Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
58/12.0TTVLG.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: TRANSACÇÃO
EFICÁCIA
Nº do Documento: RP2016050258/12.0TTVLG.1.P1
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º239, FLS.231-236)
Área Temática: .
Sumário: I – A transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido e pode resolver litígios para além das partes iniciais do processo, vinculando terceiros.
II – Mas, para que uma transacção com estes contornos seja eficaz, têm esses terceiros que se vincular validamente, ou dando a sua anuência expressa ao convénio no momento da sua celebração – por si ou através de pessoa munida dos necessários poderes de representação –, ou ratificando posteriormente o acto de quem, em seu nome, mas sem poderes de representação, teve intervenção no negócio.
III – No caso de transacção, a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade do autor e não a sentença do juiz que não decide a controvérsia substancial, embora seja ela que confere aquele acto de vontade efeitos de caso julgado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 58/12.0TTVLG.1.P1
4.ª Secção

Acordam, em Conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B… intentou contra C…, Lda. acção com processo comum no então Tribunal do Trabalho de Valongo pedindo a condenação da R. a pagar-lhe créditos emergentes da execução e cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes, orçando os valores peticionados vencidos à data da petição inicial em € 37.605,98.
Antes de realizada a audiência de partes, a R. apresentou procuração outorgada em favor do Dr. D…, na qual confere a este Advogado “os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos e ainda os especiais para confessar, desistir e transigir em quaisquer processos judiciais” (fls. 36 do histórico do processo principal).
Seguindo os autos os seus ulteriores termos, foi designada audiência preliminar para 1 de Dezembro de 2015, vindo na mesma a comparecer o A., a advogada que lhe foi nomeada para exercer o patrocínio judiciário e o já mencionado mandatário da R.. No decurso da audiência, as partes chegaram a acordo quanto ao objecto do litígio, ficando a constar da respectiva acta os seguintes termos da transacção que celebraram:
«-Transacção-
"A) O autor reduz o pedido à quantia líquida de € 8.000,00.
B) A ré pagará a referida quantia em 16 prestações mensais e sucessivas no valor de € 500,00 cada, vencendo-se a primeira no próximo dia 20 de Dezembro e as restantes até igual dia de cada um dos meses subs[e]quentes.
C) Tais quantias serão pagas por transferência bancária para conta do autor cujo NIB a Ilustre Patrona do mesmo comunicará no prazo de 5 dias ao Ilustre Mandatário da Ré-
D) Os sócios da Ré, E…s e F… constituem-se fiadores desta e assumem pessoalmente o pagamento das referidas quantias renunciando ao benefício da execução prévia.
E) A falta de pagamento de qualquer uma das prestações por mais de 10 dias a contar do respetivo pagamento implica o vencimento imediato das restantes em falta bem como o pagamento por parte da ré e dos seus sócios E… e F… da quantia de € 2.000,00 a título de cláusula penal.
F) Com o recebimento de tal quantia, nem o Autor nem a Ré nada mais têm a receber um da outra por força do contrato de trabalho que os uniu.
G) Custas em partes iguais prescindido as partes de custas de parte sem prejuízo de apoio judiciário."
O Mmo. Juiz a quo proferiu na mesma diligência judicial, logo após exarada em acta esta transacção, a seguinte decisão:
«Atenta a capacidade das partes e da disponibilidade do pedido, julgo válido o acordo obtido.
Custas nos termos acordados, nada opondo o Ministério Público
Notifique e após registe.»
Em 03 de Dezembro de 2015 o A. informou nos autos o seu número de identificação bancária (NIB).
Em 24 de Dezembro de 2015 a R. juntou aos autos um documento subscrito pelos seus sócios identificados na transacção, E… e F…, no qual estes declaram que “não ratificam o acordo celebrado neste processo no dia 1.12.2015” e que “não se constituem fiadores da R.”, mas ressalvam que, se o A. “consentir na transmissão desta dívida da R. para os seus sócios” e se “exonerar a R. desta dívida”, então os sócios “assumirão pessoal e exclusiva e ilimitadamente o cumprimento das obrigações exaradas na ata de 1/12/2015 e nos termos nela fixados” (vide fls. 22 destes autos de recurso em separado).
Em 8 de Janeiro de 2016 o A. expressou, além do mais, que a sentença homologatória é válida, que não pode excluir-se a ré como parte, ficando apenas como responsáveis os seus sócios-gerentes (que, alegadamente, estavam devidamente representados na diligência) e que a ré não pagou a prestação em causa, devendo o tribunal decidir em função da verdade material e das limitações legais.
A R. pronunciou-se nos termos documentados a fls. 25-26 dizendo, no essencial, que os seus sócios não estiveram devidamente representados na diligência e que não foi ela, mas os sócios, quem pediu a desoneração, nada mais tendo a dizer uma vez que o A. não aceitou a desoneração da R. que agora propõem.
Foi então proferido em 26 de Janeiro de 2016 despacho judicial com o seguinte teor:
«Dado que os sócios da Ré, E… e F… não ratificaram o acordo de transação efectuado nos autos e em que figuravam como fiadores da ré, o referido acordo de transação não os vincula, pelo que ficam sem efeito as cláusulas D) e a E), esta apenas no que concerne à responsabilidade pessoal desses sócios também no pagamento da cláusula penal.
Deste modo, o acordo obtido vincula apenas o Autor B… e a Ré “C…, Lda.”, vencendo-se a primeira prestação devida por esta no próximo dia 20 de fevereiro.
Notifique.»
1.2. Inconformado com este despacho, o A. interpôs recurso de apelação do mesmo e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1- Em 1/12/2015, foi celebrado uma transacção entre A e R e bem assim, os representantes legais da R, como melhor consta da acta em causa, na qual ré se obriga a pagar ao autor a quantia de € 8.000,00, em 16 prestações mensais iguais e sucessivas de € 500,00 cada, com inicio em 20/12/2015, por depósito ou transferência bancária, a indicar pela Patrona ao Ilustre mandatário da ré. (clausulas A, B) e C).
2- Os sócios da ré, E... e F..., conforme consta da dita ata, constituíram-se fiadores da ré e assumiram pessoalmente o pagamento das referidas quantias renunciando ao benefício de excussão prévia. (clausula D).
3- Esta foi doutamente homologada nesta data.
4- Em 3/12/2015, o autor forneceu o NIB à ré.
5- Em 24/12/2015, a ré, anexa um requerimento inominado, assinado pelos sócios da Ré, E... e F..., segundo o qual não ratificavam o acordo, mas que se exonerasse a ré, assumiam pessoal e exclusivamente e ilimitadamente as obrigações exaradas na ata de 1/12/2015 e nos termos nela fixados.
6- Em 8/1/2016, dão o dito por não dito.
7- Sucede, que tais requerimentos não tem a virtualidade de alterar a transacção exarada na ata de 1/12/2015.
8- Os sócios da ré, jamais foram notificados para qualquer ratificação e, não invocaram qualquer nulidade da ata em causa que,
9- Como tal vale na sua íntegra.
10- Por sua vez, o douto despacho (Refª. 362859385) notificado ao autor em 29/1/2016, é nulo e de nenhum efeito.
11- Na verdade, com a sentença homologatória de 1/12/2015, esgotou-se o poder jurisdicional do tribunal a quo,
12- O douto despacho (Refª. 362859385), violou o disposto no artigo 613º. nº. 1 e 2.
13- Não só porque o aí despachado, no primeiro parágrafo, não se enquadra no previsto nos artigos 614º., 615 e 616º. do CPC,
14- Como o decidido no segundo parágrafo, quanto à alteração do vencimento das prestações, não só violou o artigo 613º. do CPC,
15- Como a transação doutamente sancionada (homologada), não pode ser modificada sem o acordo das partes. O douto despacho ora posto em crise, violou os princípios da legitimidade, liberdade e da confiança nos contratos (transação), previsto nos artigos 236º, 237º., 239º., 257º., e 406º. todos do CC.
16- Por outro lado, a ata em causa, donde consta a douta sentença homologatória, não foi objecto de qualquer reação jurisdicional, recurso ou reclamação.
17- Estamos assim perante a violação do caso julgado (artigos 580º. e 619º do CPC), do esgotamento do poder jurisdicional do juiz ( artigo 613º. CPC) e, dos princípios da liberdade e confiança contratual (artigo 406º. CC).
Nestes termos, nos melhores do direito e sempre com o v/ mui douto suprimento, deve o presente recurso ser procedente e consequente ser declarado nulo e de nenhum efeito o douto despacho, mantendo na íntegra a douta sentença homologatória.”
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso interposto foi admitido na 1.ª instância por despacho de 15 de Março de 2016 como de apelação, a subir em separado.
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1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu Parecer por considerar que não estão em causa questões de âmbito juslaboral, única situação em que considera dever o Ministério Público emitir parecer nos termos do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (vide fls. 41).
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Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[1], aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª – se a transacção celebrada no dia 1 de Dezembro de 2015 é oponível aos sócios da R. que declararam não a ratificar;
2.ª – se o despacho sob recurso não observou a extinção do poder jurisdicional do juiz, o caso julgado e os princípios da liberdade e confiança contratual ao alterar a data do vencimento da primeira prestação acordada na transacção.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório antecedente.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Abordemos a primeira questão colocada, que consiste em saber se a transacção celebrada no dia 1 de Dezembro de 2015 entre as partes (o A. ora recorrente e a R. ora recorrida) é oponível aos sócios da R. que declararam não a ratificar em requerimento autónomo apresentado nos autos no dia 24 de Dezembro de 2015.
Nos termos do preceituado no artigo 1248.º do Código Civil, “[t]ransacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” (n.º 1) e “[a]s concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.
A transacção judicial, prevista nos artigos 283.º e seguintes do Código de Processo Civil constitui uma espécie daquele contrato, traduzindo-se num negócio bilateral de auto-composição do litígio que subtrai ao tribunal o poder de decidir a causa mediante a aplicação do direito substantivo aos factos provados.
Está em causa no presente recurso uma transacção judicial celebrada entre o A., trabalhador, e a R., empregadora, esta representada na audiência prévia em que foi formalizada pelo seu mandatário munido de poderes especiais para transigir, na qual foi acordado colocar obrigações jurídicas a cargo de terceiras pessoas, não presentes, nem representadas no acto mas que, segundo ficou exarado nas cláusulas da transacção, se constituem fiadores da R. e assumem pessoalmente a obrigação de pagamento das quantias acordadas renunciando ao benefício da excussão[2] prévia – vide as cláusulas D) e E).
Não cremos que haja obstáculo legal a que as partes que têm entre si um litígio a opô-las lhe ponham fim nestes termos, vg. quando os terceiros têm uma posição substantiva especial face a uma delas, como acontece quando se trate de sócios de uma pessoa colectiva que é demandada em juízo e que pretendam, a par da demandada e com o acordo desta e do demandante, ter uma intervenção pessoal susceptível de facilitar a composição consensual do diferendo judicial que opõe as partes.
Com efeito, a transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (n.º 2 do artigo 1248.º do Código Civil), pelo que pode ir além do objecto do processo definido pelo pedido. E, como defende Castro Mendes, se isso convier às partes, a transacção pode resolver o litígio também para além das partes iniciais do processo, intervindo essas outras pessoas no processo unicamente para celebrarem a transacção[3].
Mas, para que uma transacção com estes contornos seja eficaz, têm essas terceiras pessoas que se vincular validamente, ou dando a sua anuência expressa ao convénio no momento da sua celebração – por si ou através de pessoa munida dos necessários poderes de representação –, ou ratificando posteriormente o acto de quem, em seu nome, mas sem poderes de representação, teve intervenção no negócio.
Com efeito, de acordo com o preceituado no artigo 268.º, n.º 1 do Código Civil, “[o] negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
Para o caso específico de transacção judicial, prescreve o artigo 291.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que quando a “nulidade” – assim a apelida a lei adjectiva, mas face à lei substantiva, tratar-se-á de ineficácia – da transacção “provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito”.
Resulta deste regime processual civil que, lavrado termo ou junto documento com a transacção, em que intervém o advogado sem poderes para transigir, o juiz, verificando que a mesma, pelo seu objecto, é válida, profere a sentença homologatória e manda-a notificar pessoalmente ao mandante. Se este expressamente ratificar o acto ou nada disser – trata-se de um caso de relevância do silêncio como meio declarativo nos termos do artigo 218.º do Código Civil –, a nulidade fica sanada. Se declarar que não ratifica o acto do mandatário, ele é ineficaz. Além disso, e como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “enquanto a notificação não for feita, não se dá o trânsito em julgado da decisão”[4].
Trata-se de uma solução específica, simples e rápida, para resolver o problema da ineficácia do negócio celebrado no processo por mandatário judicial sem poderes de representação para o efeito. Caso não concorde com o negócio, a pessoa em nome de quem o “representante” sem poderes actuou já não tem que agravar da decisão de homologação, como sucedia no anterior regime ao Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, bastando-lhe declarar a não ratificação para a transacção não produzir, quanto a si, quaisquer efeitos[5].
Perante este regime do artigo 291.º n.º 3 do Código de Processo Civil – aqui aplicável “ex vi” do artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho, com as devidas adaptações – é possível ao juiz declarar a ineficácia da transacção quanto ao outorgante relativamente ao qual se verifique falta de poderes do mandatário ou irregularidade do mandato, ainda que após a sentença homologatória, sem que tal implique inobservância do regime dos vícios e reforma da sentença emergente dos artigos 613.º a 616.º do Código de Processo Civil.
Analisando as cláusulas da transacção lavrada nos presentes autos, é patente da sua leitura que nelas não se trata de A. e R. colocarem obrigações a cargo dos sócios da R.. Não são as partes que dizem que os sócios da R. procederão ao pagamento dos valores acordados – o que em caso algum vincularia estes sócios – mas de eles mesmos se constituírem fiadores da R. e assumirem pessoalmente o pagamento das quantias acordadas entre A. e R., como se estivessem presentes no acto ou devidamente representados [vejam-se as cláusulas D) e E)].
Embora a acta da audiência prévia não seja clara quanto a saber quem actuou em nome dos sócios da R. E… e F… (embora muito provavelmente tenha sido o mandatário da R., a quem o primeiro outorgou, em nome da R., a procuração que juntou aos autos por ocasião da audiência de partes), é um facto que a transacção em causa contém declarações atribuíveis a uma intervenção dos mesmos no acto e é um facto, também, que nenhum dos sócios da R. se encontrava presente, nem devidamente representado na audiência em que as partes a convencionaram.
Assim, apesar de haver quem em seu nome se obrigou nesse acto (atento o modo como se mostram redigidas as referidas cláusulas), o convénio celebrado era ineficaz em relação a eles, só se podendo dizer que os passaria a vincular se procedessem à sua ratificação.
Mas, ao invés disso, vieram ambos, expressamente, dizer que não ratificavam a dita transacção (vide o requerimento documentado a fls. 22).
Assim, tornou-se claro que inexiste a ratificação do acordo celebrado no dia 1 de Dezembro de 2015, a qual seria imprescindível para que, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, in fine do Código Civil, se salvaguardasse a transacção da sua ineficácia no que diz respeito às obrigações que na mesma são colocadas a cargo dos referidos sócios da R.
Vale pois o princípio geral da eficácia relativa dos contratos que emerge do disposto no artigo 406.º, n.º 2 do Código Civil, nos termos do qual um contrato só produz efeitos em relação a terceiros «nos casos e termos previstos na lei», não podendo a transacção lavrada no processo de que foi extraído o presente recurso em separado, produzir efeitos em relação a pessoas distintas das partes que a outorgaram, designadamente em relação aos sócios da R. E… e F…, que não são partes na causa e são alheios ao convénio.
E, por isso, não merece censura o despacho recorrido na parte em que afirma que a transacção não vincula os sócios da R. no que diz respeito às cláusulas D) e a E) – esta última apenas no que concerne à responsabilidade pessoal desses sócios também no pagamento da “cláusula penal” – e em que decide que o acordo obtido vincula apenas o A. B… e a R. C…, Lda.
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4.2. Mas já no que respeita ao segmento do despacho em que o Mmo. Juiz a quo, decide que a primeira prestação devida pela R. C…, Lda. se vencerá “no próximo dia 20 de Fevereiro”, não pode o mesmo subsistir.
Na verdade, ficou convencionado entre as partes, A. e R., na audiência de 1 de Dezembro de 2015, que:
"A) O autor reduz o pedido à quantia líquida de € 8.000,00.
B) A ré pagará a referida quantia em 16 prestações mensais e sucessivas no valor de € 500,00 cada, vencendo-se a primeira no próximo dia 20 de Dezembro e as restantes até igual dia de cada um dos meses subs[e]quentes.”
A transacção em que se incluem estas cláusulas foi imediatamente objecto de decisão judicial que julgou válido o acordo obtido, sendo esta decisão notificada às partes no próprio dia 1 de Dezembro de 2015.
Nos termos do preceituado no artigo 52.º do Código de Processo do Trabalho, a desistência, a confissão ou a transacção efectuadas na audiência de conciliação não carecem de homologação para produzir efeitos de caso julgado (n.º 1), devendo o juiz certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que expressamente fará constar do auto (n.º 2).
Mas o que é acordado, se nenhuma ressalva é feita na decisão prevista neste artigo 52.º, vincula as partes nos seus precisos termos, tal como decorre do princípio pacta sunt servanada plasmado no artigo 405.º do Código Civil e na medida em que a transacção é, como já foi dito, um contrato.
Também em consonância com a natureza contratual da transacção, o artigo 293.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, dispõe que, lavrado termo ou junto documento com a transacção, o juiz examina se a mesma é válida, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, e, no caso afirmativo, assim o declara por sentença, condenando-se ou absolvendo-se “nos seus precisos termos” e, fazendo-se a transacção em acta, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz, ele limita-se a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos “respectivos termos”.
Como salienta o Prof. Alberto dos Reis, «[o] conflito de interesses, traduzido na lide ou na relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos [desistência do pedido, confissão e transacção]. Sob este aspecto, a desistência do pedido a confissão e a transacção exercem a mesma função que a sentença de mérito: como esta põem termo à causa, compondo-a»[6].
E continua o mesmo Professor, desta feita citando Redenti, «[a] transacção diz ele, implicará, em regra, a substituição do novo acordo, como fonte ou como acto constitutivo ou regulador de direitos ou de obrigações (certas e pacíficas), aos actos ou factos precedentes, de que surgiam pretensões diversas e contrastantes»[7].
No caso da transacção, a lide não é decidida por sentença, mas composta por acordo das partes. A função da decisão que certifica a capacidade das partes e a legalidade do resultado da conciliação, no processo laboral, ou da sentença homologatória que incide sobre a transacção judicial, no processo civil, actos judiciais estes sem os quais o acto de vontade das partes não produz efeito, não é decidir a controvérsia substancial mas, unicamente, fiscalizar os aspectos que a lei (respectivamente o artigo 52.º, n.º 2 do CPT e o artigo 290.º, n.º 3 do CPC) comete ao juiz. Por isso, a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a decisão do juiz que lhe sucede.
Mas, em consequência da transacção, a relação jurídica substancial fica com a mesma estabilidade e a mesma certeza que uma relação jurídica definida por sentença transitada em julgado. A eficácia de caso julgado resulta com clareza das disposições conjugadas dos artigos 52.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 291.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Assim, tendo em consideração o concreto conteúdo da cláusula B) da transacção convencionada entre as partes na audiência de 1 de Dezembro de 2015, sem que exista qualquer causa que obste à plena eficácia do acordado entre as mesmas e à decisão judicial que certificou a capacidade das partes e a legalidade do resultado da transacção, não poderia o Mmo. Juiz a quo, em despacho prolatado após o trânsito em julgado daquela decisão, fixar uma data de vencimento diversa – e ulterior – para a primeira das dezasseis prestações em que as partes convencionaram dever a Ré proceder o pagamento do valor a que o A. reduziu o seu pedido.
Não porque se tenha esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – pois que neste âmbito tal poder apenas se dirige à certificação da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, não intervindo nos termos do negócio de auto-composição do litígio – mas face ao princípio pacta sunt servanda e aos efeitos de caso julgado que produz a transacção efectuada.
Pelo que deverá revogar-se o despacho recorrido na parte em que decide que a primeira prestação devida pela R. C…, Lda. se vencerá “no próximo dia 20 de Fevereiro”, subsistindo a data de 20 de Dezembro de 2015 constante da cláusula B) da transacção exarada nos presentes autos.
4.3. Em face do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, as custas em dívida no recurso deverão ser suportadas pelo recorrente e recorrida na proporção do decaimento que se fixa em metade. Ter-se-á em consideração que no recurso a R. recorrida não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou (artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais) e que o recorrente beneficia de apoio judiciário. A presente decisão não contende com as custas da acção fixadas na 1.ª instância, nos termos em que aí o foram.
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5. Decisão
Nesta conformidade, concede-se parcial provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido, proferido em 26 de Janeiro de 2016, na parte em que altera a data de vencimento da primeira prestação devida ao A. pela R. C…, Lda., subsistindo a data de 20 de Dezembro de 2015 fixada para o efeito na cláusula B) da transacção exarada nos presentes autos.
No mais mantém-se a decisão contida em tal despacho.
Custas do recurso a cargo do recorrente e recorrida na proporção de metade para cada um, atendendo-se a que o recorrente beneficia de apoio judiciário e a que a recorrida não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 2 de Maio de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Diploma a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, apesar da data da instauração da acção ser anterior à vigência do Código de Processo Civil de 2013, por força dos arts. 5.º a 8.º da sua Lei Preambular.
[2] A referência a execução prévia deve-se a evidente lapso.
[3] In Direito Processual Civil, volume II, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1978/1979, pp. 284- 285. Vide também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, 2014, p 570.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, 2014, p 574.
[5] Vide o Acórdão da Relação do Porto de 2009.11.05, processo n.º 89/07.1TBMUR.P1, in www.dgsi.pt.
[6] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra, 1946, p. 464.
[7] In ob. citada, pp. 498-500.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – A transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido e pode resolver litígios para além das partes iniciais do processo, vinculando terceiros.
II Mas, para que uma transacção com estes contornos seja eficaz, têm esses terceiros que se vincular validamente, ou dando a sua anuência expressa ao convénio no momento da sua celebração – por si ou através de pessoa munida dos necessários poderes de representação –, ou ratificando posteriormente o acto de quem, em seu nome, mas sem poderes de representação, teve intervenção no negócio.
III No caso de transacção, a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade do autor e não a sentença do juiz que não decide a controvérsia substancial, embora seja ela que confere aquele acto de vontade efeitos de caso julgado.

Maria José Costa Pinto