Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
966/14.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
CRIMES SEXUAIS
CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
CRIME
CRIME PROLONGADO NO TEMPO
Nº do Documento: RP20190206966/14.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º787, FLS.337-374)
Área Temática: .
Sumário: I - A tomada de declarações para memória futura, nos crimes sexuais com menores, é obrigatória, estando garantido o princípio do contraditório porque a aquisição deste meio de prova constitui uma antecipação da audiência de discussão e julgamento.
II - Os crimes de abuso sexual de crianças protegem bens eminentemente pessoais pelo que não podem ser tratados no âmbito da continuação criminosa.
III - Os crimes sexuais podem ser praticados de forma isolada e por isso concretamente determinados, havendo casos em que essa actividade sexual se prolonga no tempo.
IV – No entanto, quando a contagem deste número crimes é insolúvel, a jurisprudência vai-se afirmando no tratamento destes ilícitos como crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, onde se convenciona um só crime, tanto mais grave, quanto mais repetido.
V – Ao invés dos crimes continuados, nos crimes prolongados há um progressivo agravamento da culpa, à medida que se reitera a conduta.
VI - O crime prolongado não é mais do que uma unidade resolutiva, que não é o mesmo que uma única resolução, pois o mais essencial é que o agente actue no âmbito de uma conexão temporal, sem ter de renovar o seu processo de motivação.
VII - A homogeneidade da conduta repercute-se no tempo, com a prática de ilícitos idênticos ou, se diferentes, protegendo um bem jurídico semelhante, apenas com a condição de a vítima ser a mesma.
VIII – Na base desta corrente jurisprudencial há propósitos político-criminais: por um lado as numerosas realizações típicas levaria a dificuldades práticas de comprovação judicial; e por outro, este irrepetível número de condutas seria insustentável em termos de punição, com consequências desproporcionadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 966/14.3JAPRT.P1
Acordam os juízes que integram esta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
Relatório.
Procedeu-se a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do arguido
B…, nascido em 7-06-1974, filho de C… e de D…, natural da freguesia de …, concelho do Porto e residente na Rua …, n° …, …, em … - Matosinhos.
Após a discussão da causa o tribunal fixou o seguinte dispositivo:
1 - Julgar parcialmente provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:
a) absolver o arguido B… da prática dos seguintes crimes:
i) um crime de abuso sexual de criança sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 73 e 171, nºs 1 e 2 do Código Penal (referente à ofendida E…);
ii) três crimes de abuso sexual de menores dependentes, previstos e punidos pelo artigo 172, nº2, por referência ao artigo 171, nº3, al.b), do Código Penal (referentes às ofendidas F…, G… e H…);
iii) dois crimes de actos sexuais com adolescentes, previstos e punidos pelo artigo 173 do Código Penal (referentes à ofendida F…);
iv) três crimes de recurso à prostituição de menores agravado, previstos e punidos pelos artigos 174, nº2 e 177º, nº6 do Código Penal (referentes à ofendida F…);
v) um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal (referente ao ofendido I…).
b) condenar o arguido nas seguintes penas parcelares:
i) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
ii)pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
iii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
iv) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
v) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
vi) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
vii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
viii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima E…);
ix) pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, al.b), do Código Penal (de que foi vítima E…);
x) pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, alª b), do Código Penal (de que foi vítima J…);
xi) pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nº3, alª b), do Código Penal (de que foi vítima K…);
xii) pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nº3, alª b), do Código Penal (de que foi vítima L…);
xiii) pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, alª b), do Código Penal (de que foi vítima I…);
xiv) pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176º, nº1, alínea b), e 177, nº5, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176, nº1, alª b), e 177, nº6] (de que foi vítima F…);
xv) pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176, nº1, alínea b), e 177, nº6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176, nº1, alª b), e 177, nº7] (de que foi vítima J…);
xvi) pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176, nº1, alínea b), e 177, nº6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176º, nº1, alª b), e 177, nº7] (de que foi vítima L…);
xvii) pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176º, nº1, alínea b), e 177, nº6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176º, nº1, al.b), e 177º, nº7] (de que foi vítima I…);
xviii) pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima G…);
xix) pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima G…);
xx) pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal (de que foi vítima G…);
xxi) pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, nº1 e nº2, al.b), 154º, nº1 e 155º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal (de que foi vítima J…);
xxii) pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, nº1 e nº2, al.b), 154º, nº1 e 155º, nº1, alínea b), do Código Penal (de que foi vítima H…);
xxiii) pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal (de que foi vítima L…).
c) Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas na antecedente alínea b) e condenar o arguido B… (pela prática de todos os crimes ali mencionados) na PENA ÚNICA DE DEZ (10) ANOS DE PRISÃO EFECTIVA;
Condenar, ainda, o arguido B… a pagar a E… a quantia de €:15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos.
(…)
Do acórdão foi possível apurar a matéria de facto abaixo descrita.
Discutida a causa, julgam-se provados os seguintes factos:
1) No período compreendido entre o ano de 2011 e o ano de 2014, o arguido criou no "Facebook", através do IP Adress .............., perfis com os seguintes nomes:
a) “M…”, “N…”, “O…” e “P…”, associados à conta de e-mail “Q…hotmail.com”;
b)“S…”, associado à conta de e-mail “T…@gmail.com”;
c)“U…”, associado à conta de e-mail “V…@hotmail.com”;
d) “U…”, associado à conta de e-mail “V…@hotmail.com, onde utilizava também o nome “B1…”;
e) "B2… (B3…)”, associado à conta de e-mail “W…@hotmail.com”.
2) Durante as conversações que manteve através do Facebook nos perfis associados à conta de e-mail “Q….com”, o arguido também se identificou com o nome “Z…”.
3) E… nasceu em 21/12/2001.
4) Em data não concretamente apurada, o arguido conheceu E…, tendo-a abordado perto da Escola Básica AB…, onde esta frequentava o 5º ano de escolaridade.
5) Mais tarde, quando, no ano lectivo seguinte (2012-2013), a E… frequentava o 6º ano de escolaridade na Escola AC…, o arguido descobriu o perfil dela, no Facebook e pediu-lhe amizade, através do perfil que criou com o nome "M…", usando neste o nome AD….
6) A menor aceitou esse pedido de amizade e manteve conversações com o arguido no "chat" do Facebbok ("messenger"), durante as quais o informou sobre qual era a sua idade.
7) Nessas conversas, o arguido identificou-se como sendo Z…, informando a menor que tinha 19 anos e que queria namorar com ela.
8) A determinada altura, o arguido marcou encontro com a menor E… junto da paragem do metro AE…, tendo-lhe previamente fornecido o seu número de telemóvel, para onde se deslocou num veículo automóvel da marca Seat, de cor verde.
9) Nessa ocasião, o arguido pediu desculpas pelo facto de estar a mentir na idade e disse a E… que ia fazer 24 anos e que queria muito estar com a menor.
10)Depois disso, o arguido passou a mandar SMS’s à menor E….
11) Em data não concretamente apurada, no ano de 2013, cerca das 17h30m, o arguido foi esperar a E… à saída da Escola AC…, em …, no Porto, e conseguiu fazer com que a menor entrasse no veículo acima referido.
12) De seguida, o arguido transportou E… até a sua casa, sita na Rua …, nº …, …, …, dizendo que queria estar com a menor.
13) Após, levou a E… até ao seu quarto, despiu a camisola e pediu à menor para se despir, o que aquela não fez, mais lhe dizendo que não queria ter relações de sexo com ele.
14) E… acabou por abandonar a casa do arguido sem ter mantido relações de sexo com este.
15) Passados alguns meses, em data não concretamente apurada, E… recebeu no seu Facebook uma mensagem proveniente do arguido, que se fez passar por alguém chamado AF…, pedindo-lhe amizade.
16) Usando o perfil que criou com o nome de AF…, o arguido fez-se passar por uma rapariga, tendo, depois de dizer a E… que estava num colégio interno e que, por isso, não conseguia encontrar-se com o Z…, oferecido à E… €:60,00 (sessenta euros) para que esta tivesse relações sexuais com ele.
17) Decorrido um período de tempo não concretamente apurado, o arguido mandou mensagens à ofendida, pelo Facebook, pedindo-lhe namoro, o que foi aceite por ela.
18) Nas férias escolares da Páscoa de 2014, o arguido marcou encontro com a menor E…, tendo, em dia não concretamente determinado, conduzido a mesma até ao seu quarto.
19) Na cama e despidos, o arguido colocou-se em cima da menor E… e, sem usar preservativo, penetrou a vagina da ofendida, com o seu pénis erecto.
20) Depois de ter mantido com a ofendida relação de cópula vaginal, acompanhou-a à paragem de autocarro, tendo-lhe dado dinheiro para pagar a viagem de autocarro para casa.
21) No dia seguinte, a ofendida regressou a casa do arguido onde este, no seu quarto manteve relações sexuais de cópula vaginal, sem o uso de preservativo.
22) Estes encontros na casa do arguido repetiram-se ao longo desse período de férias, tendo o arguido, durante os mesmos, conseguido manter relações sexuais de cópula vaginal com a menor E… pelo menos em mais quatro dias.
23) Numa dessas ocasiões, o arguido tinha uma câmara e pediu para filmar o acto sexual mas a menor E… não quis.
24) Num dos primeiros sábados subsequentes ao período de férias da Páscoa, o arguido e um seu amigo cuja identidade se desconhece e que se deu a conhecer como sendo AG…, marcaram encontro com a E… e com uma amiga desta (F…), junto dos Bombeiros Voluntários AH….
25) Após, as menores E… e F… foram transportadas pelo referido AG…, até uma vivenda localizada fora de Matosinhos, em morada que não se logrou apurar qual fosse.
26) O arguido dirigiu-se com a E… para um quarto, onde manteve com ela relações de cópula vaginal, sem o uso do preservativo.
27) No sábado seguinte, o arguido voltou a marcar outro encontro com a E…, no mesmo local e foi novamente com esta a casa do referido AG…, onde, num quarto, voltou a manter relações sexuais com a menor, penetrando com o seu pénis a vagina de E… sem o uso de preservativo.
28) Num destes dois últimos encontros, o arguido deu à menor um cigarro para esta fumar, dizendo-lhe que era “ganza”.
(…)
97) Na sequência dos mandados de busca domiciliária, no dia 5/02/2015, na sua habitação, sita na Rua …, nº…, …, na …, a Polícia Judiciária apreendeu três cartões de memória e um telemóvel que se encontravam na posse do arguido B….
98) Foi, ainda, efectuada pesquisa ao PC portátil, tendo-se verificado na página de acesso ao Facebook, o registo de diferentes endereços de e-mail, tendo sido efectuado um print screen de mensagens de cariz sexual trocadas pelo arguido.
99) Realizado exame pericial aos cartões de memória e telemóvel apreendidos, constatou-se que o arguido tinha guardado, entre o mais, os seguintes ficheiros de imagem e vídeo:
a) um vídeo onde está filmado um individuo a exibir o pénis num transporte público, junto de um individuo do sexo feminino;
b) um vídeo onde está filmado um individuo do sexo feminino, aparentemente de menor idade, a despir-se;
c) um outro vídeo com um individuo do sexo feminino, aparentemente de menor idade, a masturbar-se;
d) três ficheiros de imagens de indivíduos do sexo feminino, aparentemente de menor idade, a exibirem partes do seu corpo, como vagina, nádegas e zona mamária.
100) O arguido agiu com a intenção conseguida de, para satisfazer os seus instintos sexuais, guardar os vídeos e imagens de cariz pornográfico referidos no antecedente ponto 99).
101) Quando levou a cabo as condutas descritas nos factos frovados que envolveram os menores E…, F…, J…, K…, G…, H…, L… e I…, o arguido agiu sempre de forma livre e consciente, com o propósito conseguido de satisfazer os seus apetites sexuais, não ignorando a idade dos menores E…, F…, J…, K…, G… e H…, nem ignorando que a idade de L… e de I… não era superior a 12 anos, mais sabendo que praticava actos ofensivos da liberdade pessoal e da autodeterminação sexual desses menores, nomeadamente quando:
i) Manteve, através do chat do Facebook, as conversas com os menores E…, J…, K…, L… e I… que se encontram descritas nos pontos 16), 46), 47), 55), 56), 83) e 84) e entre os pontos 90) e 96) dos Factos Provados;
ii) Manteve com a menor E… as relações de sexo que se encontram descritas entre os pontos 18) e 27) dos Factos Provados;
(…)
102) O arguido não ignorava que os comportamentos que teve e a que se referem as antecedentes alíneas i), ii), iii), iv) e v) do ponto 101) eram proibidos e punidos por lei.
103) O arguido, na sequência do divórcio dos progenitores, cresceu integrado no contexto familiar dos avós paternos, ele vendedor de produtos químicos e ela doméstica.
104) Os pais do arguido refizeram as suas vidas conjugais, constituindo ambos outras células familiares, mantendo com o filho um convívio esporádico e de ténue vinculação parental.
105) B… iniciou a escolaridade na faixa etária prevista, assinalando durante o primeiro ciclo de estudos um registo de aproveitamento escolar.
106) Com o ingresso no segundo ciclo, o arguido integrou grupo de pares e uma conduta de inserção favorável à desviância, que o conduziu ao abandono escolar, após conclusão do 6° ano.
107) Apontava uma matriz de absentismo privilegiadamente para permanecer junto do grupo de raparigas, com quem mantinha uma interacção de índole íntima e uma condição de toxicodependência de escalada de consumo e de panorâmica comportamental disruptiva.
108) Deste modo, plasmou um percurso vivencial pró-criminal inserido em contextos associais e com orientação vivencial dirigida para a satisfação dos seus hábitos aditivos, condição que manteve até aproximadamente aos 29 anos de idade.
109) Durante este período, nunca desenvolveu actividade profissional regular e registou relacionamentos íntimos com jovens de faixa etária inferior à sua, num cenário de vacuidade de vinculação afectiva, de manifesta satisfação da pulsão libidinal, muitas vezes modelado em ambientes de prostituição e promiscuidade.
110) Após diversas tentativas de reabilitação do consumo de estupefacientes, B… acabou por corresponder ao tratamento delineado no Centro de Respostas Integradas AI…, aderindo ao programa de substituição por metadona.
111) À data dos factos, B… residia na freguesia da …, numa zona periférica e adjacente a um local com conotação/associação a fenómenos de marginalidade, inserindo a habitação pertencente a um tio, um apartamento ao nível do … com condições de habitabilidade e conforto.
112) O arguido coabitava com o seu avô, de 84 anos, reformado, figura de suporte económico e de referência familiar.
113) B… trabalhava para a empresa AJ…, contudo registando uma dinâmica profissional de relativa inconstância.
114) B…, na esfera interpessoal, integrava um vasto grupo de pares, salientando-se a existência no mesmo de diversos elementos com práticas criminais, que se organizava em actividades associadas a alegadas disrupções e desviâncias.
115) Paralelamente, o arguido, que manifestava preocupações de inserção relacional íntima com jovens, despendia parte do seu tempo nas redes sociais e actividades relacionadas com as novas tecnologias, onde eram partilhadas imagens do grupo de pares e onde estabelecia contactos com diferentes indivíduos que também constavam naquelas redes sociais.
116) Nesse contexto, B… envolvia-se em diversos contactos esporádicos, muitos estabelecidos através daqueles meios, com o propósito de satisfação lasciva, todavia e de acordo com o próprio, na expectativa de estabelecer uma relação de intimidade e cumplicidade afectiva.
117) Nesse seguimento, iniciou relação de namoro com uma jovem, AK…, que conheceu através das redes sociais, na altura com 15 anos de idade e com quem manteve contacto de intimidade, chegando a ausentar-se com aquela para outra localidade, o que motivou que a mesma tivesse sido alvo de medida de promoção e protecção.
118) B…, reconhecendo a sua atracção por raparigas mais jovens, considera apresentar uma maturidade díspar da sua idade cronológica decorrente do facto de não ter vivenciando efectivamente o período da adolescência devido ao seu problema de toxicodependência.
119) Presentemente, o arguido, após alguns conflitos familiares, mudou de habitação, demarcando, desde Maio de 2017, uma inserção sócio residencial de instabilidade e transitoriedade.
120) Conserva com AK… relacionamento em união de facto, coabitando os dois em Rio Tinto em habitação cujas rendas se encontram em atraso.
121) Não obstante, preserva uma vivência mais associada ao concelho de Matosinhos, onde reside a família da companheira e para onde o casal se quer deslocar.
122) Exerce funções laborais na AJ… integrado na empresa AL….
123) Aufere 2,50€ por hora, 4h por dia, e, estando a companheira desempregada, conta com a ajuda da mãe da companheira, que lhes faculta apoio.
124) B… observa uma organização quotidiana atenta às necessidades profissionais e ao convívio com a companheira, afirmando beneficiar de um relacionamento de satisfação física e emocional, reiterando já não equacionar envolvimentos paralelos nem evidenciar necessidade dos mesmos.
125) Na sequência dos seus confrontos com a administração da justiça penal, foi-lhe imposto acompanhamento psicológico e psiquiátrico e tratamento médico e medicamentoso, encontrando-se actualmente B… a diligenciar pela retoma de consultas que, devido a faltas suas, comprometeram a sua integração no Programa de Agressores Sexuais da Clínica AM1… do Hospital AM….
126) O arguido revela compreender a censurabilidade da tipologia dos crimes de natureza sexual por causa dos quais tem contactado com o sistema de administração da Justiça, ainda que adopte quanto aos mesmos um discurso em que associa o seu interesse por relações com elementos etariamente mais jovens a uma eventual disparidade entre a sua maturidade e a sua idade cronológica e em que alude ao facto de os jovens apresentarem um desenvolvimento físico superior à idade que, frequentemente, ocultam ou omitem.
127) O arguido possui os seguintes antecedentes criminais registados:
i) condenação, por decisão de 7-12-2015 transitada em julgado em 21-01-2016, numa pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 4 meses (sob condição de entrega de 1.000,00 euros à Associação Portuguesa para o Estudo e Prevenção dos Abusos Sexuais de Crianças e de cumprimento de regime de prova com regras de conduta), pela prática, em 1-08-2014, de 3 crimes de abuso sexual de crianças (Processo nº 104/14.2P6PRT do Juízo Local de Fafe);
ii) condenação, por decisão de 21-04-2016 transitada em julgado em 23-05-2016, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de 6,00€uros, pela prática, em 3-06-2014, de um crime de pornografia de menores (Pr. 140/12.3JASTB do Juízo Local Criminal de Matosinhos - J2).
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente que:
a) Foi no final do ano de 2011 que o arguido conheceu a menor E….
b) Foi por não conseguir erecção que o arguido, na ocasião referida no ponto 13) dos Factos Provados, não manteve relações sexuais com E….
c) As férias escolares da Páscoa de 2014 decorreram entre o dia 7/04/2014 e o dia 21/04/2014.
d) Foi no dia 14/04/2014 que o arguido manteve a primeira relação de cópula vaginal com a menor E….
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Motivação da decisão de facto.
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Resposta do MP.
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Conclusões:
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Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.

Fundamentação e direito.
O objecto do recurso define-se no âmbito das conclusões que resumem os argumentos da motivação (artº 412 nº 1 do CPP).
O recurso tem por objecto matéria de facto e direito.
O recorrente é bem explícito ao enumerar os pontos que considera controvertidos.
Fundamentos do recurso como melhor os apresenta o MP a quo:
1. Invocando a existência dos vícios de conhecimento oficioso, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;
2. Impugnando a matéria de facto, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Penal, concretamente os factos provados 18 a 27.
3. Alegando a violação do princípio do in dúbio pro reo, face à dúvida sobre a ocorrência e do número de vezes em que o arguido praticou relações sexuais com a menor E…, atesta ter sido criada uma claríssima dúvida razoável, que deveria resultar em seu benefício.
4. Mencionando que o douto acórdão padece de fundamentação, pois não percebe quais as provas que suportam a convicção do tribunal;
5. Defendendo a condenação pela prática do crime de trato sucessivo (pontos 25), especificando que não percebe como a matéria de facto provada integra a prática de 9 crimes de abuso sexual;
6. Pondo em causa a indemnização arbitrada oficiosamente à vítima – E… por a considerar exagerada, pois não foi feita prova dos danos patrimoniais nem invocadas as exigências de protecção da vítima que dão por base à reparação (cfr. ponto 30 das alegações e CC das conclusões de recurso)
7. Criticando a medida da pena, por considerar exagerada considerando as suas condições socioeconómicas.
Termina, pugnando pela alteração da mencionada matéria de facto dada como provada e consequentemente pela sua absolvição ou pela sua condenação por um crime de trato sucessivo de abuso sexual de criança quanto à vítima E…, p. e p. pelo artigo 171, nº 1 do Código Penal, em pena de prisão suspensa na sua execução.
Os limites impostos pelo recorrente para avaliação do recurso são claros e inequívocos. O presente recurso tem por objecto matéria de facto e direito referente à menor E….
A vítima E… foi objecto dos seguintes crimes:
Como sabemos o arguido foi condenado, por douto acórdão, proferido em 10 de Janeiro de 2018, na pena única de dez (10) anos de prisão efectiva (com as seguintes penas parcelares, referentes aos crimes de que foi vítima E…, pois somente quanto a estes versa o recurso):
i) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
ii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
iii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
iv) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
v) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
vi) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
vii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
viii) pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal
ix) pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, alª b), do Código Penal
x) Mais foi condenado a pagar: “a E… a quantia de €:15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos”.
Falamos de 9 (crimes) de abuso sexual de criança, 8 deles previstos nos termos do artº 171 nºs 1 e 2 do CP e 1 (um) nos termos do artº 171 nº 3, alª b) do CP, todos eles com a vítima E….
Vamos começar pelos pontos 1) e 2) relativos aos vícios do texto da decisão recorrida – contradição insanável entre a fundamentação e decisão e erro notório da apreciação da prova – e erro de julgamento – impugnação da matéria de facto nos termos do artº 412 nºs 3 e 4 do CPP. Ficamos sem saber efectivamente a que vícios se pretende referir o recorrente e não é fácil descortinar, uma vez que se coloca, grosso modo, em causa a produção de prova.
Ainda é possível considerar a alª a) do nº 2 do artº 410 do CPP sobre insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, algo de distinto de insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. O que parece evidente, na perspectiva do recorrente, é que há insuficiência de prova para firmar a matéria de facto dada como provada naqueles pontos assinalados (13/28). Embora dito por outras palavras, julgamos que o recorrente quer dizer é que a prova assente nas declarações para memória futura é insuficiente para justificar a decisão do tribunal a quo. Neste sentido está afastado qualquer vício do texto da decisão recorrida. Sem dúvida que não estamos perante qualquer dos vícios previstos no artº 410 nº 2 do CPP. O recorrente veicula um erro de julgamento, por impugnação da matéria de facto, mas não satisfaz plenamente o ónus de especificação previsto na lei (artº 412 nº 3 do CPP) estribando-se na insuficiência das declarações prestadas para memória futura, já que as proferidas pela mãe da vítima não chegam para corroborar a acusação.
Apesar de tudo vamos analisar as declarações para memória futura pelas questões de direito que esta matéria encerra.
As declarações para memória futura estão previstas nos artºs 271 e 294 do CPP.
As declarações para memória futura foram reproduzidas em audiência de discussão e julgamento como se pode ver na acta a fls 758. O depoimento para memória pode ser tomado durante o inquérito, expressamente nos casos de vítima de crime … contra a liberdade e autodeterminação sexual. No caso de vítima menor procede-se sempre à sua inquirição durante o inquérito. Arguido e defensor tomam conhecimento do acto para que estejam presentes. A inquirição é sempre feita por um juiz e é correspondentemente aplicável o disposto nos artºs 352, 356, 363 e 364 do CPP.
A tomada de declarações não prejudica a tomada de novo depoimento em audiência de julgamento, se for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que o deva prestar. Durante a instrução o juiz pode alargar este campo de depoimentos para outros intervenientes processuais como melhor disciplina o artº 294 do CPP.
Podemos concluir que a tomada de declarações, neste tipo de crimes, com menores, é obrigatória e que neste caso está garantido o princípio do contraditório porque a aquisição deste meio de prova constitui uma antecipação da audiência de discussão e julgamento, sem prejuízo do que acima se disse quanto a nova inquirição ou reprodução de prova. A lei pretende, apesar do não impedimento, é que, a vítima não se exponha na audiência de julgamento. A renovação presencial da prova depende do juiz, para alcançar a verdade material, ou da defesa e MP, em casos justificados e atendíveis também pelo tribunal.
Como acima dissemos o recorrente não teve o cuidado de assinalar os concretos pontos que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e as que devem ser renovadas.
Alegou genericamente que não há prova do(s) dia(s) exacto(s) em que o arguido teve relações com a menor E… e se de facto houve relações sexuais com a menor. Pauta o seu articulado com afirmações genéricas: declarações não coerentes, nem verosímeis, vagas inconsistentes e acrescenta que não há outras testemunhas, quanto a este caso, senão a ofendida.
Lança interrogações com o exame elaborado pelo IML (17/11/2015) – perícia de natureza sexual (fls 184/187) - que mereceu recusa da examinada e sua mãe, depois de devidamente informadas. Ainda a fls 320/327, em nova tentativa (8/Março/2016), a menor desta vez submeteu-se a exame de natureza sexual que foi inconclusivo, face ao decurso do tempo, sugerindo-se avaliação de especialidade de psicologia forense. Contudo não se verificaram vestígios de agressão física. O que se pode dizer destes exames é que não vieram acrescentar algo aos elementos de prova primitivos.
O recorrente termina a dizer que as provas não chegam e por isso são insuficientes para condenar o arguido.
Sobre o depoimento para memória futura de E… vale a pena transcrever o comentário/motivação do tribunal a quo:
Desta forma, em relação à factualidade sobre os acontecimentos que envolveram a menor E…, valorou essencialmente o tribunal as declarações prestadas (para memória futura) pela própria menor sobre a forma como conheceu o arguido (e que então sempre julgou chamar-se Z…), sobre o teor das conversas que foram mantendo e sobre a forma como foram evoluindo os contactos e a relação entre os dois, bem como sobre as conversas que teve no “messenger” do Facebook com alguém que pensava ser uma rapariga chamada AF…. No entanto, por isso não ter resultado claramente de tais declarações, não foi feita prova sobre qual foi o dia exacto em que E… manteve pela primeira vez relações de sexo com o arguido, nem sobre pormenores mencionados na acusação relativos ao primeiro encontro que houve entre eles no quarto do arguido. Também nenhuma prova foi produzida quanto ao exacto período em que, no ano de 2014, decorreram as férias escolares.
Quanto à determinação das datas dos diversos factos ocorridos (e, logo, da idade que E… tinha aquando dos mesmos), verificaram-se algumas dificuldades, designadamente porque o testemunho de AN… se mostrou pouco consentâneo com os pormenores que a sua filha, E…, adiantou sobre as escolas que frequentava quando teve contactos pessoais com o arguido. Ainda assim, resultando inequivocamente das declarações de E… que a mesma frequentou a EB AB…, a escola AC… (em …) e a escola AO… (em …) e tendo-se como referência o facto de decorrer dos e-mails de fls. 38 a 40 que em 17/06/2014 E… era aluna do 7º ano de escolaridade nesta última escola, bem como o facto de esta ter situado o início do relacionamento sexual com o arguido nas férias escolares da Páscoa, mais dizendo que alguns meses antes, quando ainda frequentava a escola AC…, se deslocou com o arguido a casa deste, mostrou-se possível estabelecer com segurança que o relacionamento sexual se iniciou no período de férias da Páscoa do ano de 2014 e que, no ano lectivo anterior (2012-2013), a menor E… era aluna na escola AC….
Ainda quanto à menor E…, refira-se que não se olvidou na análise efectuada o teor dos relatórios de perícia médico-legal de fls. 184 a 187 e 320 a 322, ainda que nada de relevante tenha emergido dos mesmos.
O tribunal não delimitou temporalmente a prática dos factos imputados, designadamente a prática da primeira relação sexual, bem como durante o período de férias escolares relativas ao ano de 2014. Em bom rigor, se analisarmos a matéria de facto, apenas sabemos que as práticas sexuais ocorreram entre os anos de 2013/2014. Da audição do depoimento não é possível determinar o número de vezes que a vítima foi abusada.
Invariavelmente o tribunal utiliza um conceito indeterminado (em data não concretamente apurada) para descrever os actos sexuais praticados. O depoimento de AN…, mãe da menor E…, em termos factuais foi irrelevante e, só trouxe algum benefício quanto à descrição das escolas frequentadas pela filha. Sobre os relatórios médico-legais já acima nos pronunciamos. Apesar do quadro legal previsto para os depoimentos para memória futura o tribunal optou por não chamar a menor a julgamento, muito embora a ofendida nesta data já tivesse 17 anos de idade!... O depoimento foi reproduzido em áudio e o tribunal deu nota desse acto.
Vamos ter de trabalhar com o depoimento para memória futura tal como está prestado. Os procedimentos formais para esta tomada de declarações foram os adequados.
Sabemos que entre 2011 e 2014 o arguido criou no Facebook vários perfis entre os quais o de M…, designação com que pediu amizade para encetar conversações. Damos como assente que o arguido utilizou este estratagema para abordar as menores. Neste sentido, depois de criar uma relação de proximidade, partiu para os encontros, nos mais diversos lugares, incluindo a sua própria casa, acabando por conseguir relações de sexo com a menor E…, nos termos descritos nos factos provados de 3 a 28, mas, com indefinição do número de vezes e respectivas datas, porém, com a certeza, que essas práticas sexuais ocorreram sem qualquer dúvida. Ouvindo o depoimento da menor E… conclui-se que as práticas sexuais ocorreram mas com dificuldade de as situar no tempo, número e modo preciso.
A principal questão, amarrada inexoravelmente ao depoimento de prova para memória futura, prende-se com o melhor enquadramento jurídico sobre a realização plúrima do mesmo tipo de crime e cometimento de vários tipos de crime - concurso homogéneo e heterogéneo de crimes. O cometimento de vários crimes, tendo em conta a conduta infractora e a natureza dos bens, pode ser tratado no âmbito da especialidade, subsidiariedade ou pura consumpção. Por seu turno a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode configurar uma única resolução, pelo facto da actuação dolosa persistir ao longo de toda a execução e ainda devido a factores exógenos ligados a uma reiteração da conduta, permitindo um tratamento continuado.
O acórdão, conhecedor das regras sobre unidade e pluralidade de infracções, optou por tratar cada uma das actuações do arguido de forma independente, como resoluções criminosas distintas e separáveis. Os crimes de abuso sexual de crianças protegem bens eminentemente pessoais pelo que não podem ser tratados no âmbito da continuação criminosa (artº 30 nº 3 do CPP). Conclui o acórdão que o número de crimes corresponderá ao número de vezes que cada um dos tipos de crime for preenchido pela conduta do arguido, rejeitando a tese da unidade criminosa resolutiva.
Optou por aquela posição quer quanto aos bens protegidos, quer quanto às vítimas, porém, a questão mais melindrosa tem a ver com as vítimas que foram objecto da prática de mais do que um tipo legal de crime, que tutelam interesses de liberdade pessoal e autodeterminação sexual, ou mesmo de vítimas, como a E…, que foi objecto de várias manifestações criminosas no âmbito do mesmo tipo.
Nesta matéria o recurso vem balizado quanto aos crimes praticados na pessoa da ofendida E… mas oficiosamente o tribunal não pode deixar de se pronunciar quanto aos restantes ofendidos. Nem se entende por que razão o recorrente delimitou esta matéria na pessoa da vítima E… quando há outros ofendidos vítima de crimes em concurso: o mesmo crime ou crimes diferentes.
No juízo do tribunal a quo E… foi vítima de 9 (nove) situações distintas, correspondentes a um conjunto de abusos sexuais, em dias não determinados, mas que ocorreram entre 2011/2014, 8 (oito) com práticas de sexo de relevo e 1 (uma) de actuação abusiva por meio de conversação. Como tratar esta matéria do concurso lato sensu de forma mais consentânea com a prova produzida, não descurando a protecção de bens e o número de vítimas.
Os crimes sexuais podem ser praticados de forma isolada e por isso concretamente determinados, porém há casos em que essa actividade sexual se prolonga no tempo. Considerações idênticas valem para a prática de crimes relacionados com estupefacientes e outros, que não só os que protegem bens eminentemente pessoais.
O arguido decidiu actuar através de contas criadas no Facebook para mediante conversa ou exibição pornográfica, conseguir encontros que o levassem a práticas sexuais com menores. Esta decisão foi tomada entre 2011/2013. Sabemos que essas práticas ocorreram mas, não sabemos quantas. Do depoimento para memória futura não resulta o exacto número de crimes praticados.
A contagem deste número crimes insolúvel tem sido resolvida com recurso a uma jurisprudência que se vai afirmando no tratamento destes ilícitos como crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, onde se convenciona um só crime, tanto mais grave, quanto mais repetido. Ao invés dos crimes continuados, nos crimes prolongados há um progressivo agravamento da culpa, à medida que se reitera a conduta. A gravidade da ilicitude e da culpa acentuam-se com a prática reiterada. O crime prolongado não é mais do que uma unidade resolutiva, que não é o mesmo que uma única resolução, pois o mais essencial é que o agente actue no âmbito de uma conexão temporal, sem ter de renovar o seu processo de motivação. A homogeneidade da conduta repercute-se no tempo, com a prática de ilícitos idênticos ou, se diferentes, protegem um bem jurídico semelhante, apenas com a condição de a vítima ser a mesma. Já vimos que temos vítimas objecto de violação do mesmo ilícito e de ilícitos diferentes mas, com protecção de bens jurídicos semelhantes – Sobre esta matéria veja-se o inovador Acórdão nº 862/11.6TAPFR.S1, de 29/11/2012, do STJ, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho. Outros se seguiram quer no STJ, quer nos tribunais das diversas relações, como por exemplo do TRE no processo nº 14/14.3GAVVC.E1.DF, relatado por Carlos Berguete Coelho (11/10/2016) e processo nº 72/15.3JASTB.E1, relatado por António Condesso (16/03/2017).
A doutrina vem sustentando esta corrente jurisprudencial.
Há propósitos político-criminais que estão na base desta construção normativa de uma unidade de facto: por um lado as numerosas realizações típicas, como no caso dos crimes sexuais, levaria a dificuldades práticas de comprovação judicial e por outro, este irrepetível número de condutas seria insustentável em termos de punição, com consequências desproporcionadas. – J. Figueiredo Dias – Direito Penal (Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime) – Tomo I, página 1028.
A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode apresentar as seguintes variantes: um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou a realização inicial; um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; ou um concurso de infracções…
Acórdão do STJ de 25 de Junho de 1986, in BMJ, 358, 267.
A doutrina internacional, em particular a alemã, trata esta unidade típica da acção em sentido amplo, como uma comissão reiterada do mesmo tipo legal de crime – ou semelhante - durante um curto lapso de tempo, com permanência do mesmo contexto motivacional perante uma situação fáctica unitária. Esta unidade natural da acção não fica excluída pelo facto de se lesarem bens jurídicos pessoais em diferentes titulares – Tratado de Direito Penal – Parte Geral – fls 767 Hans H. Jescheck/Thomas Weigend – Editorial Colmares.
O presente caso parece constituir uma unidade resolutiva, porquanto o seu autor persistiu com o modelo realizado inicialmente. Esta modalidade só vai sendo interrompida por via da pluralidade de vítimas, pois o caso concreto teve várias vítimas. Estamos cientes que no crime continuado o legislador quis diferenciar os bens eminentemente pessoais, caso contrário não teria retirado do artº 30, nº 3 do CP a excepção: salvo tratando-se da mesma vítima (redacção dada pela lei nº 40/2010 de 03/09) porém, esta unidade global do facto (unidade resolutiva), só diferenciada pelas diversas vítimas, sai agravada à medida que a conduta é reiterada, não deixando de atender à violação do mesmo bem jurídico ou semelhante (relação de estreita afinidade) muito embora os conceitos emprestados do crime continuado se devam manifestar: estrutura da execução homogénea; a mesma solicitação exterior e a proximidade espácio temporal (unidade de contexto situacional). A motivação subjectiva está definida desde o início das condutas.
Por tudo, somos levados à defesa desta unidade resolutiva, pela punição do crime mais grave, na modalidade de trato sucessivo.
Temos vários ofendidos nos presentes autos: E…; J…; K…; L…; F…; I…; G… e H….
Exceptuando a determinação da unidade criminosa, quanto ao demais concordamos com a argumentação expendida pelo tribunal a quo, incluindo as medidas parcelares das penas para os diferentes tipos legais de crime: abuso sexual de criança; pornografia agravada; actos sexuais com adolescente e coacção agravada.
Do dispositivo aplicado pelo tribunal a quo, de forma agrupada, resultou o seguinte:
Condenar o arguido B… nas seguintes penas parcelares:
1) E…:
a) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
b) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
c) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
d) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
e) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
f) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
g) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal.
h) Na pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nºs 1 e 2, do Código Penal.
i) Na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, alª b), do Código Penal.
2) J…
a) Na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171, nº3, alª b), do Código Penal
b) Na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176, nº1, alínea b), e 177, nº6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176, nº1, alª b), e 177, nº7].
c) Na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, nº1 e nº2, al.b), 154º, nº1 e 155º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal.
2) K…
Na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nº3, alª b), do Código Penal (de que foi vítima K…);
3) L…
a) Na pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nº3, alª b), do Código Penal
b) Na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176, nº1, alínea b), e 177, nº6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176º, nº1, alª b), e 177, nº7].
c) Na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154º, nº1 e 155º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal.
4) I…
a) Na pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, nº3, alª b), do Código Penal
b)Na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176º, nº1, alínea b), e 177, nº 6, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176º, nº1, alª b), e 177º, nº7].
5) F…
a) Na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia agravada, previsto e punido [à data dos factos] pelos artigos 176º, nº1, alínea b), e 177, nº5, do Código Penal [que correspondem aos actuais 176, nº1, alª b), e 177, nº6].
6) G…
a) Na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
b) Na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
c) Na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de actos sexuais com adolescente, previsto e punido pelo artigo 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
7) H…
Na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, nº1 e nº2, al.b), 154º, nº1 e 155º, nº1, alínea b), do Código Penal.
Com estas penas parcelares o tribunal a quo condenou o arguido numa pena única de 10 (dez) anos de prisão.

Com este quadro é mister saber como vai operar a punição em relação a cada uma das vítimas, já que, consoante a vítima, estão em concurso crimes diferentes, necessariamente, também, com molduras penais diferentes.
Pela ordem acima enumerada comecemos pela vítima E…, à qual concretamente se cinge o recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso em relação às demais.
E…:
Na descrição do acórdão o arguido foi objecto de 9 (nove) crimes de abuso sexual de criança, 8 (oito) pela prática do crime p. e p. nos termos do artº 171 nºs 1 e 2 do CP, com condenação em 4 (quatro) anos de prisão por cada um dos crimes e 1 (um) pela prática do artº 171 nº 3, alª b) do CP, com condenação em 8 (oito) meses de prisão.
J…:
Foi condenado pelo concurso de três crimes: abuso sexual de criança na pena de 8 (oito) meses de prisão (artº 171 nº 3 alª b) do CP); pornografia agravada na pena de 2 (dois) anos (artºs 176 nº 1 e 177, nº 7, ambos, do CP) e coacção agravada na forma tentada (artºs 22, 23 nºs 1 e 2, alª b) e 154, nº 1 e 155 nº 1, alªs a) e b), todos do CP).
K…:
Aqui o arguido apenas foi condenado como autor material de um crime de abuso sexual de criança, na pena de 8 (oito) meses de prisão (artº 171 nº 3, alª b) do CP).
L…:
O arguido foi condenado pelo concurso de três crimes: abuso sexual de criança na pena de 10 (dez) meses de prisão (artº 171 nº 3, alª b do CP); pornografia agravada, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (artºs 176 nº 1, alª b) e 177, nº 7, ambos, do CP) e coacção agravada, na pena de 2 (dois) anos de prisão (artº154 nº 1 e 155 nº 1, alªs a) e b) do CP).
I…:
Condenado pela prática de dois crimes: abuso sexual de criança, na pena de 10 meses de prisão (artº 171 nº 3, alª b) do CP) e pornografia agravada, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (artºs 176 nº 1, alª b) e 177 nº7, ambos do CP).
F…:
Condenado pela prática de um crime de pornografia agravado, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão (artºs 176 nº 1, alª b) e 177 nº 6, ambos, do CP).
G…:
Condenado pela prática de 3 (três) crimes de actos sexuais com adolescentes, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses para cada um dos crimes (artº 173 nºs 1 e 2 do CP).
H…:
Condenado apenas por um crime de coacção agravada, na forma tentada (artº 22, 23, nº 1 e 2, 154 nº 1 e 155 nº 1, alª b) todos do CP).
Há vítimas que foram objecto de crimes tratados em concurso e outras não.
Os crimes de abuso sexual de criança; actos sexuais com adolescentes e pornografia de menores protegem a autodeterminação sexual, enquanto os crimes de coacção destinam-se a proteger a liberdade pessoal e, se relacionada com sexo, a liberdade sexual.
O crime de trato sucessivo, como unidade resolutiva, é punido pelo facto mais grave, o que, quanto aos crimes apresentados em concurso, terá que ser procurado na prática do crime mais grave.
De acordo com as vítimas a punição centra-se na prática do facto mais grave que corresponde aos seguintes crimes de trato sucessivo:
a) Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, de trato sucessivo, o arguido será condenado na pena de 4 anos de prisão (artº 171 nºs 1 e 2 do CP) – vítima E….
b) Pela prática de um crime de pornografia agravada, de trato sucessivo, o arguido será punido na pena de 2 anos de prisão (artºs 176 nº 1, alª b) e 177 nº 7 do CP) – vítima J….
c) Pela prática de um crime de abuso sexual de criança, na pena de 8 meses de prisão (artº 171 nº 3, alª b) do CP) – vítima K….
d) Pela prática de um crime de pornografia agravada, de trato sucessivo, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão (artº s 176 nº 1, alª b) e 177 nº 7 do CP) – vítima L….
e) Pela prática de um crime de pornografia agravada, de trato sucessivo, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão ( artºs 176 nº 1, alª b) e 177 nº 7 do CP) – vítima I….
f) Pela prática de um crime de pornografia agravada na pena de 1 ano e 10 meses de prisão (artºs 176 nº 1, alª b) e 177 nº 6 do CP) – vítima F….
g) Pela prática de um crime de actos sexuais com adolescente, de trato sucessivo, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão (artº 173 nºs 1 e 2 do CP) – vítima G….
h) Pela prática de um crime de coacção agravada, na forma tentada, na pena de 1 ano de prisão (artºs 22, 23, nº 1 e 2 alª b), 154 nº 1 e 155 nº 1, alª b) do CP) – vítima H….
O cúmulo jurídico de penas elaborado pelo tribunal a quo, de acordo com a sua concepção sobre unidade e pluralidade de infracções, foi muito generoso, já que o acervo de penas parcelares deveria ditar uma pena única bem mais expressiva, como, uma correcta operação jurídica recomendaria. Com a defesa da pluralidade de infracções houve necessidade de elaborar, de forma aceitável, um cúmulo jurídico de penas, o que se compreende pelas razões acima expostas.
Sobre a operação teórica para encontrar a pena única estamos de acordo com o tribunal a quo (artºs 77/79 do CP). Os factos e a personalidade são determinantes, por outro lado, a matéria de facto, na sua generalidade, trata as condutas do arguido, independentemente das diversas vítimas, pela prática do facto mais grave, situação que nesta tipologia criminal agrava a conduta do arguido, só assim se entendendo o crime de trato sucessivo.
A censura ético-jurídica e as exigências de prevenção que os crimes reclamam levam-nos a sancionar o arguido com uma pena única de oito (oito) de prisão. Apesar da natureza agravada da conduta do arguido nos casos de crime de trato sucessivo decidimos manter as penas parcelares das práticas criminosas mais graves como forma de não suscitar especulações sobre o princípio da reformatio in pejus, na certeza que a nova moldura concreta da pena não ultrapassaria os 10 anos, limite de prisão fixados pelo tribunal a quo.
Tendo em conta o que acima se referiu decide-se condenar o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
Sobre os restantes aspectos do recurso: princípio in dúbio pro reo, medida da pena e indemnização arbitrada oficiosamente à vítima, convém dizer que as questões sobre a medida da pena e do princípio in dúbio pro reo estão acima implicitamente tratadas. De acordo com o crime de trato sucessivo a punição resulta da prática do facto mais grave, o que nos leva a concluir que as molduras parcelares estão abaixo do expectável por força da agravação. Apesar de tudo o tribunal superior decidiu mante-las, tanto mais que andam quase sempre muito perto dos limites mínimos. Sobre a pena única nada a acrescentar, pelo facto de estar muito abaixo do exigível numa operação desta natureza.
O princípio in dúbio pro reo cai por terra quando o tribunal superior decide tratar esta matéria como um crime de trato sucessivo. As dúvidas sobre o exacto número de crimes ficam dissipadas com a unidade resolutiva.
Sobre a indemnização às vítimas o recorrente fixa-se na arbitrada à vítima E…, no valor de 15.000,00€. Alega que parece exagerada porque não está provado o exacto número de crimes, nem a ofendida faz prova dos danos não patrimoniais. Não há relatório psicológico e não sabemos quais as particulares exigências de protecção da vítima.
Para o recorrente, só quanto a esta vítima, é que o valor da indemnização parece ser exagerado. Este tipo de vítimas são especialmente vulneráveis nos termos do artºs 67-A nº 3 e artº 1, alª j), ambos, do CPP. As vítimas de criminalidade violenta ou especialmente violenta são sempre consideradas vítimas vulneráveis. Não há pedido de indemnização cível. O arguido teve possibilidade de exercício do contraditório quanto a esta matéria. O tribunal a quo demonstrou quais os factos fundamento desta indemnização. Os danos não patrimoniais, violadores de direitos de personalidade, são evidentes e têm de ser arbitrados nos termos do artº 494 do CC, protegendo especialmente este tipo de vítimas.
Em conclusão argumenta o tribunal, ponderando a idade de cada um destes menores aquando dos factos acima descritos, a manipulação exercida sobre os mesmos, o nível de intrusão na esfera de privacidade de cada um e a afectação causada na respectiva liberdade de autodeterminação sexual, bem como a pressão e constrangimento da sua liberdade pessoal (sendo certo que o rebate físico e emocional das vítimas não se esgotam na dor ou nos sentimos de vergonha e/ou tristeza que possam ter experimentado, tendo também repercussões ao nível do seu salutar e harmonioso desenvolvimento na esfera afectivo-sexual e que ficará a marcar o seu percurso de vida), entende-se que, sem olvidar os demais factores mencionados no artigo 494º do Código Civil, é equitativo e proporcional fixar às vítimas (já de forma actualizada) os seguintes montantes indemnizatórios: 15.000,00€uros para E…; 10.000,00€uros para G…, 7.000,00€uros para L…; 6.000,00€uros para I…; 5.000,00€uros para J…; 2.000,00€uros para F…; e 1.500,00€uros para K… e H….
O valor da indemnização fixada, atribuído oficiosamente, é justo e equitativo. Mantém-se a indemnização.
Improcede a argumentação sobre as causas objecto do recurso atinentes às matérias do princípio in dúbio pro reo; medida da pena e indemnização arbitrada.
Procede parcialmente o recurso.

Assim e nestes termos acordam os juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B…, revogando a decisão recorrida, nos termos supra assinalados, condenando-se, agora, o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão efectiva.
Quanto ao demais mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs.
Registe e notifique.

Porto, 6 de Fevereiro de 2019.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos. (voto a decisão, embora sem aderir á fase do crime de tese sucessiva, atentas as possibilidades do caso presente, por considerar que dessa forma se alcançou uma solução justa e equilibrada.)