Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1572/13.5YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: DESPEJO
RECONVENÇÃO
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RP201406301572/13.5YLPRT.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O Procedimento especial de despejo, regulado nos termos dos art.s 15º a 15º-S da Lei nº 6/2006 de 27.2 (NRAU), com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2013 de 14.8, visa o despejo do arrendado com vista à célere recolocação do mesmo no mercado de arrendamento.
II – No âmbito do mesmo não é admissível deduzir reconvenção invocando os requeridos o direito a serem indemnizados pela realização de benfeitorias no arrendado, uma vez que o procedimento só comporta dois articulados, requerimento inicial e oposição.
III - Os requeridos, em sede de oposição, apenas, podem invocar a compensação de um crédito devido a benfeitorias no caso de os requerentes terem deduzido o seu pedido de despejo cumulativamente com o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, nos termos do nº 5, do art. 15º daquela Lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº 1572/13.5YLPRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Vila do Conde 1º Juízo Cível
Recorrentes: B… e C…
Recorridos: D…, E… e F…, todos …

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Os apelados, D…, E… e F…, instauraram no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), através da entrega de requerimento de despejo por via electrónica, utilizando o impresso disponível online no portal citius (https://www.bna.mj.pt), contra os apelantes, B… e C…, tendo indicado como fundamento do despejo a cessação por oposição à renovação pelo senhorio, do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 4.8.2002.
Juntaram a fls. 7, comunicação de cessação do contrato e a fls. 10 e ss., contrato de arrendamento.
Notificados, opuseram-se os RR., nos termos que constam a fls. 23 e ss., invocando, em síntese, que o contrato de arrendamento junto aos autos resultou da sua assinatura aposta em papel em branco, posteriormente preenchido pelos requerentes, desconhecendo o seu conteúdo e, determinando-os os oponentes à prática de um acto que lhes causa prejuízo patrimonial, não correspondendo o teor do “contrato de arrendamento” à vontade de requerentes e requeridos, sendo um documento falso e forjado.
Mais, alegaram que o acordado entre as partes foi o arrendamento pelo período de 12 anos, com termo em 31.4.2014, mediante o pagamento mensal de 300 euros.
Alegaram, ainda, que na pendência do contrato, efectuaram benfeitorias, traduzidas em obras exigíveis e indispensáveis que não é possível efectuar o seu levantamento sem estragar o locado, que pretendem ver ressarcidas, as quais os requerentes autorizaram e comprometeram-se a compensar os requeridos das mesmas, que computam em 21.334,57 euros.
Mais alegam que com elas ficando os requerentes, sem o seu pagamento, isso constitui manifesto abuso de direito.
Concluem que deve a presente oposição ser julgada procedente, por provada e os requerentes condenados a pagar aos requeridos a título de indemnização pelas obras e melhoramentos efectuados a quantia de 21.334,75 €.

Atenta a apresentação da oposição, o Procedimento Especial de Despejo foi remetido ao Tribunal.
Distribuído, foi designada data para o julgamento.

A fls. 56 e ss. os requerentes contestam a oposição, terminando que a mesma deverá ser julgada improcedente.
A fls. 74 e ss. os requeridos vieram pugnar pela inadmissibilidade do articulado dos requerentes.
Nos termos do despacho de fls. 207, admitiu-se a contestação à oposição.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento.
Conclusos os autos em 23.1.2014, a fls. 270 e ss., foi proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
Por todo o exposto, pelos fundamentos de facto e de direito expostos, ao abrigo do disposto nas supra citadas disposições legais, julgo procedente o presente procedimento, e, consequentemente,
- Condeno os R.dos B… e C… a despejar o local e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens;
- Absolvo os requerentes D…, E… e F… do pedido contra si formulado pelos requeridos.
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Custas a cargo dos Requeridos, sem prejuízo do Apoio Judiciário de que beneficiam.”.

Inconformados os requeridos a fls. 291 e ss. interpuseram recurso cujas alegações terminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
DA MATÉRIA DE FACTO:
1.º O presente recurso impugna a decisão sobre a matéria de facto.
2.º Ocorreu a gravação da audiência e os Recorrentes, nos termos do art. 640.º, n.º1 e n.º2 CPC., indicaram supra quais os concretos meios de prova, os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados constantes do processo e do registo de gravação (indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso), em que tudo se fundam para discordar da decisão proferida, no que concerne aos pontos 1, 2, 3 e 4 da decisão da matéria de facto da sentença em crise e no que concerne aos arts. 2.º a 38.º da Oposição (deixa-se aqui reproduzido o vertido em I-A) das Alegações).
3.º Entendem, em suma, os Recorrentes que, em face do alegado em I- A) das Alegações (cujo teor aqui se deixa reproduzido na integra) que a resposta aos pontos 1, 2, 3 e 4 da decisão da matéria de facto da sentença em crise só pode ser NÃO PROVADOS e a resposta a todos os factos constantes dos arts. 2.º a 38.º da Oposição só pode ser PROVADOS, o que se requer .
DA MATÉRIA DE DIREITO:
4.º A sentença recorrida não fez a correcta análise e aplicação dos normativos aplicáveis in casu, e, por isso, deve ser revogada (o que se requer), porquanto,
5.º O procedimento especial de despejo admite a dedução de pedido reconvencional, sendo admissível in casu aos Requeridos a defesa por Reconvenção, com fundamento no direito a benfeitorias.
Com efeito,
6.º Assiste aos Requeridos o direito á compensação pelas obras licitamente feitas por eles, nos termos do art. 29.º da Lei 6/2006, 27 de Fevereiro, atento o alegado e provado em 2.º a 38.º da Oposição.
7.º Daí que, a sentença proferida em crise não tinha que se limitar ao pedido formulado no Requerimento Inicial, ou seja,
8.º O facto de no mesmo não estar contemplado o pagamento de rendas, não podia servir de fundamento para, como o fez a sentença recorrida, julgar improcedente a compensação requerida pelos Requeridos, violando-se assim, designadamente, previsto nos art.º 15 a 15- S do NRAU .
9.º Por outro lado, a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia relativamente á questão de direito suscitada no art. 39.º da Oposição (abuso de direito), por violação do art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C. do C.P.C, o que se requer.
10.º Acresce que, face á resposta (por este Venerando Tribunal da Relação do Porto) aos pontos 1, 2, 3 e 4 da decisão da matéria de facto da sentença em crise (que só pode ser NÃO PROVADOS) e á resposta (por este Tribunal ad quem) a todos os factos constantes dos arts. 2.º a 38.º da Oposição (que só pode ser PROVADOS),
a) Deve a Oposição dos Requeridos ser julgada procedente, por provada, o que se requer
b)E ainda os Requerentes condenados a pagar aos Requeridos a título de indemnização pelas obras e melhoramento efectuados a quantia de €21344,57 (vinte e um mil trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), o que se requer.
11.º A sentença recorrida violou e interpretou erroneamente todas as normas citadas anteriormente.
Termos em que,
Com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, de acordo com as conclusões supra, como é de JUSTIÇA,

A requerente, D…, contra-alegou nos termos que constam a fls. 316 e ss., pugnando pela confirmação da sentença proferida.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal “ad quem”, e que importa conhecer de questões e não de razões ou fundamentos.
Assim, as questões a decidir consistem em saber:
- se a sentença é nula;
- se é de alterar a matéria de facto impugnada;
- se os recorrentes têm direito a invocar a compensação por benfeitorias;
- se deve ser julgada procedente a oposição dos requeridos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Os Factos:
1. Entre Requerentes e Requeridos foi celebrado contrato de arrendamento, datado de 4-8-02 – fls. 14.
2. Fixou-se no mesmo uma renda anual de 300 euros mensais – cfr. contrato de fls. 11
3. O prazo do contrato foi estabelecido em 5 anos, com inicio em1-6-02, e termos a 31-5-07, renovando-se, tácita e sucessivamente, por períodos de três anos.
4. Pelos senhorios, aqui requerentes, foi resolvido o contrato, por comunicação prevista nos art.ºs 1097 CC – fls. 7 – datada de 2-4-12, fixando o final do contrato em 31-5-13.
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B) O DIREITO
Nulidade da sentença
Invocam os recorrentes a nulidade da sentença, alegando que na mesma não foi proferida qualquer decisão quanto à questão de direito suscitada no artº 39 da oposição.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas nas alíneas do nº 1 do art. 615º, do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que respeitarão os demais artigos a seguir referidos sem outra menção de origem).
A nulidade prevista na al. d) está directamente relacionada com o disposto no art. 608º, nº 2, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Que dizer?
Desde já, que não assiste razão aos recorrentes.
Com efeito, na sentença recorrida foram analisados os factos dados como provados, tendo em vista o pedido efectuado no requerimento inicial, ou seja a cessação por oposição à renovação pelo senhorio, do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e os pedidos deduzidos pelos recorrentes na oposição.
Concluindo-se não ser admissível a defesa por reconvenção no presente procedimento e, por a sentença a proferir ter de se limitar ao pedido formulado no requerimento inicial, que não contemplando o pagamento de rendas, não pode servir de fundamento à compensação requerida pelos apelantes, não houve, nem tinha de haver, em nosso entender, acertadamente, qualquer pronúncia sobre o invocado abuso de direito.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, Vol. V, pág. 143, que “...uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.”.
Feitas estas considerações, não podem existir dúvidas, quanto à falta de razão dos recorrentes.
Não pode enfermar de omissão de pronúncia, como invocam os recorrentes, a decisão recorrida que, abordou toda a matéria que foi submetida à sua apreciação e lhe cumpria resolver, como se verifica, só porque não julga procedentes os pedidos formulados na oposição.
Uma decisão que conclui pela absolvição, no caso, dos requerentes, salvo melhor opinião, não pode ser considerada nula, nos termos em que os recorrentes o referem.
A mesma não deixou de se pronunciar sobre questão que lhe tenha sido colocada, apenas, não decidiu nos termos pretendidos pelos requeridos.
Como se verifica, desde logo do dispositivo da decisão a mesma não deixou de apreciar qualquer questão das que foram colocadas à sua apreciação e não se mostravam prejudicadas. Os requerentes foram absolvidos dos pedidos contra si formulados nos autos, após se terem apreciado e concluído da sua inadmissibilidade, inclusive do invocado abuso de direito.
E, ainda que se pudesse estar, eventualmente, perante um erro de julgamento, tal não se confunde com o vício da nulidade da omissão de pronúncia a que alude a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.

Improcede, assim, a conclusão 9 da apelação.
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Impugnação da matéria de facto
Com o argumento de que está incorrectamente julgada, consideram os recorrentes que a resposta aos pontos 1, 2, 3 e 4 da decisão da matéria de facto da sentença em crise só pode ser NÃO PROVADOS e a resposta a todos os factos constantes dos arts. 2.º a 38.º da Oposição só pode ser PROVADOS, o que requerem.
O teor dos pontos e factos em causa, são os que constam da matéria de facto assente e daqueles referidos artigos da oposição que por uma questão de brevidade se dão aqui por reproduzidos.
Os recorrentes, pugnam pela modificabilidade da resposta dada àqueles pontos e artigos pelo Tribunal “a quo”, porque pretendem a procedência da oposição, considerando que a sentença recorrida não fez a correcta análise e aplicação dos normativos aplicáveis ao caso, pretendendo que seja revogada.
Que dizer?
Ora, atento o procedimento em causa, e o decidido na sentença recorrida, desde logo, há que analisar se é relevante a apreciação da requerida impugnação dos factos para a decisão que venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar, concretamente, no que respeita à apreciação dos pedidos que os recorrentes formulam contra os requerentes.
E, atento o teor dos mesmos, tendo em atenção, como se refere na decisão recorrida, que está fora de dúvida que os requerentes e requeridos celebraram entre si um contrato de arrendamento, face ao direito a aplicar ao caso, em atenção ao pretendido pelos requerentes no requerimento inicial, e o pretendido pelos requeridos na oposição cumpre-nos apreciar se os factos constantes daqueles pontos e artigos são matéria juridicamente relevante para a decisão a proferir nos autos, concretamente, a procedência da oposição, revestindo-se de utilidade a pretendida reapreciação.
Pois que, só nesse caso, a mesma deve acontecer.
Vejamos.
Os recorrentes pretendem que se julgue procedente a oposição, nos mesmos termos em que o peticionaram junto do Tribunal recorrido que, não atendeu a sua pretensão.
Considerou que ainda, que fosse procedente a versão dos requeridos, quanto à duração do contrato de arrendamento, a cuja renovação automática os requerentes se vieram opor através do presente procedimento, fazendo uso do disposto no art. 1097º, “ex vi” do artº 1110º, ambos do CC, sempre a comunicação efectuada, em 2.4.2012 era tempestiva, nos termos da al. a) daquele art. 1097º, se a duração daquele fossem os alegados 12 anos.
Assim, mostra-se evidente, que neste aspecto a oposição à pretensão dos requerentes que, apenas, pediram o despejo, decorrente da resolução do contrato, não se reveste de qualquer utilidade.
Donde, não se revestir de interesse a impugnação quanto aos pontos 1, 2, 3 e 4, dados por provados.
Impugnam, também, os recorrentes a decisão do Tribunal “a quo” quanto a todos os factos constantes dos artigos 2º a 38º, da oposição, com vista a que sejam os recorridos condenados a pagar-lhes a quantia de € 21.344,57 a título de indemnização, alegadamente, pelas despesas efectuadas em obras e melhoramentos no prédio arrendado.
A conclusão sobre a utilidade ou não daquela factualidade, com vista a fundamentar a decisão a proferir, leva-nos à apreciação da questão de saber se os requeridos têm direito a exercer a compensação por benfeitorias, nos termos peticionados na oposição, neste procedimento especial de despejo.
Dispõe o art. 1074º nº 5, do CC que: “salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé.”.
Tendo assim o direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela.
Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias úteis, satisfará o titular do direito ao possuidor, no caso, ao arrendatário o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, cfr. art. 1273º, nºs 1 e 2, do CC.
Sendo que, nos termos do disposto no art. 1275º, do mesmo código, mais tem o arrendatário, nessa circunstância da licitude das obras feitas, o direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa.
Sobre a noção e qualificação de benfeitorias, dispõe o art. 216º, do CC que se consideram todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, sendo necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração daquela; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação lhe aumentam, todavia, o valor, e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
Ora, perante o exposto, numa primeira análise, pareceria terem razão os recorrentes e pareceria útil a reapreciação das provas produzidas quanto aos factos que alegaram, na oposição, a respeito das obras efectuadas no prédio arrendado, porque, eventualmente, sendo consideradas benfeitorias teriam direito a ser indemnizados pelas mesmas.
Mas o certo, é que só numa primeira análise esse interesse se nota, porque atento o procedimento em causa, analisando o requerimento inicial dos requerentes, de imediato se verifica que se mostra irrelevante apurar qual o tipo de benfeitorias em causa, pois sejam elas quais fossem, certo é que a, eventual, indemnização dos recorrentes/arrendatários, por aquelas, está expressamente arredada.
Pois que, nestes autos, atento o seu carácter especial, não é admissível deduzir reconvenção e, porque os recorridos/senhorios, não peticionaram rendas no presente procedimento, única hipótese, em que seria possível os arrendatários deduzirem pedido de compensação pelas, eventuais, benfeitorias realizadas no prédio arrendado, cfr. art. 15º, nº 5, da Lei nº 6/2006, de 27.2, na redacção dada pela Lei nº 31/2012, de 14.08.
Esta foi a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido e é a nossa, porque, contrariamente, ao alegado pelos recorrentes, não é aplicável ao caso o art. 29º da referida Lei, uma vez que não estamos em presença de uma acção de despejo, nos termos do art. 14º daquela, mas sim de um procedimento especial de despejo, regulado nos termos do disposto nos art.s 15º e 15º-A a 15º-S.
E, como dissemos, à reapreciação da matéria de facto impugnada só há que proceder, caso estejam em causa factos essenciais a fundamentarem solução jurídica do caso, pois, não sendo desse modo, deve ser indeferida a reapreciação.
Neste sentido, veja-se o douto Acórdão desta Relação de 19.5.2014 in www.dgsi.pt, onde se decidiu, “atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão”.
Face ao que deixámos exposto, é evidente a inocuidade da matéria constante daqueles artigos da oposição, nestes autos, sendo claro que os mesmos não contêm matéria susceptível de fundamentar qualquer pretensão dos recorrentes, possível de deduzir e fazer valer nos mesmos. E, por isso, soçobrou nos termos da decisão recorrida e, em nosso entender, de modo acertado.
Sendo desse modo, surge-nos evidente a inutilidade da pretendida reapreciação da matéria de facto e, como resulta do disposto no art. 130º, a lei proíbe a prática de actos inúteis.
Entendemos, assim, que não há que proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, neste sentido, veja-se ainda, o douto Ac. da RC de 6.3.2012 in www.dgsi.pt, onde se decidiu, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.
Atento o exposto, indefere-se a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes, mantendo-se nos seus precisos termos a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal “a quo”.

Improcedem, assim, as conclusões 1 a 3 da apelação.

E, aqui chegados, quanto à questão da compensação por benfeitorias, já se mostra a mesma decidida, atento o que deixámos exposto, os recorrentes, não podem ser ressarcidos neste procedimento de, eventuais, despesas realizadas devido a obras efectuadas no prédio arrendado.
E, esta resposta, decide-nos a última questão, relativa à procedência da oposição pretendida pelos recorrentes, mas, sem que lhes assista, também, qualquer razão.
Pois como bem se referiu, na decisão recorrida, “o especialíssimo procedimento de despejo, previsto nos art.s 15 a 15-S do NRAU, tem os seus apertados contornos aí definidos. O seu objecto primário é o obter o despejo, podendo, no entanto ser cumulado tal pedido com o pagamento de rendas, encargos e despesas, nos termos do nº 5 do aludido art. 15, e art. 15-B.
Esse pedido, formulado com o requerimento de despejo (al. G) art.º 15-B,2), não pode mais ser alterado – ver n.º 6 daquele preceito. No entanto tal pedido não foi feito.”.
E, sendo desse modo, não pode o arrendatário, nem deduzir reconvenção, invocando o direito a ser indemnizado por benfeitorias nem pode invocar a compensação invocando um crédito devido a benfeitorias, porque não foram peticionadas rendas pelo senhorio, neste sentido, vejam-se o texto de Laurinda Gemas e Albertina Pedroso, disponibilizado em comunicação sobre o NRAU, realizada pela Associação Jurídica de Tomar.
Efectivamente, a Lei nº 6/2006, de 27.2, corrigida pela Rectificação nº 24/2006, de 17.4, aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), e procedeu à alteração de diferentes diplomas legais, nomeadamente o Código Civil e o Código de Processo Civil.
Entretanto, outras alterações foram introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14.8, que entre outros objectivos, criou um procedimento especial de despejo do local arrendado visando permitir a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento.
O procedimento em causa rege-se pelo disposto nos art.s 15º a 15º-S já referidos e foi no âmbito deste que os requerentes demandaram os requeridos.
Sendo que aquelas normas que regulam este procedimento devem ler-se à luz dos seus específicos fundamentos e razão de ser, no caso, a procura de uma resposta célere à resolução do conflito relativo ao arrendamento e ao despejo, visando dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento, cfr. art. 1º da Lei nº 31/2012, referida.
O procedimento comporta apenas dois articulados, seguindo-se de imediato o julgamento, sendo as provas oferecidas em audiência de julgamento.

Em suma, no enquadramento legal em questão, não é admissível reconvenção e só quando ocorrer a cumulação do pedido dos requerentes, nos termos referidos no nº 5, do art. 15º, é permitido aos requeridos invocar o direito a compensação se forem detentores de um crédito resultante de benfeitorias realizadas no arrendado.
E, esta não foi seguramente a situação verificada nos autos, pelo que não merece censura a decisão recorrida.

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III- DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Porto, 30 de Junho de 2014
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
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Sumário:
I – O Procedimento especial de despejo, regulado nos termos dos art.s 15º a 15º-S da Lei nº 6/2006 de 27.2 (NRAU), com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2013 de 14.8, visa o despejo do arrendado com vista à célere recolocação do mesmo no mercado de arrendamento.
II – No âmbito do mesmo não é admissível deduzir reconvenção invocando os requeridos o direito a serem indemnizados pela realização de benfeitorias no arrendado, uma vez que o procedimento só comporta dois articulados, requerimento inicial e oposição.
III - Os requeridos, em sede de oposição, apenas, podem invocar a compensação de um crédito devido a benfeitorias no caso de os requerentes terem deduzido o seu pedido de despejo cumulativamente com o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, nos termos do nº 5, do art. 15º daquela Lei.

Rita Romeira