Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
687/16.2TXPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Nº do Documento: RP20170308687/16.2TXPRT-D.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A circunstância de o recluso cumprir pena de prisão pela segunda vez suscita exigências acrescidas quanto à solidez do seu propósito de se afastar definitivamente da prática de crimes. Mas não pode considerar-se tal circunstância decisiva para a negação da liberdade condicional, pois tal seria admitir o necessário insucesso de uma segunda condenação em pena de prisão (depois de verificado o insucesso da primeira) e porque tal seria contrário ao espírito da lei, que não prevê requisitos acrescidos para a concessão de liberdade condicional nesse caso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 687/16.2TXPRT-D.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… vem interpor recurso da douta decisão do 1º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto que não lhe concedeu o regime de liberdade condicional.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1. Ao contrário do exposto pelo Tribunal “a quo”, considera o condenado estarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 61º, n.º 2, alíneas a) e b) do C. Penal.
2. Não pode, porém, o recorrente concordar com esta decisão do Tribunal a quo face à franca evolução que tem demonstrado em sede de cumprimento de pena, tendo inclusive sido emitido parecer favorável à concessão da liberdade condicional pelo Conselho Técnico.
3. O condenado compreende a gravidade dos seus atos e demonstra arrependimento pelos mesmos, apresentando um discurso de reconhecimento do ilícito penal e refere que sabe que “o tráfico destrói muitas famílias “. (veja-se decisão ora posta em crise) que o Tribunal a quo apelida de pouco sustentado e autocentrado em si e nos seus.
4. Não pode, porém, o Tribunal a quo esquecer quer o nível de escolaridade do recluso quer a sua maturidade psicológica que certamente não permitem que este exprima com profundidade necessária o seu arrependimento ou os motivos que o levaram a delinquir, sedo que o mesmo referiu que o que fez “é grave”.
5. Justifica a prática dos crimes com a sua toxicodependência e a necessidade de ter dinheiro para os seus consumos sendo que se encontra abstinente de qualquer tipo de drogas desde 6 meses antes da sua reclusão.
6. E apesar das dúvidas manifestadas pelo Tribunal a quo a verdade é que apesar de controlado nunca o recorrente apresentou resultado positivo.
7. Ainda assim se o Tribunal concedesse a liberdade condicional ao condenado sujeita a deveres, entre os quais um acompanhamento/tratamento no ambito da toxicodependência, que o recluso declarou aceitar, poderia haver certeza da sua abstinência.
8. Apesar de o condenado estar convencido do seu arrependimento e da interiorização da culpa, alegando que o seu ato não só o prejudicou a ele como também, à sua companheira e aos 3 filhos do casal, sempre se dirá que não é requisito de concessão da liberdade condicional nesta fase, que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa como aliás refere o Tribunal a quo.
9. Pois o que a lei exige que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes, conforme o mesmo acórdão.
10. Ora o B… apresenta um percurso claramente positivo e marcado pelo crescimento pessoal, senão vejamos:
a) O condenado está laboralmente inserido no EP, desde junho de 2015, tendo inicialmente trabalhado na manutenção do pavilhão e desde setembro de 2015 no bar;
b) Não foi alvo de aplicação de qualquer medida disciplinar
c) Beneficiou em setembro de 2016 de uma saída jurisdicional que decorreu em condições de normalidade
d) Uma vez em liberdade possui um projeto de vida concreto e assente em pilares fundamentais: reintegrar o seu agregado familiar– companheira e três filhos e voltar a trabalhar com o seu antigo patrão – que se mostrou disponível para o integrar profissionalmente.
11. Acresce ainda que não existem quaisquer sentimentos de rejeição á sua presença no seu meio habitacional, onde é visto como individuo cordato.
12. O condenado tem assim firme intenção de se afastar da criminalidade e das atitudes que o levaram à reclusão.
13. Apresentando, por conseguinte, um projeto de vida solido, bem estruturado e bem definido, nomeadamente ao nível da inserção profissional, fundamental para a sua reintegração.
14. O recorrente desde que deu entrada no estabelecimento prisional vem mantendo um comportamento de acordo com as normas institucionais, sendo reconhecido como um recluso educado e cordial e como já se referiu, sem registo de procedimentos ou infrações disciplinares.
15. Incutiu em si próprio que de facto atuou erradamente no passado, mas no futuro não vai voltar a incorrer no mesmo erro, uma vez que a pena que cumpriu teve o efeito pretendido pelo Tribunal, pelo que deveria ter sido concedida a liberdade condicional ao condenado.
16. Nesta conformidade, entende-se que embora sem olvidar a gravidade comprovada na condenação sofrida, em termos práticos não pode deixar de ser tomado em consideração o percurso prisional exemplar do condenado.
17. Sendo possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
18. Também refere o Tribunal como motivo para o indeferimento da liberdade condicional, o facto de o condenado já ter uma condenação anterior por crime da mesma natureza (tendo estado preso preventivamente e depois condenado numa pena suspensa) e por mais dois crimes, a factos reportados a 1999.
19. Ora, quando o arguido foi sujeito a julgamento, no âmbito do processo à ordem do qual se encontra a cumprir pena de prisão, o Coletivo de juízes ponderou todo esse passado quando aplicou ao então arguido a pena que ora cumpre.
20. Aliás, a decisão de aplicação ao arguido B… da pena de 4anos e 6m, foi alvo de discordância por parte da Sra. magistrada do MP que recorreu do acórdão condenatório, tendo este Venerando Tribunal da Relação do Porto confirmado a decisão de primeira instância, no que ao arguido B… diz respeito.
21. Obviamente nunca se poderá ter a certeza de que, uma vez em liberdade, o condenado não voltará a delinquir. Nem cumprida que estivesse toda a pena, na prisão, se poderia ter uma tal garantia!
22. Mas uma fundamentada esperança de que assim virá a acontecer justificará o risco que necessariamente sempre se corre quando se entra num pacto de adesão: cumprirei a minha parte, acreditando e/ou na convicção de que tu cumprirás a tua!
23. Esperança fundamentada na justa medida em que se poderá ter por certo que o tempo que leva sofrido com a privação da liberdade lhe constituirá motivo dissuasor bastante para não voltar a prevaricar.
24. Ou seja, o condenado demonstrou empenho durante a reclusão no sentido da manutenção de hábitos de trabalho imprescindíveis para a adaptação ao meio livre e vontade de aquisição de novas competências de forma a levar uma vida útil para a sociedade.
25. O Condenado incutiu em si próprio que de facto atuou erradamente no passado, mas no futuro não vai voltar a incorrer no mesmo erro, uma vez que a pena que cumpriu teve o efeito pretendido pelo Tribunal.
26. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao não conceder o benefício da Liberdade Condicional a que de facto tem direito o condenado.
Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas:
Art. 61º, n.º 2, alíneas a) e b) do C. Penal;»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo provimento do recurso.

Nos termos do artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal (aplicável ex vi do artigo 239º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade), o Mº Juiz a quo sustentou a decisão recorrida.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, saber se se verificam, quanto ao recorrente, os pressupostos de concessão do regime de liberdade condicional.

III - É o seguinte o teor da fundamentação da douta decisão recorrida:
«(...)
II. Com interesse para a decisão a proferir, consigna-se a seguinte factualidade, resultante do exame e análise do teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) do(s) processo(s) da condenação, do CRC do condenado, dos relatórios elaborados em cumprimento do preceituado no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, da ficha prisional remetida pelo estabelecimento prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição do recluso, tudo elementos documentados nos autos, principais e apensos:
O condenado nasceu em 25.06.1977.
Cumpre a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, à ordem do processo n.º 16/13.7PFGDM, da Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção Criminal – J5, no âmbito do qual foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (desde data não concretamente apurada, mas anterior a Julho de 2013, até 24.09.2013, dedicou-se à venda de heroína e cocaína, sendo um dos fornecedores de um seu co-arguido).
Atingiu a metade da pena em 01.03.2016, atingirá os dois terços da mesma em 01.12.2016, estando o seu termo previsto para 01.06.2018.
O condenado encontra-se recluído pela segunda vez em cumprimento de pena de prisão efectiva, tendo-lhe sido anteriormente aplicada uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo saído em liberdade em 15.11.2007 - com pena de prisão suspensa na sua execução, após reabertura da audiência (elementos constantes do apenso n.º 4784/07.7TXPRT).
No CRC junto figuram cinco condenações anteriores, a primeira das quais proferida em 10.05.2000 (factos de 13.09.1999), relativas à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal (três condenações por este tipo de crime), ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, e tráfico de estupefacientes.
O recluso apresenta um discurso de reconhecimento do ilícito penal pelo qual foi condenado que se revela pouco sustentado e autocentrado na sua condição toxicómana e nos malefícios que a situação de reclusão encerra para si e para os seus (análise técnica de fl. 108).
Ouvido, em relação ao crimes declarou que: o cometeu devido à sua toxicodependência de cocaína, com vista a sustentar esses seus consumos; o que fez é grave, pois o tráfico destrói muitas famílias, o que já sabia; não consome drogas desde Junho de 2013, sem ter tido necessidade de tratamento.
O condenado situa o início do consumo de substâncias de forte poder aditivo (cocaína) em 2003, quando contava cerca de 26 anos de idade; desencadeou várias tentativas de abandono deste tipo de consumo, tendo chegado a beneficiar de acompanhamento no Centro de Respostas Integradas do Porto Ocidental, sem sucesso; refere que o contacto com pessoas com idêntica problemática que a unidade de saúde proporcionava se revelava prejudicial para a sua recuperação, tendo optado por abandonar o acompanhamento; à data da reclusão, segundo afirma, encontrava-se em estado abstinente há, sensivelmente, 6 meses; em meio prisional nunca beneficiou de acompanhamento especializado, uma vez considerar não necessitar; aceita a imposição de tratamento no âmbito da toxicodependência, no quadro de uma eventual liberdade condicional.
No decurso da execução da pena foi laboralmente colocado, em Junho de 2015, na manutenção do pavilhão onde está integrado, tendo transitado para o bar desse mesmo pavilhão em Setembro seguinte, onde se mantém.
Não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares.
Beneficiou, em Setembro último, de uma licenças de saída jurisdicional, a qual decorreu em condições de normalidade.
Se colocado em liberdade condicional, regime no qual consente, projecta reintegrar o seu núcleo familiar constituído, composto pela sua companheira, 33 anos de idade, desempregada, e pelos 3 filhos do casal, de 10, 5 e 2 anos de idade; o casal vive em união de facto há cerca de 15 anos, sendo o relacionamento intrafamiliar baseado na proximidade afectiva e na existência de laços de coesão e entreajuda.
O agregado familiar ocupa um apartamento inserido em empreendimento camarário, de tipologia 3, detentor de razoáveis condições de habitabilidade; trata-se de zona negativamente referenciada pelas problemáticas sociais que apresenta (exclusão social, desemprego) e relevantes focos de marginalidade, especialmente associados ao tráfico e consumo de estupefacientes.
Não obstante ser do conhecimento da comunidade vicinal a situação jurídico-penal do condenado e de alguns familiares, a par de uma atitude algo generalizada de tolerância a comportamentos desviantes, não foram observados sentimentos de rejeição à sua presença naquele meio social, sendo referenciado como indivíduo cordato; ao nível da convivialidade é apenas referido o convívio familiar e com alguns elementos da comunidade vicinal, em cafés da zona residencial envolvente.
O condenado abandonou a escolaridade aos 15 anos e idade, tendo apenas concluído o 1.º ciclo do ensino básico, num registo de ausência de motivação e dificuldades de aprendizagem; com essa idade terá iniciado vida profissional activa na área das artes gráficas, a que se seguiram outras actividades que desempenhou de forma informal, sem expressão significativa; seguiu-se um período de dependência de subvenções sociais, que intercalava com actividades indiferenciadas; à data da reclusão encontrava-se a laborar, de modo informal, para C…, na área da construção civil, auferindo rendimentos variáveis.
Relativamente à sua ocupação socialmente útil, do contacto telefónico estabelecido com o referido antigo empregador do condenado, resultou a informação de que este se encontra disponível para o integrar profissionalmente, numa das suas empresas, na área da construção civil ou como taxista.
O agregado familiar, no momento presente, vivencia uma situação económica deficitária, subsistindo da atribuição do Rendimento Social de Inserção, no valor de 473€, a que acresce o abono de família dos menores (180€).
III. Apreciando.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (aquisição temporal e consentimento do condenado, este último imposto pelo artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal), cumpre avaliar o preenchimento dos respectivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena (dois terços em proximidade), são os estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Em primeira linha, cumpre considerar que o condenado se encontra pela segunda vez em reclusão e pela prática do mesmo tipo de crime.
Assim, como se vê, a anterior privação da liberdade não foi suficiente para o afastar, definitivamente, da criminalidade, o que denuncia ausência de intimidação sentida pela anterior intervenção do sistema de justiça penal/prisional.
Para além disso, sofreu anteriormente as restantes condenações acima referidas.
Deste modo, visto todo o descrito quadro, afiguram-se muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, de forma a ser possibilitada, por parte do condenado, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação.
Em ordem a esta conclusão concorre a circunstância de o condenado apresentar um discurso de reconhecimento do ilícito penal pelo qual foi condenado que se revela pouco sustentado e autocentrado na sua condição toxicómana e nos malefícios que a situação de reclusão encerra para si e para os seus (cf. a análise técnica supra), realidades que impedem o exercício de autocrítica satisfatória, por deficiente interiorização da culpa e da necessidade da pena.
Por outro lado, subsistem dúvidas sobre o recluso ultrapassou, consistentemente, a sua toxicodependência, dadas as evidentes fragilidades de personalidade que revela, assim como a não adesão a qualquer acompanhamento específico.
Para além disso, o condenado não apresenta um projecto sólido e estruturado de vida futura, concretamente no que se prende com o exercício de actividade laboral (existe uma vaga promessa de diferentes trabalhos), pelo que, também por essa via, se suscitam fundadas dúvidas sobre o seu comportamento futuro.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, proferido no processo n.º 3716/10.0TXPRT-C.P1, considerou-se que “importante para se aquilatar da evolução da personalidade do recluso e, consequentemente, para o prognóstico quanto ao sucesso do objectivo da liberdade condicional é a existência de um projecto de vida credível. Concretamente, importa saber o que se propõe e projecta fazer o recluso quando for libertado, sobretudo no que respeita à sua ocupação profissional, aspecto que consideramos decisivo para uma reinserção bem sucedida. Nesse aspecto, não temos mais que uma promessa de trabalho e sabe-se como é fácil (também nesta matéria) prometer e não cumprir”.
Como factores de valoração positiva, sem, contudo, se sobreporem ao conjunto dos demais acima enunciados, não podendo, por isso, sustentar a conclusão de poder ser comunitariamente suportado o risco de uma libertação, verifica-se existirem algumas condições objectivas (familiares e habitacionais) favoráveis em meio livre (o qual, de resto, se traduz em zona negativamente referenciada pelas problemáticas sociais que apresenta - exclusão social, desemprego - e relevantes focos de marginalidade, especialmente associados ao tráfico e consumo de estupefacientes, o que incrementa decisivamente os, já em si muito elevados, riscos de nova recidiva criminal), ausência de medidas disciplinares, benefício assertivo de uma licença de saída e manutenção de actividade laboral – este trajecto prisional deve, contudo, ser enquadrado no seu conhecimento e adaptação ao modo de funcionamento do meio prisional, adquirido ao longo das reclusões que lhe têm sido impostas, não podendo, por isso, ser sobrevalorizado.
Conforme se considerou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2010, proferido no processo n.º 7783/06.2TXLSB (recurso n.º 7783/06.2TXLSB-a.P1), do 1.º Juízo deste TEP do Porto, “nos casos de segunda condenação em pena de prisão efectiva somos do parecer que os índices de perigosidade criminal surgem acentuados e como tal os graus de exigência da probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte o comportamento socialmente responsável e de não reincidência criminal devem ser mais acentuados” (note-se que este acórdão foi proferido no quadro de um recluso em regime aberto no exterior que já havia cumprido mais de dois terços da pena em execução).
E no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.10.2012, proferido no processo n.º 2119/10.0TXCBR-H.P1, anotou-se que os antecedentes criminais e prisionais “levam a que se exija da parte do recluso a manifestação de um propósito muito claro, firme e inequívoco de mudança dos seus comportamentos, de ruptura com o passado e de inversão definitiva da sua propensão para a prática de crimes (e que se verifiquem condições objectivas para que esse propósito seja concretizado)”.
(...)»

IV. – Cumpre decidir.
Vem o recorrente alegar que se verificam os pressupostos que determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Vejamos.
Nos termos do artigo 61º, nº 2, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, para a concessão de liberdade condicional, basta que se verifique o requisito constante da alínea a) do referido nº 2 desse artigo.
Nos termos do nº 1 desse mesmo artigo 61º, a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
No caso em apreço, foram já atingidos (em 1 de dezembro de 2016) dois terços da pena em que o recorrente foi condenado, pena que foi superior a seis meses.
O recorrente prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional.
Estão, assim, verificados os pressupostos formais de concessão do regime de liberdade condicional, de acordo com os citados nºs 1, 2 e 3 do artigo 61º do Código Penal: já ocorreu o cumprimento pelo condenado de dois terços da pena de prisão (período que foi superior a seis meses) e o condenado manifestou a sua concordância.
Constitui, neste caso, pressuposto substancial (ou material) da concessão de liberdade condicional, de acordo com os citados nºs 2 e 3 do artigo 61º do Código Penal, que seja de esperar, fundadamente, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão.
Estamos perante um pressuposto relativo à prevenção especial, positiva e negativa, à perigosidade do agente e à sua reinserção social. Exige-se a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Considera a douta decisão recorrida que não se verifica tal pressuposto, por ser a segunda vez que ele se encontra em reclusão pela prática do mesmo crime (o que denuncia ausência de intimidação pela intervenção anterior do sistema penal/prisonal), por apresentar um reconhecimento do ilícito penal pouco sustentado e autocentrado na sua condição de toxicómano e nos malefícios que a situação de reclusão encerra para si e para os seus, por subsistirem dúvidas sobre se ultrapassou a toxicodependência (dada a sua não adesão a algum programa de tratamento específico) e por não apresentar um projeto sólido e estruturado de vida futura (existe apenas uma vaga promessa de trabalho).
Vejamos.
É certo que a circunstância de o recorrente cumprir pena de prisão pela segunda vez suscita exigências acrescidas quanto à solidez do seu propósito de se afastar definitivamente da prática de crimes. Mas não pode considerar-se tal circunstância decisiva para a negação da liberdade condicional, pois tal seria admitir o necessário insucesso de uma segunda condenação em pena de prisão (depois de verificado o insucesso da primeira) e porque tal seria contrário ao espírito da lei, que não prevê requisitos acrescidos para a concessão de liberdade condicional nesse caso.
Afigura-se-nos suficientemente relevante a manifestação, pelo recorrente, de reconhecimento dos malefícios do crime por que foi condenado. Ele reconhece claramente os malefícios do tráfico e consumo de estupefacientes. É compreensível que associe a prática do crime por que foi condenado à sua toxicodependência, pois tal corresponderá à verdade (e importante será, então, a solidez do seu propósito de não recair na toxicodependência). E é compreensível que aluda também aos malefícios que a reclusão acarreta para si e para a sua família (esse reconhecimento corresponde à finalidade intimidatória da pena e é sinal de que esta finalidade terá sido cumprida). Neste contexto, exigir um arrependimento mais autêntico poderá conduzir-nos a juízos sobre motivações interiores arbitrariamente subjetivos.
É certamente importante a solidez do propósito do recorrente de se libertar definitivamente da toxicodependência; só se tal propósito se concretizar, estará afastado o perigo de prática de futuros crimes. É certo que ele não seguiu um programa de tratamento específico da toxicodependência, tratamento que tornaria mais segura a situação de abstinência em que se encontra. Mas ele afirma a sua disponibilidade para, no âmbito do regime da liberdade condicional, ter acompanhamento especializado para evitar eventuais recaídas.
Também não se nos afigura adequada uma maior exigência quanto à probabilidade de o arguido obter trabalho em liberdade. No contexto social onde se insere, de acentuada pobreza e precariedade, não será realista pretender uma promessa de trabalho mais sólida do que a que se apresenta ao recorrente. E não pode este ser prejudicado pelas características desse contexto social, na medida em que não dependem da sua vontade.
Devem ser, antes, valorizados o bom comportamento do recorrente no meio prisional e o apoio familar de que beneficia.
É de salientar que o Conselho Técnico emitiu parecer favorável (com um voto desfavorável) à liberdade condicional (ver fls. 161 e 162 destes autos) e nesse sentido também se pronunciou o Ministério Público (ver fls. 163 destes autos). Em consonância com essa posição, o Ministério Público, junto do Tribunal de primeira instância e junto desta instância, pugnou pelo provimento do recurso em apreço.
Afigura-se-nos, por isso, que estará verificado o pressuposto material de concessão da liberdade condicional: é de esperar, fundadamente, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Não pode ignorar-se, também, que o regime da liberdade condicional deverá contribuir para que assim suceda. As finalidades da pena continuarão a ser prosseguidas por meio desse regime.
Impõe-se, por isso, conceder provimento ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 153º, a contrario, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade).

V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, determinando que ao recorrente B… seja concedida liberdade condicional, com as seguintes condições: residir em morada certa a fixar pelo Tribunal de primeira instância; aceitar a tutela da equipa de reinserção social; observar o plano de consultas e tratamento a estipular no quadro da problemática da toxicodependência; dedicar-se à procura ativa de emprego e, uma vez este obtido, dedicar-se ao trabalho com regularidade; e manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.

Notifique.

Passe mandados de libertação, de imediato.

Porto, 8/3/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo