Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2834/17.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202104292834/17.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano biológico deve ser fixado através da equidade, mas sem esquecer os valores que se obteriam pela aplicação das regras relativas à perda da capacidade de ganho, que o balizam.
II - Esse dano deve ter em atenção a esperança média de vida e não a idade de laboração activa.
III - É mais do que adequado o valor de 4.000 euros para ressarcir uma incapacidade geral de 2%, numa lesada sem rendimentos e com 61 anos de idade na data do acidente.
IV - Os danos não patrimoniais devem ser fixados tendo em conta todos os elementos dos autos ponderando: a angústia da simples eclosão do evento; o grau de dores sofrido pela lesada, o número de dias e a dimensão dos tratamentos que sofreu, e as sequelas que permanecerem.
V - É, por isso, adequado fixar em 10.000 euros o valor da indemnização para uma lesada que não sofreu outras sequelas físicas permanentes, teve alta hospitalar no dia seguinte, e alta clinica decorridos 135 dias e padeceu de angústia geral devido ao acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 2834/17.8T8PNF.P1

Sumário:
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1. Relatório
B…, residente Rua …, nº …, …, Penafiel, intentou a presente ação de processo comum contra a ré C… – COMPANHIA DE SEGUROS S.A. com sede na Rua …, nº .., Apartado …., ….-…, Porto, pedindo a sua condenação no pagamento: das seguintes quantias: (dez mil euros) referente à incapacidade de que ficou a padecer; (sete mil e quinhentos euros) referente a danos não patrimoniais; (quatro mil e quarenta euros) referente a danos patrimoniais.
Para o efeito, alegou que no dia 18 de novembro de 2016, na Avenida …, em …, Penafiel, o veículo seguro na ré com a matrícula ..-AH-.. seguia na referida avenida e a autora seguia a pé, pelo passeio quando, ao chegar junto à passadeira de peões e após se certificar que o podia fazer em segurança, a autora iniciou o atravessamento da rua. Quando a autora atravessava a passadeira, o condutor do AH não se apercebeu da sua presença da mesma e embateu com o veículo na autora fazendo com que esta fosse projetada da berma para a estrada. Em consequência do embate, a autora foi transportada para o CHTS apresentando diversas lesões. Após receber alta médica, a autora esteve algum tempo acamada e permaneceu de baixa médica até ao mês de março de 2017. Atualmente, a autora continua a sentir cefaleias, dor residual na cervical e tonturas. A autora sente igualmente grande dificuldade em realizar a maioria das tarefas domésticas. A autora sempre foi doméstica mas fazia pequenos biscates como empregada doméstica. Acresce que devido ao embate a autora sofreu dores, sentindo-se triste, perturbada e desgostosa. Por outro lado, viu-se obrigada a contratar uma mulher a dias, pelo período de 4 horas diárias durante três meses, tendo despendido a quantia de € 1.320,00; gastou ainda em consultas médicas a quantia de € 60,00 tendo ainda perdido o aparelho auditivo e a prótese dentária, no valor de € 1.960,00 e € 700,00.
Citada, a ré contestou aceitando a dinâmica do acidente, mas impugnando as lesões e os danos sofridos pela autora.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto de litígio e temas da prova.
A autora foi submetida a perícia médico-legal.
No início da audiência a autora ampliou o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, face ao quantum doloris que ficou demonstrado no relatório pericial (4 pontos) para a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros).
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida decisão que determinou julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré C…- COMPANHIA DE SEGUROS, SA: A pagar à autora a quantia global de 13.380,00€ (treze mil trezentos e oitenta euros), por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
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2. Inconformada veio a autora recorrer através desta apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
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2.2. Foram apresentadas contra-alegações, nos seguintes termos:
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3. Questões a decidir
Determinar se a indemnização fixada quanto aos danos biológico e não patrimoniais deve ser alterada.
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4. Motivação de facto
Resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 18 de Novembro de 2016, cerca das 18h30m, na Avenida …, freguesia …, concelho de Penafiel, ocorreu um embate.
2. O proprietário e condutor do veículo segurado na ré, D…, conduzia a viatura automóvel ligeiro de mercadorias, matrícula ..-AH-.., na referida Avenida, no sentido …/… – …/Penafiel, a velocidade não inferior a 60 km por hora.
3. A autora, que vinha da sua residência em direção a …/…, circulava na referida Avenida …, a pé, no passeio, com cerca de um metro de largura, junto da faixa de rodagem do sentido de marcha do veículo segurado da R..
4. Ao chegar junto à passadeira destinada a peões existente no local, devidamente sinalizada na faixa de rodagem e através de sinal de trânsito, a autora depois de se certificar que não circulava nenhum veículo em qualquer dos sentidos de trânsito, iniciou o atravessamento da mesma.
5. Quando a autora estava a atravessar, na passadeira, a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o AH, o condutor do referido veículo, por falta de atenção ao trânsito não reparou na presença desta e, por isso, não reduziu a velocidade a que circulava,
6. indo embater com a parte direita do seu veículo na A., de tal modo que esta foi projetada para a berma da estrada, ainda em cima da passadeira, onde ficou inanimada e imobilizada no chão.
7. A travessia da autora foi feita da direita para a esquerda em relação ao sentido de trânsito do veículo segurado da R..
8. O veículo segurado na ré ficou paralisado cerca de 10 (dez) metros após passadeira,
9. e só parou em consequência do embate na autora, tendo travado apenas após esse embate, por não se ter apercebido da presença da A. devido à falta de atenção ao trânsito com que circulava.
10. O local do acidente é uma reta ligeiramente inclinada com cerca de 200 metros, com perfeita visibilidade.
11. A via onde ocorreu o acidente tem dois sentidos de marcha com marcação a delimitar as duas hemi-faixas de trânsito.
12. No local do acidente a via mede cerca de 5.20 mts de largura.
13. Do local do acidente, a autora foi transportada para o Centro Hospitalar …, EPE.
14. À entrada do referido hospital, a autora, como consequência direta e necessária do acidente acabado de descrever, apresentava:
- Vertigens;
- Dores cervicais e lombares;
- Hematoma frontal direito;
- Cervicalgia, mantendo colar cervical;
- Hemorragia subaracnoídeia pós-traumática nos sulcos cortinais frontais posteriores à direita. Ausência de focos de contusão isquémicos ou hemorrágicos.
-Sistema ventricular com dimensões e morfologia normais. Permeabilidade normal das cisternas da base. Sem sinais de fracturas da base ou da calote craniana. Hematoma frontal direito;
- TC Coluna cervical retificação da normal curvatura lordótica cervical. Canal raquidiano cervical com dimensões normais. Sem sinais de fracturas ou de subluxações articulares.
15. No referido hospital, a autora efetuou diversos exames complementares de diagnóstico, tendo tido alta hospitalar no dia seguinte ao acidente - dia 19 de Novembro de 2016, às 20h57m.
16. Por manter tonturas, foi observada e medicada no seu domicílio, onde foi assistida, em 20.11.2016.
17. Em consequência das lesões sofridas, a Autora esteve acamada no seu domicílio e totalmente dependente de terceira pessoa, durante quinze dias, para o exercício das normais tarefas do seu quotidiano.
18. A autora permaneceu de baixa médica até 02 de abril de 2017.
19. Anteriormente ao acidente a autora era autónoma na execução das tarefas do dia-a-dia.
20. Em consequência do acidente e das lesões sofridas, a autora ficou perturbada, desenvolvendo um quadro de ansiedade.
21. Em consequência do acidente a autora ficou a padecer de dores de cabeça frequentes e tonturas quando se baixa.
22. De acordo com a Tabela Nacional de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a autora ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente ou Défice Funcional Permanente da integridade Físico-Psíquica, pelo conjunto das sequelas manifestadas, de 2 pontos.
23. O quantum doloris foi fixado num grau 4.
24. Como consequência direta e necessária do acidente a autora ficou limitada na execução das tarefas do seu dia-a-dia, em especial as respeitantes à limpeza e asseio da casa.
25. só podendo mesmo exercer algumas dessas tarefas, à custa de maior esforço e sacrifício.
32. Atenta a circunstância de a Autora ter ficado acamada durante quinze dias e de ter ainda ficado impossibilitada de executar as tarefas do dia-a-dia durante cerca de três meses,
33. viu-se obrigada a contratar uma “mulher-a-dias”, pelo período de 4 horas diárias.
34. A autora pagou à referida pessoa, €5,00 (cinco euros) à hora, sendo que durante o fim-de-semana contava com a ajuda do marido e dos seus filhos.
35. A autora gastou em consultas médicas o valor de 60,00€ (sessenta euros).
36. À data do sinistro, o proprietário do veículo AH tinha transferido para a ré a responsabilidade decorrente de acidentes de viação, mediante contrato de seguro com a apólice n.º …………...
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5. Motivação jurídica
Pretende, em primeiro lugar, a apelante que a verba relativa ao seu dano biológico seja aumentada de 5 mil para 10 mil euros.
Vejamos.
Conforme este coletivo já considerou no processo nº 1477/18.3T8PVZ.P1, o dano biológico foi criado na década de setenta do século passado pela jurisprudência Italiana[1], visando proteger alguns lesados que até então viam ameaçado o direito fundamental à saúde sem que houvesse uma resposta adequada à tutela dos seus interesses no campo da responsabilidade civil. Porque, nesse ordenamento, os danos não patrimoniais só poderiam ser ressarcidos nos casos tipificados na lei. Para evitar esse constrangimento legal e com o fundamento na “ampla tutela da saúde”[2] esse dano passou a ser indemnizada a título de dano patrimonial, apesar de, não existir perda de qualquer vantagem económica.
No nosso ordenamento não existia ou existe qualquer limitação à indemnização de danos não patrimoniais (nos termos da cláusula geral do art. 496º, do CC), daí que a “importação” do conceito de dano biológico tenha sido aparentemente desnecessária[3], porque as situações para o qual foi criado já mereciam entre nós a tutela da ordem jurídica desde que se considera-se que o dano fosse “sério, e por isso ressarcível.
Mas, depois, da sua aplicação jurisprudencial, o dano biológico foi consagrado pelo legislador no Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, e concretizada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho, precisamente com natureza subsidiária para as situações em que existia um dano físico sem afetação da capacidade de ganho.
O dano biológico surge logo no preâmbulo, onde se prevê que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
O legislador reservou para o conceito de dano patrimonial futuro aquelas situações em que o lesado fique incapacitado para “prosseguir a sua profissão habitual ou qualquer outra”.
Daí que existam posições que incluem o dano biológico como uma realidade dos danos não patrimoniais; uma indemnização patrimonial ou um tertium generus autónomo[4].
Mas, face à sua transplantação para a ordem jurídica nacional parece mais correto enquadrar essa realidade como um dano evento que pode ser indemnizado no caso concreta em diferentes concepções, sendo em regra, quando não exista afectação da capacidade de ganho, de forma autónoma face aos diferentes danos não patrimoniais existentes[5].
Neste sentido a jurisprudência mais recente integra essa situação nos danos patrimoniais, admitindo porém que a influência no quadro dos danos não patrimoniais como dano-evento[6].
Consideramos, assim de acordo com a jurisprudência maioritária, que:
1. O dano biológico consiste na perda de capacidades físicas e intelectuais nos campos laboral, recreativo, social, sexual ou sentimental. Por isso é ressarcido enquanto dano patrimonial.
2. Quando não há perdas económicas imediatas provocadas pela lesão, o dano biológico é valorado na perda dos lucros que eventualmente o lesado irá ter no futuro (aqui reconduzido aos lucros cessantes);
3. Nos casos em que essas perdas não sejam previsíveis admite-se que o dano biológico seja apenas o esforço acrescido que o lesado tem de suportar em todas as atividades da vida.
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2. Da fixação do dano
Quanto ao dano biológico a duração do mesmo não é a vida activa[7] mas sim a esperança de vida actualmente superior, no caso do sexo feminino a 80 anos. Porque o que se indemniza aqui é a dificuldade de acção e não a perda de rendimentos.
Depois, como salienta o Ac do STJ de 6.12.2017 nº, 559/10.4TBVCT.G1.S1 (Maria Graça Trigo): “estando em causa danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico” – entendidos como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais” – não pode ser aceite o procedimento da 1.ª instância ao utilizar como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, presumindo que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (resultante dos factos provados) corresponderia a uma taxa de incapacidade laboral parcial permanente de 2%”.
E, por fim, como afirma, entre outros, o Ac do STJ de 18.10.2018 nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1: “No que ao dano biológico concerne, na medida em que o critério último, obrigatório e decisivo, é a equidade, tem, inclusive, a jurisprudência fixado, quase sem excepção, valores indemnizatórios excedentes aos que resultariam da simples e “automática” aplicação desses referentes da dita Portaria”.
Por isso, o montante do dano biológico deve ser fixado segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), em função de vários factores, entre os quais:
(i) a idade do lesado;
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e
(iv) todos os restantes que relevem casuisticamente, nomeadamente a sua profissão.
Acresce que a nossa jurisprudência além de admitir a ressarcibilidade desta verba tem fixado valores, em casos análogos e mais recentes entre escassos milhares a várias dezenas de milhar de euros dependo, quer do pedido concreto formulado em cada processo e do grau de afectação causado[8].
In casu, a autora nasceu em 25/12/1954 e ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente de 2 pontos.
Em primeiro lugar temos de notar que esses esforços acrescidos situam-se num grau mínimo. Segundo Pedro Brito Monteiro[9], “deverá o julgador ponderar sempre se, no caso submetido a apreciação, os esforços suplementares em questão são “ligeiros, moderados ou consideráveis”.
Depois, tendo em conta a esperança de vida (83 anos), e o valor actual do salário mínimo nacional (665 euros mensais) esse valor seria de 4096 euros (smnx 14 meses x 23 anos x 2% de incapacidade). Se ao mesmo descontarmos um fator de 0,30 por implicar o recebimento de uma quantia total que por isso pode produzir rendimento, atingimos o valor de 2.867,48. É certo que o juízo a aplicar é com base na equidade, mas esta não pode deixar de ser balizada[10] pelos resultados da aplicação análoga caso o mesmo dano desse causa a uma incapacidade de ganho. Note-se, que a adoção do dano biológico não visa tratar de forma mais favorável um lesado, que sofre um dano corporal sem afetação da capacidade de ganho, face aquele que sofre essa afetação.
Se ajustarmos esse valor com base na equidade, veremos que o montante indicado situar-se-ia em cerca de 4000 euros, como tal inferior até ao fixado na decisão e nunca atingiria o valor peticionado pela apelante[11].
Logo, o valor fixado na decisão ora recorrida não é afinal diminuto e até ultrapassa, quase duplicando os meros cálculos aritméticos que a apelante põe em causa.
Improcede, pois, esta questão.
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3. Do montante fixado a título de danos não patrimoniais.
A sentença recorrida fixou esse valor em 7.000,00 pretendendo a apelante que o mesmo seja aumentado para 15.000,00 euros.
Vejamos.
Os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil).
Estes destinam-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, conforme assente entre nós “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil.
Para balizar essa operação existem indicações sistemáticas que são essenciais.
Os primeiros decorrem do art. 494º, do CC., que se limita a enunciar: o montante dos danos causados; as circunstâncias do caso concreto; o grau de culpabilidade do agente e a situação económica do lesado, que no caso não revela.
Importante será também os casos análogos nacionais por forma a ser obtida uma aplicação o mais uniforme possível do direito. Com efeito, o artigo 8.º do CC impõe, que se tenha em consideração, nas decisões a proferir, todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Ora, nesta matéria dos factos provados resulta que:
14. À entrada do referido hospital, a autora, como consequência direta e necessária do acidente acabado de descrever, apresentava: - Vertigens; - Dores cervicais e lombares; - Hematoma frontal direito; - Cervicalgia, mantendo colar cervical; - Hemorragia subaracnoídeia pós-traumática nos sulcos cortinais frontais posteriores à direita. Ausência de focos de contusão isquémicos ou hemorrágicos.-Sistema ventricular com dimensões e morfologia normais. Permeabilidade normal das cisternas da base. Sem sinais de fracturas da base ou da calote cranianas. Hematoma frontal direito; - TC Coluna cervical rectificação da normal curvatura lordótica cervical. Canal raquidiano cervical com dimensões normais. Sem sinais de fracturas ou de subluxações articulares.
15. No referido hospital, a autora efetuou diversos exames complementares de diagnóstico, tendo tido alta hospitalar no dia seguinte ao acidente - dia 19 de Novembro de 2016, às 20h57m.
16. Por manter tonturas, foi observada e medicada no seu domicílio, onde foi assistida, em 20.11.2016.
17. Em consequência das lesões sofridas, a Autora esteve acamada no seu domicílio e totalmente dependente de terceira pessoa, durante quinze dias, para o exercício das normais tarefas do seu quotidiano.
18. A autora permaneceu de baixa médica até 02 de abril de 2017.
19. Anteriormente ao acidente a autora era autónoma na execução das tarefas do dia-a-dia.
20. Em consequência do acidente e das lesões sofridas, a autora ficou perturbada, desenvolvendo um quadro de ansiedade.
23. O quantum doloris foi fixado num grau 4.
26. A autora nasceu em 25.12.1954.
27. A autora sempre foi doméstica, fazendo, no entanto, pequenos biscates também como empregada doméstica.
28. Devido às lesões que sofreu em consequência do acidente, a autora sofreu dores e incómodo no normal fluir do seu dia-a-dia.
29. A autora sente-se triste, perturbada e desgostosa.
30. Ainda hoje, a autora sente dor, ansiedade, nervosismo.
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Depois, teremos de notar que a autora ampliou o seu pedido, nesta matéria para 15 mil euros após receber o relatório pericial.
Mas teremos de compreender o que significa um quantum doloris de 4 em 7.
Segundo o método numérico, que usa a escala de sete graus, (numérica e qualificativa) estabelecida em França: < 1. Mínimo; 1. Muito ligeiro ou muito leve (1/7); 2. Ligeiro ou leve (2/7); 3. Moderado (3/7); 4. Médio (4/7); 5. Considerável ou bastante importante ou grave (5/7): 6. Importante ou grave (6/7); 7. Muito importante ou muito grave (7/7); > 7. Considerável
Ou seja, estamos, por isso num grau médio mais próximo do limiar mínimo não indemnizável.
Depois, notem-se os seguintes casos análogos:
• Ac da RE de3.11.2016, 718/12.5T2STC.E1 (Manuel Bargado). Considerando a idade do autor, a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade do autor, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00.
Ac do TRC de 22.11.2019, nº 342/17.6T8CBR.C1 (MOREIRA DO CARMO)
No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos (…), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €.
Ac do TRG de 30.5.2019, nº1760/16.2T8VCT.G1, MARGARIDA SOUSA (desceu a indemnização de 20 mil para 15 mil num caso em que a cura das lesões demandou um longo período de tempo (205 dias no total), com imobilização do membro superior esquerdo durante um período de seis semanas e a inerente alteração da sua vida pessoal, familiar e profissional, sendo o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 150 dias, que o quantum doloris se situou acima da média (4 numa escala de 0 a 7), que as dores e as dificuldades acrescidas na realização das tarefas quotidianas (traduzidas no défice funcional de 4 pontos) o acompanharão ao longo de toda a sua vida, bem como, que o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 2.
Ac do STJ de 20.11.2014, nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1 (Teresa Beleza) fixou em € 10.000,00 os demais danos não patrimoniais – dor, submissão a exames médicos, insónias e pesadelos durante um ano num lesado que sofreu além de traumatismo craneano e do punho esquerdo, traumatismo do joelho esquerdo, e tendo sido em exame posterior detectado lesão traumática da rótula esquerda, com rotura dos ligamentos, laxidão meniscal e rasgadura capsular, estas lesões têm de ser consideradas consequência do acidente. Foi fixado um quantum doloris de grau 3, e uma incapacidade permanente geral de 10 pontos devido ao stress pós traumático resultante do atropelamento, criando ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira.
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Ponderando estes factores teremos de ter em conta que o fundamental é fixar a indemnização global sem duplicação entre as várias variáveis da indemnização.
Ora, in casu a simples eclosão do acidente com o susto angustia e dor implica um valor de mil de euros que não foram calculados pelo tribunal a quo.
Depois, a dor sofrida no grau 4 implica, também, pelo menos cerca de 3.000 euros.
A dimensão e duração do tratamento é relevante (de meados de Novembro a inicio de abril). Ora se calcularmos um valor de 25 euros[12] diários, e multiplicarmos por cerca de 135 dias atingimos um valor de, aproximadamente, 3375 euros.
Depois, ainda teremos de fixar um valor para ressarcir a lesada dos restantes danos já que: “A autora sente-se triste, perturbada e desgostosa. 30. Ainda hoje, a autora sente dor, ansiedade, nervosismo.
Considera-se, por isso que o valor global da indemnização devida à apelante pelos danos não patrimoniais sofridos se deve fixar no valor global de 10.000,00 euros, assim dando provimento parcial ao recurso
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VI. Decisão
Pelo exposto este tribunal julga a presente apelação, parcialmente procedente e, por via disso, altera o valor da indemnização devida por danos não patrimoniais, para dez mil euros (10.000), mantendo integralmente todo o restante decidido.
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Custas a cargo de ambas as partes na proporção do seu decaimento que se fixa em 80% para a apelante e 20% para a apelada.
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Porto em 29.4.2021
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
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[1] Maria Graça Trigo, in ADOPÇÃO DO CONCEITO DE “DANO BIOLÓGICO” PELO DIREITO PORTUGUÊS, in ROA Ano 72 – Vol. I, Jan-Mar de 2012, pág. 147 e segs.
[2] Cfr. BISOGNI K., DE ROSA C., RICCI P., “A Tabela Italiana de Avaliação do Dano Corporal — Percurso histórico”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano XV, n.º 16, novembro de 2006, p. 113
[3] Maria da Graça Trigo, ob cit, pág. 166 é clara “há que reconhecer que, no contexto da doutrina e da jurisprudência portuguesas, a adopção do dano biológico enquanto dano autónomo, não apenas não foi efectuada, como provavelmente não precisará de o ser”.
[4] Cfr. o Ac da Rl de 22.11.2016 nº 1550/13.4TBOER.L1-7, que efectua um resumo dessas correntes.
[5] Luísa Monteiro de Queiroz, DO DANO BIOLÓGICO, ROA pág. 183 e segs; ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra, Almedina, 2001, p. 273 e Maria da Graça Trigo, ob cit pág. 147 e segs. De notar que uma das primeiras decisões que concedeu esse dano foi desta relação; Ac da RP de 7.4.97, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, Tomo II, 1997, p. 204, que decidiu: “é uma alteração morfológica do lesado, limitativa da sua capacidade de viver a vida como a vivia antes do mesmo acidente, por violação da sua personalidade humana”. Tal dano traduz-se “num prejuízo concreto, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens espirituais, insuscetíveis de avaliação pecuniária, como a saúde, a inteligência, os sentimentos, a vontade, a capacidade afectiva e criadora, a liberdade, a reserva da privacidade individual e o prazer proporcionado pela vida e pelos bens materiais, e integra-se na categoria dos danos não patrimoniais.”
[6] Ac do STJ de 10.12.2019, nº 32/14.1TBMTR.G1.S1: “no que toca ao dano biológico, deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, ainda que, no imediato, a diminuição funcional não tenha reflexo no montante dos rendimentos auferidos pelo lesado e mesmo que o lesado não fique impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão”. Ac do STJ de 26.1.2017 (proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, “havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”. Ac do STJ de 29.10.2019 nº 683/11.6TBPDL.L1.S2: “O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e da integridade psico-somática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado suscetível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insuscetível, em rigor, dessa avaliação pecuniária)”. Ac STJ de 19.4.2018, nº 196/11.6TCGMR.G2.S1 (ANTÓNIO PIÇARRA): A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária.
[7] Cfr. por mais recente o Ac do STJ de 10.1.2019 nº 499/13.5TBVVD.G1.S2 que decidiu: “A indemnização deste dano biológico, a fixar por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, não tem como fim indemnizar a perda (futura) de rendimentos do lesado em consequência do acidente, pelo que a idade máxima a considerar para efeitos de contabilização da indemnização será a correspondente à expetativa de vida ativa e não a idade-limite para a reforma”.
[8] Veja-se o caso decidido pelo Ac do STJ de 6.10.2016 nº 1043/12.7TBPTL.G1.S1: “tem direito a ser indemnizado pela incapacidade traduzida na diminuição da sua condição física, que, como tal, representa um dano específico e autonomamente indemnizável, assente na penosidade adveniente da diminuição de capacidades e do maior esforço físico que terá que desenvolver, na sua vida diária, que, atenta a sua idade (35 anos à data do acidente) e o grau de incapacidade (07 pontos) se computa «ex aequo et bono» em 10.000,00 €uros”.
[9] In Graduação dos esforços suplementares no âmbito das perícias de clínica forense. Relevância em sede de arbitramento de indemnizações judiciais”, publicado na na Revista Portuguesa do Dano Corporal nº 25, pág.´s 43 a 51.
[10] Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, O Direito, 122º, 261 e segs“o recurso à equidade tem em vista estimular a flexibilidade e a ampla compreensão da situação, subtraindo o julgador a princípios puros e rigorosos de carácter normativo.
[11] Veja-se nesta matéria num caso análogo o Ac da RG de 19.6.2019, 249/14.9TBMNC.G2 (Sandra Melo): é adequado fixar-se indemnização pelo dano patrimonial consistente nos esforços acrescidos para o exercício da profissão decorrente do dano biológico (que foi fixado em 2 pontos) no valor de 4.000,00 €”.
[12] Que corresponde a um ligeiro arredondamento do valor do smn dividido por 30 dias.