Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1631/16.2T9VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AIRISA CALDINHO
Descritores: RECURSO
CONTRAORDENAÇÃO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
NOTIFICAÇÃO
ORDEM DOS ADVOGADOS
INÍCIO DO PRAZO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP201703081631/16.2T9VCD.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º710, FLS.252-254)
Área Temática: .
Sumário: A notificação pela Ordem dos Advogados, da nomeação como patrono do recorrente, efetuada por via eletrónica (plataforma SINOA), tem-se como efetuada no próprio dia do correio eletrónico, não havendo lugar à presunção de notificação ao 3º dia por não ser acto praticado pelo correio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1631/16.2T9VCD.P1
2.ª Secção Criminal
Comarca do Porto – Vila do Conde
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Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:
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I. No processo de contra-ordenação n.º CO/000173/13, B… recorre do despacho que rejeitou liminarmente o recurso de impugnação judicial por si interposto, por intempestivo, apresentando as seguintes conclusões:
- “
1 - Haverá que apurar em que data se deve considerar feita a notificação ao patrono nomeado da sua designação, uma vez que, nos termos do artigo 24.º, n.º5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, o prazo se inicia a partir dessa notificação.
II – A Portaria n° 10/2008, no seu artigo 29.º, limita-se a estatuir que tal notificação se deve realizar por via electrónica, através de sistema gerido pela Ordem dos Advogados, não prevendo expressamente em que data é que a mesma se presume feita.
III – No entanto, o Código de Processo Civil prevê presunções de notificação nos n.ºs 3 e 5, do artigo 254.º, respetivamente, no âmbito da notificação postal e da notificação por transmissão electrónica de dados.
IV – Acresce que a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, posteriormente alterada pela Portaria n.º1538/2008, de 30 de Dezembro, que regula vários aspetos da tramitação electrónica dos processos judiciais, prevê, no seu artigo 21.º – A, n.ºl, que as notificações por transmissão electrónica de dados sejam realizadas através do sistema informático CITIUS.
V – Acrescentando o n.º 5, do mesmo artigo 21º-A, que "o sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil".
VI – Deste modo, conjugando o disposto nos citados artigos 254.º, n.º5, do C.P.C, e 21.º-A, n.º5, da Portaria nº114/2008, haverá que presumir que a notificação por transmissão electrónica de dados se tem por feita no 3.º dia posterior ao da sua elaboração. Já a notificação postal se presume feita no 3º dia posterior ao do registo [n.º 3, do citado artigo 254.º].
VII – Ora, como já se referiu, a Portaria nº 10/2008 não prevê em que data é que se presumem feitas as notificações a que alude o seu artigo 29.° limitando-se a determinar que devem realizar-se por via electrónica, através de sistema gerido pela Ordem dos Advogados.
VIII – Estamos, assim, perante um caso omisso, pelo que haverá que o regular segundo a norma aplicável aos casos análogos, medindo-se a analogia das situações em função das razões justificativas da solução fixada na lei (cfr. o artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do C.C., cujo campo de aplicação se estende a todos os ramos de direito).
IX – Assim, o artigo 254°, n.ºs 3 e 5, regula casos análogos, atenta a identidade substancial dos fundamentos do que aí se estatui.
X – Razão pela qual se deve considerar que haverá que recorrer àquelas normas, precisamente porque reguladoras de casos análogos.
XI – Pelo que, deverá entender-se, pois, que não há que considerar que a ilustre patrona nomeada ao arguido tenha sido notificada da sua designação em 19/05/2016, como se considerou na decisão recorrida.
XII – Na verdade, essa será a data do e-mail para tal notificação, mas isso não significa que se deva ter a mesma como efetuada nessa data, antes havendo que presumir ter sido feita no 3.º dia posterior, ou melhor, no l.º dia útil seguinte a esse, já que aquele 3.º dia termina a um domingo (22/05/2016).
XIII – Essa presunção resulta, portanto, da aplicação ao caso das normas dos n.ºs 3 e 5, do citado artigo 254.º (sendo a do n.º 5 conjugada com o citado artigo 21.º-A, da Portaria n.º 114/2008), já que, quer por via de uma, quer por via de outra, o 3.º dia posterior termina no dia 22/05/2016.
XIV – Assim, a ilustre patrona nomeada deve considerar-se notificada da sua designação em 22/05/2016 (domingo), pelo que a contagem do prazo de 30 dias (cfr. consta na nomeação da patrona) para o arguido apresentar impugnação se reiniciou no dia 23/05/2016, prazo esse que terminou no dia 22/06/2016 (4.º Feira), mas podendo o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes mediante o pagamento uma multa, ou seja, até 25/06/2016 (sábado), nos termos do artigo l45.º, n.º 5, do C.P.C., passando para o dia útil imediatamente a seguir (27/06/2016).
XV – Ora, o arguido apresentou impugnação no dia 24/06/2016, estando ainda a aguardar notificação para pagamento da multa pela prática do ato no 2° dia seguinte, nos termos do artigo 139.º n.º 6 do C.P.C.
XVI – Logo, fê-lo validamente dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
XVII – Ressalva-se desde já que, caso assim se não entenda e atendendo ainda que ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e 60.º. ambos do Regime Geral das Contra – Ordenações, o prazo para a interposição da impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é de 20 dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, o prazo previsto no RGCO para apresentar a impugnação até ao 3° dia com multa terminaria no dia 25/06/2016 (sábado), que passaria para o dia útil imediatamente seguinte.XVIII – Consequentemente, aquela impugnação foi apresentada tempestivamente e, por isso, não tinha que ser rejeitada.
XIX – Pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que rejeitou a impugnação do recorrente por extemporânea, violou de forma clara o artigo 13..° da portaria 10/2008, o artigo 138.º-A do CPC e artigo 21.º-A da portaria 114/2008 bem como o artigo 20.° n.° 1 da Constituição da República e a ratio subjacente à Lei n° 34/2004, de 29 de Julho e ainda o principio da igualdade, devendo ser revogada e substituída por outra que a admita.”
A Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu pela improcedência do recurso.
Neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Das conclusões apresentadas emerge como questão a apreciar nesta instância a da tempestividade do recurso de impugnação judicial.
O recorrente interpôs recurso de impugnação judicial da condenação pela IGAMAOT numa coima por decisão que lhe foi notificada em 28.01.2016 (fl.s 40).
Pediu apoio judiciário, designadamente, para nomeação de patrono, o que lhe foi deferido.
A nomeação da Ilustre Defensora foi-lhe comunicada pela OA por email de 19.05.2016 (fl.s 100), vindo o recurso de impugnação judicial por correio datado de 24.06.2016 (fl.s 76).
Sobre este requerimento recaiu o despacho recorrido, do seguinte teor:
- “...
De acordo com os dados electronicamente transmitidos pelos Serviços da Segurança Social para a plataforma do SINOA, a nomeação da Ilustre Patrona destinar-se-ia à instauração de um processo (cfr. fls. 106), não obstante a referência, no requerimento de protecção jurídica, a uma contestação e à dedução de oposição (cfr. fls. 53; de qualquer das formas, não foi mencionado o número do processo de contra-ordenação).
Na sequência dessa indicação, a Ordem dos Advogados notificou a Ilustre Patrona da referida nomeação, com a seguinte informação “O apoio judiciário concedido destina-se a propor acção Processo de impugnação, dispondo V. Exa. de um prazo de 30 dias para o efeito” (cfr. fls. 91).
A notificação da Ilustre Defensora nesses termos foi efectuada em 19 de Maio de 2016 (cfr. fls. 91).
Atendendo às informações com que a Ilustre Patrona poderia contar (ainda que decorrente de uma imprecisão na transmissão dos dados), o prazo decorreu até 20 de Junho de 2016 (18 de Junho de 2016 foi sábado).
Em relação ao prazo de interposição do recurso de impugnação judicial das decisões administrativas, não são aplicáveis as normas previstas nos artºs 107º, nº 5, do Código de Processo Penal, e 139º, nº 5 (anterior artº 145º, nº 5), do Código de Processo Civil, pois trata-se ainda de um prazo de natureza administrativa e não de um prazo judicial. A fase jurisdicional inicia-se, aliás, com o despacho de admissão, ulterior àquela interposição.
A jurisprudência tem sido pacífica em relação a esse entendimento. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 4 de Junho de 1997, 27 de Maio de 1998, 17 de Junho de 1998, 24 de Maio de 2000, 14 de Junho de 2000, 21 de Março de 2001, 27 de Junho de 2007, 9 de Janeiro de 2008, 21 de Maio de 2008 e 6 de Novembro de 2013, todos do Tribunal da Relação do Porto, bem como o acórdão de 10 de Janeiro de 2006 do Tribunal da Relação de Évora e o acórdão de 3 de Dezembro de 2008 do Tribunal da Relação de Coimbra.
Ainda que se entendesse aplicável a extensão do prazo prevista nos artºs 107º, nº 5, do Código de Processo Penal (ex vi artº 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações), e 139º, nº 5, do Código de Processo Civil, o terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo foi 23 de Junho de 2016.
No caso concreto, o recurso de impugnação judicial foi enviado, pelo correio, em 24 de Junho de 2016 (cfr. fls. 76), considerando-se, por isso, intempestivo.
A Ilustre Patrona alegou a intercorrência de um acréscimo de 3 dias de prazo de correio entre o envio da sua notificação e o respectivo conhecimento (cfr. fls. 94). Ressalvando o respeito por contrário entendimento, consideramos que não lhe assiste razão. Com efeito, a notificação é efectuada pela Ordem dos Advogados, na sequência da indicação processada pelo SINOA, através de correio electrónico. No caso em apreço, essa comunicação foi efectuada no dia 19 de Maio de 2016, não havendo “prazo de correio” que deva acrescer.
Quanto ao mais, a circunstância de o arguido, ora recorrente, alegadamente, apenas ter contactado a Ilustre Defensora no dia 23 de Junho de 2016 (quando, como vimos, já se esgotara o prazo no dia 20 de Junho de 2016) é um facto imputável ao arguido/recorrente, não se enquadrando na figura do justo impedimento previsto nos artºs 107º, nº 2 (ex vi artº 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações), e 140º do Código de Processo Civil. Note-se que se considera justo impedimento o evento, não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
O recurso foi, assim, apresentado depois do prazo.
A decisão administrativa ficou definitiva, por não ter sido impugnada no prazo previsto.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artº 63º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, rejeito o recurso de impugnação judicial, por intempestividade.”
O recorrente alega que a notificação da Il. Patrona só pode ser considerada perfeita em 23.05.2016, ou seja, no terceiro dia posterior (22 foi Domingo), e o prazo de 30 dias para a apresentação do recurso só terminaria em 27.06.2016 (dia 25 foi sábado). Como apresentou a impugnação no dia 24, ficou a aguardar a notificação para pagamento da multa pela prática do acto no 2.º dia útil subsequente ao do termo do prazo.
Desde logo, o prazo para impugnação judicial é de 20 dias e não 30 (art. 69.º, n.º 3, do RGCO) e não beneficia do prazo previsto no art. 139.º, nº 6, do CPC, por se tratar ainda de uma fase administrativa do processo, não cabendo aplicação de regras do processo penal, nomeadamente as do art. 254.º do CPP e do art. 139.º do CPC, aplicável por força do art. 107.º-A do CPP.
Por outro lado, a notificação da Il. Patrona tem de ter-se como efectuada no próprio dia do correio electrónico por que lhe foi comunicada a nomeação pela OA, não cabendo a presunção de notificação ao 3.º dia, visto não estar em causa acto praticado por correio. Isto é, nada há a presumir, tendo-se a comunicação da nomeação feita à Il. Patrona no próprio dia 19.05.2016 (fl.s 100).
Dispondo de 20 dias para a interposição do recurso de impugnação judicial, esse prazo cumpriu-se inexoravelmente em 20.06.2016, pelo que, quando foi apresentado em 24.06.2016 (data do carimbo do correio), o recurso de impugnação judicial já o foi fora de prazo, assistindo razão ao despacho recorrido que o rejeitou por intempestivo.
III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com o mínimo de taxa de justiça.
Elaborado e revisto pela primeira signatária.

Porto, 8 de Março de 2017
Airisa Caldinho
Cravo Roxo