Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
610/12.3TBOAZ-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: INSOLVÊNCIA
MAIS VALIA
VENDA DE IMÓVEL
RESPONSABILIDADE
MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20170530610/12.3TBOAZ-E.P1
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 770, FLS.99-101)
Área Temática: .
Sumário: É a massa insolvente, não o insolvente, que responde pelas eventuais mais-valias decorrentes da venda de imóveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n. 610/12.3TBOAZ-E - Apelação
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
No âmbito do processo 610/12.3TBOAZ, que corre termos na Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis, Instância Central, 2.ª Secção de Comércio – J1, foi em 13/03/2012 declarado insolvente B…, com os sinais dos autos.
Foram apreendidos para a massa insolvente os bens dos quais o insolvente era proprietário àquela data, passando a integrar o respectivo activo, entre os quais um prédio urbano destinado a habitação sito na Rua …, n.º …, correspondente à moradia unifamiliar de rés-do-chão, andar, garagem e logradouro descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o número 4458, e inscrito na matriz sobre número 6680, e uma fracção autónoma destinada à habitação, designada pelas letras AU, com entrada pela Rua …, n.º …, com lugar de garagem e arrumos de cave, pertencente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o número 2802 (freguesia de …) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5.609, e vendido pelo administrador da massa insolvente (AI), que notificou o Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis para informar do procedimento a adoptar por forma a regularizar o eventual pagamento do imposto gerado pela mais-valia apurada. O referido Serviço de Finanças informou que as mais-valias da alienação dos referenciados imóveis está sujeita a a IRS -categoria G, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 10. ° do Código do IRS.
Tendo administrador vindo aos autos expor que, tratando-se de acto praticado pelo AI no decurso da sua administração, no âmbito da liquidação de bens que compõem o acervo da patrimonial da massa insolvente, o imposto a que a mais-valia dará lugar deverá ser pago pela massa insolvente, veio o Ministério Público pronunciar-se, pelo não pago de qualquer imposto por mais valias alegadamente devidas pelo insolvente e promovo se declare finda a liquidação e que o A.l. diligencie pela prestação das contas da administração da massa insolvente, após o que, em 16-09-2016, o Mmo. Juiz proferiu despacho nos seguintes termos:
“Para o que aqui nos interessa, temos como certo que a Ml não tem que pagar qualquer quantia a título de mais-valias uma vez que, não tendo comprado o imóvel que vendeu e sendo a insolvência uma execução universal nem sequer se pode falar em mais-valias. Assim, tal como defende a Exma. Procuradora na promoção que antecede, todo o montante obtido com a venda é produto da Ml e nada tem de ser pago.
Assim, declarando encerrada a liquidação, deve o Exmo. Al, sem mais, prestar as suas contas.
Notifique.”
Deste vem o insolvente interpor recurso, terminando pelas seguintes conclusões:
1. Os bens dos quais o insolvente era proprietário foram apreendidos e passaram a integrar o activo da massa insolvente (art. 149º CIRE);
2. O insolvente foi, portanto, privado dos poderes de administração, gestão e de disposição dos seus bens (art. 81º CIRE);
3. Como tal, a alienação do imóvel apreendido foi feita pelo Administrador na medida em que consiste num acto de administração da massa insolvente;
4. Mesmo assim, a alienação está sujeita a IRS -categoria G, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 10. ° do Código do IRS;
5. Sendo que o sujeito passivo do imposto é o aqui recorrente;
6. Mas o imposto a que a mais-valia dará lugar deverá ser pago pela massa insolvente, como decorre do art. 51º, nº 1 c) do CIRE.
7. Ora, temos que a venda do prédio dá origem a mais-valias por se tratar de facto tributário a que nenhuma norma do CIRE ou de outro diploma legal isenta de tributação (vide Informação Vinculativa relativa ao Processo 5957/2010);
8. Mas isso não implica que deva o insolvente ser penalizado no seu IRS;
9. Pelo contrário, deve ser a massa insolvente a responder por eventuais mais-valias;
10. Desde logo, porque o insolvente não teve, efectiva e directamente, quaisquer ganhos;
11. E a venda ocorreu sem qualquer participação do insolvente;
12. O despacho em crise abre a porta ao entendimento de que é o insolvente que tem de suportar a dívida da mais-valia - o que é inconstitucional - artigo 103º e 104º da CRP;
13. Ainda, como paradoxo, temos um ordenamento jurídico que, com uma mão oferece uma segunda oportunidade, mas que, com a outra, persegue o insolvente ad eternum;
14. Uma situação em tudo igual à dos presentes autos foi apreciada pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 02/07/2015, no âmbito do processo 8729/12.4TBVNG-G.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/.
15. Desse acórdão resultou, e cita-se, que "uma dívida gerada pela tributação de uma mais-valia que nasce na esfera da insolvente, mas que deve ser qualificada como uma dívida da massa insolvente, por ter sido originada por um ato de liquidação de bens da massa insolvente, nos termos do artigo 51º, n.º 1, c) do CIRE" (negrito nosso);
16. Assim, deve o despacho recorrido, que declara encerrada a liquidação, ser substituído por outro que permita ao Administrador de Insolvência aguardar pela liquidação do imposto de mais-valias que vier a ser apurado, devendo tal imposto ser pago pela massa insolvente, nos termos do art. 51/1 c) do CIRE.
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Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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A questão a decidir é a de saber se o IRS devido pelas mais-valias resultantes da venda, pelo AI, de imóveis integrados na massa insolvente por força da declaração de insolvência, deve ser considerado dívida da massa, e não do insolvente.
Os factos a considerar são os constantes do relatório supra, para que ora se remete.
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A questão em apreço foi já resolvida, em termos que aqui se subscrevem, pelo acórdão desta Relação do Porto de 02-07-2015, Processo 8729/12.4TBVNG-G.P1, in www,dgsi.pt, no sentido de que o imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação (art. 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) é uma dívida da massa insolvente, nos termos do art. 51.º, n.º 1, al. c) do CIRE. Como aí se entendeu, existe uma autonomia patrimonial quando se está perante uma “certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas.” (Antunes Varela, em anotação ao art. 601 do Código Civil, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 586 – também Oliveira Ascenção, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, ROA Dez1995, págs. 652/653, citado pela insolvente no requerimento inicial desta questão, fala de património autónomo, tal como Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; e Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA 2005, vol. III, págs. 717 a 719, aí citados), mas essa separação patrimonial não torna a massa autónoma um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer. As massas insolventes são apenas partes separadas dos patrimónios das pessoas (singulares ou colectivas) a quem os bens pertencem.
Com a declaração de insolvência, ocorre uma transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, do insolvente para o AI. Os bens continuam a ser do insolvente, apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles. Praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, na forma de venda de bens integrantes desta massa, por um valor superior ao valor pelo qual ele foi adquirido, tal corresponde a um acréscimo do património do devedor, pessoa singular ou colectiva, e o imposto que esse acréscimo vai originar é um imposto do devedor, mas pelo qual responde apenas o património separado naquela massa insolvente.
É o que resulta dos arts. 51.º, n.º 1, al. c) e 268.º do CIRE, que prevêm que as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável. Logo, se não se estiver perante uma destas hipóteses de isenção, as mais-valias realizadas, por exemplo, como no caso, com a venda de bens da massa insolvente, estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável.
No mesmo sentido, a informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Srª subdirectora-geral de 01/10/2010, citado nas alegações do insolvente (http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf).
Foi a massa insolvente que efectivamente arrecadou o produto da venda, a qual ocorreu sem qualquer participação do insolvente. Pelo que não deve ser o insolvente, mas sim a massa insolvente, a responder por eventuais mais-valias decorrentes dessa venda do imóvel. O insolvente não obteve, efectiva e directamente, quaisquer ganhos, de que possa retirar uma parte para fazer face ao pagamento de imposto, pelo que, a entender-se diversamente, estaria a ser tributado em sede de imposto sobre os rendimentos por um rendimento que, efectivamente, não obteve.
Procede o recurso, impondo-se a revogação do despacho recorrido.
Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em revogar a decisão apelada, devendo substituir-se por outra que possibilite ao Administrador de Insolvência aguardar pela liquidação do imposto de mais-valias que vier a ser apurado, devendo tal imposto ser pago pela massa insolvente.
Sem custas, por não serem devidas.

Porto, 2017/05/30
João Proença
Maria Graça Mira
Estelita de Mendonça