Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4568/13.3TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
MÚTUO
NULIDADE
FORMA
Nº do Documento: RP201601254568/13.3TBMAI-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 616, FLS.151-155)
Área Temática: .
Sumário: Um cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO de APELAÇÃO Nº 4568/13.3TBMAI-A.P1

Relator: Sousa Lameira
Adjuntos: Dr. Oliveira Abreu
Dr. António Eleutério

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- Na Comarca do Porto Maia - Inst. Central - 2ª Secção de Execução - J1 por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que B…, com domicílio na Rua…, Porto, intentou contra C…, com domicílio na Rua…, Maia, veio o executado deduzir os presentes embargos de executado, alegando que:
Ocorreu a prescrição do direito de acção do exequente ao abrigo do disposto no art. 52º, da Lei Uniforme de Letras e Livranças, pois que da data de apresentação do cheque a pagamento até à propositura da acção executiva decorreram sete anos.
O título não goza de eficácia executiva pois não se encontra munido de natureza cambiária, bastando-se como mero documento quirógrafo.
O cheque foi emitido para titular um contrato de mútuo no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) sendo este contrato nulo por inobservância da forma legal por não ter sido celebrado por escritura pública.
Conclui pedindo a procedência dos embargos e que a execução seja julgada extinta.

2 – O Exequente/embargado contestou, impugnando a factualidade alegada pelo executado.
Alegou que o embargante deveria ter extraído as consequências da nulidade do contrato de mútuo por vício de forma, as quais consistem na obrigação de restituição pelo executado ao exequente da quantia que lhe foi mutuada, ao abrigo do disposto no art. 289º, do Código Civil.
Alegou ainda que, considerando-se o contrato de mútuo nulo, obrigar o exequente a intentar uma outra acção para peticionar a restituição pelo executado do valor titulado pelo cheque dado à execução atentaria contra os princípios da celeridade e economia processual.
Conclui pela improcedência dos embargos de executado.

3 – O processo prosseguiu termos e findos os articulados foi proferido decisão (saneador/sentença) que julgou os presentes embargos de executado procedentes e em consequência, declarou extinta a execução.
4 – Apelou o Embargado/exequente, nos termos de fls. 47 e ss, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu julgar procedentes os embargos deduzidos pelo executado, por inexistência de título executivo válido, dado o vício formal do acto constitutivo da relação subjacente, que segundo o Tribunal a quo inquina a validade do título executivo,
2. Pretendendo, assim, o recorrente ver apreciada a questão de se saber se pode prosseguir com a execução, sem necessidade de previamente ter que propor uma acção declarativa (dado o efeito previsto no artigo 289.º do Código Civil (CC)), sendo a execução fundada numa declaração de dívida – o cheque, título executivo –, em que o executado/recorrido reconhece dever-lhe a quantia ali determinada.
3. Resultam provados na douta sentença que o recorrente é portador do cheque dado à execução no valor de € 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), sacado sobre a conta n.º ……….., titulada pelo executado, emitido pelo recorrido à ordem do recorrente e que tal cheque foi emitido para titular o empréstimo daquela quantia pelo recorrente ao recorrido.
4. Pelo que, perante esta matéria dado como provada terá que se concluir que esta quantia deverá ser devolvida ao recorrente, quer se considere o mútuo válido, quer se considere o mesmo formalmente inválido,
5. Isto é, a obrigação de restituição da quantia determinada no cheque dado à execução resulta não só da natureza do contrato de mútuo, mas também é consequência da invalidade formal do mesmo, ao abrigo do artigo 289.º do CC.
6. E terá que se concluir ainda que o dever do recorrido restituir tal quantia ao recorrente encontra-se titulado pelo cheque dado à execução como título executivo, cheque esse emitido pelo recorrido para dar mais força ao cumprimento da sua obrigação de restituir, ou seja, contempla exactamente o reconhecimento dessa obrigação, o reconhecimento da dívida do recorrido.
7. E que essa obrigação é perfeitamente presumida e também limitada e provada pelo cheque dado à execução, que, assim, é título válido e eficaz, ainda que como mero quirógrafo, é um título capaz de conferir um grau de certeza suficiente para a admissibilidade da acção executiva baseada no direito do recorrente à restituição da quantia que indevidamente se encontra ainda na posse do recorrido.
8. Isto é, o cheque dado à execução, emitido pelo recorrido permite o reconhecimento de uma obrigação de restituição do montante nele determinado, pelo recorrido ao recorrente.
9. Foi exactamente para assegurar essa restituição que o cheque foi emitido pelo recorrido e entregue por este ao recorrente.
10. A obrigação de restituição da quantia mutuada pelo recorrente ao recorrido é totalmente a mesma, quer se considera que advém de um contrato de mútuo válido, quer se considere que advém da nulidade formal do contrato de mútuo: os sujeitos da relação jurídica são os mesmos, a quantia em dívida é a determinada pelo cheque dado à execução, ou seja, o recorrido é e será sempre devedor daquele montante e o recorrente é e será sempre credor daquele montante em divida pelo recorrido.
11. Ao considerar-se o cheque exequível – o que pretende o exequente com o presente recurso –, nestes termos, “tal em nada agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.” – cfr. Assento n.º 4/95, processo n.º 85202/94-1.ª Secção, que plasma ainda que “…o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento) não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós) (…) o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado.”
12. E outros Acórdãos podem ser citados, no sentido da posição defendida pelo recorrente, designadamente: Acórdão do STJ de 31.05.2011, processo n.º 4716/10.5TBMTS-A; Acórdão do STJ de 19.02.2009, processo n.º 4716/10.5TBMTS-A; Acórdão do STJ de 04.02.2014, processo n.º 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1; Acórdão do TR Lisboa de 06.06.2013, processo n.º 225777/09.5YYLSB-A.L1-6 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012, n.º 169/10.6TBCSC-B, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Note-se ainda que o executado ao arguir a invalidade do contrato de mútuo para, simplesmente, assim, obstar ao pagamento da quantia que efectivamente deve e que assumiu dever com a emissão do cheque em causa, actua com claro abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium – art. 334.º do CC.
14. Não se entendendo que o cheque dado à execução como título executivo titula a obrigação do recorrido restituir a quantia que lhe foi mutuada pelo recorrente, ao abrigo do artigo 289.º do CC, obrigando-se, assim, o recorrente a intentar uma acção declarativa e posteriormente a intentar uma nova acção executiva para executar a sentença que da acção declarativa advier a seu favor, entra-se em clara violação dos princípios elementares da celeridade e da economia processuais.
15. Tais princípios processuais, apesar de invocados pelo recorrente na sua contestação aos embargos do executado, não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo e uma eventual justificação pelo seu afastamento não foi sequer abordada na sentença e crise.
16. A sentença em crise, para além de desprezar os princípios da economia e celeridade processuais, violou as normas legais previstas nos artigos 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC (anterior a Setembro/2013) e 289.º do CC.
Conclui pedindo a procedência do recurso devendo a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que tire as devidas consequências dos factos dados como provados, isto é que conclua que o cheque dado à execução baseia, titula, delimita os fins da acção executiva proposta pelo recorrente para obter do recorrido a restituição, pela via executiva, do montante que lhe entregou e que continua em dívida pelo recorrido, julgando-se, assim, os embargos de executado improcedentes e prosseguindo-se com a acção executiva intentada pelo recorrente, com o que se fará.

5 – Não foram apresentadas contra-alegações.

II – FACTUALIDADE PROVADA

Os factos que se encontram dados como provados são os seguintes:
1. O exequente é portador do cheque nº ………., no valor de € 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), sacado sobre a conta nº ……….., titulada pelo executado, emitido pelo executado à ordem do exequente, com data de emissão de 23 de Janeiro de 2006, no verso do qual foi aposto o carimbo com os dizeres “Devolvido na compensação do Banco de Portugal em Lisboa – 12 Jul. 2013 – motivo – falta de provisão – por mandato do banco sacado Banco D…, S.A.”, cuja cópia digitalizada se encontra a fls. 5, dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
2. O exequente entregou ao executado a quantia de, pelo menos, 30.000,00 (trinta mil euros), a título de empréstimo;
3. O cheque referido em A) foi emitido para titular o empréstimo referido em B);
4. A acção executiva de que os presentes embargos de executado são apenso foi intentada em 26 de Julho de 2013.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.
A) Do Recurso Principal
Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente;
A única questão concreta de que cumpre conhecer é a seguinte:
1ª- O cheque que titula um contrato de mutuo, nulo por falta de forma, pode valer como título executivo?

Vejamos.

1- Nos termos do n.º 1 artigo 46.º do Código de Processo Civil constituem espécies de títulos executivos:
b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva entre outros.
Após a revisão do Código de Processo Civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, teremos que atender ao disposto no n.º 1 do art. 703º, nos termos do qual são título executivo:
Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, al. c);
Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva, al. d).
Encontra-se assente que o título dado à execução é um cheque que, apesar de ter a obrigação cambiária prescrita, sempre poderia valer como título executivo na qualidade de mero quirógrafo, pois que o exequente invocou os factos constitutivos da relação subjacente à emissão do cheque dado à execução, apresentando-se como portador do mesmo.
Mas também está assente que o cheque titula um contrato de mútuo.
Ora, o contrato de mútuo, nos termos do art. 1143º, do Código Civil, de valor superior a 20.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública.
O contrato de mútuo titulado pelo cheque em causa é nulo por falta de forma.
O cheque que se pretende dar à execução, ou seja usar como título executivo, tem por base um contrato de mútuo nulo.
Quando o título executivo é um cheque relacionado com um mútuo nulo a jurisprudência tem proferido decisões antagónicas.[1]
Todavia tem vindo a fazer vencimento a posição que defende que o cheque que representa o mútuo nulo ou que lhe serve de garantia não pode servir de título executivo.
Refira-se que o mesmo sucede nos casos dos documentos particulares.
Relativamente a estes a posição dominante (pensamos que unânime) na jurisprudência entende que não tem força executiva o documento de confissão de dívida que tenha subjacente um contrato de mútuo nulo por vício de forma[2].
Não vemos razões para não aderirmos à corrente jurisprudencial que defende que o cheque que representa o mútuo nulo ou que lhe serve de garantia não pode servir de título executivo (tal como se defende na decisão recorrida.

Na verdade, se formalmente o cheque dado à execução está revestidos de exequibilidade (como já se disse, trata-se de documento assinado pelo devedor, no qual é reconhecida uma obrigação pecuniária de montante determinado), a verdade é que substancialmente existem razões que lhe retiram essa exequibilidade.
A dívida é emergente de um contrato de mútuo, que atentas as quantias envolvidas é nulo por vício de forma. Não foi respeitada a forma – exigência de escritura pública – (artigo 1143 do Código Civil).
Ora, se o contrato de mútuo que deu origem ao documento que serve de título executivo é nulo não pode tal documento estar revestido de força executivo pois os efeitos daquela nulidade reflectem-se no título.
Ou seja, se formalmente o documento tem os requisitos legais para ser título executivo substancialmente não os tem pois a relação subjacente ao mesmo está viciada – nulidade.
A nulidade da relação subjacente – contrato de mútuo – afecta a validade do documento enquanto título executivo.
Importa recordar que estamos perante uma acção executiva na qual se pretende realizar coercivamente um direito. Ora este direito ainda não está declarado.
O contrato do qual aquele direito pode emergir é nulo.
Assim ao credor/exequente importa ver, em primeiro lugar, declarado esse direito e para tanto necessita de propor contra o devedor/executado a respectiva acção declarativa e só após obter uma condenação (na restituição da quantia mutuada) é que poderá intentar a respectiva acção executiva.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 21.10.2014, in www.dgsi.pt «Não pode pois o cheque dos autos servir, por esta via, de título executivo, atendendo a que a invalidade formal do contrato de mútuo que lhe subjaz atinge também a exequibilidade da pretensão incorporada no título.
Tal como refere Lebre de Freitas (in “A Acção Executiva”, 5ª ed., pág. 72) “no plano da validade formal (…) quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio ou acto em causa.”»; no mesmo sentido o Ac. desta Relação de 14 de Fevereiro de 2005 «Os cheques, apresentados a pagamento fora do prazo de oito dias, não podem constituir títulos executivos, enquanto documentos particulares (quirógrafos), quando referentes a obrigação que emerge de um negócio formal e sempre que a forma legal prescrita não tenha sido observada».
Em conclusão, podemos afirmar que um cheque que se encontre privado da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, e que titule um contrato de mútuo, nulo por vício de forma, não pode servir como título executivo.
Deste modo entendemos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, impondo-se a improcedência das conclusões do Recorrente e consequentemente do recurso.

IV - Decisão
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação do Recorrente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 2016/01/25
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
António Eleutério
___________
[1] Veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 22 de Novembro de 2005, Relator Desembargador Cândido Lemos “escreveu-se no Acórdão proferido no proc. 1302/2004- 2.ª Secção de 20 de Maio de 2004, igualmente disponível em www.dgsi.pt, que aqui deixamos de novo transcrito:
“A questão colocada é a seguinte: saber se os cheques dados à execução são título executivo em virtude de estarem relacionados com um mútuo nulo por violação de forma.
Não é posto em causa que o exequente emprestou ao executado/embargante a quantia de €13.468,00 com a obrigação de este a restituir. Assim todos estão de acordo que entre as partes se estabeleceu um contrato de mútuo (art. 1142.º do CC).
Porque feito de forma verbal, tal contrato é nulo, de conhecimento oficioso (art.1143.º, 220º, 286º e 364º, nº. 1, do Código Civil).
Divide-se a jurisprudência sobre a repercussão desta nulidade sobre o cheque que o representa.
Para uns “o cheque representa uma obrigação cambiária distinta da obrigação causal ou subjacente, caracterizada pela literalidade e abstracção, que tem vida própria e não sai afectada pela nulidade de mútuo que lhe esteja subjacente.”- Acórdão da RP de 09/07/98 in JTRP00022125. No mesmo sentido: AC STJ DE 1983/07/23 IN BMJ N299, PAG371; AC STJ DE 1987/11/27 IN BMJ N371 PAG464; AC RP DE 1993/01/07 IN BMJ N423 PAG601.
Para outros: “A nulidade do contrato de mútuo inquina de invalidade o título que o pretende representar - no caso um cheque -, tornando-o inexequível, já que a nulidade da obrigação causal produz a nulidade da obrigação cartular” – Ac. RP de 06/05/2003 in JTRP00035738.
Dispõe o art. 289º, n.º 1 do Código Civil que "Tanto a declaração de nulidade como a anulação têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente". Perante este normativo, não há dúvidas de que, em consequência da declaração de nulidade, assiste ao credor o direito de pedir a restituição da quantia "mutuada".
Quanto ao fundamento desta restituição a jurisprudência dominante tem seguido a orientação doutrinal, que veio a ser acolhida no Acórdão de Uniformização do STJ n.º 4/95, de 28/3/95, publicado no DR n.º 114, I Série-A, de 17/5/95, estabelecendo: "Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art. 289º do Código Civil".
Posteriormente, o STJ já teve ensejo de acolher e reiterar este entendimento em vários acórdãos citados no de 5/6/2001, publicado em http://www.dgsi.pt, processo n.º 01A809, onde se afirma que se impõe extrair da declaração de nulidade todas as "devidas consequências, sem que seja legítimo retirar ou excluir dessa obrigação alguma delas, cerceando injustificadamente os efeitos da retroactividade da nulidade".
"O regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige... Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, ex tunc, a partir do momento da formação do negócio, e não ex nunc, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à represtinação da situação criada pelo negócio, voltando-se ao statu quo ante" - Diogo Leite de Campos in Subsidiariedade da Obrigação de Restituir por Enriquecimento, 1974, pág. 196.
Sendo assim e no domínio das relações imediatas, a nulidade do contrato de mútuo inquina de invalidade o título que o pretende representar, tornando-o inexequível, já que a nulidade da obrigação causal produz a nulidade da obrigação cartular (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CCIV Anot., Vol. II, 3ª Ed., pág. 683).
Conclui-se, pois, que o cheque que representa o mútuo nulo ou que lhe serve de garantia, é inquinado pela sorte do contrato que lhe subjaz, não podendo servir de título executivo”.
[2] Vejam-se neste sentido e a título meramente exemplificativo as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-10-2005, Relator Desembargador Fernando Baptista, “A invalidade formal do negócio afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Ou seja, tal invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do próprio título.
IV- Assim, quando o título formalize ou nele se confesse a celebração dum negócio nulo e a nulidade dê direito a restituição (artº 289 CC)-- como acontece, por exemplo, quando um contrato de mútuo civil de valor superior a € 14.963,94 é celebrado por documento particular (artº 1143 CC)-, o título não é exequível-- o documento dado à execução não pode ser havido como um dos “documentos particulares” a que se reporta a al. c) do artº 46º CPC-- e o credor terá de recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação ou de simples apreciação e só a partir da decisão condenatória com trânsito em julgado disporá o exequente de título executivo.”
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-10-2000, Relator Desembargador Paiva Gonçalves, “Carece de força executiva o documento de confissão de dívida que tenha subjacente um contrato de mútuo nulo por vício de forma.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02-12-1999, Relator Desembargador Norberto Brandão “I - Por não ter sido celebrado com escritura pública, é nulo o contrato de mútuo, no montante de 20.000 contos, que foi celebrado por documento particular de onde consta a obrigação do mutuário restituir ao mutuante tal quantia. II - Devido à nulidade desta obrigação do mutuário e não sendo o documento particular título executivo, impõe-se ao mutuante a necessidade de propor contra o devedor acção declarativa que o condene na pretendida restituição da quantia mutuada”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-01-2000, Relator Desembargador António Geraldes I - Não é dotada de exequibilidade uma declaração de dívida assinada pelo devedor, na sequência de um contrato de mútuo de 3 000 contos celebrado sem obediência à forma legalmente exigida, no caso, a escritura pública. II - Não é invocável na acção executiva a doutrina do Assento do STJ nº 5/95, uma vez que a função da acção executiva é apenas a de realizar coercivamente direitos de crédito e não declarar a sua existência”.