mercadorias de Portugal para Cabo Verde.

XXVII. Como se consignou no Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 29 de 4 maio de 1980, apud, Boletim do Ministério da Justiça n°. 297, página 385 “foi para dar satisfação aos comerciantes, que os seguradores concordaram em tornar extensiva a cobertura da apólice, até então limitada à viagem marítima, a todo o percurso ordinário do trânsito, isto é desde que as mercadorias saem do armazém ou lugar de armazenamento no local mencionado na apólice para o começo do trânsito, até à sua entrada no armazém do destino referido naquele documento”, porém, tal circunstância não determina que o alegado incumprimento do contrato terrestre, mesmo que acessoriamente outorgado, do seguro de carga, como está alegado no presente pleito, seja apreciado pelo tribunal marítimo”

XXVIII. É assim evidente que nos presentes autos, estamos perante um contrato de seguro marítimo, com uma “cobertura, acessoriamente assumida, quanto ao transporte terrestre das mercadorias a exportar pela Autora/B…, Lda, para Cabo Verde”, sendo com base nessa particular situação de transporte terrestre que existe responsabilidade acessória “tornada extensiva … a todo o percurso ordinário do trânsito, isto é desde que as mercadorias saem do armazém ou lugar de armazenamento no local mencionado na apólice para o começo do trânsito, até à sua entrada no armazém do destino referido naquele documento”, que existe a responsabilidade da ré C….

XXIX. É que, o contrato de seguro invocado nos presentes autos abarcava o transporte terrestre e o transporte marítimo, sendo que, este se não concretizou por ter sido furtada a mercadoria e consta da apólice qual o navio, sendo até dois em alternativa (facto 20 dos factos provados) que faria o transporte, mas sem data a indicar, pelo que se mantém a responsabilidade da Ré C….

XXX. Mas a sentença recorrida, acabou por absolver a ré C… porque, numa perspectiva lógico-dedutiva, a sentença recorrida entendeu que se tratava de um contrato a favor de terceiro e que, portanto, a autora não podia vir pedir o pagamento da indemnização à Ré C…, sem razão, como se demonstra.

XXXI. Desde logo, cabe aqui referir o facto provado sob o nº. 81, onde foi dado como provado que 81.º No âmbito de um sinistro anterior a primeira ré procedeu ao pagamento, à autora, do valor dos prejuízos de correntes de danos causados em mercadoria transportada pela segunda ré, igualmente destinada a Cabo Verde, em que o valor em causa era de € 59.000,00. Estava em causa uma venda de mercadorias em condições “Ex-works” (fls. 247 a 255 e 233, 259), pelo que não sabendo nós as condições em que foi celebrado o contrato de seguro a que se refere esse facto 81, uma coisa é certa, apesar de o seguro ser um contrato a favor de terceiro, a ré C… pagou a indemnização à autora e também o deverá fazer nos presentes autos.

XXXII. Como consta dos factos provados, a autora pode reclamar a indemnização, pois, tendo em conta o teor da apólice junta aos autos e considerada provada, nele se dispõe que (facto 11º.)
“Interesse segurável:
11.11.1 Para que o Segurado possa receber qualquer indemnização ao abrigo deste seguro, deve ter um interesse segurável sobre o objecto seguro no momento da perda.

XXXIII. O interesse do segurado é evidente, pois que, em consequência do furto da mercadoria, a factura a ela referente não foi paga, como consta do facto 85, onde se considerou provado que “85.º A factura com o n.º 365 não consta da contabilidade com tendo sido paga; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)”, o que, aliás, é confirmado no depoimento daa beneficiária do contrato de transporte – G… – que declarou que: “G…: Era para chegar em Maio de 2014, ele disse que houve acidente. Então na altura e com atraso, nós decidimos, eu e o meu companheiro para não aceitar a encomenda, porque já não servia mais. Tinha dois obras em construção e também, entregar também a um outro Senhor que era comerciante. Ele também não quis mais”

XXXIV. Verifica-se assim que não tendo recebido o valor da factura do comprador, que desistiu do negócio por ele não ter sido concretizado no momento próprio – o que até a lei portuguesa permite com a perda de interesse no negócio, previsto no artº. 808º. do Cod. Civil -, a autora passou a ter o direito de reclamar a indemnização “por ter um interesse segurável sobre o objecto seguro no momento da perda”, porque o recebimento do valor da encomenda dependia de o seu fornecimento ser completado e no momento da perda, tornou-se impossível a prestação, nasceu o direito da autora à indemnização, ao abrigo daquela cláusula 11.11.1.

XXXV. Além disso, provado que a mercadoria foi furtada, durante o percurso terrestre, apurado o montante exacto da mercadoria furtada e verificada a responsabilidade da ré C… emergente do contrato de seguro celebrado com a autora, responsabilidade sobre os danos sofridos e relativamente à autora, por ter interesse segurável sobre a mercadoria, deve a presente acção ser julgada procedente e provada, condenando-se a ré C… na indemnização pedida.

XXXVI. Além disso, como vem provado no facto 75º., a 2ª. Ré havia celebrado com a 3ª. Ré um contrato de seguro com as coberturas nele referidas.

XXXVII. Nesse contrato, existem condições particulares que têm de ser interpretadas no conjunto do documento da apólice e nesta estabelece-se como limite máximo segurado de € 250.000, sendo que, entre os eventos seguros, consta, como se refere no facto provado, “- Roubo, sempre e quanto o autor ou autores tiverem penetrado no veículo mediante arrombamento de portas, lonas ou violação das fechaduras ou dispositivos de segurança (…)”

XXXVIII. Se não se verificar nenhuma das circunstâncias referidas nas condições particulares
- a viatura e a respectiva carga tenham sido estacionadas sem a devida vigilância -, então a indemnização pode atingir os € 250.000, conforme se alcança da primeira página da apólice de seguro que refere o limite máximo segurado de € 250.000.

XXXIX. Porém, quando ocorra aquelas circunstâncias referidas - a viatura e a respectiva carga tenham sido estacionadas sem a devida vigilância -, então o limite de indemnização por roubo passa para 50.000 euros, com a franquia por roubo: 2.500 euros (…)”

XL. Só assim será possível harmonizar as cláusulas da apólice de seguro correspondente ao contrato de seguro celebrado entre as 2ª. e 3ª. rés, numa interpretação conforme ao disposto nos artigos 236º. e 238º., ambos do Cod. Civil, pois que se a cláusula das condições particulares funcionar apenas como cláusula de exclusão de responsabilidade no caso de a viatura e a respectiva carga tenham sido estacionadas sem a devida vigilância, então qual o interesse na fixação de um valor de limite de indemnização por roubo que passa para 50.000 euros, com a franquia por roubo: 2.500 euros (…), retirando-se efeito prático à cláusula limitativa ora mencionada.

XLI. Só tem sentido se esse novo valor significar que, uma vez verificados os referidos pressupostos - a viatura e a respectiva carga tenham sido estacionadas sem a devida vigilância -, a indemnização passa a ter como limite máximo o fixado nessas condições particulares e qualquer outra interpretação retira sentido ao novo valor fixado, pelo que a 3ª. Ré terá de ser condenada solidariamente com a Ré C… até ao referido montante de € 50.000 deduzida a franquia.

XLII. Pelo exposto, mostram-se violados pela sentença recorrida, que fez uma errada interpretação da prova produzida e dos factos provados, as cláusulas dos contratos de seguro juntos aos autos e citadas nas conclusões supra, pelo que deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por uma decisão que, na procedência do presente recurso, julgue a presente acção totalmente procedente e provada, condenando a R. C… a pagar à A. a quantia de € 453.331, como indemnização pelo valor da mercadoria furtada, na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ld.ª., acrescida de juros à taxa legal de 8% ao ano, por ser um transporte de mercadoria feita comercialmente por uma empresa comercial, condenando-se a Ré E…, a pagar solidariamente a mesma indemnização, mas, pelo menos, até ao limite de € 50.000, como é de lei e de J U S T I Ç A!
*
Foram apresentadas contra-alegações.
*
Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
*
2. Factos
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria e o comércio, importação e exportação de artigos sanitários e de banho, acessórios de banho, bem como revestimentos, pavimentos, torneiras, móveis para casa de banho e cozinhas, venda por grosso e a retalho destes produtos, bem como a prestação de serviços e assistência técnica. (fls. 178 a 180)
2. A autora emitiu com data de 19-08-2013 uma factura proforma com o n.º 14, constante de fls. 21 a 24, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
3. Com data de 1 de Novembro de 2013, G… enviou ao legal representante da autora o “email” constante de fls. 25, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta: “(…) Venho por esta via confirmar a encomenda dos materiais constantes da proforma n.º 14 em meu nome, agradecendo que o seguro de transporte marítimo cobre os riscos desde o vosso armazém até ao nosso, sediado na …, clausula A.
Seguro por vossa conta conforme o acordado.
A mercadoria da proforma n.º 14 para entregar no transitário. (…)”
4. Foi celebrado com a primeira ré um contrato de seguro da totalidade da mercadoria constante da referida factura proforma nº. 14, que foi entregue à seguradora e que esta fez constar do certificado de seguro com a menção “DIVERSA MERCADORIA CONFORME CÓPIA DA FACTURA Nº 14, EM PODER DA SEGURADORA. Franquia: 500€ ”- (fls. 26-27)
5. Esse contrato de seguro é titulado pela apólice nº. …….., tendo o certificado o mesmo número, sendo o valor nela indicado de € 484.481,00 (quatrocentos e oitenta e quatro mil quatrocentos e oitenta e um euros), constando do certificado de seguro a identificação da factura n.º 14 e não da factura n.º 365. (fls. 26 e 27)
6. O referido seguro teria o seu período de validade entre o início em data a indicar e o respectivo prémio no valor 2.416,34€, foi pago pela A. no dia 7/5/2014. (fls. 28 e 28)
7. Os riscos cobertos eram da cláusula A da apólice para transporte de cargas, desde a Mealhada Portugal, via Leixões - Portugal até Cabo Verde. (fls. 26 e 27);
8. No certificado do Seguro estava identificado, como meio de transporte marítimo o navio “S…” (fls. 27);
9. Nos termos constantes das cláusulas do seguro de carga (A), riscos cobertos, constante de fls. 30 a 32, cujo conteúdo aqui se dão por reproduzidas, a referida apólice de seguro “cobre todos os riscos de perda ou dano sofridos pelo objecto Seguro” – cláusula 1, sob a epígrafe “riscos”, com excepção das exclusões n.ºs 4, 5, 6 e 7;
10. Nos termos do n.º 1 da cláusula 8º do referido contrato e sob a epígrafe “Trânsito” consta: “Sujeito ao n.º 11 abaixo, este seguro inicia-se no momento em que o objecto seguro deixa o armazém ou local de armazenagem (na localidade indicada no contrato de seguro) com o objectivo de ser carregado de imediato para dentro ou para cima do veículo de transporte ou de outro meio de transporte para o começo da viagem, continua em vigor durante o percurso normal desta e termina:
8.1.1. Com a conclusão da descarga do veículo de transporte ou de outro meio de transporte ou no armazém ou local de armazenagem final na localidade de destino indicado no contrato de seguro (…)
8.1.3 Quando o segurado ou os seus empregados decidem utilizar qualquer veículo de transporte ou outro meio de transporte ou qualquer contentor para armazenamento fora do curso normal de trânsito, (…)
8.3 Este seguro continuará em vigor (sujeito à terminação nos termos dos n.ºs 8.1.1. a 8.1.4. acima e o disposto no n.º 9 abaixo) durante a demora fora do controle do segurado, desvio de rota, descarga forçada, reembarque ou transbordo, assim como qualquer alteração da viagem resultante do exercício de um direito concedido aos fretadores ao abrigo do contrato de transporte. (…)”
11. Mais consta:
“Interesse segurável
11.11.1 Para que o Segurado possa receber qualquer indemnização ao abrigo deste seguro, deve ter um interesse segurável sobre o objecto seguro no momento da perda.
11.2 Sujeito ao n.º 11.1 acima, o segurado terá o direito de ser indemnizado por perdas cobertas por este seguro, ocorridas durante o período abrangido pelo mesmo, desde que essas perdas tenham tido lugar depois de o seguro ter sido aceite, embora antes de o respectivo contrato ter sido formalizado, salvo no caso em que, no momento dessa conclusão, o segurado fosse já conhecedor das mesmas e a seguradora não.”
12. Mais consta:
“Beneficio do seguro
15. Este seguro
15.1. Cobre o segurado, que inclui a pessoa reclamando indemnização, quer como a pessoa que efectuou ou em cujo nome foi efectuado o contrato de seguro, quer como cessionário.”
13. Constam, entre outras, as exclusões em caso de:
“4.1 Perda, dano ou despesas atribuível a actuação dolosa do Segurado
4.3 Perda, dano ou despesas causado por insuficiência ou inadequação de embalagem ou preparação do objecto seguro para resistir às ocorrências normais do transporte Seguro, desde que a embalagem ou preparação tenha sido efectuada antes do inicio do Seguro ou pelo próprio Segurado ou por empregados seus ...
5.1.3 Quando o Segurado ou os seus empregados decidem utilizar qualquer veículo de transporte ou outro meio de transporte ou qualquer contentor para armazenagem fora do curso normal do trânsito
14. A autora comunicou, em 7 de Maio de 2014, ao mediador de seguros interveniente nesta operação – a T… -, que a carga ia ser entregue na 2ª. feira seguinte, dia 12/5/2014, no transitário do seu cliente, tendo a T… comunicado esse facto no dia seguinte à primeira ré (fls. 33 e 35)
15. Através dos documentos mencionados no artigo anterior a autora informou a primeira ré do seguinte:
(…) Junto segue informação dada pela I… em relação às datas de saída dos barcos com destino à … (…) como podes verificar os nomes dos navios são diferentes mas a companhia marítima é a mesma do que consta no certificado do seguro, há algum problema ou temos que pedir a companhia um novo certificado?
Dependendo da disponibilidade do navio o transporte irá ser feito nos navios que já estão a constar da nossa factura n.º 365.”
16. Em resposta e por comunicação de 9 de Maio a ré refere que: “Após análise à informação do cliente, informo que mantemos o certificado e registamos as alterações.”
17. Da informação prestada pela “I…” de fls. 35, constam as datas previstas para as saídas do Porto de Leixões (e outros), sendo:
- Navio J…, dia de saída – 16 de Maio; último dia de recepção em doca – 14 de Maio;
- Navio K…, dia de saída – 30 de Maio; último dia de recepção em doca – 27 de Maio;
18. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factura com o n.º 365, constante de fls. 36 a 38, emitida pela autora, tendo como entidade devedora: G… – Com. Materiais, com sede em …, …, Republica de Cabo Verde;
19. A factura tem o valor total de € 484.481,00, tendo como data de emissão o dia 07 de Maio de 2014, data de vencimento o dia 06 de Junho de 2014 e condições de pagamento: a 30 dias;
20. Consta ainda da última página da referida factura (fls. 38) o seguinte:
“Preços EXW v/transitário em Porto ou Lisboa
U… – Parques da AD…
Preços com seguro incluído até ao destino
Pagamento 30 dias
Navio de saída: I… ou K…
(…)
Local de Carga: Pampilhosa
Local de Descarga: U… (…)”
21. Consta ainda que:
“Os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data deste documento ou na data das G. Remessa quando referenciadas”
22. Com data de 8 de Maio de 2014 a autora elaborou a “Packing List” da factura n.º 365, constante de fls. 39, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, constando da mesma como peso liquido: 14.838Kg e como peso bruto: 15.358 Kg.
23. A autora e a segunda ré, o transportador, assinaram a guia de transporte constante de fls. 46, com o n.º ……, tendo como local de carga a sede da autora; o dia da carga: 09 de maio de 2014 pelas 17h20m; local de descarga: Parque AD… Transitário U…; estando a mercadoria acondicionada em 25 paletes e 82 volumes; sendo o veículo de matrícula ..-..-MN e o reboque com a identificação: L-……;
24. Da guia de transporte referida no artigo anterior consta como “Designação corrente da mercadoria” o seguinte: Bases; Banheiras; Cabines de Vidro; Colunas; Banheiras Vidro; Lava Louças; Colunas; Lavatórios; Banho Vapor.
25. Por email de 10 de Maio de 2014, a autora enviou ao mediador de seguros a “Paking list” e a guia de transporte n.º …… (fls. 47 a 49);
26. O serviço de transporte da galera até ao Porto de Leixões, foi contratado aos D…, Lda., com sede na Rua …, em … – Mealhada, transportador habitual das mercadorias da A., no dia 8/5/2014;
27. Tendo este transportador informado que o mesmo iria ser carregado no dia 9/5/2014 (sexta-feira) para ser entregue à primeira hora no local de descarga no Porto de Leixões;
28. No dia 09 de maio de 2014, procedeu-se à carga da galera e foi emitida a guia de transporte nº. …… constante de fls. 46;
29. A empresa já estava encerrada no momento da chegada do tractor, de matrícula ..-..-MN, para fazer o engate da galera com a carga. O transportador fechou as lonas e portas da galera.
30. O transportador tinha deixado a galera, de matrícula L-……, nas instalações da A. ao início da tarde desse dia 9 de Maio, para se proceder ao respectivo carregamento.
31. O transportador deixou as instalações da A., cerca das 19 horas, tendo-se dirigido para o parque de estacionamento, sito na sede da empresa transportadora, segunda ré, sito na Rua …, em … – Mealhada.
32. O Parque é fechado, está vedado com muro e rede.
33. No dia 12 de Maio de 2015, N…, legal representante da segunda ré participou no Posto Territorial de Mealhada da GNR um arrombamento do cadeado do fecho do portão do parque, com introdução no parque da empresa e o corte da lona do reboque de matrícula L-……., reboque que estaria engatado no veículo tractor de matrícula ..-..-MN, abrindo um grande buraco na lateral e furtado diverso material, constante da cópia da factura n.º 365 da autora, no valor de € 453.331, tendo, ainda, arrombado a tampa do depósito de combustível do veículo e retirado cerca de 100 litros de gasóleo (fls. 51);
34. Em circunstâncias não apuradas, no dia 11 de maio de 2014, verificou-se que, no parque referido no artigo anterior, a lona do reboque foi cortada e aberto um grande buraco;
35. Verificou-se que do interior do reboque foi retirado material que lá se encontrava, e descriminado na factura n.º 365, não tendo sido retirado o seguinte:
- Caixa de Madeira Acab., Zebrano p/ Modelo PRO SPA
- Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Branco Mate Alto Impa 20 m2;
- Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Cinza Mate Alto Impa 20 m2;
- Chapa Acrílica p/ Divisórias 170x52x4 Metalizado Mate Alto Impa 20 m2;
- Banheira ZAPHIRO 200x100 c/ fronta redondo.
36. Foi instaurado um processo de inquérito com o n.º 164/14.6GAMLD, Serviços do Ministério Público da Mealhada, Unidade de Apoio, que terminou com despacho de arquivamento proferido no dia 18 de Junho de 2014, por desconhecimento dos possíveis autores dos factos denunciados (fls. 56)
37. O valor da mercadoria retirada, tendo por base a factura n.º 365 foi de € 453.331,00.
38. No dia 13/5/2014, a A, por intermédio do seu mediador de seguros - a T… - participou à R. C… um furto nos termos mencionados no artigo 32º, instruindo-o com a declaração de participação, a indicação da seguradora do transportador e a factura emitida, identificado quais os bens que teriam sido levados. (fls. 60 a 65)
39. Tendo a sua mediadora remetido de imediato essa participação para a R. C… (fls. 66 e 67)
40. A sociedade transportadora também tinha seguro relativo às mercadorias por si transportadas, por meio de contrato de seguro celebrado com a terceira ré, contrato esse titulado pela apólice nº. ………… (fls. 300 a 313)
41. Tendo participado também à sua seguradora os acontecimentos mencionados no artigo 32º;
42. Na sequência da participação da A., a R. C… encarregou a sociedade P…, Lda. de proceder à averiguação para efeitos de indemnização, tendo um perito desta empresa comparecido na sede da A., no dia 15/5/2014 (fls. 73)
43. Na sequência desta visita foi elaborado um relatório de peritagem, tendo a autora, em 26 de Maio de 2014, pedido à mediadora T… para informar o que se passava, referindo que o seu cliente de Cabo Verde pedia a reposição dos produtos furtados no prazo máximo de 45 dias e a A. não tinha fundo de maneio para fazer face ao exigido. (fls. 74)
44. A resposta da seguradora veio em 11/9/2014, nos termos constantes de fls. 76 a 77 e que foram respondidas pela A. em 17 de Setembro de 2014 e mais tarde, perante novo mail da R. Vitoria, em missiva de 24 de Setembro de 2014 (fls. 78-79, 80)
45. Com datas de 3 de Novembro de 2014 e 2 de Dezembro de 2014 a autora, através do seu Mandatário, enviou à ré as cartas constante de fls. 81-82 e 84, que aqui se dão por reproduzidas;
46. Por carta de 30 de Dezembro de 2014, a primeira ré comunica à autora que, “efetuadas todas as diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias do ocorrido concluímos que a responsabilidade pelo mesmo não poderá ser transferida a esta Seguradora” e que: “a documentação e os contornos que sustentam a formalização do contrato comercial, entre o nosso Segurado e o destinatário da carga, não respeitam a conformidade que lhes é subjacente”, concluindo que: “assim e de acordo com o acima exposto lamentamos informar que o processo será encerrado sem direito a qualquer indemnização”. (fls. 86)
47. Com data de 3 de Dezembro de 2014, a autora, através do seu Mandatário, enviou à terceira ré a carta constante de fls. 87-88, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
48. A terceira ré respondeu por carta de 12 de Dezembro de 2014, constante de fls. 90-91, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
49. Aquando da celebração do contrato de seguro, a primeira Ré apenas recebeu uma cópia da factura pró-forma com o nº 14 datada de 19.08.2013, a qual é referida no Certificado de Seguro (fls. 26 e 27).
50. O seguro até ao destino foi solicitado pela pessoa identificada na factura como destinatária e o respectivo prémio foi incluído no preço de venda da mercadoria (fls. 25 e 38)
51. Só depois do sinistro é que a Ré teve conhecimento de outros factos tais como: a factura nº 365 emitida pela Autora no dia 07.05.2014, o facto de o seguro ter sido solicitado pela compradora, a inclusão do valor do prémio do seguro no preço de venda das mercadorias e o facto de as mercadorias terem sido colocadas à disposição do adquirente na data da factura;
52. A primeira ré Ré solicitou também a intervenção da firma “V…, Lda”, que elaborou o relatório constante de fls. 140 verso a 144 verso;
53. A Autora declarou para efeitos de registo comercial, em 2013 um volume de vendas e serviços prestados de € 534.266,98, conforme resulta das Contas relativas ao exercício de 2013 que foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial (fls. 142 verso a 144 verso).
54. Nesse contexto, o valor da referida factura nº 365 representaria cerca de 90% do volume total de vendas e serviços prestados do ano anterior.
55. A pessoa indicada na factura n. 365 e proforma n.º 14, como compradora – G… não possui qualquer tipo de obra de construção civil ou negócio / actividade que justifique a aquisição / importação do tipo, volume e valor da mercadoria em causa;
56. Não exerce quaisquer actividades comerciais ou industriais, nem possui rendimentos prediais, o que foi atestado pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, conforme certidão anexa ao aditamento ao relatório (fls. 139 e 140).
57. G… é uma cidadã cabo-verdiana com 33 anos de idade que não tem estabelecimento conhecido, não tem emprego e tem uma licenciatura em serviço social (fls. 145 a 147).
58. Já fez um estágio nas prisões e que tem concorrido a vários empregos no Estado mas sem sucesso, uma vez que para uns não tem habilitações adequadas e para outros tem habilitações a mais (fls. 145 a 147 verso)
59. Os navios da W… que fazem transportes entre Portugal e Cabo Verde são porta contentores, mais concretamente, o navio “S…” indicado no Certificado de Seguro é um navio porta contentores; tal como o é o navio “J…” que estão identificados no documento n.º 7;
60. Da Mealhada, concelho onde está localizada a fábrica da Autora, ao porto de Leixões são, em média, cerca de 100 km. (fls. 329-331)
61. Sendo a maior parte dessa distância feita por auto-estrada, seria necessário pouco mais de uma hora para fazer o transporte até ao porto de Leixões (fls. 329-331).
62. A segunda ré fica situada a poucos quilómetros da sede da autora;
63. Existe uma empresa a actuar em Portugal chamada “U… – Sucursal em Portugal” com escritórios na …, nº .., Matosinhos (140 verso e seguintes).
64. A sociedade U… S.L. – Sucursal em Portugal, está registada da CR Comercial com o NIPC ……… (fls. 215 a 219);
65. Tem como objecto social: prestação de serviços de transporte, transitário, armazenagem e distribuição de todo o tipo de produtos e ainda seguros e actividades de desalfandegagem;
66. É representante da sociedade de direito espanhol “U…, SL”
67. Por oficio de fls. 568 de 10 de Janeiro de 2018, a empresa U…, informou os autos do seguinte: “ Em conformidade com o pedido que nos chegou informamos que não temos nem tivemos qualquer conhecimento de cargas ou operações à exportação referentes às partes designadas. Após buscas nos nossos arquivos nada encontramos nas datas e período mencionado (…)”;
68. Por ofício de fls. 589 de 4 de Abril de 2018, a mesma empresa – U… – informou os autos do seguinte: “Após várias buscas em todo o sistema quer informático, quer físico posso com toda a segurança, informa de que nunca tivemos acesso nem conhecimento desta operação uma vez que a mesma nunca chegou ao nosso controlo operacional. Mais informo que apenas registamos uma operação realizada em data muito diferente esta aqui referenciada bem como das quantidades (…) no dia 19-10-2014. (…) Desconhecemos, de todo, esta operação (…)”
69. A AD…, é um armador tal como a W… – não tem qualquer parque.
70. Não consta da guia de transporte a indicação da morada do parque da AD….
71. Os navios “K…” e “J…” (fls. 35) são navios da W… que é representada no porto de Leixões pelo seu agente, a firma “W…, Lda.”
72. A AD… não tem parque no porto de Leixões e os referidos navios da W… não são operados pela AD….
73. O parque da segunda ré é fechado, não era vigiado, não dispunha de sistema de alarme e não estava sujeito a qualquer tipo de vigilância.
74. O contrato celebrado entre a segunda Ré e a Ré E… ocorreu no âmbito da celebração do contrato CMR. (fls. 308 a 313)
75. Das cláusulas particulares do contrato de seguro celebrado entre a segunda e a terceira rés, juntos aos autos fls. 308 a 313, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, consta, para além do mais o seguinte:
“Descrição da garantia
-Riscos descritos nas condições especificadas da apólice.
- Roubo, sempre e quanto o autor ou autores tiverem penetrado no veículo mediante arrombamento de portas, lonas oi violação das fechaduras ou dispositivos de segurança (…)
- Quebras;
- Humidades (…)
- Oxidação (…)
- Danos provocados por golpes;
- Derrames por ruptura de vasilhames ou embalagens;
- Danos produzidos durante e/ou em consequência das operações de carga e/ou descarga (…)
- Danos por contacto com outras mercadorias(…)
Clausulas particulares
. Limite de indemnização
O limite de indemnização por sinistro é conforme o estabelecido no convénio CMR (8,66 direitos especiais de movimentação por Kg de mercadoria avariada)
. Franquia geral: 500 euros (…)
Cláusula de Roubo;
Esta cláusula anula e substitui a “Cláusula de Prevenção de Roubo” indicada das condições particulares.
Não ficará a cargo da seguradora os sinistros de roubo quando a viatura e a respectiva carga tenham sido estacionadas sem a devida vigilância. Por devida vigilância entende-se: “o veículo deverá ter as lonas fechadas e com as portas todas trancadas. O segurado deverá usar todos os dispositivos de fecho, alarme ou bloqueio de que o veículo disponha e deverão funcionar correctamente. O veículo deverá estar aparcado em zonas de estacionamento apropriadas, iluminados onde haja outros veículos estacionados, com movimento de pessoas e nunca deverá deitar o reboque desatrelado do tractor. Por conseguinte, ficam excluídos os roubos que ocorram quando o veículo estiver estacionado em zonas isoladas, zonas industriais sem vigilância e outras zonas com estas características.
- Limite de indemnização por roubo: 50.000 euros
- Franquia por roubo: 2.500 euros (…)”
76. O transportador não verificou o estado da carga e o acondicionamento.
77. A Autora sabia que o transportador dispõe de um parque de viaturas sem vigilância, sem qualquer tipo de infraestruturas ou instalações de apoio.
78. O motorista depois de deixar o reboque no parque da segunda ré, ausentou-se do local, deixando-o sozinho num parque que não é guardado;
79. O sócio maioritário da segunda ré – N… – é igualmente sócio da autora, sendo titular de uma quota no valor nominal de € 24.000,00, correspondente a 30%, do capital social da autora (fls. 178 a 183);
80. A autora fez repercutir no preço facturado – factura n.º 365 – ao comprador o custo do seguro celebrado com a primeira ré;
81. No âmbito de um sinistro anterior a primeira ré procedeu ao pagamento, à autora, do valor dos prejuízos de correntes de danos causados em mercadoria transportada pela segunda ré, igualmente destinada a Cabo Verde, em que o valor em causa era de € 59.000,00. Estava em causa uma venda de mercadorias em condições “Ex-works” (fls. 247 a 255 e 233, 259)
82. Aquando da contratação do seguro relativo ao sinistro referido no artigo anterior o mediador de seguros enviou à primeira ré a correspondência (por email) constante de fls. 267 a 269, da qual constava o seguinte: “Como o valor é alto e o cliente não abriu nenhuma carta de crédito deve constar que tem interesse no contrato de Seguro a B…, Lda. até ao bom pagamento da referida proforma.”
83. O volume de vendas da autora no ano de 2013 constante da contabilidade foi de € 512.066,45; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
84. O volume de vendas da autora no ano de 2014 foi de € 547.971,15; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
85. A factura com o n.º 365 não consta da contabilidade com tendo sido paga; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
86. A factura foi registada na conta da cliente, mas acabou por ser regularizada com duas notas de crédito, à data de 31-12-2014, uma no montante de € 31.150,00 relativa ao material dado como recuperado de um “furto” com o n.º 157 e a segunda no montante de € 453.331,00, com a menção de “Material furtado no parque do transportador conforme processo do Ministério Público da Mealhada com o n.º 164/14.6GAMDL” e tem o n.º 158; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
87. À data de 31-12-2013 a autora tinha escrituradas existências no valor de € 293.008,60 repartidas em mercadorias de € 2.320,00 e em matérias primas, subsidiárias e de consumo no montante de € 290.688,60. A maioria dos artigos constantes da factura nº 365 encontram-se discriminados nas listagens de existências a 31-12-2013, com as quantidades facturadas em Maio, excepto os artigos que na factura aparecem com o código 123 que pode ter sido adquiridos ou produzidos já em 2014; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
88. Da contabilidade da autora consta uma outra factura em nome de G… com o n.º 785 de 15-10-2014 que menciona produtos que não estão no âmbito do objecto social da autora como sejam pneus e tubos para viatura, máquina de lavar louça e frigorífico. Outra com data de 20-10-2014, com o n.º 793, no valor de € 4.351,00; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
89. Ao longo de 2014 a autora emitiu outras facturas em nome de clientes de Cabo-Verde e com destino à exportação; (relatório pericial de fls. 557 a 580, esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628-629 verso)
*
2.2 Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
1. Petição inicial:
2.º No exercício da sua actividade comercial, a A. acordou com G…, comerciante de materiais de construção, com sede em …, …, República de Cabo Verde, o fornecimento de diverso material da sua produção, constante da factura proforma com o nº.14, emitida em 19/8/2013
4º Não provado que o transporte da mercadoria seria efectuada por navio.
5º. Por isso, foi contratado o seu envio por contentor que seria transportado pelo navio “K…”, que sairia do Porto de Leixões, sendo a carga transportada da sede da A. para esse porto, por via terrestre em camião de transporte de contentores.
22º. Na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, desconhecidos, por meio de arrombamento do cadeado de fecho do portão do parque, introduziram-se no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ldª., tendo cortado a lona do reboque furtado diverso material.
23º. Além disso, os assaltantes também arrombaram a tampa de depósito de gasóleo do trator e furtaram cerca de 100 litros de gasóleo.
27º. Não provado que: “Foram furtados”
Contestação primeira ré
110º Quando estão em causa produtos fabricados, as mercadorias são carregadas nas respectivas fábricas em contentores, os quais, depois de fechados e selados, saem directamente das fábricas para o cais de embarque.
111º A excepção a esta regra poderá acontecer quando estejam em causa pequenas quantidades de mercadorias, as quais têm de ser transportadas em contentores de grupagem.
Contestação terceira ré
36.º A descrição dos materiais identificados em ambas faturas não ascende a mais de € 50.000.
Resposta da autora:
6 - A mercadoria seria preparada em contentor no transitário da U… que depois o faria seguir no porta contentores “S…”, tendo a AD… um parque de contentores.
*
3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões por resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Do mérito do decidido.
*
4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da impugnação da Matéria de facto
A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, pugnando, designadamente, que os factos alegados na petição inicial sob os artigos 2.º, 4.º, 5.º, 22.º, 23.º e 27.º sejam considerados provados nos termos que defende.
Constam, designadamente, como não provados os seguintes factos:
“2.º No exercício da sua actividade comercial, a A. acordou com G…, comerciante de materiais de construção, com sede em …, …, República de Cabo Verde, o fornecimento de diverso material da sua produção, constante da factura proforma com o nº.14, emitida em 19/8/2013.
4º Não provado que o transporte da mercadoria seria efectuada por navio.
5º. Por isso, foi contratado o seu envio por contentor que seria transportado pelo navio S…”, que sairia do Porto de Leixões, sendo a carga transportada da sede da A. para esse porto, por via terrestre em camião de transporte de contentores.
22º. Na noite de 10 para 11 de Maio de 2014, desconhecidos, por meio de arrombamento do cadeado de fecho do portão do parque, introduziram-se no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ldª., tendo cortado a lona do reboque furtado diverso material.
23º. Além disso, os assaltantes também arrombaram a tampa de depósito de gasóleo do trator e furtaram cerca de 100 litros de gasóleo.
27º. Não provado “que foram furtados”.
A apelante pugna que o facto referido no artigo 2.º da petição inicial seja considerado provado.
Defende, ainda, que o facto referido no artigo 4.º da petição inicial seja considerado provado.
Pugna, igualmente, que o facto referido no artigo 5.º da petição inicial seja considerado provado ou, pelo menos, nos seguintes termos: “foi contratado o seu envio por navio, que sairia do Porto de Leixões, sendo a carga transportada da sede da A. para esse porto, por via terrestre em camião de transporte de contentores.”.
Defende, ainda, que o facto referido no artigo 16.º da petição inicial seja considerado provado nos seguintes termos: “o transportador verificou o estado da carga e o devido acondicionamento da mesma”, eliminando-se o ponto 76 dos factos provados.
Pugna que relativamente ao facto não provado “22” seja considerado provado o que consta dos factos provados sob os nºs. 33 e 34.
Defende, igualmente, que relativamente ao ponto 35 seja considerado provado que “na noite de 10 para 11 de maio de 2014, desconhecidos, introduziram-se no parque de viaturas da empresa ora R. D…, Ldª, tendo cortado a lona do reboque e furtado diverso material.”.
Pugna, ainda, que seja considerado provado o facto alegado no artigo 27.º da petição inicial e alterado o facto 37.º no sentido de passar a constar do mesmo que “O valor da mercadoria furtada, tendo por base a factura n.º 365, foi de € 453.331,00”.

Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“Motivação:
Factos provados:
Os factos constantes dos artigos: 1, 2, 3, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 33º, 36º, 38º, 39º, 40º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 52º, 53º, 60º, 61º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 70, 74º, 75º, 79º, 81º e 82º, foram considerados como provados com base na prova documental neles mencionada.
Restantes factos:
Artigo 4º: documentos de fls. 26 e 27, sendo matéria aceite pelas rés.
Artigos 26º a 32º; 62º: resultou da análise da guia de transporte de fls. 46, do depoimento do legal representante da autora; das testemunhas X…, que foi funcionário da autora recordando-se da encomenda e de quem era o transportador, que mencionou como sendo um dos habituais, referindo que a galera foi deixada pelo motorista para ser carregada; L…, que foi igualmente funcionário da autora; M…, actualmente gerente da ré, mas que à data era o motorista que levou o reboque para as instalações da autora e depois para o parque da segunda ré, depoimentos que, no que aos factos em causa, revelaram conhecimentos directos, foram consistentes entre si e não nos susciptaram dúvidas. Foi ainda valorado o tacógrafo de fls. 136 que foi consistente com o depoimento do motorista.
Sobre as características do parque, resultaram dos depoimentos mencionados, assim como da testemunha Y…, que reside perto do parque, da testemunha Z…, funcionário da P… e que teve intervenção na averiguação efectuada e que deu origem aos relatórios de fls. 120 e seguintes, sendo coincidentes na descrição do parque em causa.
Factos 34 e 35: Resultou, em conjugação, do depoimento da testemunha Y…, a primeira pessoa que se apercebeu do corte da lona do camião e alertou o legal representante da segunda ré; do depoimento da testemunha Z…, já mencionada, assim como das fotografias constantes do relatório de fls. 120 e seguintes; da testemunha X…, que se deslocou ao parque e viu o estado em que estava o reboque, depoimentos que foram conjugados com a factura n.º 365 para se chegar à conclusão da mercadoria que foi retirada e a que foi deixada no local. Foi também valorado o depoimento do legal representante da autora, nesta parte, no que concerne à identificação da carga levada e da que ficou no parque.
Sobre esta concreta questão – mercadoria -, devemos acrescentar que, da perícia realizada à contabilidade da autora, foi possível considerar, apesar de todas as dúvidas mencionadas pelos Sr.s Peritos, nomeadamente, das inexatidões, falta de rigor sobre a contabilidade da autora, que a mercadoria elencada na factura n.º 365 existia, foi carregada (tendo nesta parte sido considerados também os depoimentos já mencionados que referiram terem carregado o reboque), apesar de não se terem apurado outras circunstâncias que foram alegadas, a que mais à frente nos iremos referir. Chamamos à atenção do facto 87, retirado do relatório pericial, facto instrumental, assim como os constantes dos artigos 83 a 86 que nos permitem também chegar à conclusão de que a mercadoria existia.
Facto 37: o valor obtido teve em consideração os preços que estavam na factura.
Factos 41º de 42º: são factos que não foram colocados em causa, resultando ainda dos documentos de 73 e fls. 120 e seguintes.
Facto 49: resulta da analise do documento de fls. 26 e 27.
Facto 50: resulta da conjugação dos documentos de fls. 25 e 38.
Facto 51: resulta da análise do certificado de seguro, onde é mencionada apenas a factura n.º 14 e da qual não constam as informações vertidas na factura n.º 365. Resulta ainda da troca de correspondência de fls. 33 a 34, em que a autora remete a documentação da carga, as informações da I…, em que chama à atenção para a alteração dos nomes dos navios e nada mais refere, nomeadamente o conteúdo de fls. 38, onde estão vertidas as informações aqui em causa.
Facto 54: é uma dedução do vertido no artigo 53º
Factos 55º a 58: os factos em causa resultam dos documentos de fls. 139 e 140, 145 a 147 e do depoimento testemunha G…, do qual resulta que não dispõe de qualquer habilitação para exercer actividades comerciais ou industriais.
Factos 59º, 69º, 71º, 72º: foram valorados os depoimentos das testemunhas, AB… que trabalhou para a W… até Maio de 2017, sendo responsável pelo sector da importação e exportação e que revelou conhecimento sobre esta matéria, tendo explicado como é que todo o processo de expedição se processava, nomeadamente a necessidade de ser efecutada uma reserva de contentor e do navio (depoimento que foi credível desde logo pela elevada quantidade de mercadoria que estava envolvida), afirmando de forma peremptória que, na data em causa, a W… não tinha qualquer relação com a AD… porque eram concorrentes, referindo ainda que não conhece qualquer parque da AD… no local, depoimento consistente com facto de a guia de transporte não mencionar qualquer morada. Mais referiu que os navios identificados no artigo 71º são da W….
Facto 73: Damos aqui por reproduzidas as considerações mencionadas nos factos 26 a 32º. A ausência de qualquer sistema de vigilância resultou ainda do depoimento da testemunha Z…. O depoente M… referiu que ele e o seu pai faziam “rondas”, o que não se traduz em qualquer sistema de vigilância.
Facto 76: Foi mencionado pelo depoente M…, referindo que tinha deixado o reboque nas instalações da autora para ser carregado, ausentando-se e quando regressou verificou apenas que estava carregado, recebeu os documentos, engatou a galera ao camião, fechou e saiu.
Facto 77: resultou de depoimento de parte da autora e dos funcionários da autora, que a segunda ré era um transportador habitual. Resulta ainda dos factos provados no artigo 79º que as duas sociedades têm ligações entre si por identidade parcial entre os seus sócios. Estes factos levam-nos a considerar, dentro das regras da normalidade, que a autora conhecia as instalações da segunda ré. Apesar de o legal representante da autora ter mencionado que desconhecia se o parque tinha vigilância, não foi convincente, quer pela existência de uma relação contratual duradoura, quer pelo facto constante do artigo 79º dos factos provados.
Facto 78: resultou do depoimento de M…, referindo que deixou o reboque no parque, mas não ficou lá, nem mencionou que nesse fim de semana tivessem sido efectuadas quaisquer “rondas”.
Factos 83 a 89: tiveram como suporte o relatório pericial e esclarecimentos dos Sr.s Peritos.
Factos não provados.
Artigo 2º da Petição Inicial.
Artigo 4º da Petição Inicial. “o transporte da mercadoria seria efectuado por navio.
Artigo 5º da Petição Inicial
Artigo 6º da Resposta da autora
Dos meios de prova produzidos chegamos à conclusão de que entre a autora e G… não foi celebrado qualquer contrato de compra e venda, o que resulta, desde logo, do depoimento da testemunha G… que é clarificador sobre esse aspeto. G… afirmou que era uma mera intermediária, que colocaria os produtos junto de terceiros, os reais compradores e interessados no negócio. Não era compradora. Resultou igualmente do seu depoimento que o pagamento não era efectuado da forma como consta da factura. Resultou ainda que a depoente e o seu companheiro decidiram não aceitar a encomenda porque “já não servia mais”. Referiu a testemunha que: “o caso de 2013 que está a referir no processo, isto não teve sucesso”. Resulta ainda do depoimento da testemunha que nada comprava, sendo uma mera intermediária, não era comerciante nem estava legalmente autorizada a actuar como tal.
Ficamos com a certeza de que a relação contratual que a autora alegou não era a que existia entre as partes.
A autora apenas logrou provar e é isso o que consta dos artigos 2º e 3º dos factos provados, que existiram contactos entre as partes com o objectivo de ser realizado um negócio, tendo a autora emitido a factura proforma com o n.º 14 e a testemunha G…, em Novembro de 2013, por email (mencionado no artigo 3º dos factos provados) confirmado que foi efectuada uma encomenda.
No entanto e pelos motivos já mencionados, nomeadamente o depoimento da própria testemunha G… resultou, por um lado que a testemunha não era compradora, não era nem nunca foi comerciante de materiais de construção com sede em …, …, Cabo Verde e que o negócio não existiu, não se concretizou.
A ter existido uma transacção comercial para Cabo Verde relativamente à mercadoria em causa, não o foi entre a autora e G… e só foi essa e não outra, a relação contratual que a autora invocou nestes autos.
De igual forma e em relação aos factos constantes dos artigos 4º, 5º da PI e 6º do articulado de resposta da autora, não se provou que a autora ou G… ou quem quer que fosse, tivessem tratado/contratado o transporte da mercadoria por via marítima.
As dúvidas quanto a essa matéria começaram a surgir com a inexistência de uma morada para descarga no Porto de Leixões e com a inexistência de um parque da AD… e continuaram com a ausência de relações comerciais, à data, entre a AD… e a W….
A testemunha G… no seu depoimento, mencionou que ela e o seu companheiro deixaram de ter interesse no negócio.
Foi muito relevante o depoimento do legal representante da U…, a testemunha AC…, ao referir que nunca teve qualquer conhecimento do transporte marítimo invocado pela autora. Em reforço da nossa convicção, consideramos ainda a informação de fls. 399 dos autos, da W1…, ao mencionar que não tem conhecimento de um transporte requerido pela autora.
Não há qualquer documento relativo a uma reserva de embarque. A testemunha, AB… que trabalhou para a W… até Maio de 2017, sendo responsável pelo sector da importação e exportação e que revelou conhecimento sobre esta matéria, tendo explicado como é que todo o processo de expedição se processava, nomeadamente a necessidade de ser efecutada uma reserva de contentor e do navio (depoimento que foi credível desde logo pela elevada quantidade de mercadoria que estava envolvida), afirmando de forma peremptória que, na data em causa, a W… não tinha qualquer relação com a AD… porque eram concorrentes, referindo ainda que não conhece qualquer parque da AD… no local, depoimento consistente com facto de a guia de transporte não mencionar qualquer morada. Mais referiu que os navios identificados no artigo 71º são da W….
Assim ficamos com a convicção, pelos meios de prova referidos, de que a apesar de a autora ter realizados actos relativos a uma eventual venda de mercadoria com destino a Cabo Verde, tendo celebrado um contrato de seguro com sobre essa mercadoria, essa venda não se realizou, não se concretizou, assim como não se concretizou qualquer contrato de transporte marítimo, pelo navio S… ou outro invocado pela autora nos artigos 4º e 5º da PI. Dar como provado que existiu um contrato de transporte marítimo seria contrário ao que resulta provado dos artigos 67º a 73º da fundamentação de facto.
Artigo 22º da Petição Inicial:
Artigo 23º da Petição Inicial:
Artigo 27º da Petição Inicial:
Em relação ao alegado pela autora no artigo 23º da PI, não foi produzida qualquer prova. As testemunhas não tinham conhecimentos directos sobre esses factos.
Em relação aos factos alegados no artigo 22º, consideramos como não provados igualmente por ausência de meios de prova.
As testemunhas inquiridas, assim como o legal representante da autora, desconheciam como é que o alegado furto ocorreu.
Salvo melhor entendimento, não se retira do facto de ter sido apresentada uma queixa crime, sendo esse o facto provado no artigo 33º, que o que é objecto da queixa tenha ocorrido, queixa crime que foi arquivada, conforme despacho de arquivamento constante de fls. 56, constando do referido despacho que: “Apesar das diligências efectuadas (…) não foi possível (…) identificar os agentes dos factos (…) Analisados os autos verifica-se que o representante da denunciante também não apresentou testemunhas dos factos ou outros elementos que pudessem contribuir para a descoberta dos factos denunciados.”
A ausência de prova testemunhal foi também o que ocorreu neste processo, sobre a forma como o alegado furto teria ocorrido, ausência de prova que nos levou a considerar como não provado o alegado pela autora no artigo 22º da Petição Inicial.
Afigura-se-nos que a ausência de prova do furto, facto que foi invocado no artigo 22º da PI, não está em contradição com o facto provado o artigo 34º, na medida em que nesse facto apurou-se apenas o que do mesmo consta, tendo sido isso o que as testemunhas presenciaram (depoimentos mencionados na motivação dos factos provados nos artigos 34º e 35º).
Sobre o alegado no artigo 27º da PI na parte em que afirma que ocorreu um furto, uma subtracção, nenhuma prova foi produzida, não sendo possível presumir esse alegado furto ou subtração (presunção judicial prevista pelo artigo 351º do C. Civil) de outros factos como os provados nos artigos 33º e 34.º”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise pela ré/impugnante, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida.
Insurge-se a Ré/Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida no que tange aos pontos mencionados.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise pela autora/impugnante, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida.
Insurge-se a Autora/Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida no que tange aos pontos atrás mencionados.
Após audição da prova, entendemos que a apreciação da Sr.ª Juiz a quo efectivada no contexto da imediação da prova, surge-nos como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando, por isso, a respectiva alteração.
Na realidade, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.
Isto porque salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Como é sabido, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão: com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e perceptibilidade.
A actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
No caso vertente, após audição da prova e análise crítica da prova documental e pericial, afigura-se-nos que a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente não merece provimento.
Considerou a Srª. Juiz a quo – e bem – que não resultou provada a celebração de qualquer contrato de compra e venda entre a Autora e a referida G….
A fazer fé na tese defendida pela Recorrente, estaríamos perante a venda de mercadorias acondicionadas em 25 paletes e 82 volumes, incluindo 100 banheiras, com o peso total de 15.358 kg e o valor de € 484.481,00 (cfr. nºs 22 e 23 dos factos provados e doc. de fls. 39 dos autos).
Diga-se, desde já, que foi apurado pelos Srs. peritos que uma parte das mercadorias indicadas na factura não constava sequer do inventário da empresa, nem foram apresentadas facturas de aquisição dos objectos em causa (cfr. nº 87 dos factos provados, relatório pericial de fls. 557 a 580 e esclarecimentos de fls. 593 a 594 e 628 e 629).
Foi também apurado pelos Srs. peritos que o volume total de vendas da Recorrente, tal como consta da contabilidade, foi de € 512.066,45 em 2013 e de € 547.991,15 em 2014 (nºs 83 e 84 dos factos provados).
Assim sendo, o valor da mercadoria alegadamente vendida à mencionada G… representaria cerca de 90% do volume total de vendas da Recorrente (cfr. nº 54 dos factos provados).
Por sua vez, resulta da factura comercial nº 365, emitida pela Recorrente no dia 07.05.2014 que a mercadoria era vendida em condições EXW (Ex-Works), que as condições de pagamento eram a 30 dias e que “Os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data deste documento …” (cfr. nº 19 dos factos provados e docs. de fls. 36 a 38 dos autos).
Não foi, todavia, apresentado qualquer contrato de compra e venda das mercadorias nem qualquer nota de encomenda, tendo a Recorrente se limitado a juntar aos autos cópia de um e-mail alegadamente enviado pela mencionada G… (cfr. nº 3 dos factos provados e doc. de fls. 25 dos autos).
Também não foi emitida qualquer carta de crédito, nem foram apresentadas quaisquer garantias de pagamento por parte da alegada compradora.
De resto, a conclusão de que não foi celebrado qualquer contrato de compra e venda entre a Autora, aqui recorrente e a referida G… afigura-se-nos em sintonia com as qualificações desta última.
Com efeito, foi apurado que a referida G…:
- não possuía qualquer tipo de obra de construção civil ou negócio / actividade que justificasse a aquisição / importação do tipo, volume e valor da mercadoria em causa (cfr. nº 55 dos factos provados);
- não exercia quaisquer actividades comerciais ou industriais, nem possuía rendimentos prediais, o que foi atestado pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, conforme certidão anexa ao aditamento ao relatório de fls. 139 e 140 (cfr. nº 56 dos factos provados);
- é uma cidadã cabo-verdiana com 33 anos de idade que não tem estabelecimento conhecido, não tem emprego e tem uma licenciatura em serviço social (cfr. nº 57 dos factos provados e docs. de fls. 145 a 147);
- já fez um estágio nas prisões e tem concorrido a vários empregos no Estado mas sem sucesso, uma vez que, para uns não tem habilitações adequadas e para outros tem habilitações a mais (cfr. nº 58 dos factos provados e docs. de fls. 145 a 147).
De resto, da leitura atenta e integral do depoimento prestado pela testemunha G… resulta um desconhecimento quase total do modo como se processa a operação de importação, porquanto não sabia o nome do navio onde a mercadoria de valor superior a 484 mil euros iria ser transportada, não se lembrava do nome do transitário que tinha sido contratado para o efeito e não sabia de que porto a mercadoria iria sair.
Ademais, não merece credibilidade a alegação de que interveio como agente comercial e de que “(…) procedia ao pagamento do material enviado, em prestações, sendo a primeira quando entregassem a mercadoria (…)”, narrativa esta que não está minimamente de acordo com o alegado pela Recorrente na petição inicial e com o que resulta da factura pró-forma junta aos autos.
Assim, as inúmeras incongruências e lacunas enunciadas conduzem necessáriamente à conclusão de que não resultou provada a celebração de qualquer contrato de compra e venda entre a Autora, aqui recorrente e a referida G….
Por sua vez, conforme foi referido, resulta da factura comercial nº 365, emitida pela Recorrente no dia 07.05.2014 que a mercadoria seria vendida em condições EXW (Ex-Works), que as condições de pagamento eram a 30 dias e que “Os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data deste documento …” (cfr. nº 19 dos factos provados e docs. de fls. 36 a 38 dos autos).
Ademais, não foi emitida qualquer carta de crédito, nem foram apresentadas quaisquer garantias de pagamento por parte da alegada compradora.
Afigura-se-nos, assim, à luz das regras da lógica e da experiência comum, não merecer credibilidade a narrativa da Recorrente porquanto não é minimamente aceitável que uma empresa proceda à venda, com condições de pagamento a 30 dias, a uma cidadã cabo-verdiana que não era cliente da Recorrente de mercadorias que representavam mais de 90% das suas vendas anuais.
Acresce ter ficado, ainda, provado que a referida G… não tinha qualquer tipo de estabelecimento, actividade comercial ou industrial ou conhecimentos e experiência que lhe permitissem fazer uma importação de mercadorias de valor superior a 484 mil euros.
Assim sendo, é forçoso concluir que a “narrativa” da Recorrente não logra a merecida credibilidade.
Considerou, ainda e bem, a Srª. Juiz a quo que a Recorrente não provou a existência de um contrato de compra e venda com destino a Cabo Verde, nem a existência de um contrato de transporte.
Na verdade, como bem salienta a recorrida, são muitas e variadas as incongruências nesta alegada operação de exportação de mercadorias para Cabo Verde e, em especial, no que diz respeito à contratação do transporte.
Assim, a Recorrente começou por alegar, na petição inicial, que a mercadoria foi carregada num contentor e que contratou o serviço de transporte, por via terrestre, desse contentor até ao porto de Leixões (cfr. arts. 5º, 13º e 15º da p.i.).
Mais alegou que desconhecidos introduziram-se no parque de viaturas da 2ª Ré, “(…) tendo cortado a lona do reboque, abrindo um grande buraco e furtado diverso material” (cfr. art. 22º da p.i.).
Ora, dado que os contentores não têm lona, a Recorrida chamou a atenção para a incongruência constante da petição inicial, o que levou a Recorrente a alegar, para o efeito, que tinha havido um lapso tendo acabado por substituir a palavra “contentor” por “galera”.
Sucede, todavia, que esta não foi a única incongruência da “narrativa” da Recorrente.
Com efeito, a Apelante alegou na petição inicial que:
a) a mercadoria seria enviada por contentor que seria transportado no navio S…, que sairia do Porto de Leixões;
b) o serviço de transporte do contentor/galera até ao Porto de Leixões tinha sido contratado à 2ª Ré;
c) o camião foi carregado no dia 09.05.2014 (6ª feira) para ser entregue à primeira hora de 2ª feira no local de descarga no Porto de Leixões;
d) o camião, depois de carregado, dirigiu-se ao parque de estacionamento da 2ª Ré situado na Rua … (… - Mealhada).
Juntou, para o efeito, uma informação da I… com as datas previstas para a saída do porto de Leixões do navio J… (16 de Maio), com último dia de recepção em doca em 14 de Maio, e do navio K… (30 de Maio), com último dia de recepção em doca em 27 de Maio, e a guia de transporte nº ….. emitida pela 2ª Ré na qual consta na parte referente ao local de descarga: Parque da AD… – Transitário U… (cfr. nºs 17 e 23º dos factos provados e docs. de fls. 35 e 46 dos autos).
Sucede, porém, que não estava prevista qualquer saída do Porto de Leixões do navio S….
Como é sabido, em conformidade com as regras da experiência comum, com excepção dos graneis sólidos e líquidos, que são transportados em navios tanque, e dos automóveis, que são transportados em navios Ro-Ro, a generalidade das mercadorias é transportada em contentores por navios porta contentores.
Ora, os navios J… e K… que faziam o transporte entre Portugal e Cabo Verde são navios porta contentores que pertencem à companhia de navegação W…, tal como foi confirmado pela testemunha AB…, que era, na altura dos factos, responsável pelo sector da importação e da exportação da “W…” (cfr. nº 59 dos factos provados).
No caso vertente, estão em causa mercadorias acondicionadas em 25 paletes e 82 volumes, incluindo 100 banheiras, com o peso total de 15.358 kg (cfr. nºs 22 e 23 dos factos provados e docs. de fls. 39 dos autos).
Assim, tendo em consideração o volume e o peso e o facto de irem ser transportadas por via marítima, tais mercadorias deveriam ter sido carregadas num contentor na fábrica da Recorrente.
Com efeito, em conformidade com os usos correntes, as mercadorias são carregadas em contentores nas instalações dos expedidores e, depois de fechados e selados, são os mesmos transportados directamente para o cais de embarque com vista a serem embarcados no navio que os transportarão até ao porto de desembarque no país de destino.
Ora, o carregamento da mercadoria num contentor no armazém do expedidor tem como objectivo principal eliminar os riscos decorrentes do manuseamento da carga e do controle e conferência da mesma antes do embarque no navio no porto de saída.
Por sua vez, a colocação da mercadoria dentro do contentor nas instalações do expedidor não acontece quando o volume da carga não é suficiente para encher um contentor, sendo necessário que o transporte dessa mesma mercadoria seja efectuado num contentor de grupagem onde vão acondicionadas mercadorias de outros expedidores.
Assim sendo, verifica-se não ter lógica, nem justificação que as mercadorias alegadamente vendidas à referida G… tenham sido carregadas numa galera uma vez que, a ser verdade que iriam, de facto, ser enviadas para Cabo Verde, teriam de ser descarregadas do camião de forma a serem posteriormente carregadas num contentor com destino a esse país.
Ademais, a falta de lógica e de sintonia com as regras da experiência comum é tanto mais evidente tendo em consideração o facto de estarmos a falar de mercadorias acondicionadas em 25 paletes e 82 volumes, incluindo 100 banheiras, com o peso total de 15.358 kg.
Assim, para além dos riscos decorrentes do manuseamento da carga na execução dessas operações de carga e descarga, colocar-se-ia a questão da conferência das mercadorias e do controle do estado em que as mesmas se encontrariam aquando da entrada no contentor e das quantidades efectivamente carregadas.
Alega a Recorrente que o camião foi carregado no dia 09.05.2014 (6ª feira) para ser entregue à primeira hora de 2ª feira (12 de Maio) no local de descarga no Porto de Leixões.
Ficou provado que o parque da 2ª Ré fica a poucos quilómetros de distância da fábrica da Recorrente, que da Mealhada até ao porto de Leixões são cerca de 100 quilómetros e que, sendo a maior parta dessa distância feita por auto-estrada, seria necessário pouco mais de uma hora para fazer esse transporte (cfr. nºs 60 a 62 dos factos provados).
Também foi alegado pela Recorrente que a data prevista para a saída do porto de Leixões do navio J… (16 de Maio), com último dia de recepção em doca em 14 de Maio (cfr. nº 17 dos factos provados e doc. de fls. 35 dos autos).
Assim, a ser verdade o alegado pela Recorrente, e conforme de forma arguta refere a recorrida, é caso para questionar a razão pela qual a mercadoria tinha de ser entregue à primeira hora de 2ª feira (12 de Maio) no local de descarga no Porto de Leixões quando não estava prevista a saída do navio K… e o último dia de recepção em doca para ser embarcada no navio J… era o dia 14 de Maio.
De resto, mais estranho do que isso é o que consta na guia de transporte como sendo o local de descarga das mercadorias: Parque da AD… - Transitário U… (cfr. nº 23º dos factos provados e fls. 46 dos autos).
Com efeito, em primeiro lugar, importa realçar que não consta da guia de transporte a indicação da morada do parque da AD… (nº 23º e 70º dos factos provados e fls. 46 dos autos).
Por outro lado, ficou provado que a AD… é um armador, tal como a W…, e não tem qualquer parque no porto de Leixões (nº 69º e 72º dos factos).
Ademais, também não foi junto aos autos qualquer aviso ou informação à AD… da chegada ao alegado parque do camião da 2ª Ré com as mercadorias destinadas a Cabo Verde.
Também ficou provado que os navios J… e S… são navios da W…, armador representado no porto de Leixões pela W…, que não são operados pela AD… (nº 59º, 71º a 72º dos factos provados).
De resto, a testemunha AB…, que era, na altura dos factos, responsável pelo sector da importação e da exportação da “W…”, explicou, de forma precisa e detalhada como se processa o processo de contratação de um transporte marítimo de mercadorias.
Acresce que não foi junto aos autos pela Recorrente qualquer documento/pedido de entrega de um contentor, nem de reserva de espaço nos navios S… ou J…, este último com saída do porto de Leixões para Cabo Verde prevista para o dia 16.05.2014.
De resto, a resposta da W… está em sintonia com o depoimento da referida G… que declarou não saber o nome do navio onde a mercadoria, de valor superior a 484 mil euros, iria ser transportada, não se lembrar do nome do transitário que teria sido contratado para o efeito e não saber sequer de que porto a mercadoria iria sair.
Ademais, não foi junto ao processo qualquer documento referente à intervenção ou à prestação de serviços por parte do transitário U…, cujo nome aparecia na guia de transporte n.º ….. emitida pela 2ª Ré na parte referente ao local de descarga e, muito menos, qualquer comunicação escrita trocada entre esta empresa transitária e a Recorrente ou a referida G….
Também não foi junto aos autos qualquer pedido ou documento relativo ao despacho aduaneiro uma vez que as mercadorias iriam, de acordo com a tese da Recorrente, ser exportadas para Cabo Verde.
Ademais, a resposta escrita da U… foi absolutamente clara e inequívoca e, se dúvidas ainda subsistissem, elas foram totalmente dissipadas pelo depoimento que, em audiência final, foi prestado pela testemunha AC…, gerente da U…, que afirmou, de forma peremptória, que até Outubro 2014 desconhecia os nomes da Recorrente e da referida G….
Assim sendo, é forçoso concluir não ter ficado provada não só a existência de um contrato de compra e venda com destino a Cabo Verde, mas também a existência de um contrato de transporte da mercadoria para aquele país.
Ademais, é totalmente injustificado, à luz das regras da lógica e da experiência comum, deixar um camião, carregado com mercadorias de valor superior a 484 mil euros, num parque não vigiado durante um fim de semana, situado a cerca de 10 km das instalações da Recorrente, quando estaria prevista a realização na 2ª feira seguinte de uma viagem de cerca de 100 km que demoraria cerca de 2 horas, pelo que as alterações pretendidas pela recorrente quanto ao alegado furto não merecem acolhimento.
Como é sabido, a prova deverá ser vista como um todo e não pode ser analisada de uma forma sectária ou parcial, devendo a decisão quanto à matéria de facto ser tomada de forma coerente e concertada.
Ora, uma exportação de mercadoria para fora da União Europeia pressupõe a intervenção de diversos profissionais (transitários, agentes de navegação, companhias de navegação, despachantes oficiais, operadores portuários, seguradoras, etc.) e implica o desenvolvimento de diversos trâmites e formalidades incluindo a emissão de diversos documentos.
No caso em apreço, verifica-se a inexistência de comunicações por parte da Recorrente, bem como a ausência de documentação relevante que teria necessariamente de existir e, como tal, de ser de junta aos autos.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem razões para alteração da matéria de facto dada como provada e não provada.
Improcede, por isso, a impugnação à matéria de facto.
*
A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim a atrás mencionada.
*
4.2. Do mérito do decidido
A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
Sustenta, desde logo, tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo pelas razões referidas pelo Tribunal a quo e pelas a seguir enunciadas.
Como é sabido, numa operação de comércio internacional, existem quatro realidades jurídicas que devem “funcionar” de forma articulada, a saber:
a) o contrato de compra e venda internacional;
b) as condições de pagamento do valor da mercadoria;
c) o contrato de transporte;
d) e o seguro da mercadoria.
Conquanto na presente demanda a Recorrente/Autora alegue um contrato de seguro de carga de navio, cuja cobertura respeita ao risco de perda e danos que pudessem ocorrer durante o transporte marítimo das articuladas mercadorias de Portugal para Cabo Verde, certo é que a indemnização impetrada nos autos tem, alegadamente, como causa, o furto da mercadoria, ocorrido durante a execução do contrato de transporte terrestre, com carga nas instalações da Recorrente com destino ao Porto de Leixões.
Donde, está em causa, em razão do alegado incumprimento do contrato de transporte, a reclamada responsabilidade da Ré/C…, S.A., em virtude da cobertura, acessoriamente, assumida, quanto ao transporte terrestre das mercadorias a exportar pela Apelante para Cabo Verde, decorrente do seguro de carga de navio, cuja cobertura respeita ao risco de perda e danos que pudessem ocorrer durante o transporte marítimo das mercadorias de Portugal para Cabo Verde.
Todavia, à luz da factualidade provada constata-se não se ter logrado provar a outorga de um contrato de compra e venda com destino a Cabo Verde, bem como a outorga de um contrato de transporte marítimo.
Como bem refere o Tribunal a quo:
“Efectuadas estas considerações relativamente ao contrato de transporte e ao contrato de transporte marítimo, sendo que o objecto do contrato de seguro celebrado entre a autora e a primeira ré, foi um contrato de seguro de mercadorias por via marítima, vejamos se existem factos que nos permitem concluir que foi celebrado pela autora ou por outra pessoa, nomeadamente a pessoa identificada como compradora na factura n.º 356, um contrato de transporte por via marítima.
Ora, tendo em consideração os factos provados e não provados, assim como os não alegados, a resposta é negativa.
Se, de facto, o contrato de transporte de mercadorias é um contrato de natureza comercial (em que entidades envolvidas têm igual natureza), que se pode definir como a convenção pela qual uma das partes (o carregador) encarrega outra (o transportador), que a tal se obriga, de deslocar determinados bens de um local para outro e de os entregar pontualmente ao destinatário, mediante retribuição, no caso em apreço, tendo sido alegado que o destinatário se situava em Cabo Verde, teríamos de ter um contrato de transporte de mercadorias internacional, via marítima e não temos, da mesma forma que não temos provado um contrato de compra e venda entre a autora e G….
Já o referimos, o contrato de transporte tem uma característica peculiar que se concretiza na sua estrutura triangular uma vez que no seu percurso constitutivo contamos com a intervenção do carregador, do transportador e do destinatário. O destinatário é uma figura essencial ao equilíbrio global do instituto o que leva a que todos o reconheçam como uma figura próxima dos outros intervenientes e particularmente interessado no resultado do negócio que só se concretiza com a entrega da mercadoria.
Esta natureza triangular tem repercussões nas obrigações e responsabilidades que recaem sobre cada uma das partes. A obrigação de realizar materialmente o transporte, isto é, a obrigação de deslocar a mercadoria e a obrigação do pagamento do preço do transporte são as duas principais obrigações do contrato, obrigações unidas por um nexo sinalagmático e que só se vence com o cumprimento em simultâneo, ou seja, com a entrega da mercadoria ao destinatário. Trata-se, pois, de um contrato de resultado. Daí que, muitas vezes se discuta a quem compete esse pagamento, nomeadamente se o destinatário pode ser responsabilizado pelo pagamento do preço, no caso de este não ser efectuado pelo carregador. É uma questão que não é resolvida nem pelas disposições do código comercial, nem pelas disposições do código civil (prestação de serviços) nem pelas convenções internacionais eventualmente aplicáveis.
A autora alegou e não provou que existisse um local para a descarga da mercadoria no Porto de Leixões. Alegou a existência de um contrato com uma empresa transitária – a U… – que teria como responsabilidade a descarga do material do porto e todos os demais assuntos relacionados com a reserva do navio e do contentor. Nada se provou.
A autora não provou o contrato subjacente ao contrato de transporte, que era o contrato de compra e venda de material da sua produção para Cabo Verde.
Ou seja, a autora não provou a existência de um contrato de transporte marítimo, nem a existência de um contrato de compra e venda com destino a Cabo Verde.
O contrato de seguro celebrado com a primeira Ré foi de um seguro de mercadorias via marítima, um contrato de transporte internacional que, afinal, não se provou. A inexistência de qualquer contrato internacional, via marítima celebrado, quer com a autora, quer com o destinatário, assim como a inexistência de um contrato de compra e venda que estava subjacente ao contrato de seguro de transporte de mercadorias coloca em causa todo o contrato de transporte alegado pela autora.
Se o contrato de compra e venda era internacional e tinha como destino Cabo Verde era pressuposto que a autora tivesse alegado e provado o contrato de transporte internacional, porque foi esse o contrato invocado e não um contrato de transporte terrestre nacional entre a sua sede e o Porto de Leixões.
Ora, nos termos previstos pelo artigo 43.º do RJCS
1 - O segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
2 - No seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade da coisa, direito ou património seguros(…)
A autora não é titular de um interesse digno de protecção legal, na medida em que não provou a celebração de um contrato de transporte marítimo, do qual o transporte por via terrestre era uma obrigação acessória, mas incluída do contrato principal e dela não separável.
Consideramos, por isso, que não está a primeira ré, Companhia de Seguros C…, sujeita à obrigação de indemnização peticionada pela autora”.
Afigura-se-nos a referida argumentação como judiciosa e válida e em sintonia com a factualidade provada, sendo certo que não resultou sequer provado nos autos que tivesse ocorrido o furto da mercadoria.
Ademais, resulta da factura comercial junta aos autos que as condições de venda da mercadoria eram Ex-Works, que as condições de pagamento eram a 30 dias e que “os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data deste documento (…)” (nº 19 dos factos provados e doc. de fls. 36 a 38 dos autos).
Por sua vez, o seguro em causa foi celebrado com a Recorrida tendo sido emitido o certificado de seguro com o nº …….., tendo por objecto a mercadoria referida na factura pró-forma nº 14 com o valor de € 484.481,00 (nº 4 a 7 dos factos provados e docs. de fls. 26 e 27).
Ademais, a Cláusula A, também conhecida por “All Risks”, é uma cláusula muito antiga que é utilizada a nível mundial nos seguros marítimos, cobrindo os riscos de perdas e danos desde o armazém do exportador até ao armazém do importador.
Estamos, assim, perante um seguro que foi celebrado a pedido da alegada compradora das mercadorias tendo a Recorrente incluido no preço de venda o valor correspondente ao prémio do seguro (nº 3 a 13º dos factos provados e doc. de fls. 21 a 24).
A este tipo de seguro aplicam-se as disposições constantes dos artigos 155º, 156º e 48º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
No caso vertente, a Recorrente, enquanto tomadora do seguro, actuou por conta e no interesse do segurado, ou seja da alegada compradora das mercadorias, tendo feito repercutir no preço facturado ao comprador o custo do seguro celebrado com a Recorrida (nº 80 dos factos provados e doc. de fls. 38 dos autos).
Resulta do nº 3 do artigo 48º que, neste tipo de seguros, o segurado é o titular dos direitos emergentes do contrato.
A referida conclusão resulta, também, do facto de as condições de venda da mercadoria serem Ex-Works, sendo de conta da alegada compradora da mercadoria os riscos inerentes ao transporte da mesma desde o momento em que a mercadoria foi à sua colocada na fábrica da Recorrente até ao destino final (nº 19 dos factos provados e docs. de fls. 36 a 38 dos autos).
Advém, ainda, do facto de os artigos em causa terem sido colocados à disposição do adquirente (a referida G…) na data da emissão da factura comercial nº 365 (nº 19 dos factos provados e docs. de fls. 36 a 38 dos autos).
Por fim, importa fazer uma referência ao disposto no nº 11.11.1 da Cláusula A que estabelece o seguinte:
Interesse segurável
11.11.1 Para que o segurado possa receber qualquer indemnização ao abrigo deste seguro, deve ter um interesse segurável sobre o objecto seguro no momento da perda (nº 9 dos factos provados e docs. de fls. 30 a 32 dos autos).
Assim, tendo em consideração, por um lado, a natureza do seguro e as condições em que o mesmo foi celebrado e, por outro lado, as normas jurídicas aplicáveis, impõe-se concluir que a Recorrente não é titular de qualquer direito emergente do contrato de seguro pelo que o pedido deduzido contra a ora Recorrida teria que improceder.
Ademais, considerou a Srª. Juiz a quo – e bem – que improcedendo o pedido da Recorrente, não iria conhecer, por inutilidade, as outras excepções que haviam sido invocadas pela Recorrida na contestação e que tinham como objectivo a improcedência do pedido.
Na verdade, a acção foi julgada totalmente improcedente relativamente à aqui Recorrida com fundamento na falta de interesse substantivo da Recorrente no contrato de seguro, sendo certo que, se assim não fosse, estaríamos perante um seguro nulo com todas as consequências legais daí decorrentes.
Com efeito, resulta do nº 1 do artigo 43º do mencionado Regime Jurídico do Contrato de Seguro que o segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
No caso em apreço, verifica-se que a factura comercial junta aos autos previa que as mercadorias eram vendidas em condições Ex-Works e que “Os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data deste documento …” (nº 19 dos factos provados e docs. de fls. 36 a 38 dos autos).
Ora, o termo Ex-Works representa o mínimo de obrigações para o vendedor sendo que, nestas condições, o vendedor está apenas obrigado a colocar a mercadoria à disposição do comprador “à porta da fábrica” e que o comprador assume os riscos inerentes ao transporte da mercadoria até ao destino final.
Como é sabido, o contrato de seguro é um contrato de natureza formal, titulado por um instrumento escrito denominado apólice de seguro, através do qual o segurado transfere para a seguradora um determinado risco, contra o pagamento de um determinado preço (prémio do seguro).
Ora, um dos elementos essenciais do contrato de seguro é, por conseguinte, a transferência de um certo e determinado risco, ou seja de um facto futuro e incerto do qual pode resultar algum dano.
No caso em apreço, estamos um seguro marítimo “All risks” que cobria os riscos inerentes ao transporte desde o armazém do exportador (Recorrente) até ao armazém do importador (G…).
Assim sendo, se se puser em causa que o seguro foi efectuado por conta e no interesse da alegada compradora (G…) e que só esta, por essa razão e porque estamos perante uma venda Ex-Works, teria legitimidade substantiva para accionar a Recorrida, então teríamos de concluir que se trata de um seguro nulo por falta de objecto, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Conforme foi referido, resulta do n.º 1 do artigo 43º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro que o segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
O n.º 11.11.1 da Cláusula A aponta no mesmo sentido ao estabelecer que, para que o segurado possa receber qualquer indemnização ao abrigo deste seguro, deve ter um interesse segurável sobre o objecto seguro no momento da perda (n.º 9 dos factos provados e docs. de fls. 30 a 32 dos autos).
Ora, de acordo com as condições Ex-Works o interesse, no que diz respeito à conservação e ou à integridade das mercadorias, passou da Recorrente para a alegada compradora (G…) quando as mercadorias saíram do armazém daquela.
Assim, não existindo, da parte da Recorrente, um interesse digno de protecção legal, uma vez que os riscos inerentes ao transporte eram de conta da compradora das mercadorias, é forçoso concluir, conforme já mencionámos, no sentido da nulidade do seguro por falta de objecto.
Conforme foi já exposto, considerou a Srª Juiz a quo que a Recorrente não provou a existência de um contrato de transporte marítimo da mercadoria, nem a existência de um contrato de compra e venda com destino a Cabo Verde.
Mas, mesmo que assim não fosse, o sinistro que está em discussão nos presentes autos estaria sempre excluído do âmbito de cobertura da Apólice de seguro que foi contratada entre a Recorrente e a Recorrida.
Como é sabido o contrato de seguro é um contrato de natureza formal titulado por um instrumento escrito denominado Apólice de seguro que inclui as Condições Particulares e as Condições Gerais aplicáveis.
No caso em apreço, está em causa um seguro de transporte (mercadorias) em que os riscos cobertos estão previstos no certificado do seguro e nas cláusulas de seguro de carga (A) – nº 7º, 9º e 10º dos factos provados e docs. de fls. 27 e 30 a 32 dos autos.
De acordo com o nº 1 da cláusula 8ª o seguro vigora durante o percurso normal da viagem (nº 9º e 10º dos factos provados e docs. de fls. 27 e 30 a 32 dos autos).
Ora, o alegado furto não ocorreu durante o percurso normal da viagem, sendo certo que não havia justificação nem necessidade de parquear o camião carregado durante o fim de semana num parque não vigiado, situado a poucos quilómetros da sede da Recorrente, quando estava em causa a realização na 2ª feira seguinte de uma viagem de cerca de 100 km que demoraria menos de 2 horas a concluir (nº 60º e 61º dos factos provados).
Assim sendo, parece-nos ser de concluir que o sinistro estaria sempre excluído do âmbito de cobertura da Apólice de seguro uma vez que a estadia do camião no parque da 2ª Ré durante o fim de semana não é, nem pode ser considerada como fazendo parte do percurso normal da viagem.
Ademais, também estaria excluído tendo em consideração o disposto no nº 1.2 da cláusula 5ª uma vez que não se verificavam as necessárias condições de segurança (docs. de fls. 27 e 30 a 32 dos autos).
Na verdade, tratando-se de mercadorias que iriam ser transportadas por via marítima, estamos perante uma situação de inadequação do meio de transporte para o transporte em segurança do objecto seguro.
Alega a Recorrente que desconhecidos introduziram-se no parque de viaturas da 2ª Ré, “… tendo cortado a lona do reboque, abrindo um grande buraco e furtado diverso material” (cfr. art. 22º da p.i.).
Ora, dado que as mercadorias em causa tinham como destino Cabo Verde, teriam de ser carregadas dentro de um contentor e, a ter sido assim, não poderiam os alegados “desconhecidos” ter tido acesso a tais mercadorias através do corte da lona do reboque.
Ou seja, a inadequação do meio de transporte para o transporte em segurança do objecto seguro, através da utilização de uma galera em detrimento de um contentor, também constitui uma situação de exclusão do sinistro do âmbito de cobertura da Apólice de seguro que foi contratada entre a Recorrente e a Recorrida C…, S.A..
Ademais, atendendo aos factos provados, à circunstância de não se ter logrado provar o furto e atentas as cláusulas de exclusão constatantes do contrato de seguro outorgado entre a Ré D…, Ldª e a Ré E… – Companhia de Seguros, S.A., é óbvio não estar, igualmente, a 3ª Ré E… sujeita à obrigação do pagamento de qualquer indemnização.
Cremos, pois, que por tais motivos ser de manter a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
*
4.3 Da litigância de má-fé
A recorrida pretende a condenação como litigante de má-fé da recorrente.
Vejamos, então.
O artigo 8.º do Código de Processo Civil consagra o chamado “dever de boa-fé ou de probidade processual”.
Ora, a mais grave violação desses deveres constitui justamente a litigância de má-fé, cujos contornos se acham definidos no artigo 542.º daquela lei adjectiva civil.
Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 542.º, do Código de Processo Civil, diz-se “litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
O dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artigos 7º e 8º do Código de Processo Civil, para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.
Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé.
Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.
E esta actuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência (cf. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, in Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Acórdão da Relação de Lisboa de 09.01.97, in Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88), exige que haja dolo ou negligência grave do actuante.
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 4ª edição, pág. 48).
Na redacção dada ao artigo 456º do Código de Processo Civil, antes da revisão operada pelo Decreto-Lei nºs. 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/09, exigia-se uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético).
Não bastava a imprudência, o erro, a falta de justa causa. Era necessário o querer e o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável - cf. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, I, Almedina, 1984, pág. 380.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/04/1991, in A.J., 18º/28, afirma-se: “Os factos a que se refere o art.º. 456º, nº 2, do Código de Processo Civil, e cuja alteração consciente constitui litigância de má fé, são os factos que as partes alegam nos articulados para fundamentar o pedido e a oposição (...)”.
O actual regime traduz uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva. A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, além de numa situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave.
No entanto, esta concepção explícita agora de litigância de má-fé não se pode confundir com erro grosseiro, com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer.
Mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos para se concluir pela existência de dolo, a condenação como litigante de má fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador e para existir condenação como litigante de má fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (cfr. Acórdão do STJ de 20.06.90, citado por Abílio Neto, anotações ao então artigo 456º).
Note-se que para que o tribunal possa fundamentar validamente uma condenação como litigante de má-fé, pode e deve não só ater-se aos factos alegados e não provados, como também àqueles documentos não impugnados e que denunciam estar-se perante um facto ou uma situação completa e totalmente contrária ao constante do articulado do litigante em causa, devendo tomar em consideração, quer os factos admitidos por acordo, quer os documentos - artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil.
No caso vertente, atento o exposto afigura-se-nos que não se justifica a condenação da recorrente como litigante de má-fé apesar dos contornos pouco habituais do caso em apreço.
Conforme bem refere o Tribunal recorrido “(…) apesar das dúvidas que ao longo dos autos foram surgindo sobre a causa de pedir alegada pela autora, no que concerne à celebração de um contrato de compra e venda para exportação, contrato que não se provou, não dispomos de elementos factuais bastantes para concluir que tenha ocorrido uma intenção dolosa ou temerária. Nessa medida, concluímos pela insuficiência de elementos para enquadrar a conduta da autora como de litigância de má-fé.”.
Entendemos, assim, não haver motivos que justifiquem a condenação da recorrente como litigante de má-fé.
*
Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
………………………………
………………………………
………………………………

V) No caso vertente, a Apelante não é titular de um interesse digno de protecção legal, na medida em que não provou a celebração de um contrato de transporte marítimo, do qual o transporte por via terrestre era uma obrigação acessória, mas incluída no contrato principal e dela não separável.”.
*
5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da apelante.
*
Notifique.

Porto, 07 de Outubro de 2021
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)