Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2325/15.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
CONTRATO DE CEDÊNCIA OCASIONAL
RENOVAÇÃO
REGRAS DE INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP201703022325/15.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇAÕ
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 253, FLS.168-188)
Área Temática: .
Sumário: I - Por referência ao disposto no artigo 122.º, alínea d), do CT/2003 – no CT/2009, seu artigo 129.º, n.º 1, al. d) – o princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
II - Cumprindo analisar o conteúdo e sentido do contrato celebrado, há que atender, por um lado, quanto às normas aplicáveis, às regras da interpretação da lei, por aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do CC, e, por outro, pois que não devemos perder de vista as circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar, como estipulado no artigo 520º, n.º 2 do CT, as regras sobre a interpretação das declarações negociais, assim constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.
III - Exigindo o contrato de cedência ocasional a concordância do trabalhador, essa concordância, no que se refere à renovação prevista nesse contrato por um novo período de um ano, assume a natureza de declaração negocial receptícia, sujeita à disciplina que resulta do n.º 1 do artigo 224.º do CC.
IV - Não obstante o acordo de cedência ocasional, face ao disposto no artigo 290.º do CT, estar sujeito a forma escrita, porque essa forma foi respeitada no acordo celebrado, no qual já se previa a sua duração inicial de um ano e que era renovável por igual período, a declaração renovatória não exige a forma legal prescrita para o acordo inicial, face ao que se dispõe no n.º 3 do artigo 221.º do CC.
V - Podendo a declaração ser expressa ou tácita, de acordo com que se dispõe no n.º 1 do artigo 217.º do CC, no que se refere a esta última, tem de ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC) – deve ser dotada de sentido inequívoco de aceitar a renovação da cedência, a apurar segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelos destinatários.
VI - Estando prevista legalmente a possibilidade de renovação da cedência ocasional, como ainda no contrato celebrado em que constava também que essa podia ser denunciada por qualquer delas, a todo o tempo, com antecedência não inferior a 90 dias, o facto de o trabalhador não ter denunciado o contrato até ao termo do prazo inicial de um ano e de ter continuado a prestar as suas funções para a cessionária do mesmo modo como o fazia anteriormente, recebendo da cedente a sua retribuição, esse comportamento, no contexto em que se verificou, pode e deve, segundo um critério prático, ser tido como concludente no sentido de concordar com a renovação da cedência originariamente existente, a que tinha já dado a sua concordância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 2325/15.1T8MTS.P1
Autor: B…
: C… e outras.

Relator: Nélson Fernandes
1º adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. A autora, B… na Póvoa do Varzim, intentou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho contra C…, com sede na Maia, C1…, C2…, C3… e C4…, SA, formulando os seguintes pedidos:
- Que seja declarada a ilicitude do contrato de cedência ocasional, por violação do artigo 289.º, n.º 1, al. d), 290.º, n.º 1, al. d) (por referência à duração real), todos CT e, em conformidade, válida a opção da autora nos termos do art. 292.º CT, condenando a ré C… a reconhecer a autora como sua trabalhadora da desde 3 de Fevereiro de 2015 e reintegrá-la, no mesmo posto de trabalho, no mesmo local, com a mesma categoria profissional e com a retribuição contratada. Ou, caso assim não entenda,
- Que seja declarada a verificação de pluralidade de empregadores, condenando as rés em conformidade e, por violação do disposto no artigo 101.º CT e observando a opção da autora, condenando a ré C… a reconhecer a autora como sua trabalhadora da desde 3 de Fevereiro de 2015 e reintegrá-la, no mesmo posto de trabalho, no mesmo local, com a mesma categoria profissional e com a retribuição contratada.
Mais requer, em qualquer caso,
- A condenação solidária das rés no pagamento de €48.288,00 (quarenta e oito mil, duzentos e oitenta e oito mil euros), relativos às diferenças salariais entre Junho de 2009 e Janeiro de 2015, decorrentes da redução da remuneração da autora, e com influência nos Subsídios de Férias e Natal e Isenção de Horário de Trabalho subsequentes, acrescidos do juro à taxa legal até completo e integral pagamento;
- Que as rés sejam condenadas a reconhecer a categoria profissional da autora de Coordenadora Comercial na Região entre o Douro e Minho; e, ainda,
- Que as rés sejam condenadas a pagar uma compensação por danos morais à autora, em montante a liquidar oportunamente, em montante nunca inferior a €30.000,00 (trinta mil euros), o qual deverá ser provisoriamente fixado.
- Que fixe, desde já, uma sanção pecuniária compulsória na eventualidade de não cumprimento da decisão proferenda, à taxa não inferior a €750 (setecentos e cinquenta euros) diários a cada ré, atendendo à situação económica e patrimonial das rés, a reverter em partes iguais para a autora e para o orçamento da Autoridade para as Condições do Trabalho, sem prejuízo das demais cominações legais.

2. Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, as Rés contestaram, por impugnação, deduzindo ainda a Ré C4…, reconvenção, na qual pede que seja declarada a cessação do contrato de trabalho entre Autora e Ré.

3. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, proferido que foi o despacho de saneamento, veio depois a procedeu-se à realização da audiência de julgamento, fixando-se a matéria de facto provada, que não foi então objecto de reclamação, para, por fim, ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e absolvem - se as Rés dos pedidos contra elas formulados. Mais se julga procedente o pedido reconvencional formulado pela Ré C4…, S.A. e declara-se que o contrato de trabalho entre Autora e Ré cessou, por denúncia, com efeitos a partir de 3 de Fevereiro de 2015.
Custas da acção e da reconvenção a cargo da Autora.
Notifique e registe.”

3.1. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Autora, tendo rematado as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

I. - O facto provado “11. Uma vez seleccionada e integrada nas suas funções, a Autora assinou o seu contrato de trabalho, datado de 01.04.2008.” deve ser modificado para: “ 11. Após seleccionada e integrada nas suas funções nos exactos termos propostos cfr. supra 9. da matéria de facto provada, em data não concretamente apurada mas entre Julho e Agosto de 2009, assinou um contrato de trabalho datado de 01.04.2008.”
II. - A prova que impõe esta modificação é a conjugada nos documentos juntos na petição inicial e não impugnados a fs 135 (Mºmo interno com as condições do novo contrato a celebrar entre a recorrida C4…, SA e a recorrente, nas quais consta Salário Base - 1.450€ Suplemento e IHT - 25% remuneração) e documentos a fs. 146 a 149 (recibos do ordenado onde consta estas duas parcelas remuneratórias), coadjuvado não só pelas mais elementares regras da experiência comum, como ainda pelo depoimento de D…, às 10h23m, dia 14.03.2016, gravado na acta do mesmo dia com a menção “O seu depoimento ficou registado no sistema de gravação “Habilus” entre as 10:23:58 e 10:59:03 horas, que disse, aos 3m do seu depoimento, quando lhe é perguntado se se recorda dos valores contratados para a recorrente diz: “não tenho presente” [se se se recorda de alguma alteração nos recibos de vencimento da recorrente] “não estou a perceber qual a alteração a que se refere”. [… houve uma] “necessidade contabilística” e aos 4m30s do seu depoimento, “isso ultrapassa-me, foi a empresa...”
III. - Em Julho de 2009 houve uma alteração, nos termos da qual a recorrente que auferia €1450 (mil quatrocentos e cinquenta euros) de remuneração base acrescidos de €362,50 de compensação pela Isenção de Horário de Trabalho, correspondentes a 25% daquela, a qual violou o art. 129.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho.
IV. - Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição proíbe a redução, à margem do que a Lei consigna, da retribuição do trabalhador.
V. - É verdade, contudo, que tal proibição não impede que haja, com o acordo do trabalhador, modificações às componentes salariais, desde que tais modificações não tenham como objectivo a fraude à lei, isto é, a redução da retribuição.
VI. - A substituição de parte do salário base, o qual serve de base de cálculo para determinar, entre outros, a compensação ou indemnização em caso de cessação do contrato de trabalho, o montante devido pelo trabalho nocturno, suplementar ou isenção de horário de trabalho é ilícito por violar o art. 129.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho.
VII. - Poder-se-ia ponderar a sua alteração para um salário misto, jamais contudo, para nele se incluírem outras prestações que se impõem majoradas, assim eliminando tais majorações, tais como trabalho nocturno ou isenção de horário de trabalho.
VIII. - Não podem restar dúvidas que houve redução do salário da recorrente, pois que ela auferiu, desde a contratação até ao final do primeiro ano, €1450 (mil quatrocentos e cinquenta euros) mensais, acrescidos de €362,50 (trezentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), passando a receber de salário base apenas €947 (novecentos e quarenta e sete euros).
IX. - Aceitar que o empregador divida a retribuição base em parcelas, que mais adiante podem ser retiradas ao trabalhador, traduzir-se-ia numa flagrante violação da lei, ao permitisse a redução, por via indirecta e a dois actos, da sua retribuição.
X. - Convém ter presente que é esse mesmo o objectivo e para tal convicção basta contrapor os documentos a fs. 336 e aqueles a fs 337 a 341 para confirmar a redução de tal componente salarial que, como foi já afirmado pela recorrida, se insere no número 1 do art. 260.º do Código de Trabalho e é tendencialmente progressiva com vista a ser eliminada tal componente!
XI. - Deste modo, só poderá concluir-se pela violação do art. 129.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho, declarando-se em conformidade ineficaz a redução da remuneração base e, consequentemente, da retribuição por isenção de horário de trabalho, condenando-se as recorridas a pagar à recorrente as diferenças patrimoniais daqui decorrentes.
XII. - O contrato de cedência ocasional foi pré-elaborado pelas recorridas e disponibilizado à recorrente para o assinar, tal como resulta das regras da experiência comum e mesmo do “Regulamento de Admissões e Mobilidade Interna - SICAM” a fs 117.
XIII.- “O empregador deve informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho.” (art. 106º, n.º 1 do Código de Trabalho), muito em especial, que o contrato de cedência ocasional que: “A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao limite máximo de cinco anos” (art. 289.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho), o que justifica amplamente a referência ao termo 'renovável' no contrato.
XIV. - O princípio favor laboratoris, norteador da aplicação das normas laborais, que decorre das razões da sua autonomização, é vital no reequilíbrio das posições dos sujeitos do contrato de trabalho, desenvolvendo-se como critério de prevalência na aplicação de normas.
XV. - Para o prof. Jorge Leite, a norma típica do ordenamento jus laboral era constituída “por uma regra jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos mínimos legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores condições de trabalho…” e, expresso à data dos factos no art. 4.º do Código de Trabalho, está agora implícito no seu art. 3.º.
XVI. - Aliás, acrescenta o prof. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina 11.ª Edição, pag. 118, deve este princípio ser o ponto de partida para a interpretação da lei laboral "...aquelas que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares hierarquicamente inferiores aos que as contêm podem fazer prevalecer preceitos opostos ou conflituantes com elas.
XVII. - O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas".". - sublinhado meu.
XVIII. - Em plena sintonia com o art. 9.º do Código Civil, não pode deixar o intérprete de ter presente que o legislador quando quis dizer que a renovação é automática di-lo expressamente, seja no art. 1096.º do Código Civil, seja no art. 149.º do Código de Trabalho.
XIX. - Desse modo, não apenas por aplicação do Princípio do Tratamento mais Favorável, mas também pela aplicação do n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, não deve o intérprete ler o que não está no art. 289.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho - a renovação automática, vocábulo ao qual na douta sentença não se conseguiu escapar!
XX. - É, portanto, de concluir que não consta da solução legal a renovação automática em caso do silêncio das partes, o qual, sabe-se, não tem valor declarativo a menos que a lei (ou convenção) expressamente o diga - cfr. art. 218.º do Código Civil
XXI. - Reforçando esta interpretação, o próprio art. 129.º, n.º 1, al. g) do Código de Trabalho, que estabelece como excepcional o recurso à cedência ocasional!
XXII. - É excepcional a atribuição de valor declarativo ao silêncio, tal como é excepcional o recurso à cedência ocasional;
XXIII. - O legislador quando quer que a renovação seja automática di-lo expressamente;
XXIV. - O termo renovável significa “que pode ser renovado” e não “que é renovado automaticamente”;
XXV. - Logo, mesmo não se aplicando o Princípio do Tratamento mais Favorável, a simples aplicação do art. 9.º do Código Civil sempre levaria à mesma conclusão: a renovação só acontece havendo uma declaração expressa nesse sentido, seja ela contemporânea à renovação, seja ela anterior, no momento da celebração do contrato de cedência, traduzida na previsão de uma renovação automática do mesmo!
XXVI. - Ao mesmo tempo, o sentido do termo renovável não é o mesmo, de todo, com renovável automaticamente, de tal modo que a aplicação do art. 236.º do Código Civil só poderia afastar o sentido normal da palavra tendo havido prova que sustentasse tal divergência.
XXVII. - Não apenas nenhuma prova se produziu nesse sentido – nem podia, não foi essa a interpretação dos outorgantes! – como as regras da experiência comum nos conduzem a uma conclusão oposta.
XXVIII. - Com efeito, está profundamente enraizado, nos contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações que diariamente celebramos, nos contratos bancários associados a cartões de débito, entre outros, que os contratos só se renovam automaticamente caso tal esteja expressamente previsto.
XXIX. - Tendo tudo isto presente, ter-se-á que concluir que não foi vontade das aqui recorrente e recorridas que o contrato se renovasse automaticamente;
XXX. - Do mesmo modo, não há norma alguma, nem resulta nenhuma norma da interpretação do art. 289.º do Código de Trabalho, que preveja a renovação automática do contrato de cedência ocasional do trabalhador.
XXXI. - Daqui resulta que o contrato de cedência ocasional caducou, por se verificar o seu termo (arts. 279.º e 296.º do Código Civil) em 31.10.2014.
XXXII. - Pelo exposto, tendo a recorrente permanecido ao serviço da cessionária, ora recorrida, ficou com o direito previsto no art. 292.º do Código de Trabalho, direito esse que exerceu.
XXXIII. - Em conformidade, foi criado o vínculo laboral, por força da Lei, entre a recorrente e a recorrida C….
XXXIV. - A recusa desta em aceitar a prestação do trabalho, comunicada por escrito, constitui despedimento ilícito, por imotivado e infundamentado.
XXXV. - Consequentemente, tem a recorrente o direito à reintegração, bem como ainda ao pagamento de uma compensação pelos danos sofridos.
XXXVI. - Deverá, assim, ser a douta sentença recorrida revogada e, por seu turno, ser declarada a ilicitude do contrato de cedência ocasional, por violação do art. 289.º, n.º 1, al. d), 290.º, n.º 1, al. d) (por referência à duração real), todos do Código de Trabalho e, em conformidade, válida a opção da autora nos termos do art. 292.º do mesmo diploma, condenando a recorrida C… a reconhecer a recorrente como sua trabalhadora e reintegrá-la, no mesmo posto de trabalho, no mesmo local, com a mesma categoria profissional e com a retribuição contratada.
XXXVII. - Deverão ainda as recorridas, nos termos do art. 334.º do Código de Trabalho, ser solidariamente condenadas no pagamento de €48.288,00 (quarenta e oito mil, duzentos e oitenta e oito mil euros), relativos às diferenças salariais entre Junho de 2009 e Janeiro de 2015, decorrentes da redução da remuneração da autora, e com influência nos Subsídios de Férias e Natal e Isenção de Horário de Trabalho subsequentes, acrescidos do juro à taxa legal até completo e integral pagamento;
XXXVIII. - Serem as recorridas condenadas a reconhecer a categoria profissional da recorrente de Coordenadora Comercial na Região entre o Douro e Minho e,
XXXIX. - A pagar uma compensação por danos morais à autora, em montante a liquidar oportunamente, em montante nunca inferior a €30.000,00 (trinta mil euros),
XL. - Finalmente, ser fixada uma sanção pecuniária compulsória na eventualidade de não cumprimento da decisão proferenda, à taxa não inferior a €750 (setecentos e cinquenta euros) diários a cada recorrida, atendendo à situação económica e patrimonial, a reverter em partes iguais para a autora e para o orçamento da Autoridade para as Condições do Trabalho.
XLI. - XIV. Em suma, deve ser julgado totalmente procedente o presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!”

3.2. Contra-alegou a Ré, formulando a final as seguintes conclusões:

“1.ª A Recorrente pede a alteração do facto declarado pelo Tribunal a quo sob o n.º 11, para aí evidenciar a divergência entre a data aposta no contrato de trabalho e o momento da celebração deste.
2.ª A Apelante não alegou inicialmente aquele facto, sustenta a pretensão em documentos e depoimento testemunhal respeitantes às suas condições de trabalho, dos quais nada resulta quanto à data da sua admissão, e não explica – nem se vislumbra – a pertinência da alteração pretendida para a apreciação dos pedidos, à luz de qualquer uma das soluções possíveis da questão de Direito.
3.ª Pelo que o pedido de revisão da decisão de facto se parece justificar mais pela conveniência de ampliar o objecto do recurso, do que pela efectiva discordância com aquela decisão.
4.ª A partir de Julho de 2009, a Apelante auferiu a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e de subsídios de férias e de Natal montantes superiores aos que recebera até então, pelo que a repartição da respectiva retribuição em “vencimento base” e “complemento ML” é lícita, designadamente à luz do princípio da irredutibilidade da retribuição, e não importou prejuízo patrimonial, não havendo diferenças salariais a pagar.
5.ª A renovação do prazo da cedência ocasional de trabalhador pode resultar de manifestações tácitas de vontade, dedutíveis de factos que com toda a probabilidade revelem esse sentido para a declaração negocial.
6.ª A exigência de redução a escrito do acordo de cedência ocasional não é incompatível com a E… (25-11-2016 16:00:37) Página 1825 de 1841 20/24 19 emissão tácita de declarações negociais, designadamente de renovação do prazo contratual.
7.ª Declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, associa a estipulação de prazo de um ano, renovável por igual período, a desnecessidade de manifestação expressa de vontade para aquela renovação.
8.ª A Recorrente conheceu e quis aquela renovação, pois após o termo do prazo inicial da cedência, manteve a prestação de trabalho para a cessionária nos mesmos termos que o vinha fazendo, continuando a auferir da cedente a correspondente retribuição.
9.ª A cedência ocasional da Apelante à Recorrida C… teve início em 1 de Novembro de 2013, pelo prazo de um ano, renovou-se tacitamente por período idêntico em 1 de Novembro de 2014 e terminou em 3 de Fevereiro de 2015, por denúncia da cessionária, no exercício de faculdade contratualmente prevista.
10.ª Após aquela data, a recusa, pela Apelada C…, da prestação de trabalho da Recorrente não foi ilícita, nem pode ser havida como acto de despedimento.
11.ª Inexistindo fonte para a solidariedade, não podem todas as Apeladas ser condenadas no cumprimento solidário de obrigação por que seja responsável uma delas. Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.”

4. Admitido que foi o recurso como de apelação, subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos então ordenados, subiram os autos a este Tribunal da Relação.

4.1. Nesta Relação, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer, sustentando: a rejeição do recurso sobre reapreciação da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus imposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e 2, al. a), do artigo 640.º do CPC; a improcedência quanto ao mais do recurso, por merecer continuidade a sentença recorrida.
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (questão prévia) admissibilidade do recurso sobre reapreciação da matéria de facto, por apelo ao disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC); (1) se admitida, apreciação do recurso sobre a matéria de facto; (2) saber se o tribunal a quo errou no julgamento sobre a aplicação do direito a propósito: da diminuição da retribuição; da interpretação do contrato; da nulidade da cedência ocasional
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III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

“1. As rés integram um grupo societário, detido pela C1…, por sua vez integralmente detida pela C2…, e com sede no mesmo local em Lisboa.
2. As C1…, detêm a totalidade do capital social da C2….
3. A autora ingressou na C3…, primeiro através de um estágio celebrado em 02.04.2001, depois por contrato de trabalho datado de 02.07.2001, tendo ficado obrigada a prestar, a sua actividade de “empregada administrativa”, sob as suas ordens e direcção e devidamente inserida na sua organização empresarial, mediante a retribuição mensal de, à data, 119.550$00, em 35 horas semanais em horário a determinar pelo empregador.
4. O contrato entre a Autora e a Ré C3… cessou em 31 de Março de 2008.
5. Na vigência do contrato de trabalho entre ambas, a Ré C3… concedeu à Autora crédito à habitação, através da celebração de contrato de mútuo.
6. A Ré C3… manteve as condições daquele mútuo, designadamente a taxa de juro, após a cessação do contrato de trabalho que manteve com a Autora.
7. O que sucedeu com outros mutuários, antigos trabalhadores da Ré C3….
8. Tal como havia sido informada à data da sua contratação, o Grupo C1… frequentemente levou a cabo concursos.
9. A Requerente concorreu, no âmbito desta mobilidade promovida entre empresas do Grupo, à ré C4…, em 18.03.2008, para exercer funções de Coordenadora Comercial na Região do Minho e Douro Litoral, com salário base de €1.450,00, suplemento de 25% para isenção de horário de trabalho, atentas as funções, subsídio de almoço de €8,76, contrato de trabalho sem termo, viatura e despesas conexas pagas, seguros de saúde e vida oferecidos, e transferência de créditos habitação e pessoal.
10. Tudo, integrado no CCT aplicável, no Nível IX.
11. Uma vez seleccionada e integrada nas suas funções, a Autora assinou o seu contrato de trabalho, datado de 01.04.2008.
12. Nesse contrato constava como categoria profissional da Autora, “Técnica Comercial”, por referência ao anexo III do CCTAS (BTE 1.ª Série, n.º 34, de 15/09/2004) e como a retribuição base, duas parcelas, uma de €947 e outra, relativa a um complemento remuneratório não determinado de €503, o que apenas se reflectiu nos recibos de vencimento após Junho de 2009.
13. As condições constantes do contrato foram negociadas entre as partes.
14. Nesse contrato, não foi reconhecida à Autora antiguidade anterior.
15. E foi fixado período experimental de 90 dias.
16. A Ré C4…, não concedeu à Autora crédito para qualquer fim.
17. O contrato de cedência ocasional foi celebrado entre a Autora, a Ré e a co-Ré C… pelo prazo de um ano, com início em 1 de Novembro de 2013.
18.Aquele prazo era renovável por igual período (idem).
19. Nenhum dos contraentes do acordo de cedência ocasional comunicou a cessação deste no termo do prazo inicial de um ano.
20. Após 1 de Novembro de 2014, a Autora continuou cedida à Ré C….
21. Prestando trabalho para esta co-Ré, mas recebendo da Ré a sua retribuição.
22. Como sucedeu desde o início da cedência ocasional.
23. Por estipulação das partes, a cedência ocasional podia ser denunciada por qualquer delas, a todo o tempo, com antecedência não inferior a 90 dias.
24. Em 4 de Novembro de 2014, a Ré C… denunciou o acordo de cedência ocasional, para 3 de Fevereiro de 2015.
25. O acordo de cedência ocasional celebrado previa a retoma da prestação de trabalho da Autora para a Ré, uma vez cessada a cedência.
26. Essa retoma poderia implicar a prestação de trabalho da Autora em Lisboa, onde a Ré tem sede e se encontram instalados os seus serviços.
27. Essa possibilidade foi apreciada na reunião realizada em Aveiro bem como uma proposta para revogação de contrato de trabalho.
28. A Ré recebeu da Autora a comunicação junta a fls. 157 e 158 no dia 3 de Fevereiro de 2015, último da vigência do acordo de cedência ocasional. 23. Apesar da Autora conhecer o termo da cedência desde 4 de Novembro de 2014.
29. A Autora não se apresentou para retomar a prestação de trabalho para a Ré, no dia 4 de Fevereiro de 2015 ou em data posterior.
30. Entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Outubro de 2013, a Autora prestou trabalho exclusivamente para a Ré C4… SA.
31. Dela recebendo ordens e instruções quanto aos termos em que a sua actividade devia ser prestada.
2. E prestando contas do trabalho em curso à mesma Ré C4…, SA.
33. O local e o horário de trabalho da Autora foram fixados pela Ré C4…, SA.
34.E foi a Ré quem marcou as férias da Autora, ora aprovando as que esta lhe submetera, ora ajustando-as em função de necessidades de serviço.
35. A partir de 1 de Novembro de 2013, a Autora passou a realizar o seu trabalho sujeita às ordens e orientações da Ré C…, na qualidade de cessionária da cedência ocasional da Autora.
36.Nessa qualidade e a partir de 1 de Novembro de 2013, a Ré C… definiu o horário de trabalho da Autora.
37.Marcou as respectivas férias.
38.E estabeleceu os locais e as áreas onde a mesma devia prosseguir a sua actividade.
39.A co-Ré C2… presta à Ré, como a outras entidades, serviços de carácter operacional, designadamente de apoio jurídico, contabilidade, fiscalidade, compras, logística e gestão de recursos humanos.
40. Entre aqueles serviços, encontra-se a recepção de informação sobre as férias aprovadas pela Ré e a inserção destas em portal informático comum, que pode ser consultado pelos trabalhadores.
41. Bem como o processamento do subsídio correspondente.
42. Cujo pagamento a Ré C4…, SA sempre efectuou.
43. A co-Ré C2… não fixa as férias dos trabalhadores da Ré, não o tendo feito para a Autora.
44. A Ré C4…, SA é filiada na Associação Portuguesa de Seguradores.
45. Na carta junta a fls. 157 e 158 dos autos, a Autora declarou “(…) que opto, nos termos do n.º 1do art. 292.º devidamente articulado com a al. d) do n.º 1 do art. 289.º ambos do Código do Trabalho pela permanência ao serviço do cessionário, em regime de contrato de trabalho sem termo, isto é, doravante considero-me trabalhadora da C…”.
46. A Ré respondeu à Autora em 10 de Fevereiro de 2015.
47. Por carta na qual declarou: “O acordo de cedência ocasional de trabalhador consigo celebrado em 31de Outubro de 2013, cessou no dia 3 de Fevereiro passado, devendo V. Exa. ter retomado a sua prestação de trabalho para esta Empresa, o que não sucedeu e se estranha” “Entende-se o teor desta sua declaração como manifestação inequívoca de vontade de não prosseguir o contrato de trabalho com esta Empresa, pelo que consideramos este findo por sua iniciativa na data da recepção da mencionada carta e agiremos em conformidade, a não ser que V. Exa. demonstre, de imediato e de modo fundamentado, ter sido outra a sua intenção” (idem).
48. Esta carta foi depositada na estação de correios, para levantamento pela Autora, em 12 de Fevereiro de 2015.
49. Mas a Autora só a recolheu no dia 16 de Fevereiro de 2015.
50. Atento o silêncio da Autora, por período superior a dez dias, e a declaração transcrita no item 40, a Ré liquidou os valores devidos àquela pela cessação do contrato de trabalho.
51. Por carta recebida pela Ré em 25 de Fevereiro de 2015, a Ré declarou “exerci a opção de manter-[se] ao serviço da C…, por força de ilegalidade do contrato de cedência ocasional”.
52. Afirmando ainda ter proposto “acção judicial, que visa não apenas obter a declaração da regularidade do exercício da opção pelo novo empregador [a C…], como ainda obter o pagamento de uma indemnização pelos danos que estou ainda a sofrer com o sucedido” (mesmo doc. n.º 2).
53. A Ré respondeu à Autora em 5 de Março de 2015 (doc. n.º 3).
54. Tendo declarado: “(…) tem a C4… todas as razões para considerar definitivamente cessado, por sua iniciativa, o contrato de trabalho consigo mantido” (mesmo doc. n.º 3).
55. E “Todavia e na reiteração de esforço, já inexigível, para dar a V. Exa. a oportunidade de reconsiderar as suas diversas actuações e declarações extintivas, mostra-se esta Empresa disponível para o restabelecimento, com efeitos imediatos, do seu contrato de trabalho. Será porventura desnecessário afirmar, tão óbvio se afigura, que a recuperação deste vínculo assenta no reconhecimento da cessação do acordo de cedência ocasional consigo celebrado em 31 de Outubro de 2014, e na identificação da C4… como sua única empregadora (mesmo doc. n.º 3). Concluindo a Ré que “Deste modo e caso seja, de facto, sua vontade ficar vinculada à C4… como trabalhadora subordinada, deve V. Exa. apresentar-se ao serviço no próximo dia 16 de Março, pelas 9.30 horas, nas instalações desta Empresa sitas na Avenida …, número ..., em Lisboa, a fim de lhe serem apresentadas e apreciadas medidas respeitantes à sua situação profissional” (mesmo doc. n.º 3).
56. A Autora não se apresentou nas instalações da Ré no dia 16 de Março, nem em qualquer outro.
57. Nesse dia 16 de Março de 2015, a Ré recebeu da Autora nova carta.
58. A que a Ré respondeu no dia seguinte, 17 de Março.
59. Em 19 de Março de 2015, a Autora requereu ao Director do Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições de Trabalho, a emissão de declaração de situação de desemprego a que corresponde o modelo RP….-DGSS.
60. Naquele requerimento, a Autora indicou como empregador a Ré C… E como data da cessação do contrato de trabalho o dia 4 de Fevereiro de 2015.
61. Em 2 de Abril de 2015, a Ré recebeu do mesmo Centro Local da Autoridade para as Condições de Trabalho intimação para remessa de declaração de situação de desemprego da Autora.
62. A Ré solicitou àquela Autoridade indicação do motivo de cessação ser inscrito naquele modelo, esclarecendo “que a cessação seguramente não se deu por ato ou declaração da C4…, S.A.”.
63. Em 20 de Abril de 2015, a Autoridade para as Condições de Trabalho emitiu declaração de situação de desemprego a que corresponde o modelo RP….-DGSS na qual certificou a cessação do contrato de trabalho entre Autora e Ré atribuindo-a a “iniciativa do trabalhador” e, em concreto, a “resolução com justa causa”
64. Após 3 de Fevereiro de 2015, a Autora não mais prestou trabalho para a Ré, nem se apresentou nas instalações desta para o efeito.
65. A Autora interpôs a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento mencionada no artigo 43.º da petição inicial apenas contra a co-Ré C….
66. A situação supra descrita causou à Autora angústia e depressão.
*
B) Discussão
Questão prévia: Admissibilidade do recurso referente à impugnação da matéria de facto.

Nas suas conclusões 1 a 3, a Recorrida sustenta que a Recorrente não invocou inicialmente o facto que agora pretende incluir no ponto 11 da factualidade provada – para aí evidenciar a divergência entre a data aposta no contrato de trabalho e o momento da celebração deste –, para além de que dos documentos e depoimentos em que assenta essa alteração, dizendo respeito às suas condições de trabalho, nada resulta quanto à data da sua admissão, não explicando ainda a pertinência da alteração pretendida para a apreciação dos pedidos, à luz de qualquer uma das soluções possíveis da questão de direito.
Da mencionada posição da Recorrida, muito embora sem o fazer constar expressamente das suas conclusões, parece resultar a invocação da rejeição do recurso nesta parte.
Já de modo expresso, o Exmo. Procurador Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, toma posição nesse sentido, sustentando a rejeição do recurso sobre reapreciação da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus imposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), e 2, al. a), do artigo 640.º do CPC.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do NCPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusõe do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[4].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apareciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Discorrendo sobre a matéria, escreve-se no bem recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2016[5] «(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)».
Observa-se também no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[6] o seguinte: «(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).»[7].
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se, desde logo, que a Recorrente, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, indica os elementos que permitem a sua identificação, para além de que transcreve também as passagens, podendo concluir-se que se tem por cumprido o ónus estabelecido no citado artigo 640.º n.º 1, alínea b), e 2, al. a).
Como ainda, agora sobre as suas conclusões, apesar de essas não primarem pelo rigor, ainda assim, conseguem-se extrair com suficiente clareza os fundamentos em que se baseia a Recorrente e o que pretende conseguir em sede de recurso, assim a indicação do que considera dever ser considerado provado, oferecendo a redacção alternativa ao que fez constar a decisão recorrida, daí resultando pois, sem prejuízo da apreciação quanto ao mérito do recurso a realizar infra – assim desde logo sobre a idoneidade dos meios probatários indicados para a prova que se pretende –, que se considera suficientemente cumprido o ónus estabelecido no artigo 640.º, do CPC.

1. Reapreciação da matéria de facto

A Recorrente, por referência às suas conclusões, considera que o ponto 11.º da factualidade provada – Uma vez seleccionada e integrada nas suas funções, a Autora assinou o seu contrato de trabalho, datado de 01.04.2008 – deve passar a ter a seguinte redacção:
“11. Após seleccionada e integrada nas suas funções nos exactos termos propostos cfr. supra 9. da matéria de facto provada, em data não concretamente apurada mas entre Julho e Agosto de 2009, assinou um contrato de trabalho datado de 01.04.2008”
Paro o efeito, indica como meios de prova o conteúdo de documento junto a fls. 135 (referindo tratar-se de “uma proposta de trabalho enviado por D… à recorrente, no qual consta a proposta (entre outros): Salário Base - 1.450€; Suplemento IHT — 25% remuneração; Subsídio de Almoço - 8,76€) e 146 a 149 (recibos de vencimento de Abril e Dezembro de 2008, Abril e Junho de 2009, nos quais consta, precisamente, salário base 1.450 euros e isenção de horário de trabalho (IHT) 362,50 euros, precisamente 25% do salário base) e o depoimento da testemunha D…, no entendimento de que esta testemunha confirma todos os termos constantes da proposta contratual, também confirmado pelos recibos de vencimento, todos entre Abril de 2008 e Julho de 2009.
Na sua resposta, a Apelada sustenta que a expressão “exactos termos propostos cfr. supra 9 da matéria de facto provada” desnecessária por já ter sido declarado pelo Tribunal a quo.
Quanto ao mais, a pretensão da Recorrente não pode proceder, pelas seguintes razões: não ter alegado a Recorrente inicialmente a matéria que pretende ver declarada, tendo-se limitado a afirmar que “quando foi chamada a assinar o seu contrato de trabalho, datado de 01.04.2008, já estava em funções como Coordenadora Comercial há meses” (cfr. petição inicial, art.º 10.º), não tendo levado ainda ao conhecimento do Tribunal de julgamento o facto que agora quer ver aditado, como era seu ónus; assentando na ponderação conjunta dos documentos de fls. 135 e 146 a 149 e do depoimento da testemunha D…, os específicos segmentos daquele testemunho que sustentariam a pretensão em nada respeitam ao facto novo que pretende ver consagrado, não existindo qualquer ponto lógico de confluência entre a pretensão da Recorrente quanto à revisão do facto declarado sob o n.º 11 e o meio de prova que invoca para a sustentar; o pedido de reforma da decisão de facto feito pela Recorrente suscita a dúvida essencial da sua utilidade, pois que não se vislumbra, nem a Apelante invoca, que solução das questões de Direito determinada pelo Tribunal a quo seria alterada por efeito da modificação do facto declarado sob o n.º 11 da sentença proferida, no sentido por aquela preconizado; a Recorrente parece ter tido necessidade de pedir a revisão da decisão de facto, procurando depois fundamento para o efeito.
Apreciando:
Deixando-se expressamente consignado que este Tribunal de recurso procedeu à reapreciação da prova indicada, incluindo a audição integral do depoimento da testemunha D…, uma nota inicial se impõe deixar, assim a de que só com muita dificuldade se compreende o raciocínio realizado pela Recorrente para chegar ao resultado proposto, deixando de facto a dúvida sobre o fim por si perseguido – assim porventura se não teria sido afinal o de aproveitar o prazo alargado para o recurso –, tanto mais que, como bem refere a Recorrida, não se vê que utilidade desse pretende retirar, pois que não invoca que solução das questões de Direito determinada pelo Tribunal a quo seria alterada por efeito da modificação proposta do facto.
Deixada esta nota, na consideração de que os elementos do processo possam permitir outra leitura, não se retirará do que anteriormente se disse outras consequências, passando-se pois à apreciação da questão de facto levantada.
E, já nesta análise, com relativa facilidade se conclui que a alteração proposta pela Recorrente não encontra sustentação na prova que indica como seu suporte.
Na verdade, ouvido o depoimento da testemunha D… (Director Comercial na Ré C4…), nesse encontra sustentação o que afinal sobre o mesmo se fez constar na decisão que se pronunciou sobre a matéria de facto – assim quanto ao facto de a Autora ter exercido funções de coordenadora comercial na região Minho/Douro Litoral na C4…, sendo a testemunha seu superior hierárquico, explicando a forma como foi contratada (através de concurso interno, dentro do grupo, explicitando que nestes concursos não há garantias de manter benefícios anteriores, por se tratar de um novo contrato, nomeadamente quanto à antiguidade), a divisão da retribuição em parcelas (que não afectou o montante, mas sem saber explicar a razão de tal alteração de procedimento), que a Autora tinha a autonomia inerente às suas funções mas era a testemunha que lhe dava ordens, havendo no princípio de ano uma reunião de planeamento geral e duas vezes por mês reuniões de planeamento em Lisboa, que o planeamento, marcação de férias e justificação de falta era feito junto C4…, e que a C2… prestava serviços C4… nomeadamente em sede de processo de recrutamento –, sendo que em momento algum desse depoimento, como ainda no teor dos documentos que são indicados pela Recorrente, se encontra sustentação para o que se pretende aditar, assim que o contrato teria sido assinado «em data não concretamente apurada mas entre Julho e Agosto de 2009», sendo que, quanto ao mais, assim o aditamento «nos exactos termos propostos» ao que já consta da resposta «Uma vez seleccionada e integrada nas suas funções», se traduziria sempre, face ao que consta dos pontos anteriores factualidade provada, absolutamente desnecessário.
Do exposto resulta, concluindo, carecer de fundamento o recurso nesta parte, por claudicarem manifestamente as correspondentes conclusões, mantendo-se em conformidade inalterada a factualidade que era seu objecto.

2. Da alegada diminuição da retribuição

A recorrente, nas suas conclusões III a XI, invoca que, auferindo até então €1450 de remuneração base acrescidos de €362,50 de compensação pela Isenção de Horário de Trabalho (correspondentes a 25% daquela), em Julho de 2009 houve uma alteração da sua retribuição, nos termos da qual passou a receber de salário base apenas €947, a qual no seu entender violou o artigo 129.º, n.º 1, al. d) do CT.
Da decisão recorrida, pronunciando-se sobre a questão, fez-se constar o seguinte:
“A apreciação desta questão encontra-se prejudicada pelo conclusões dos itens anteriores (A. e B.) e ainda pelo facto da Autora não ter logrado demonstrar que existiu um diminuição na sua retribuição no decurso da relação laboral.
Na verdade, o princípio da irredutibilidade da retribuição não impede o empregador de alterar os componentes daquela, sem diminuição de valor e ficou demonstrado que a retribuição da Autora não diminuiu em Julho de 2009, data a partir da qual recebeu de vencimento base e complemento montante igual ao que antes auferia a título de vencimento base.
A retribuição especial por isenção de horário de trabalho também não sofreu redução, pois passou a ser calculada sobre o vencimento base e complemento quando antes o era sobre o vencimento base.
O mesmo se verificando com os subsídios de férias e de Natal.
Assim, a Autora não é titular de qualquer crédito emergente do contrato de trabalho celebrado com a Ré, antes e após a cedência ocasional daquela à C….”

Apreciando a questão, não vemos como possamos não concordar com a decisão recorrida.
Em resposta sobre o que há-de entender-se por retribuição, resultava do artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, nos seus n.º s 1 a 3, que “só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho “a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2), sendo que, e “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º 3). Ou seja, face ao citado n.º 3, tendo em conta os princípios de repartição do ónus da prova, especificadamente o disposto no n.º 1 do artigo 344.º do Cód. Civil, é sobre o empregador que impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição.
Em termos de sucessão de vigência de normas até ao presente, constata-se que o referido artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 corresponde, sem alterações relevantes quanto ao que ao caso interessa, aos n.º s 1 a 3 do artigo 82.º da LCT, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24.11.1969, sendo que, por sua vez, o Código de Trabalho de 2009 não introduziu alterações quanto a esse regime, agora consagrado nos artigos 258.º a 269.º.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2012, «a retribuição representava, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.»
Devendo entender-se por regularidade da prestação que essa não é arbitrária, mas sim constante, a periodicidade determina que essa seja paga em períodos certos ou tendencialmente certos no tempo, assumindo-se assim esta ideia de periodicidade como típica do contrato de trabalho.
Do exposto resulta que, sendo em primeira linha a retribuição determinada directamente pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais – sem esquecermos, naturalmente, o que resulta ainda de certos critérios normativos, como o sejam o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc. –, já num segundo momento, porém, lhe poderão acrescer certas prestações que preencham os aludidos requisitos de periodicidade e regularidade.
Sublinhando o primeiro critério a ideia de correspetividade ou contrapartida negocial – é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho –, já o segundo, por sua vez, assenta numa presunção – considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expetativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato[8].
Assim tem sido afirmado pela doutrina e jurisprudência, que nos têm dado do mesmo modo o mote para a solução, caso a caso, citando-se a esse respeito, porque elucidativo, o que se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006 – citado, por sua vez, no Acórdão do mesmo Tribunal de 12 de Março de 2009[9]:
«(...) Como ensina Jorge Leite (in "Direito do Trabalho", II, 1999, pág. 175), "...a dificuldade da determinação quantitativa da retribuição genericamente referenciada resulta, em boa medida, da relatividade da própria noção de retribuição, isto é, dos vários sentidos com que a mesma expressão pode ser usada em diferentes normas, o que exigirá uma cuidadosa tarefa interpretativa com recurso aos cânones hermenêuticos adequados, tendo em conta o contexto normativo correspondente".
Por seu turno, Monteiro Fernandes refere que “a hipótese de um desenvolvimento linear de um regime homogéneo da retribuição para todos os efeitos seria insuportavelmente absurda. Conduziria, desde logo, a um emaranhado de círculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela mas, por outro, seriam nela integradas); traduzir-se-ia, depois, na neutralização das diferentes causas explicativas e legitimadoras dos elementos da retribuição e, por esse caminho, no desvirtuamento dos produtos da autonomia privada, individual e colectiva, que têm, nesse domínio, um espaço de actuação incontestável”.
E prossegue:
“A qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido no art.º 82º da L.C.T. não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da "retribuição". O ciclo vital de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho” (in ob. cit., pág. 447)».
Nos termos expostos, a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”[10], sendo a mesma integrada não só pela remuneração de base como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário[11].
A retribuição pode, pois, em cada caso, ser determinada em função de uma remuneração de base e de prestações complementares ou acessórias, por vezes denominadas aditivos.
Assim, o artigo 251.º do CT/2003 prevê três modalidades de retribuição: certa, variável ou mista, isto é, a constituída por uma parte certa e outra variável.

Ora, em directa relação com a própria natureza da retribuição do trabalhador, a lei, no artigo 122.º, alínea d), do CT/2003 – no CT/2009, seu artigo 129.º, n.º 1, al. d) – estabelece um princípio de irredutibilidade, no sentido de que essa não pode ser diminuída, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções colectivas.
Porém, como tem sido afirmado pela Doutrina e Jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Isso mesmo se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Abril de 2009[12], nos termos seguintes:
“É que, como tem sido entendimento deste Supremo, as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo de 25 de Setembro de 2002, 4 de Maio de 2005, e 17 de Janeiro de 2007 (Documentos n.os SJ2002 09250011974, SJ2005005040007794) e SJ200701170021884, respectivamente, em www.dgsi.pt).
Isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Idêntico é o entendimento da doutrina sobre esta problemática.
Assim, Pedro Romano Martinez (obra citada, pág. 610) observa que «os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução e execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhe serve de fundamento».
Também Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 472), a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento».
Do que fica dito, impõe-se concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.(...)”

Voltando ao caso que apreciamos, importando verificar se no caso foi afrontado o aludido princípio, com facilidade se conclui não ser esse o caso.
Na verdade, por referência à factualidade provada, sendo que só essa pode aqui e agora ser considerada – se outra fosse a intenção da Recorrente impor-se-ia que tivesse impugnado nessa parte a decisão sobre a matéria de facto e não o fez –, não se detecta qualquer diminuição da retribuição.
De facto, de acordo com essa factualidade, apenas se pode dizer que tendo a Autora concorrido à ré C4… SA em 18.03.2008 – para exercer funções de Coordenadora Comercial na Região do Minho e Douro Litoral, com salário base de €1.450,00, suplemento de 25% para isenção de horário de trabalho, atentas as funções, subsídio de almoço de €8,76, contrato de trabalho sem termo, viatura e despesas conexas pagas, seguros de saúde e vida oferecidos, e transferência de créditos habitação e pessoal (ponto 9) –, uma vez seleccionada e integrada nas suas funções, assinou o seu contrato de trabalho, datado de 01.04.2008 (11), do qual constava, no que aqui importa, “como a retribuição base, duas parcelas, uma de €947 e outra, relativa a um complemento remuneratório não determinado de €503, o que apenas se reflectiu nos recibos de vencimento após Junho de 2009”.
Ou seja, e desde logo, do contrato celebrado constava já que a sua retribuição seria composta por duas parcelas, uma de €947 e outra, relativa a um complemento remuneratório não determinado, de €503, sendo que o que se passou, de acordo com a mesma factualidade, foi que essa retribuição e seus componentes apenas se reflectiu nos recibos de vencimento após Junho de 2009”. Dito de outro modo, admitindo-se que os recibos até essa data englobassem na rubrica retribuição base o somatório dessas duas parcelas, o ocorrido em Junho de 2009 traduz-se apenas em repor aquela que foi a vontade das partes aquando da celebração do contrato.
Mas, para além disso, o que releva definitivamente para a apreciação da questão que nos ocupa é a circunstância de não estar demonstrado que a retribuição da Autora tenha diminuído em Julho de 2009, pois que a partir daí recebeu como retribuição base duas parcelas, uma de €947 e outra, relativa a um complemento remuneratório não determinado, de €503 (ponto 12 da factualidade), em total igual ao que antes constava dos recibos como sendo pago a título de vencimento base, ou seja €1450,00, como não se demonstrou que tenha sofrido redução a retribuição especial por isenção de horário de trabalho – como se refere na decisão recorrida, sem que a Recorrente demonstre que assim não foi, passou a ser calculada sobre o vencimento base e complemento quando antes o era sobre o vencimento base –, o mesmo se verificando com os subsídios de férias e de Natal, em relação aos quais, mais uma vez, também não se provou qualquer redução. Ou seja, não se provou, designadamente, que esses subsídios passassem a ser calculados apenas sobre a parcela de €€947 e já não sobre o denominado complemento remuneratório não determinado, de €503. Aliás, em relação a essa matéria a Autora/recorrente na sua p.i. não referiu expressamente de modo discriminado que valores concretos não lhe teriam sido pagos, para além de que, agora em sede de recurso não impugnou a decisão sobre a matéria de facto nesse âmbito – o que, de resto, até se compreende pois que foram juntos aos autos os recibos de vencimentos, que indicam um valor que integra quer essas duas parcelas de €947 e €503, quer ainda, diga-se, o suplemento de 25% (documentos juntos aos autos com o requerimento da Ré de 24/09/2015, com os n.ºs 1,2,4,6,7,8,9,10,11,12). Do exposto resulta, pois, por falta de fundamento das correspondentes conclusões, que carece de razão a Recorrente quanto a esta questão.

3. Do contrato de cedência ocasional

Desenvolvendo essa posição nas conclusões anteriores, sustenta a Recorrente, na conclusão XXXVI, que deve ser declarada a ilicitude do contrato de cedência ocasional, por violação do artigo 289.º, n.º 1, al. d), 290.º, n.º 1, al. d) (por referência à duração real), todos do Código de Trabalho e, em conformidade, válida a sua opção, nos termos do artigo 292.º do mesmo diploma, condenando a Recorrida C… a reconhecê-la como sua trabalhadora e a reintegrá-la, no mesmo posto de trabalho, no mesmo local, com a mesma categoria profissional e com a retribuição contratada.
Questionando assim a Recorrente o decidido pelo Tribunal a quo, importando antes de mais fazer o enquadramento da questão quanto ao instituto jurídico aplicável, fez-se constar a esse respeito da sentença recorrida o seguinte (transcrição[13]):
“(...) Ao lado do contrato, a termo ou por tempo indeterminado, de trabalhadores para cedência temporária, existe uma outra figura, parente próxima desta e actualmente prevista nos artºs 288º a 293º do Código do Trabalho, que se designa por cedência ocasional de trabalhadores. Enquanto na primeira, a cedência tem de ser feita obrigatoriamente por ETTs, ou seja, empresas cujo objecto social principal é a cedência temporária a utilizadores da actividade de trabalhadores seus, embora acessoriamente possam ainda desenvolver actividades de selecção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos, na segunda, a cedência é realizada por empresas cujo objecto principal não é a de colocar trabalhadores seus a integrar a estrutura de outras empresas.
São, antes, por assim dizer, empresas do regime comum a que a lei, atenta a especial relação que mantêm com outras – relação societária de participações societária, quando tenham estruturas organizativas comuns – faculta a possibilidade de aí, ocasionalmente, colocarem até um ano, renovável por iguais períodos, e até ao máximo de cinco, trabalhadores seus, desde que, obviamente, os trabalhadores, que têm de ser permanentes, dêem o seu acordo.
Trata-se de um fenómeno provindo da actual tendência de germinação de empresas, seja por cisão, seja por constituição de empresas-filhas, a partir de uma empresa mãe, ou por simples participação no capital social doutras e a que o próprio CT deu alguma atenção e por isso consagrou a possibilidade de um só trabalhador ter vários empregadores, assim como a responsabilidade civil solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo, a que acrescentou a dos empregadores que, independentemente daquelas circunstâncias, mantenham estruturas organizativas comuns.
Pode pois, afirmar-se que a cedência ocasional de trabalhadores, prevista nos artºs 288º a 293º, do Código do Trabalho é um instrumento de mobilidade interempresarial da mão-de-obra através do qual se possibilita a cedência a um terceiro da disponibilidade da força de trabalho de um trabalhador, mantendo-se, no entanto, o vínculo jurídico-laboral com a entidade cedente.
Como já foi referido trata-se de uma figura com fortes afinidades com o trabalho temporário, mas que dele se distingue pela estrutura contratual que suporta a operação.
Enquanto no trabalho temporário a cedência da disponibilidade da força de trabalho da empresa de trabalho temporário para o utilizador é o resultado de duas relações contratuais distintas – contrato de trabalho para cedência temporária e contrato de utilização – na cedência ocasional existe um único contrato entre os três sujeitos envolvidos: cedente, cessionário e trabalhador.
Outra nota distintiva das duas figuras prende-se com a relevância da transacção para o objecto da empresa cedente. Já anteriormente sinalizada.
A empresa cedente não se constitui nem se dedica, exclusiva ou principalmente, ao reenvio de trabalhadores para afectação junto de outras entidades. Ao invés do que sucede com a empresa de trabalho temporário, a cedência de mão-de-obra não é co-natural para o prosseguimento da actividade da empresa cedente.
Na cedência ocasional os trabalhadores não são admitidos com o único propósito de virem a ser afectados junto de terceiros utilizadores, ou seja, a actividade do cedente não se reconduz, exclusiva ou principalmente, à cedência de trabalhadores, pelo que a empresa cedente não reduz o seu escopo lucrativo à cedência de mão-de-obra.
O objecto deste negócio é assim, em rigor, a disponibilidade da força de trabalho, embora o contrato de cedência não seja uma subespécie do contrato de trabalho, mas sim um contrato civil ou comercial (pela natureza dos sujeitos envolvidos no comum dos casos) com repercussões sobre um contrato de trabalho preexistente.
Daí que na economia sistemática do Código seja correcta a sua inclusão no capítulo das vicissitudes contratuais.
A noção recortada neste artigo faz depender a cedência ocasional da conjunção de vários elementos essenciais: 1) disponibilização temporária e eventual a um terceiro da força de trabalho; 2) pertença do trabalhador ao quadro de pessoal do empregador cedente; 3) cisão do estatuto do empregador; 4) manutenção do contrato de trabalho com a entidade cedente.
A disponibilização tem pois que ser qualificada por dois atributos: temporaneidade e eventualidade.
Deste modo, exige-se a determinação temporal para a vigência do contrato de cedência com os limites máximos estabelecidos no art. 289º, al. d), o que significa que não é lícita a cedência definitiva de trabalhadores ou a cedência temporalmente indefinida.
Por outro lado, a eventualidade da cedência impõe que a disponibilização temporária da força de trabalho não constitua uma prática inserida na actividade corrente da empresa. Pressupõe-se, assim, o carácter incidental e esporádico da cedência relativamente ao objecto e à actividade da empresa cedente.
A cedência reiterada e habitual de trabalhadores, principalmente se remunerada, pode, inclusive, encobrir a exploração ilegal de uma empresa de trabalho temporário.
A segunda nota distintiva da cedência ocasional é a sua incidência sobre trabalhador do quadro de pessoal do empregador cedente.
Com efeito, a cedência apenas será ocasional se se verificar em relação a trabalhadores que não hajam sido admitidos com o único propósito de virem a ser afectados a postos de trabalho na entidade cessionária.
Além disso, a cedência de trabalhadores com contrato a termo desvirtuaria o seu carácter ocasional na medida em que pode facilmente frustar a reversibilidade e transitoriedade da operação.
O terceiro elemento da noção traduz a estrutura dual ou fragmentária da posição do empregador.
Na cedência, à semelhança do que acontece com o trabalho temporário, o conjunto de direitos e deveres que compõem a esfera patronal é partilhado por dois sujeitos distintos: cedente e cessionário.
Estes dois sujeitos permanecem na relação jurídica ao longo de toda a duração da cedência e entre eles é partilhado o estatuto do empregador. A fragmentação do estatuto do empregador permite distinguir a cedência ocasional da cessão da posição contratual, por vezes também incorrectamente designada cedência definitiva de trabalhadores.
Na verdade, na cessão da posição contratual não se verifica qualquer cisão entre titularidade e utilização da força de trabalho, antes se opera a transmissão global e definitiva da relação de trabalho do cedente para o cessionário sem que estes dois intervenientes em algum momento compartilhem simultaneamente a posição do empregador.
Transmitida a posição contratual do empregador, o cessionário substitui-se integralmente ao cedente.
O quarto traço característico da noção – manutenção do contrato de trabalho com a entidade cedente - é, no fundo, um corolário da cisão do estatuto do empregador.
A literalidade do artigo é neste particular um tanto infeliz, ao mencionar a manutenção do vínculo contratual inicial, pois pode inculcar a ideia de que na cedência há uma justaposição consecutiva de dois contratos de trabalho, o que não corresponde à realidade, uma vez que apenas existe aqui um único contrato de trabalho entre cedente e trabalhador.
Mau grado a partilha da posição do empregador, que tendencialmente reserva para a entidade cessionária a direcção técnica do trabalho, é a entidade cedente que conserva a titularidade da relação de trabalho.
Assim, é à entidade cedente que cabem, residualmente, todos os poderes, prerrogativas e obrigações patronais não atribuídos por lei, por instrumento de regulamentação colectiva ou por convenção das partes à entidade cessionária, nomeadamente, o poder disciplinar.
Consequência da manutenção da titularidade do contrato de trabalho com o cedente é a reversibilidade da cedência ocorrendo o seu termo resolutivo ou verificando-se a impossibilidade superveniente da sua subsistência.
A natureza reversível da cedência é, aliás, uma outra nota distintiva da cedência perante a cessão da posição contratual.
Nos contornos da noção de que se ocupa este artigo a questão do carácter oneroso ou gratuito da cedência não encontra eco.
Pela necessária transitoriedade e ocasionalidade da cedência esta não pode nunca constituir o principal objecto de exploração lucrativa da empresa cedente, o que não significa que o negócio não possa ser oneroso.
Embora a cedência tenha surgido como um “empréstimo” de mão-de-obra, certo é que a sua remuneração não colide com qualquer princípio ou norma, desde que, naturalmente, a margem de lucro do empregador quando confrontada com o salário do trabalhador não transforme a operação num negócio contrário à ordem pública e aos bons costumes – art. 280º CC –, pois é preciso não esquecer que havendo lugar a estipulação de um preço a cedência volve-se num negócio de disposição sobre o trabalho alheio.(...)”.

Não estando propriamente aqui a razão da divergência da Recorrente em relação ao decidido pelo Tribunal a quo, por apelo ao que esse fez constar a esse propósito consta da decisão recorrida, desde já se adianta que as considerações aí efectuadas colhem também a nossa aceitação.
Daí que, dispensando-se pois meros exercícios de retórica ou de explanação de argumentos que pouco acrescentariam, se nos imponha remeter no essencial nesta parte para essa sentença, apenas nos permitindo, ainda que possamos cair em risco alguma repetição, acrescentar o seguinte a propósito da figura da pluralidade de empregadores, também tratada na sentença, para se concluir, como aí, no sentido do seu afastamento.
Na figura da pluralidade de empregadores, prevista e regulamentada no artigo 101.º do C.PT, como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2015[14], para além de dispensar o apelo a figuras de contornos (mais) controversos, “como a desconsideração da personalidade jurídica”, a “circunstância de as diversas entidades que beneficiam da prestação de trabalho darem indistintamente ordens e instruções ao trabalhador ou requererem a apresentação de elementos respeitantes ao exercício das suas funções, permite-nos imputar-lhes directamente o estatuto de empregador”, “[s]endo igualmente certo que fatores como a prestação indiferenciada e simultânea de uma atividade a favor de várias sociedades, (…) recebendo uma só retribuição, apontam para o carácter unitário da posição de empregador”. O Código do Trabalho exige uma “relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo”, estruturas organizativas comuns ou a observância de requisitos formais, sendo (apenas) decisivo, neste âmbito, o critério da subordinação jurídica. Vale por dizer: verificado este elemento em relação a vários empregadores, estamos perante uma pluralidade de empregadores; ao invés, se a subordinação jurídica se revelar apenas em relação a um empregador, haverá um único empregador.”[15].
Ora, não é este, na verdade, o caso.
De facto, de acordo com a factualidade provada, entre 1 de Abril de 2008 e 31 de Outubro de 2013, a Autora prestou trabalho exclusivamente para a Ré C4…, SA, dela recebendo ordens e instruções quanto aos termos em que a sua actividade devia ser prestada, e à mesma prestando contas do seu trabalho, sendo que o local e o horário de trabalho foram fixados por aquela que, do mesmo modo, marcou as férias da Autora. Ou seja, durante este período, a subordinação jurídica revelou-se apenas em relação a essa Ré, única pois que pode ser tida com a qualidade de empregador.
Por sua vez, quanto ao período subsequente, ou seja a partir de 1 de Novembro de 2013, a Autora passou a realizar o seu trabalho sujeita às ordens e orientações da Ré C… – na qualidade de cessionária da cedência, nos termos que infra melhor desenvolveremos –, sendo só então que esta definiu o horário de trabalho, marcou as férias e estabeleceu os locais e as áreas onde a Autora devia prosseguir a sua actividade.
Já quanto às demais Rés, essa subordinação jurídica não se verifica pois que, como se refere na decisão recorrida, “A co-Ré C… presta à Ré, como a outras entidades, serviços de carácter operacional, designadamente de apoio jurídico, contabilidade, fiscalidade, compras, logística e gestão de recursos humanos”, encontrando-se entre aqueles serviços a recepção de informação sobre as férias aprovadas pela Ré e a inserção destas em portal informático comum, que pode ser consultado pelos trabalhadores, bem como o processamento do subsídio correspondente, cujo pagamento a Ré C4… sempre efectuou. “A co-Ré C… não fixa as férias dos trabalhadores da Ré, não o tendo feito para a Autora.”

3.1. Da renovação do contrato de cedência ocasional

Sustenta a Recorrente que, tendo o contrato de cedência ocasional sido pré-elaborado pelas Recorridas e disponibilizado à Recorrente para o assinar – tal como resulta das regras da experiência comum e mesmo do “Regulamento de Admissões e Mobilidade Interna (SICAM” a fs 117) –, porque o empregador deve informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho (artigo 106.º, n.º 1 do CT) – muito em especial quanto ao contrato de cedência ocasional pois que: “A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao limite máximo de cinco anos” (art. 289.º, n.º 1, al. d) do Código de Trabalho), o que justifica amplamente a referência ao termo 'renovável' no contrato –, o princípio favor laboratoris (norteador da aplicação das normas laborais e vital no reequilíbrio das posições dos sujeitos do contrato de trabalho, desenvolvendo-se como critério de prevalência na aplicação de normas e como ponto de partida para a interpretação da lei laboral), em plena sintonia com o artigo 9.º do Código Civil, não pode deixar de levar o intérprete de ter presente que, porque o legislador quando quis dizer que a renovação é automática o disse expressamente (seja no artigo 1096.º do Código Civil, seja no artigo 149.º do CT), não deve o intérprete ler o que não está no artigo 289.º, n.º 1, al. d), do CT.
Daí que, diz o Recorrente (conclusões XX a XXV), seja de concluir que não consta da solução legal a renovação automática em caso do silêncio das partes – o qual, sabe-se, não tem valor declarativo a menos que a lei (ou convenção) expressamente o diga (artigo 218.º do Código Civil) –, sendo pois excepcional a atribuição de valor declarativo ao silêncio, tal como é excepcional o recurso à cedência ocasional (artigo 129.º, n.º 1, al. g), do CT), significando o termo renovável “que pode ser renovado” e não “que é renovado automaticamente” e, assim, a renovação só acontece havendo uma declaração expressa nesse sentido, seja ela contemporânea à renovação, seja ela anterior, no momento da celebração do contrato de cedência, traduzida na previsão de uma renovação automática do mesmo.
Acrescenta ainda (conclusões XXVI a XXVI) que, não tendo o termo «renovável», de todo, o mesmo sentido de «renovável automaticamente», por aplicação do artigo 236.º do Código Civil só poderia afastar-se o sentido normal da palavra tendo havido prova que sustentasse tal divergência, o que não se verificou no caso, pois não apenas nenhuma prova se produziu nesse sentido, como também as regras da experiência comum nos conduzem a uma conclusão oposta – estando profundamente enraizado, nos contratos de fornecimento de serviços de telecomunicações que diariamente celebramos, nos contratos bancários associados a cartões de débito, entre outros, que os contratos só se renovam automaticamente caso tal esteja expressamente previsto.
Face a tais argumentos, entende a Recorrente (conclusões XXIX a XXXV) que, não tendo sido vontade das partes que o contrato se renovasse automaticamente, nem existindo norma alguma ou de interpretação do artigo 289.º do CT que preveja a renovação automática do contrato de cedência ocasional do trabalhador, daí resulta que o contrato de cedência ocasional caducou por se verificar o seu termo (artigos 279.º e 296.º do Código Civil) em 31.10.2014, tendo ela Recorrente, por ter permanecido ao serviço da cessionária, o direito previsto no artigo 292.º do CT, direito esse que exerceu, tendo-se assim criado, por força da Lei, um vínculo laboral entre si e a Recorrida C…, razão pela qual a recusa desta em aceitar a prestação do trabalho, comunicada por escrito, constitui despedimento ilícito, por imotivado e infundamentado – tendo assim o direito à reintegração, bem como ainda ao pagamento de uma compensação pelos danos sofridos.

Apreciando, mais uma vez se constata, desde logo, que a decisão recorrida se pronunciou sobre a questão levantada da ilicitude do contrato de cedência ocasional por violação do n.º 1, alínea d), do artigo 289.º, baseada na alegada duração real de quinze meses quando a lei impõe um máximo de ano (doze meses), como ainda, como consequência dessa ilicitude, sobre a pretensão da Autora de daí o seu direito potestativo de optar pela empresa cessionária, em regime de contrato de trabalho sem termo resolutivo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 292.º do CT - não deixando desde logo de salientar que “esta possibilidade de opção entre a empresa cedente e a empresa cessionária por parte do trabalhador justifica-se pelo caracter anómalo da fragmentação do estatuto do empregador e a possível fragilização da posição doa trabalhadora que se lhe associa”, como também que “a citada norma impõe ao trabalhador no seu nº 2 que o direito de opção dever exercido até ao termo da cedência, mediante comunicação às entidades cedente e cessionária, através de carta registada com aviso com aviso de recepção.”
De facto, estando o nó górdio na questão da renovação ou não do contrato de cedência ocasional decorrido o primeiro ano ou ao invés na sua caducidade, importa desde já ter presente que, como resulta do ponto 17 da factualidade provada, esse contrato – celebrado entre a Autora, a Ré e a co-Ré C… – foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de Novembro de 2013”, ou seja, sem que se possa dizer que colida, enquanto tal, com a alínea d) do n.º 1 do referido artigo 289.º do CT: A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos.
Avançando no raciocínio, a vexata quaestio passa por verificar se, ao ter-se provado (ponto 20 da factualidade provada) que “após 1 de Novembro de 2014, a Autora continuou cedida à Ré C… – prestando trabalho para esta co-Ré, mas recebendo da Ré a sua retribuição, como sucedeu desde o início da cedência ocasional (pontos 21 e 22 da mesma factualidade) –, daí decorre, como sustenta a Recorrente, em contrário do decidido pela 1.ª Instância, que tenha ocorrido a caducidade do contrato de cedência ocasional por se verificar o seu termo em 31.10.2014, por não ter ocorrido a sua renovação, tendo ela Recorrente, por ter permanecido ao serviço da cessionária, o direito previsto no artigo 292.º do CT, direito esse que exerceu.
Ora, cumprindo analisar o contrato celebrado, assim designadamente se ficou prevista a sua renovação e em que termos, bem como se essa é legalmente permitida, teremos de atender por um lado às regras sobre a interpretação das declarações negociais, assim constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, como ainda da interpretação da lei, por aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do CC – mas sem todavia perdermos de vista as “circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar”, como estipulado no artigo 520º, nº 2 do CT.
Pronunciando-se, o Tribunal a quo fez constar da sentença recorrida o seguinte:
“(...) Nesta análise, deve chamar-se à colação as regras sobre a interpretação das declarações negociais, a saber, as que constam nas disposições dos arts. 236º a 238º do Código Civil, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário.
A regra contida no nº 1 do art. 236º do Código Civil, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é a seguinte: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2.).[16]
Por conseguinte, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes. Interpretar uma declaração negocial é actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. E, como se viu, esta vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto (art. 238º do CC).
Isto significa que a letra do negócio (o texto do documento) surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação. Optou-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.
Ora, no caso em apreço, as partes convencionaram o prazo inicial de um ano e a duração máxima de dois anos - cláusulas segunda e oitava do contrato de cedência ocasional de trabalhador junto aos autos a fls. 142 a 144.
O referido contrato teve início em 1 de Novembro de 2013 pelo prazo de um ano e renovou-se automaticamente por igual período, em 1 de Novembro de 2014.
A Autora a partir de 1 de Novembro de 2014 continuou ao serviço da co-Ré C…, nos exactos termos em que o vinha fazendo até então, enquanto auferia da Ré a retribuição devida até ao termo do contrato em 3 de Fevereiro de 2015, após denunciado contrato nos termos contratualmente previstos na clausula sétima do referido contrato.
Na verdade, a renovação do prazo da cedência ocasional, estando prevista no respectivo acordo, ocorre tacitamente, por igual período - Código do Trabalho, art.º 289.º/1, d).
Sendo também de renovação tácita do prazo contratual, por igual período, o sentido que declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, associa a estipulação do prazo de “duração de um ano, renovável por iguais períodos” (Código Civil, art.º 236.º/1), atendendo que para a não renovação ou denuncia, o contrato previa um procedimento próprio e revestido de maior formalidade, ou seja, a comunicação à outra parte com a antecedência não inferior a 90 dias.
Dentro dos limites da duração máxima da cedência, as partes são livres de fixar a faculdade de denúncia a todo o tempo, exercível, em posição de igualdade, por todos os contraentes. Face a este entendimento não se vislumbra o apontado vicio no de cedência ocasional de trabalhador, o que inviabiliza o exercício de a Autora optar pela empresa cessionária conforme pretendia na presente acção.”

Apreciemos pois a questão, começando pelas interpretação da lei, por dessa poder decorrer limitação à actuação das partes ao contratarem.
Dispõe-se no artigo 9.º do CC, o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por referência aos critérios nesse enunciados, fixemos pois, de entre os sentidos possíveis da expressão «renovável» utilizada na lei, qual é então o respectivo sentido e alcance decisivos, como aponta Manuel de Andrade[17], para o que importará ter presente, desde logo, o elemento gramatical ou textual (a “letra da lei “) – com uma função desde logo negativa, eliminando todos os sentidos que não encontrem qualquer apoio, correspondência ou ressonância no texto –, mas sempre em necessária ligação/correspondência com o elemento lógico – pois que a interpretação gramatical tem de ser obrigatoriamente lógica –, integrado pelos elemento sistemático – que compreende a consideração das demais disposições integram o quadro legislativo em que se insere a norma e, ainda, as disposições que regulem situações paralelas (unidade do sistema jurídico) -, racional ou teleológico – a ratio legis, ou seja, o fim pretendido com a elaboração da norma, a sua razão de ser – e histórico – o contexto em que a norma foi elaborada, incluindo a sua evolução histórica e as suas fontes, ou seja, as circunstâncias em que a norma foi elaborada. Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2016 (fixação de jurisprudência), que nesta parte se segue de perto, por apelo aos ensinamentos de Baptista Machado[18], frisando ainda que a interpretação tem também que ser atualista (“tendo… as condições específicas do tempo em que é aplicada”).
Ora, por apelo às enunciadas regras, não poderemos afirmar que esteja vedada a renovação do contrato de cedência ocasional de trabalhadores, pois que esta, naturalmente com o limite de cinco anos aí estabelecido, está expressamente prevista na lei.
De facto, como estabelecido na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 289.º do CT, a cedência ocasional é admitida desde que não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos.
Assim, não obstante a natureza das normas que se apreciam, sendo evidente que o legislador – admitindo que a necessidade de colocar à mão das empresas instrumentos que lhes permitam satisfazer necessidades de mão de obra pontuais, imprevistas ou de curta duração, justifica figuras como o "trabalho temporário" ou a “cedência” ocasional de trabalhadores” – “demonstrou bem o carácter excepcional destas figuras que se afastam do chamado modelo de trabalho típico e rodeou a sua admissibilidade de parâmetros rígidos e particulares cuidados”, tratando-se pois de regras que têm carácter imperativo, não admitindo que se constituam esquemas de cedência de mão de obra à margem do que nelas se estabelece”[19], a verdade é que, quanto à questão que nos ocupa, ou seja a possibilidade de renovação, está expressamente prevista desde que não ultrapasse os cinco anos.
Levanta porém a Recorrente a questão de saber se essa renovação pode ser automática, sendo que considera que foi esse o entendimento da decisão recorrida.
Porém, esclareça-se, do que se trata não é propriamente de saber se é permitida ou não a renovação automática do contrato e sim, como nessa decisão se refere também, se a actuação da Autora pode valer como declaração no sentido de concordar com essa renovação. Dito de outro modo, se o seu silêncio, mas associado à sua actuação, pode valer como declaração de aceitação da renovação do contrato.
Daí que careça de fundamento, adiante-se desde já, o apelo que a Recorrente faz ao princípio favor laboratoris para criticar a decisão recorrida e a interpretação que da mesma decorre relativamente aos preceitos em causa.
Na verdade, conforme refere Leal Amado “o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (favor laboratoris) não deve ser confundido com o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador (designado por vezes, por princípio in dubio pro laborator ou pro operario): este é um princípio norteador da interpretação das normas, da fixação do seu sentido e alcance, nos termos do qual» em caso de dúvida, «o intérprete deveria optar pelo sentido mais vantajoso para o trabalhador; aquele é como se disse um princípio sobre a aplicação das normas, sobre a qualificação da respectiva natureza, determinando que o preceito, signifique ele A ou B, poderá ser objecto de alteração in melius por fonte inferior”[20]. Ainda segundo o mesmo Autor, o princípio «favor laboratoris perfila-se, (…), como uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção colectiva, pressupondo que, em princípio, as normas juslaborais possuem um carácter relativamente imperativo, isto é, participam de uma imperatividade mínima ou de uma “inderrogabilidade unidireccional”»[21].
Ora, no caso que se aprecia, não estamos perante uma qualquer situação de concurso de normas, em que importe determinar a prevalência de uma sobre a outra, pressuposto do invocado princípio favor laboratoris, e, muito menos, acrescente-se, nos deparemos com um caso em que existam dúvidas sobre a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis, que pudesse assim justificar o apelo a uma interpretação mais favorável ao trabalhador.
De resto, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 2014[22], «“o princípio do “favor laboratoris” não constitui um elemento decisivo no processo interpretativo das normas, ainda que advindas duma auto-regulação das partes»[23] ou «dificilmente se pode sustentar, sem mais, que o princípio do favor laboratoris possa ser entendido como um elemento decisivo no processo interpretativo de normas, ainda que provenientes da auto-regulação»[24].

Esclarecida tal questão, importando avançar na apreciação, aceitando-se que as normas aplicáveis possuam como se disse carácter imperativo – não admitindo assim que se constituam esquemas de cedência de mão-de-obra à margem do que nelas se estabelece –, porque está expressamente prevista na lei a renovação da cedência desde que não ultrapasse os cinco anos, importa agora dar resposta à invocação da Recorrente no sentido de essa renovação não poder ser automática, sendo que considera que foi esse o entendimento da decisão recorrida.
Ora, sendo verdade que se fez constar da decisão recorrida que o “contrato teve início em 1 de Novembro de 2013 pelo prazo de um ano e renovou-se automaticamente por igual período, em 1 de Novembro de 2014”, não é menos certo, porém, que de seguida refere expressamente que “a renovação do prazo da cedência ocasional, estando prevista no respectivo acordo, ocorre tacitamente, por igual período - Código do Trabalho, art.º 289.º/1, d)”, sendo que é desta que retira depois consequências:
De facto, aí se fez constar, a esse propósito, o seguinte:
“A Autora a partir de 1 de Novembro de 2014 continuou ao serviço da co-Ré C…, nos exactos termos em que o vinha fazendo até então, enquanto auferia da Ré a retribuição devida até ao termo do contrato em 3 de Fevereiro de 2015, após denunciado contrato nos termos contratualmente previstos na clausula sétima do referido contrato.
Na verdade, a renovação do prazo da cedência ocasional, estando prevista no respectivo acordo, ocorre tacitamente, por igual período - Código do Trabalho, art.º 289.º/1, d).
Sendo também de renovação tácita do prazo contratual, por igual período, o sentido que declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, associa a estipulação do prazo de “duração de um ano, renovável por iguais períodos” (Código Civil, art.º 236.º/1), atendendo que para a não renovação ou denúncia, o contrato previa um procedimento próprio e revestido de maior formalidade, ou seja, a comunicação à outra parte com a antecedência não inferior a 90 dias.
Dentro dos limites da duração máxima da cedência, as partes são livres de fixar a faculdade de denúncia a todo o tempo, exercível, em posição de igualdade, por todos os contraentes. Face a este entendimento não se vislumbra o apontado vicio no de cedência ocasional de trabalhador, o que inviabiliza o exercício de a Autora optar pela empresa cessionária conforme pretendia na presente acção.”

Concorda-se com tal argumentação, a que acrescentamos apenas o seguinte:
O CT/2009, nos artigos supra citados, prevê a regulação da cedência ocasional de trabalhadores, exigindo porém a concordância destes, mas possibilitando desde logo a renovação do contrato até ao limite de cinco anos.
Ou seja, exige-se sempre a concordância do trabalhador, pelo que será necessário que a declaração de vontade desse nesse sentido seja expressa, sendo que, tendo ela destinatários, ou seja no caso as entidades cedente e cessionária, assume a natureza de declaração negocial receptícia, na terminologia da doutrina, sujeita assim à disciplina que resulta do n.º 1 do artigo 224.º do CC, em que se dispõe que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”.
Aplicando tal regime ao que aqui importa, desse resulta que a declaração de vontade do trabalhador em concordar com a renovação da cedência só se torna eficaz depois de ter sido recebida por aquelas entidades/destinatários. No entanto, por ter tal natureza, importa ter presente o que se dispõe no n.º 1 do artigo 217.º do CC: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”
Pelas razões que se referiram, isto é, por se tratar de uma declaração recipienda (ou receptícia), a declaração de vontade tácita torna-se eficaz quando chega ao seu destinatário, no caso a entidade cedente e cessionária (art.º 224.º 1 do CC). E, conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco aceitar a renovação da cedência, sentido esse que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelos destinatários.
Ora, sendo verdade que não se provou que tenha existido qualquer declaração expressa da Autora em aceitar a renovação da cedência para além da que consta do escrito inicial, da aplicação do regime supra referido sobre a natureza da declaração receptícia, em particular as referentes à declaração tácita, basta, para que possa ser considerada eficaz, como se disse anteriormente, que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.ª parte do n.º 1 do citado artigo 217.º do CC), estando dotada do sentido inequívoco de aceitar essa renovação, sem esquecermos, necessariamente, que esse sentido deve ser apurado de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, ou seja, o sentido normal da declaração, conforme disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC, e como tal ser entendida pelos destinatários.
Poderá então a postura da Autora valer como declaração tácita no sentido de aceitar a renovação por novo período, esta afinal prevista no contrato?
Salvo o devido respeito pelo entendimento da Recorrente, entendemos que sim.
Desde logo, estando como se viu prevista legalmente a possibilidade de renovação, a verdade é que no contrato celebrado, com o qual a Autora concordou, vinculando-se assim ao seu conteúdo, ficou estabelecido que esse tinha a duração de um ano, com início em 1 de Novembro de 2013, renovável por igual período – mas com o limite de dois anos, como consta do documento que formaliza o contrato –, respeitando assim, quanto ao período inicial previsto, a exigência legal.
Já quanto ao período subsequente, sendo que é esse que gera discórdia, não poderemos deixar de ter presente que, como se provou também, estando previsto (ponto 23 da factualidade), por estipulação das partes, que a cedência ocasional podia ser denunciada por qualquer delas, a todo o tempo, com antecedência não inferior a 90 dias, nenhum dos contraentes do acordo comunicou essa denúncia até ao termo do prazo inicial de um ano (ponto 19 da factualidade), sendo que a Autora, não obstante o período inicial contratado tivesse chegado ao seu termo, após 1 de Novembro de 2014 continuou cedida à Ré C…, prestando trabalho para esta co-Ré, mas recebendo da Ré a sua retribuição, como sucedeu desde o início da cedência ocasional (pontos 20 a 22 da factualidade). Ou seja, apesar de o próprio acordo de cedência ocasional celebrado prever a retoma da prestação de trabalho da Autora para a Ré uma vez cessada a cedência (ponto 25 da factualidade), como ainda como se viu a possibilidade de aquela denunciar o contrato a todo o tempo com antecedência não inferior a 90 dias, a verdade é que, não comunicando esta intenção de cessação até ao termo do prazo inicial de um ano, continuou a desempenhar as suas funções para a Ré C….
Estes factos, no contexto que se aprecia, podem e devem, efectivamente, segundo um critério prático, ser tomados como comportamento concludente da Autora no sentido de concordar com a renovação ou repristinação da relação originariamente existente, a que tinha já dado a sua concordância.
Assim se conclui por se considerar que não existem obstáculos de natureza formal – artigos 219.º a 221.º do CC – a que a cedência se renove tacitamente em consequência da supra referida actuação da Autora.
Na verdade, estando o acordo de cedência ocasional, face ao disposto no artigo 290.º do CT, sujeito a forma escrita – que deve conter: “a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Identificação do trabalhador cedido; c) Indicação da actividade a prestar pelo trabalhador; d) Indicação da data de início e da duração da cedência; e) Declaração de concordância do trabalhador” –, porque essa forma foi respeitada no acordo celebrado, no qual já se previa a sua duração inicial de um ano e que era renovável por igual período – pois que se estipulou em dois anos o limite da cedência –, não se considera que para a sua declaração renovatória seja de exigir a forma legal prescrita para o acordo inicial, face ao que se dispõe no n.º 3 do artigo 221.º do CC, tanto mais que, como se viu, afinal daquele acordo já constava essa possível renovação como ainda, acautelando assim também uma sua eventual vontade de não a aceitar posteriormente, a possibilidade de denunciar o contrato, aliás a todo o tempo, com antecedência não inferior a 90 dias.
Esta realidade vai afinal ao encontro da conclusão XXV da Recorrente, quando admite que da aplicação do artigo 9.º do Código Civil resulta que “a renovação só acontece havendo uma declaração expressa nesse sentido, seja ela contemporânea à renovação, seja ela anterior, no momento da celebração do contrato de cedência, traduzida na previsão de uma renovação automática do mesmo!” (sublinhado nosso).
Aliás, acrescente-se, ainda que fosse de exigir qualquer outra formalidade, face ao seu supra referido comportamento, que evidencia a concordância da Autora na cedência durante o período em que permaneceu a exercer funções na cessionária, configuraria afinal abuso de direito vir, posteriormente, invocar a ilicitude da cedência apenas pela circunstância de não ter sido formalizada por escrito a renovação da cedência para o novo período, atentando ao disposto no artigo 334.º do CC, por se traduzir esta sua posição mesmo num venire contra factum proprium – ou seja, conduta anterior do seu titular, que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa fé, legitima a convicção de que tal direito – pedido de declaração de nulidade/ilicitude por violação de um vicio formal – não será exercido[25].
Assim, entende-se que o facto de a Autora ter continuado a exercer as suas funções para a cessionária, sem qualquer objecção, depois de findo o prazo inicial da cedência, estando inicialmente prevista a possibilidade da sua renovação, pode e deve – desde logo, à luz do princípio da boa-fé – ser razoavelmente interpretada como envolvendo uma renovação tácita da cedência, prescindindo de qualquer outra formalidade.
Daí que não se possa dizer, contrariamente ao entendido pela Recorrente (conclusão XXXI), que o contrato de cedência ocasional tenha caducado, por se verificar o seu termo, em 31.10.2014.

3. Demais pedido

As pretensões formuladas pela Recorrente nas suas conclusões XXXII a XXXVI e XXXVIII a XL dependiam directamente da procedência quanto à questão analisada anteriormente.
Não logrando como se viu esse objectivo, decaem necessariamente, porque assim infundadas, as considerações que a Recorrente faz a propósito de ter ficado, exercendo-o, com o direito previsto no artigo 292.º do CT, como ainda sobre o ter-se criado o vínculo laboral entre ela e a C…. E, do mesmo modo – tanto mais que cessada a cedência por denúncia como previsto aliás no acordo o trabalhador regressa ao serviço do cedente, mantendo os direitos que tinha antes da cedência, cuja duração conta para efeitos de antiguidade (n.º 2 do artigo 290.º do CT) –, que possa ser considerada ilícita a recusa dessa Ré em aceitar a prestação do trabalho – comunicada por escrito –, constituindo assim despedimento ilícito, por imotivado e infundamentado, bem como, ainda, necessariamente, qualquer direito à sua reintegração ou pagamento de compensação por danos sofridos.
Concluindo, não se encontram razões para não se concordar com a decisão recorrida, incluindo na parte em que, na apreciação do pedido reconvencional, que aliás não foi expressamente objecto de impugnação da Recorrente nas suas alegações e conclusões, considerou que “o contrato de trabalho entre Autora e Ré cessou por denúncia a partir de 3 de Fevereiro de 2015, nos termos do disposto nos artºs 400º e 401º, do Código do Trabalho”.
Decaindo a Recorrente nas suas conclusões, improcede totalmente o recurso que interpôs.
***
IV - DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a apelação.
Custas pela Recorrente.

Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7 do NCPC.

Porto, 2 de Março de 2017
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
Domingos Morais
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[7] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[8] Vide, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, págs. 440-441
[9] Disponível em www.dgsi.pt
[10] Cf. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, pág. 439.
[11] Neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 449; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382
[12] Vasques Dinis (Relator), disponível em www.dgsi.pt.
[13] Com recurso, como na mesma se refere, na sua nota 9, no concerne à caracterização do contrato de cedência ocasional de trabalhador e a sua distinção de tipos contratuais similares, aos ensinamentos de Maria Regina Gomes Redinha, in “Cedência ocasional de Trabalhadores – Anotação aos artigos 322º a 239º, do Código do Trabalho de 2003”, publicado pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e tendo como referencia as normas correspondentes no CT de 2009.
[14] Disponível em www.dgsi.pt
[15] Veja-se o Ac. RP de 12-05-2014, consultável no mesmo endereço internet, citado no nosso Acórdão de 5-12-2016, processo 5601/15.0T8VNG.P1.
[16] Cfr. os Profs. P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol 1º, 3ª ed., pág. 222
[17] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, pág. 21
[18] Baptista Machado, Introdução ao direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, págs. 175 e segs
[19] Veja-se, Ac. STJ de 4 de Maio de 2005, processo 04S1505, in www.dgsi.pt, então por apelo ao regime estabelecido no DL n.º 358/89 de 17.10, alterado pela Lei n.º 146/99 de 2.9 (LTT), mas que mantém no CT actual plena aplicação: “(...) veio claramente combater a interposição fictícia e em fraude à lei, estabelecendo um conjunto de regras, das quais se destacam as que dispõem taxativamente sobre as formas jurídicas ao abrigo das quais é lícita a cedência (contrato de trabalho temporário e cedência ocasional de trabalhadores) - arts. 9.º, 17.º, 18.º, 26.º e 27.º - e as que responsabilizam o beneficiário do trabalho (utilizador ou empresa cessionária) desconsiderando a empresa interposta em caso de ilicitude - arts. 10.º, 11.º, n.º 4, 16.º, n.º 2, 18.º, n.º 5 e 30.º. Estas regras têm carácter imperativo, não admitindo que se constituam esquemas de cedência de mão de obra à margem do que nelas se estabelece.(...)”
[20] Princípio do tratamento mais favorável e art. 4.º, n.º 1 do Código do Trabalho: o Fim de um Princípio? A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pág. 114
[21] Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2011, pág. 44
[22] Uniformização de Jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Citando o Acórdão STJ de 20 de Novembro de 2011, proferido na revista n.º 509/05.0TTFUN.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Neste caso citação do Acórdão de 27 de Outubro de 2009, proferido na revista n.º 508/05.1TTFUN.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Ac. RP de 17-12-2014, Relator Rui Penha
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Sumário – artigo 663º, nº 7 do NCPC:
1- Por referência ao disposto no artigo 122.º, alínea d), do CT/2003 – no CT/2009, seu artigo 129.º, n.º 1, al. d) – o princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
2- Cumprindo analisar o conteúdo e sentido do contrato celebrado, há que atender, por um lado, quanto às normas aplicáveis, às regras da interpretação da lei, por aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 9.º e 10.º do CC, e, por outro, pois que não devemos perder de vista as circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar, como estipulado no artigo 520º, n.º 2 do CT, as regras sobre a interpretação das declarações negociais, assim constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.
3- Exigindo o contrato de cedência ocasional a concordância do trabalhador, essa concordância, no que se refere à renovação prevista nesse contrato por um novo período de um ano, assume a natureza de declaração negocial receptícia, sujeita à disciplina que resulta do n.º 1 do artigo 224.º do CC.
4- Não obstante o acordo de cedência ocasional, face ao disposto no artigo 290.º do CT, estar sujeito a forma escrita, porque essa forma foi respeitada no acordo celebrado, no qual já se previa a sua duração inicial de um ano e que era renovável por igual período, a declaração renovatória não exige a forma legal prescrita para o acordo inicial, face ao que se dispõe no n.º 3 do artigo 221.º do CC.
5- Podendo a declaração ser expressa ou tácita, de acordo com que se dispõe no n.º 1 do artigo 217.º do CC, no que se refere a esta última, tem de ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC) – deve ser dotada de sentido inequívoco de aceitar a renovação da cedência, a apurar segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelos destinatários.
6- Estando prevista legalmente a possibilidade de renovação da cedência ocasional, como ainda no contrato celebrado em que constava também que essa podia ser denunciada por qualquer delas, a todo o tempo, com antecedência não inferior a 90 dias, o facto de o trabalhador não ter denunciado o contrato até ao termo do prazo inicial de um ano e de ter continuado a prestar as suas funções para a cessionária do mesmo modo como o fazia anteriormente, recebendo da cedente a sua retribuição, esse comportamento, no contexto em que se verificou, pode e deve, segundo um critério prático, ser tido como concludente no sentido de concordar com a renovação da cedência originariamente existente, a que tinha já dado a sua concordância.

Nelson Fernandes