Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
144/09.3TYVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
CONTRATO DE INCENTIVOS FINANCEIROS
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
IMPUGNAÇÃO
EFEITOS NA INDEMNIZAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO CONDICIONAL
Nº do Documento: RP20160606144/09.3TYVNG.P2
Data do Acordão: 06/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º627, FLS.43-78)
Área Temática: .
Sumário: I - Para a integração da previsão do n.º 1 do artigo 242.º do CSC, não basta que o comportamento do sócio seja desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, sendo ainda imprescindível que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.
II - A exclusão de sócio deverá ser entendida como ultima ratio, apenas sendo permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a atividade social.
III - Concluindo-se que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com o sócio na sociedade mas fora da gerência, à qual o mesmo renunciou, não se justifica a sua exclusão.
IV - Tendo o diretor do I.E.F.P., IP. proferido despacho a determinar a resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros à sociedade e a consequente devolução do valor entregue, encontrando-se o ato administrativo em causa com os seus efeitos suspensos por decisão judicial, enquanto se aguarda o resultado da sua impugnação, não pode proceder o pedido de condenação do sócio no pagamento da quantia exigida pela referida entidade administrativa.
V - A situação em apreço não é integrável na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC, porque o que está em causa não é meramente a inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação (situação suscetível de integração na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC), mas a existência dessa obrigação (que apenas emergirá do ato administrativo, caso o mesmo se torne definitivo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 144/09.3TYVNG.P2

Sumário da decisão:
I. Para a integração da previsão do n.º 1 do artigo 242.º do CSC, não basta que o comportamento do sócio seja desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, sendo ainda imprescindível que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.
II. A exclusão de sócio deverá ser entendida como ultima ratio, apenas sendo permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a atividade social.
III. Concluindo-se que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com o sócio na sociedade mas fora da gerência, à qual o mesmo renunciou, não se justifica a sua exclusão.
IV. Tendo o diretor do I.E.F.P., IP. proferido despacho a determinar a resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros à sociedade e a consequente devolução do valor entregue, encontrando-se o ato administrativo em causa com os seus efeitos suspensos por decisão judicial, enquanto se aguarda o resultado da sua impugnação, não pode proceder o pedido de condenação do sócio no pagamento da quantia exigida pela referida entidade administrativa.
V. A situação em apreço não é integrável na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC, porque o que está em causa não é meramente a inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação (situação suscetível de integração na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC), mas a existência dessa obrigação (que apenas emergirá do ato administrativo, caso o mesmo se torne definitivo).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 27.02.2009, B…, sócia gerente da sociedade comercial por quotas B…, Lda., intentou no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário, contra D…, formulando os seguintes pedidos de condenação da ré:
a) Que “seja reconhecido o comportamento da ré ter sido a causa direta para a ocorrência dos prejuízos da C… Lda., e dos que possam vir a ocorrer, e nesta medida seja imediatamente excluída de sócia da referida sociedade, nos termos dos artigos 241º e 242º do Código das Sociedades Comerciais, a decidir no despacho saneador com base nos elementos de prova que já se encontram juntos aos autos como documentos nºs 1,2,12, 4, 8,13,16 14,17”.
b) Seja a ré “condenada a pagar à C…, Lda., e à autora uma indemnização pelos prejuízos que poderão ocorrer pelo incumprimento do contrato de Incentivos Financeiros que foi celebrado com o IEFP, que se computam atualmente no valor de € 23.650,56 (vinte e três mil seiscentos e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescidos de juros legais, sendo relegada para a execução de sentença a fixação de valor superior caso se venha a verificar”.
c) Seja a ré condenada a pagar à C…, Lda., uma indemnização pelos resultados negativos que a empresa teve no ano de 2007que se computam no valor de € 13.113,76 (treze mil cento e treze euros e setenta e seis cêntimos), bem como os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
d) Seja a ré condenada no pagamento numa indemnização à C…; Lda., pela situação que criou a fixar equitativamente pelo tribunal.
e) Seja a ré condenada a pagar à C…, Lda., as contribuições que foram pagas à segurança social no valor de 186,00 (cento e oitenta e seis euros), sem a ré ter prestado o seu trabalho.
f) Seja a ré condenada a pagar à autora o valor de € 1.759,89 (mil setecentos e cinquenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais pelos pagamentos que efetuou a título pessoal das despesas da empresa, referidas nos artigos 97º, 100º,101º e 102º, ainda pelos que poderão ocorrer a fixar em execução de sentença
g) Seja a ré condenada a pagar à autora de uma indemnização pelos danos não patrimoniais de que está a ser vítima, no montante a fixar equitativamente pelo tribunal.
h) As quantias peticionadas, serão acrescidas dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, até efetivo e integral pagamento e, acrescidas ainda de sobretaxa de 5% desde o trânsito em julgado da sentença nos termos do artigo 829º – A do Código Civil, e das custas de parte, e custas judiciais.
i) Seja a ré condenada a pagar os prejuízos que não forem possíveis fixar na presente ação, seja fixado em execução de sentença.
Alega a autora, em síntese, como fundamento da sua pretensão: autora e ré são as únicas sócias da sociedade por quotas C…, Lda.; cada uma das sócias tem uma quota no valor € 3.750,00, representativas cada uma delas, de 50% do capital social; no início a administração ficou a cargo das duas sócias, sendo necessária a assinatura de ambas para obrigar validamente a sociedade; em dezembro de 2007 a ré renunciou à gerência; a referida sociedade dedica-se à lavagem, limpeza a seco e engomadoria de têxteis e peles; a C…, Lda., apresentou uma candidatura aos apoios financeiros, previstos na Portaria 196-A /2001, de 10 de março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, sendo promotoras de tal iniciativa a autora e ré; a candidatura foi aprovada, e em 30/12/2004, celebrou com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P., IP) um contrato de concessão de Incentivos Financeiros, pelo prazo de quatro anos, segundo o qual foi concedido um incentivo financeiro para a constituição de uma iniciativa local de emprego, conforme cópia de contrato que se junta; esta candidatura foi aprovada para um investimento total de € 35. 420,78, um apoio financeiro total concedido à C…, Lda., de € 27.929,78, sob a forma de subsídio não reembolsável, sendo o montante de € 13.161,60, relativo à criação líquida de dois postos de trabalho, € 12.126,86 relativo ao apoio financeiro ao investimento e 2632,32€ referentes a duas majorações; 15% do investimento ficou retido até à obtenção da autorização de utilização para a atividade e emissão de alvará; assim que a C…; Lda., obtivesse a referida autorização (licenciamento para a atividade), receberia do I.E.F.P., IP, os 15% do investimento; nos termos do contrato, a C…, Lda., ficou de cumprir com as obrigações constantes da cláusula 9º do contrato, destacando-se a obrigação de não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos e manter a sua situação regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social; pelo cumprimento das obrigações ficou responsável a empresa, C…, Lda., sendo a autora e a ré, na qualidade de promotoras da iniciativa, solidariamente responsáveis com a empresa e entre si – Cláusula 10º do referido contrato de incentivos financeiros; autora e ré ficaram a comandar os desígnios da empresa, obrigadas a cumprir durante quatro anos os seus postos de trabalho que foram criados e apoiados pelo I.E.F.P, IP; sucede que a ré desde março de 2007, só ocasionalmente é que aparecia na empresa, e a partir de maio do ano de 2007, pese embora tendo conhecimento que não o poderia fazer, deixou de comparecer no seu posto de trabalho, em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros, sem efetuar qualquer comunicação prévia ao I.E.F.P,IP e à autora a sua sócia; aquele abandono causou e está causar sérios prejuízos à sociedade C…, Lda., bem como à autora; a ré saiu da empresa precisamente na altura em que se previa a consolidação da empresa, já que os anos anteriores se encontrava em fase de implantação no mercado; o funcionamento da sociedade era assegurado pela autora e ré, eram estas que trabalhavam na empresa diariamente efetuando todo o trabalho de lavandaria, engomadoria e costura; os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos; a C…, Lda. deixou de poder cumprir com as prestações da viatura que adquiriu para efetuar o trabalho ao domicílio; a instituição Bancária, E… – Instituição Financeira de Crédito SA, moveu ação judicial contra a C…; mas “o pior de tudo, foi o abandono do posto de trabalho pela ré que era assegurado pelo I.E.F.P, IP, e que deveria ocupar durante 4 anos, que gerou o incumprimento por parte da sociedade C… das obrigações assumidas com o I.E.F.P, I.P”; a autora preocupada com as consequências do abandono da ré, do seu posto de trabalho perante o Instituto do Emprego e Formação Profissional, encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento, e repor o nível bastava a ré ter bom senso e ceder a sua quota pelo seu valor real, resolvendo assim o grande problema que criou com o IEFP, como não quis, prejudicou e está a prejudicar seriamente a empresa e a sua sócia, a ora autora, fazendo com que estas corram o risco de terem que reembolsar todos os incentivos concedidos; ora é manifesto que a ré provocou toda esta situação, pois se não abandonasse seu posto de trabalho, nada disto aconteceria; teve tempo e oportunidade para sanar o seu incumprimento, pois era sua a obrigação repor o nível de emprego, sendo que para o efeito poderia ceder a sua quota, mas só o faria se tivesse uma contrapartida monetária €10,000.000; nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem tido um valor negativo, conforme as avaliações que foram efetuadas pela contabilidade F…; devido à “teimosia da ré, a C…, Lda., está numa situação muito complicada, uma vez que é esta sociedade a responsável pelo cumprimento das obrigações assumidas pelas promotoras (autora e ré); a conduta reiterada da ré denota uma intenção de prejudicar os interesses da sociedade e da sua sócia, preferindo abandonar o seu posto de trabalho, e ir trabalhar por conta de outrem, sem antes resolver a situação perante o IEFP, adotando assim um comportamento desleal, egoísta, egocêntrico e gravemente perturbador do bom funcionamento da sociedade; do comportamento da ré resultam os danos peticionados.
Citada, a ré apresentou contestação em 16.04.2009, na qual suscita as exceções dilatórias e ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade ativa da autora, bem como a exceção perentória de prescrição, quer quanto ao prazo para excluir a ré da sociedade, quer quanto ao prazo para o pedido de responsabilidades por prejuízos.
Impugnando, alega a ré, em síntese: a autora não se esforçava, nem cumpria horários, e o ambiente de trabalho entre a autora e a ré degradou-se; em fevereiro de 2007, a ré, numa reunião com o Dr. G…, referiu-lhe a degradação das relações com a autora e a falta de rendimento da empresa, bem como a sua intenção de abandonar o posto de trabalho; em abril de 2007, a ré avisou a autora de que ia casar no dia 26 de maio e que após esse evento, não regressaria; tudo isto se deveu ao facto de a autora ter negligenciado completamente as necessidades da empresa; a ré deixou o seu posto de trabalho em maio de 2007 e apenas em junho de 2008, mais de um ano depois, foi deliberada a sua exclusão de sócia; a ré tudo fez para que a empresa não tivesse mais prejuízos do que os que já registava, propondo à autora a entrega da viatura adquirida pela empresa, o que esta não aceitou; a ré pagou metade da quantia exequenda, em prestações (na execução movida pelo E…), desconhecendo se a autora pagou a metade que lhe correspondia.
Em reconvenção, pede a ré a condenação da autora no reembolso do valor de €1.837,20, correspondente a metade da quantia exequenda que a autora pagou referente à ação executiva movida pela instituição financeira E… contra a sociedade e as sócias.
A autora apresentou réplica, na qual se pronuncia pela improcedência das exceções deduzidas pela ré, bem como do pedido reconvencional, concluindo:
«Termos em que, e nos melhores de direito:
A) Devem todas as exceções deduzidas, por despidas de fundamento, serem julgadas improcedentes.
Sem prescindir:
Só para a eventualidade de Vª Exa., não ter o mesmo entendimento, quanto à questão da legitimidade da autora, por mera cautela, requer-se a Vª Exa., que nos termos do artigo 265º do CPC, ordene a intervenção da Sociedade C…, Lda., para sanação da eventual legitimidade.
B) Deve a reconvenção ser julgada improcedente e absolvida a reconvinda do pedido reconvencional.
C) Deve a ré ser considerada como litigante de má-fé, condenando-a no pagamento de uma multa ao tribunal e numa indemnização à autora, nos termos do artigo 456º e 457º do Código de Processo Civil.
D) No mais deve a ação ser julgada totalmente procedente, nos termos requeridos na petição inicial.».
Em 4.06.2009 (fls. 155) veio a ré desistir do pedido reconvencional.
Em 26.11.2009, realizou-se audiência preliminar, a qual tinha como único objeto a tentativa de conciliação, que se frustrou.
A desistência do pedido reconvencional foi homologada por despacho de 15.02.2010.
Em 15.02.2010, foi proferido saneador sentença, com o seguinte teor:
«Aqui chegados:
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo ainda de reputar a Ré como parte legítima .
E o que dizer quanto à A. , Snra. D. B…, em sede do sobredito pressuposto processual, relativamente ao pedido constante da presente demanda visando a exclusão judicial da outra sócia (ora Ré) da sociedade C…, Lda. (pedido A)?
Em sede de aferição de tal questão, urge salientar que conforme versadamente é aduzido no Acórdão do S.T.J de 7/10/2003, da lavra do Snr. Conselheiro Barros Caldeira, proferido no âmbito do proc.com o nº convencional JSTJ 000, o direito de peticionar a exclusão social de sócio pertence à sociedade “per se “ e não aos sócios.
Para continuar: “Isto porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção ( …)”
Ou seja: a legitimidade activa está cometida em exclusivo ao ente societário, não a qualquer sócio “uti singuli”.
Conforme flui da economia dos autos, a sociedade supra referida é composta por apenas dois sócios, sendo que a ré, Snra. D. D… renunciou à gerência, facto este levado ao registo – vd . fls .fls. 31 – destarte não se levantando aqui (“et pour cause”) a verificação da possibilidade legal consignada no art. 257º nº 5 do CSC, por este motivo inaplicável “in casu” (vd. que se reporta a uma particular condição jurídica - a de gerente – não a qualquer outra – art. 9º nº 1/ nº 2 do C. Civil - não sendo ainda despiciendo salientar que a conjugação literal dos arts.º 241º e 242 do CSC milita no exposto sentido, ou seja, que está cometida à sociedade em exclusivo a propositura da assinalada demanda).
Por outro lado, no que concerne à referência feita ao art. 1005º do C. Civil, dir-se-á que está cometida em exclusivo ao Tribunal a ablação social aí reportada, sendo ineficaz qualquer deliberação quanto a tal eventualmente produzida no exclusivo âmbito social, tão só com este alcance devendo ser percepcionado o sobredito normativo.
Perante tal quadro, como seu corolário (e julgando como prejudicadas em sede de conhecimento as remanescentes questões suscitadas – vd . o art. 660º do CPC) e levando em consideração o disposto nos arts . 493º nº1/nº2 e 494º e), decido absolver a Ré da presente instância declarativa no que concerne a todos os pedidos formulados.
O Tribunal é o competente no que concerne ao pedido A).
Todavia, no que concerne aos pedidos b) a i) (inclusive), estribados que estão em causas de pedir diferentes daquela que suporta o pedido supra referido (vd., nomeadamente e a título de exemplo, o alegado inadimplemento contratual da ré no que concerne ao contrato de incentivos financeiros celebrado com o IFEP e o espoletar da responsabilidade civil extracontratual de tal Senhora nos termos em que é apresentada nos pedidos f) e G)), este Tribunal não é o competente (em razão da matéria - art. 121º da Lei nº 52/2008, de 28/8 “ a contrario sensu”) para tal dirimir, daqui derivando a sua incompetência absoluta (art. 101º e ss. do CPC), sendo ainda de levar em cogitação o consignado no art. 31º nº1 do de C.P. Civil “ ex vi” do art. 470 º do mesmo Diploma.
Perante tal quadro circunstancial, tendo em linha de conta o consignado no art. 105º nº1 do cit. Diploma, absolvo a ré da presente instância no que reporta aos assinalados pedidos b) a i), inclusive).».
Não se conformou a autora, e interpôs recurso de apelação sobre o despacho que se transcreveu, tendo os autos subido a este Tribunal, onde foi proferido acórdão em 6.12.2010, no qual se julgou procedente a apelação e, em consequência, se revogou o despacho recorrido “… devendo por isso ser substituído por outro no qual o Sr. Juiz julgue a autora parte legítima para por si só intentar a presente acção e bem assim o Tribunal do Comércio de Gaia com competência material para conhecer dos pedidos formulados nas alíneas e) e i)[1] de fls. 18…”.
Em 1.09.2011 foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido definidos os factos assentes e organizada a base instrutória (tudo por remissão para os articulados).
«A)
Os art. 1º/2º da P.I.
B)
Os art. 3º/4º da P.I
C)
Os arts.5º,6º e 7ºº da P.I.
D)
Os arts.8º e 9º da P.I.
BASE INSTRUTÒRIA
1º)
Com vista à angariação de clientes para a C…, Lda, eram feitas entregas de roupa lavada ao domicílio?
2º)
entregas estas feitas em exclusivo pela Ré?
3º)
O art. 24º da P.I?
4)
O art. 27º da P.I?
5)
O art. 28º da P.i?
6º)
O art. 29º da P.I?
7º)
O art.30º da P.I?
8º)
Tendo a Ré, com este comportamento impedida a C…,Lda de angariar clientes ?
9º)
O art.32º da P.I?
10º)
O art.36º da P.I?
11º)
Sendo certo que a partir de 2007 é que se previam os lucros da empresa, sendo certo que, em decorrência do abandono da Ré, continuou a C…, Lda. com prejuízos, tendo apresentado um resultado negativo de € 13.113,76 e com tendência para aumentar?
12º)
Devendo-se à Ré a responsabilidade por estes resultados negativos e pela travagem do crescimento económico da empresa?
13º)
E a A. está a suportar pessoalmente com todas as despesas da empresa, porque esta não tem dinheiro?
14º)
O art.97º da P.I?
15º)
Os arts.99º/100º da P.I?
16º)
O art. 102º da P.I?
A autora deduziu reclamação em 15.09.2011, parcialmente decidida por despacho de 25.05.2012, que a deferiu parcialmente, determinando o seguinte aditamento à base instrutória:
«Quesito nº 1-A
O art. 18º do P.i?
Quesito nº 9º-A
O art.35º da P.I.?
Quesito nº 10º -A
O art. 37º da P.I?
Quesito nº10-B
O art. 41º da P.I?
Quesito nº10-C
O art. 43º da P.I?
Quesito nº 10-D
O art.44º da P.I?
Quesito nº10-E
O art. 46 ºda P.i?
Quesito nº10-F
Os arts. 47º/48º da PI?
Quesito nº10-G
O art.62º da P.I?
Quesito nº10-H
E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e ,€ 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo, cfr. Avaliações que foram efectuadas pela F…?
Quesito nº13-A.
O art.84º da P.I?
Quesito nº13-B
O art.85º da P.I?
Quesito nº13-C
O art.86º da P.I?»
Em 15.11.2012 realizou-se a primeira sessão de julgamento, constando da respetiva ata um requerimento da ilustre mandatária da autora no qual refere que o ponto bc) da reclamação apresentada a fls. 244 não foi objeto de despacho, tendo o Mº Juiz determinado que os autos lhe fossem conclusos a fim de suprir a omissão apontada.
Nesta sessão foi ouvido o depoimento de parte da ré D…, tendo sido consignado em ata:
«Foi inquirido à matéria constante dos quesitos a seu tempo indicados (arts . 552º e ss. do CPC), posto o que ficou por assentada o seguinte:
Quesito nº 1 A - confirma
Quesito nº 3 - não confessa
Quesito nº 10 A – confirma que deixou de pagar as prestações a partir de maio de 2007.
Quesito nº 10 B - confirma que pagou metade do valor de cerca de 1800 euros.
Quesito nº 13 A - confirma que não prestou trabalho a partir de 21 de Maio, nada mais sabendo.».
Na sessão de julgamento de 5.12.2012, foi ouvida apenas uma testemunha, tendo o Mº Juiz constatado ainda não se encontrar decidida a reclamação da autora, após o que proferiu o seguinte despacho: «Ordeno que os autos me sejam "Cls" com vista a ser dirimida a questão em crise a fls. 240, tudo na boa ordem adjectiva da causa (art 265º do CPC), com ulterior notificação às partes».
No despacho de 14.01.2013, o Mº Juiz pronunciou-se sobre a parte restante da reclamação à base instrutória, indeferindo-a.
No despacho de 4.02.2013, o Mº Juiz voltou a pronunciar-se sobre a reclamação à base instrutória, determinando “a formulação dos seguintes novos quesitos.
Quesito nº 17º
O art.105º da P.I?
Quesito nº18
O art. 106º da P.I?
Quesito nº19
Os arts. 107º/108º/109º da P.I?
Quesito nº20
Os arts. 110º/111º da P.I?».
O julgamento prosseguiu em várias sessões: de 6.02.2013, 21.02.2013, 12.04.2013, 9.05.2013 e 3.07.2014.
Em 13.03.2015 foi proferida sentença na qual foi a ação julgada improcedente por não provada, tendo sido a ré absolvida do pedido.
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões[2]:
1º Não se concorda com a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, por entendermos convictamente que se fez prova cabal e clara dos factos alegados na petição inicial a que supra nos referimos, como V.ªs Ex.ªs podem verificar através dos concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação realizada em audiência de julgamento, a que aqui a recorrente se refere.
2º Essa prova resulta, desde logo e sem qualquer sombra de dúvida, dos documentos que foram juntos aos autos e que se encontram a fls. 31 a 116, 148, 348, 349 a 356, 364 a 387, 398 e 404 a 405, os quais não foram impugnados, e a que supra fazemos especificamente ou discriminadamente referência de alínea a) até à alínea u).
3º Bem como a prova é igualmente sustentada no depoimento de parte da ré/recorrida que confessou alguns factos relevantes para a procedência dos pedidos, nomeadamente o abandono do seu posto de trabalho (depoimento encontra-se gravado em suporte digital - ficheiros 20121115115937-3744-2201211521862-3744-99306).
4º E ainda pela prova testemunhal, a saber: Dr. G…, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital – Ficheiro 20130206112723-37414-993062 (Gravação 00,01 a 14,31); Ficheiro201302626114740 (Gravação 00,01 a 33:29); -Dr.ª H…, cujo depoimento se encontra gravado em suporte Digital – ficheiro 2013022111331-3744-993062 (Gravação 001, a 09:54). Ficheiro 20130221111129- (Gravação 00,01 a 15,41).Ficheiro 2013221112908 (gravação 00,01a 00,04) Ficheiro 20130221113331 (gravação 00,01 a 16:01); I…, encontrando-se e o seu depoimento gravado no suporte digita – ficheiro 20130221120610-37414-993062 (Gravação 00,01 a 00,17) Ficheiro 2013022112255 (gravação 001 a 19:37); J…, cujo depoimento foi gravado e encontra em suporte digital – ficheiro 2013020611653-3744-993062 (Gravação.00,01 a 2:20) e K…, com depoimento gravado em suporte digital – Ficheiro 20130221123847-37414-993062 (Gravação a 01: 23 a 28:13) e cujas passagens da gravação de cada testemunha em que se funda o presente recurso para ver alterada a matéria de facto provada e não provada estão supra neste recurso devidamente indicadas e identificadas para onde se remete.
5º O tribunal ” à quo”, com o devido e merecido respeito, não analisou cuidadosamente a prova supra referida que foi junta aos autos e produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, quanto à prova documental não deu a relevância aos documentos juntos a fls 33 a37,fls 44, fls 46 a49, fls 57 a 56 , fls 71 a 72, fls 73 a77 , fls 78 a 82, fls 83 fls 84 a 86, fls 349 a356, fls 363 a 387 fls 387 e fls 404 a 405, que na nossa modéstia opinião, são de primordial importância para a análise e a procedência da ação, em particular o contrato de concessão de incentivos financeiros (fls 33 a 37) e as decisões de resolução do referido contrato com fundamento no incumprimento da ré (fls. 73 a 82) não tendo sequer se pronunciado na sentença sobre qualquer um destes documentos, que na sua maioria provam o incumprimento por parte da recorrida do contrato de concessão de incentivos financeiros, por ter abandonado o seu posto de trabalho, sem repor o nível de emprego, prejudicando os interesses e o normal funcionamento da sociedade C…, Lda., que foi pelas promotoras constituída para obterem os apoios financeiros concedidos pelo do IEFP, ao abrigo da Portaria 196-A/2001, de 10 de Março, e a criação de dois postos de trabalho, prejudicando ainda seriamente a aqui recorrente.
6º Com base nestes meios probatórios (documental, depoimento de parte e testemunhal) deveriam e devem agora por V.ªs Ex.ªs serem dados como provados todos os factos devidamente descriminados e especificados supra no ponto I (impugnação da matéria de facto), constantes das alíneas A) a Q), para onde se remete (e que a nosso ver, foram incorretamente julgados uns que foram dados como provados mas que se considera que pecam por deficiência ou insuficiência e outros por total omissão).
7º No presente caso em concreto, a sociedade C…, Lda. foi constituída tendo uma finalidade ou um fim especifico, foi constituída para que a autora e a ré, através dela, concorressem e obtivessem um incentivo financeiro nos termos definidos na Portaria 196-A /2001, de 10 de Março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, por forma a garantirem por aqui um emprego, o que veio a suceder.
8º A Autora B… e a ré D…, criaram assim esta sociedade para este efeito, uma sociedade por quotas denominada C…, Lda., que tem apenas estas duas sócias, e cada uma delas tem uma quota de valor igual à outra de € 3.750,00, (três mil setecentos e cinquenta euros).
9º Ambas as sócias e na qualidade de promotoras outorgaram com o Instituto do Emprego e Formação Profissional – Delegação Regional do Norte, o contrato de concessão de incentivos financeiros, em 30/12/2004, o qual se rege no âmbito do Programa de estímulo ao combate ao desemprego, definidos inicialmente no Preâmbulo do DL nº 132/99, de 21 de Abril, e posteriormente na portaria 196-A /2001 de 10 de Março, com as alterações introduzidas pela Portaria 255/2002, de 12 de Março,
10º Foram criados assim dois postos de trabalho que foram ocupados precisamente pelas promotoras (autora e ré) que constituíram a sua sociedade C…, Lda., para este preciso efeito, e que tinham obrigatoriamente de ocupar durante pelo menos um período mínimo de quatro anos.
11º Sucede que, a sócia ré D…, a partir de, pelo menos Maio de 2007, conforme consta da matéria dada como provada – quesito 3 - (sendo que, a testemunha Dr.º G… refere no seu depoimento, que existem registos que confirmam pagamentos à ré por parte de outra entidade que se referem a Março de 2007, altura em que arranjou um part-time) e quando, além de sócia, era ainda gerente da sociedade C…, Lda., sendo por isso, maior a sua responsabilidade, abandonou o seu posto de trabalho, sem previamente comunicar à sua sócia, a aqui autora, e ao IEFP, IP.
12º Com a saída da ré, única sócia, a autora ficou sozinha na empresa, mantendo o seu posto de trabalho e continuando com o seu funcionamento, mas obviamente com grandes dificuldades, uma vez que o trabalho que competia a ré fazer, passou a partir daí a cair todo sobre a autora (nomeadamente, a entrega da roupa ao domicilio que era feito pela ré).
13º Com a agravante, de que a sociedade só era vinculada ou só podia contratar ou negociar com a assinatura de ambas as sócias gerentes, inviabilizando e dificultando assim a ré com o seu abandono, o seu normal funcionamento.
14º Para tentar ultrapassar a situação criada pela outra sócia, a aqui ré, a autora, por si e em representação da C…, Lda. em cumprimento da alínea b) do nº 2 da cláusula 9ª do contrato, diligenciou de imediato em comunicar pessoalmente esta situação ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, entidade a quem pediu auxílio para se resolver esta situação criada apenas pela outra sócia/promotora D…, a aqui ré e tomou outras diligências e iniciativas supra neste recurso devidamente descriminadas e referenciadas (nomeadamente convocado várias assembleias).
15º A autora, logo após o abandono da outra sua sócia, a aqui ré, além de se ter deslocado por diversas vezes às instalações do Instituto do Emprego e Formação Profissional – Delegação Regional do Norte, no Porto, reuniu também para esse efeito, várias vezes com o Dr. G… (aqui testemunha), Técnico Superior do réu IEFP; IP, tendo este em representação do Centro de Emprego, dito que a substituição da outra sócia e promotora D…, só poderia ocorrer após uma cessão de quotas, ou seja, a trabalhadora/sócia (aqui ré) teria que ceder a sua quota a um terceiro, que à data da celebração do contrato de incentivos Financeiros estivesse desempregado e inscrito no centro de emprego, ou então, cedê-la à autora, transformando a sociedade em unipessoal. Esta foi a única solução apontada pelo Centro de Emprego, para reposição do nível de emprego.
16º Das assembleias realizadas não resultou nenhum consenso, tendo a sócia, aqui ré, mantido sempre a mesma posição, ou seja, só cederia a sua quota pelo valor de € 10.000,00 (dez mil euros), encontrando-se sempre numa posição inflexível e intransigente, bem sabendo que a quota não valia nem vale o que pediu.
17º A autora desde que isto sucedeu comunicou ao IEFP, IP, das dificuldades para que a sócia D… cedesse a sua quota, e que teria forçosamente de se efectuar pela via judicial, uma vez que ninguém dava pela quota o valor pedido pela sócia D…, a aqui ré.
18º Foi então proferida uma decisão (cf. fls. 73 a 82) do Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, datada de 29-01-2009, que concordou com a informação técnica, nº 384/DN-EOC/2009, que aqui se reproduz na integra, a saber:
11 – Assim, atento o exposto, face à legislação aplicável e supra referida, considero que existe, por parte dos promotores, incumprimento injustificado das sobreditas obrigações assumidas, pelo que proponho os mesmos sejam notificados da decisão de:
. Resolução do contrato por parte do IEFP, I.P;
.Conversão do subsidio não reembolsável em reembolsável;
.Vencimento imediato da totalidade da divida no valor de 23.650,56€;
. Devolução das importâncias concedidas acrescidas de juros legais, ou obtida cobrança coerciva nos termos do Decreto –Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro, se aquela não for efectuada voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da respectiva notificação.” (sic)
19º O IEFP, IP, não foi sensível aos apelos da aqui autora, ao facto da ora autora não poder só por si e extrajudicialmente resolver este problema, dizendo que era um problema entre as sócias e que só a elas dizia respeito.
20º A ora autora, não concorda nem se conforma com esta decisão, por nada ter contribuído para ela, não sendo justo que assim seja, dado que não foi a autora que abandonou o seu posto de trabalho e não estava nem está na disponibilidade da ora autora a cedência da quota pertença da outra sócia, além de que a autora tem a mesma força que a outra sócia na sociedade.
21º E que a aqui autora, se sente impotente, pois não tem como conseguir resolver senão através da via judicial (como o exige a lei), uma vez que, sendo duas sócias com quotas iguais, uma delas estava e está sempre condicionada ao comportamento da outra, às chantagens ilegítimas e ilegais da outra (como, a nosso ver, foi e é o que a aqui ré fez e estava a fazer à autora).
22º O incumprimento tem por base o facto de a promotora D…, aqui ré, abandonar o seu posto de trabalho, não efetuando descontos desde, pelo menos Maio de 2007 (e, conforme testemunha Dr.º G…, havendo já registos de Março de 2007, em que passou a efetuar descontos para outra entidade), situação que foi criada pela referida promotora, a aqui ré, e à revelia da autora e da sociedade.
23º A autora, ficou sozinha na empresa, mantendo sempre o seu posto de trabalho em cumprimento do contrato que efetuou com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, tendo a sua situação regularizada perante a segurança social.
24º Consequentemente, por força do incumprimento contratual, originado ou provocado pela ré, o IEFP, IP, aplicou o artigo 790º (impossibilidade objetiva) do Código Civil.
25º Além das consequências que advêm da não manutenção do nível de emprego, tudo o que a ré fez condicionou também o crescimento económico da empresa C…, Lda., e dificultou em muito a vida profissional e familiar da aqui autora.
26º Sobre a decisão do Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, datada de 29-01-2009, acima referida, a C…, Lda e a autora, pronunciaram-se sobre tal decisão e ainda em sede de audiência prévia requereram ao abrigo da cláusula 12ª do contrato de concessão de incentivos financeiros, a suspensão do referido contrato até resolução do assunto, uma vez que não foi possível efectuar-se a cessão de quotas, mas sem êxito, uma vez que a única solução apontada pelo centro de emprego para repor o nível de emprego, era a cessão de quotas.
27º A autora, promotora, e a entidade C…, Lda, interpuseram recurso hierárquico dessa decisão do Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, para o Senhor Delegado Regional do Norte do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que foi julgado improcedente, mantendo na íntegra a decisão .
28º Desta decisão a autora apelou para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cf. fls. 349 a 356 e 364 a 386), tendo sido proferida sentença, que decidiu que houve incumprimento injustificado por a entidade promotora, C…, Lda. não ter assegurado os dois postos de trabalho criados ao abrigo do contrato de Concessão de Incentivos e Financeiros, violando o disposto na alínea e) da Cláusula 9º do referido contrato.
29º Com a decisão do IEFP; IP, já foi instaurado contra a sociedade C…, Lda, um processo de execução fiscal, que corre os seus termos na Repartição de Finanças - Porto 4, para cobrança coerciva do valor de € 24,896,92 acrescido dos juros legais, valor correspondente ao reembolso dos incentivos concedidos mais juros (cf. fls. 387). 30º Ora, a sociedade não tem qualquer capacidade económica para proceder a esse pagamento, e a autora vai necessariamente ver-se confrontada com a reversão da divida fiscal (contra seus bens pessoais), quando tudo poderia ter sido evitado pela aqui ré/recorrida, desde logo não abandonando ou então depois facilitando na sua resolução.
31º A autora/recorrente, tem o pai dos seus filhos desempregado e dois filhos estudantes, para sustentar e criar, e tem feito um enorme esforço, sobre humano até, para o poder conseguir.
32º E aqui, o que verdadeiramente existe é apenas incumprimento injustificado, por parte da outra promotora, da aqui ré, e nunca da autora e da sociedade, sendo por isso, demasiado injusto estas sofrerem as consequências pelas atitudes da ré (que abandonou o posto de trabalho criando com isso imensos problemas e dificuldades à aqui autora e sociedade, está a ganhar dinheiro noutro trabalho e ainda exige muito dinheiro pela sua quota, sabendo das imensas dificuldades da empresa e que não vale o dinheiro que pede).
33º Assim, e conforme supra já exposto, atendendo a que a sociedade tem apenas duas sócias, não era nem é viável por impossibilidade legal, uma deliberação para excluir a sócia D… da Sociedade, e assim ser paga pelo real valor da sua quota.
34º Deste modo, frustrada a via extrajudicial para a cessão da quota, e afastada a deliberação por inviabilidade legal, a ora recorrente seguiu a única solução possível e legalmente admissível para a exclusão da sócia através da propositura da presente acção judicial.
35º Seguiu a única solução que crê talvez ainda possível para a sociedade poder cumprir a condição que lhe é imposta pela Portaria 196-A/2001, de 10/03 e D.L nº 437/78 de 28/12, que o despacho e a sentença administrativa dizem que não cumpriu, ou minimizar os prejuízos que daí resultaram e venham a resultar.
Por isso,
36º A autora, teve assim necessidade de, em 27-02-2009, avançar com a presente ação judicial para a sua exclusão e pedir-lhe responsabilidades pela sua conduta desleal para consigo e para com a sociedade que criaram, como única forma que viu e que tem de poder ultrapassar este problema que lhe foi criado pela ré e de poder ver que lhe seja feita alguma justiça.
37º Assim e a nosso ver, e salvo sempre melhor opinião, para ultrapassar esta imensa dificuldade e obter justiça, a decisão justa, e que salvaguarda os interesses de quem sempre cumpriu, da sociedade e da sócia ora autora, que protege o seu posto de trabalho e os objectivos destes programas de incentivo à criação de emprego de pessoas que se encontram na situação da ora autora, e se possa ainda eventualmente conseguir evitar ou pedir a revisão da decisão de conversão do subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente evitar a devolução das importâncias concedidas à sociedade, é que o presente tribunal judicial decida pela exclusão da outra sócia, a aqui ré, e fique livre a sua posição na sociedade para poder ser ocupada por outra pessoa, nomeadamente ao abrigo da alínea q) do artigo 9º, do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, uma vez que a autora só por si, e extrajudicialmente, nunca pôde nem pode fazê-lo,
38º Assim como considerar igualmente procedente os restantes pedidos das alíneas b) a i) do petitório inicial, por força da prova e direito aqui por nós referido.
39º Sem prejuízo do que mui superiormente e doutamente V.ªs Ex.ªs, melhor possam vir a interpretar e aplicar ao presente caso o melhor direito, tendo em conta a liberdade de qualificação jurídica de que goza o tribunal, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 3 do C.P.C.,
40º Nós somos assim de modesto entendimento, que, conforme supra neste recurso melhor explicamos, deve a ré ser excluída da sociedade nos termos dos artigos 241º e 242º do Código das Sociedades Comerciais e 1003º e 1005º do Código Civil.
41º Desde logo, por a ré ter violado os termos do contrato de sociedade, que criou com a autora (artigo 980º do Código Civil: “ Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica (...).” (sic)
42º Assim, a sociedade poderá sempre excluir do seu seio o sócio que prejudica a realização do fim comum ou não contribui para a sua prossecução. Poderá sempre ser excluído o sócio cuja presença ou atuação faça perigar a organização económica que a sociedade pôs de pé; Por outras palavras: a ideia de que o direito de exclusão é consequência necessária da própria estrutura da sociedade como contrato de fim comum, como organização económica que se quer estável, no interesse geral e no interesse dos próprios sócios. (cf., em anotação ao art.º 241º, pág. 45, do Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Vol. II, Sociedade por Quotas, Almedina, do autor Raúl Ventura).
43º Sublinhe-se que, no presente caso em concreto, e conforme resulta da prova foi inclusive a própria sócia, ora ré/recorrida, que, na prática, se auto excluiu da sociedade, ao abandonar a sociedade, deixando de nela trabalhar ( o posto de trabalho que deveria obrigatoriamente ocupar durante 4 anos) e/ou colaborar, arranjando um emprego estranho à sociedade, fazendo com esse seu comportamento perigar a organização económica da sociedade, prejudicando e não contribuindo para a prossecução do seu fim comum.
Por outro lado ainda,
44º E, enquanto ainda gerente, a ré abandonou o seu posto de trabalho, a sua sócia e a sociedade, sendo responsável nos termos dos artigos 72º nº 1 e 79º, nº 1, do C.S.C., sendo a medida da culpa aqui, não apenas a do bónus pater famílias (art. 487º, nº 2 do Código Civil), mas mais rigorosa ou exigente ainda, reporta-se à diligência do gestor criterioso e ordenado, de que nos fala o artigo 64º do C.S.C.
45º A ré, como promotora, assumiu conjuntamente com a autora, obrigações para com esta e para com a sociedade que criaram aC…, Lda, tendo, com o seu comportamento, faltado culposamente ao cumprimento das obrigações emergentes dos contratos que assumiu com elas, nomeadamente ao não se manter no posto de trabalho pelo período de 4 anos, violando, além do DL nº 132/99, de 21 de Abril, e portaria 196-A /2001 de 10 de Março (com as alterações introduzidas pela Portaria 255/2002, de 12 de Março), o disposto no nº1 do artigo 762º do Código Civil, tornando-se assim a ré responsável pelos prejuízos que causou e vier ainda a causar à aqui autora e à sociedade C…, Lda., nos termos do disposto no artigo 798º do Código Civil.
46º Estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, neste caso contratual, com: O facto, a ilicitude, a culpa e o dano, dando lugar à obrigação de indemnizar, nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil.
47º Ora, o direito de indemnização da autora, tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562º e ss, devendo o quantum dessa indemnização repor a situação que existia no momento da lesão, conforme arts. 562º, 564º e 566º, todos do C. Civil.
48º E quanto aos danos não patrimoniais ou morais, a que a autora tem igualmente direito, os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art. 70° do Código Civil: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral”.
49º A indemnização prevista no art.° 496o, n° 1, do CC, deve ser equitativa, ou seja, ajustada ao presente caso em concreto, e mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação.
50º Foram violados pelo tribunal “ a quo” todas as normas e legislação referidas na motivação, alegações e conclusões do presente recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V.ªs Ex.ªs mui superiormente suprirão, deve o presente recurso ser por V.ª Ex.ªs considerado totalmente procedente, revogando a sentença de que se recorre e dando assim total procedência aos pedidos da autora, fazendo-se assim inteira e sã justiça.
A recorrida não apresentou resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) definição da factualidade sobre a qual incide a divergência da recorrente; ii) reponderação da decisão da matéria de facto na parte impugnada; iii)

2. Recurso da matéria de facto
2.1. Definição da factualidade sobre a qual incide a divergência
2.1.1. Prévia definição do thema decidendum
Foram proferidos nos autos quatro despachos a fixar a base instrutória: em 1.09.2011 (despacho inicial); em 25.05.2012, em 14.01.2013 e em 4.02.2013 (despachos de apreciação da reclamação deduzida pela autora).
A fragmentação decisória, agravada pelo facto de a fixação desta peça processual ser sucessivamente efetuada por remissão para a petição inicial, traz uma acrescida complexidade, revelando-se imperativa, por razões de boa gestão processual, a enunciação da factualidade correspondente a cada número, sob pena de não nos entendermos neste emaranhado.
Vejamos a totalidade das remissões que sucessivamente foram feitas nos vários despachos em que o Mº Juiz se foi apreciando a mesma reclamação.[3][4]
«FACTUALIDADE ASSENTE:
A) Autora e ré são as únicas sócias da sociedade por quotas C…, Lda., com sede em estabelecimento na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho do Porto, com o capital social de 7500,00 ( sete mil e quinhentos euros), matriculada na 2ª Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o nº 58605/20040226, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial, tendo cada uma das sócias uma quota no valor 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), representativas cada uma delas, de 50% do capital social.
B) No início a administração ficou a cargo das duas sócias, sendo necessária a assinatura de ambas para obrigar validamente a sociedade, tendo a ré renunciado à gerência em dezembro de 2007.
C) A referida sociedade, que se dedica à lavagem, limpeza a seco e engomadoria de têxteis e peles, apresentou uma candidatura aos apoios financeiros previstos na Portaria 196-A /2001, de 10 de Março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, sendo promotoras de tal iniciativa a autora e ré, a qual foi aprovada, tendo celebrado em 30/12/2004, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P,IP) um contrato de concessão de Incentivos Financeiros, pelo prazo de quatro anos, segundo o qual foi concedido um incentivo financeiro para a constituição de uma iniciativa local de emprego.
D) O referido contrato teve e tem por objeto a concessão de incentivos financeiros para a constituição de uma iniciativa local de emprego, tendo por objetivos entre outros a criação de dois postos de trabalho, que teriam que ser ocupados pela autora e pela ré, por um período de quatro anos e, além do incentivo à criação dos dois postos de trabalho, o projeto em apreço tem ainda por objetivos a realização de investimento em ativos fixos corpóreos ou incorpóreos.
BASE INSTRUTÓRIA
1) Com vista à angariação de clientes para a C…, Lda., eram feitas entregas de roupa lavada ao domicílio?
1-A) Para o efeito a C…, Lda., adquiriu uma viatura, sendo que para a sua aquisição foi celebrado em 24/03/2006, um contrato de locação financeira com a E… – Instituição Financeira de Crédito, SA, sendo fiadoras a autora e a ré, conforme contrato que se junta como documento nº 3?
2) Tais entregas eram feitas em exclusivo pela Ré?
3) A ré desde março de 2007, só ocasionalmente é que aparecia na empresa, e a partir de maio do ano de 2007, pese embora tendo conhecimento que não o poderia fazer, deixou de comparecer no seu posto de trabalho, em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros, sem efetuar qualquer comunicação prévia ao I.E.F.P,IP e à autora a sua sócia?
4) O funcionamento da sociedade era assegurado pela autora e ré, eram estas que trabalhavam na empresa diariamente efetuando todo o trabalho de lavandaria, engomadoria e costura?
5) Sem a ré a autora ficou sozinha na empresa, a lutar por esta procurando soluções para os problemas que advieram para a sociedade e para si?
6) Desde logo o trabalho ao domicílio deixou de ser efetuado, já que este era feito pela ré, o que gerou desvio de clientela, diminuição de faturação, e redução de lucro?
7) Chegou ao conhecimento da autora que a ré comunicou a vários clientes que a lavandaria ia fechar, fechando vários contratos?
8) Tendo a ré, com este comportamento impedido a C…, Lda. de angariar clientes?
9) Os contratos com restaurantes e ginásios que pretendiam efetuar, não se puderam fazer por ser necessário buscar e entregar as roupas, sendo imprescindível uma viatura?
9-A) Recebe imensos telefonemas a solicitar serviço ao domicílio, mas não os pode efetuar pelas razões supra expostas?
10) Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos, conforme se pode verificar pelo resultado das contas referentes ao exercício dos anos de 2004 a 2007, e que constam das atas nº 1,2,3 e 5, do livro de atas da empresa, de que aqui se juntam sob os documentos nºs 5,6,7 e 8?
10-A) A C…, Lda. deixou de poder cumprir com as prestações da viatura que adquiriu para efetuar o trabalho ao domicílio?
10-B) Para evitar o prosseguimento da execução, autora chegou a um acordo com aquela instituição bancária, e pagou a título pessoal em prestações a divida exequenda no valor de € 3.674,39 (três mil seiscentos e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos)?
10-C) A C…, Lda., deparou-se também com dificuldades em cumprir atempadamente os pagamentos às Finanças e segurança social, tendo solicitado o pagamento em prestações, estando agora a situação regularizada graças ao esforço da autora?
10-D) Como a forma de obrigar a sociedade, necessitava da assinatura das duas sócias gerentes, vendo-se a autora com dificuldades para a encontrar, para decidir assuntos da sociedade?
10-E) A autora preocupada com as consequências do abandono da ré, do seu posto de trabalho perante o Instituto do Emprego e Formação Profissional, encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento, e repor o nível de emprego, sob pena de a sociedade e as suas sócias terem de reembolsar o I.E.F.P de todos os incentivos que lhes foram concedidos?
10-F) Comunicou de imediato e pessoalmente este abandono ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, de forma a solucionarem esta situação criada pela ré, e reuniu várias vezes com o Dr G…, técnico superior do I.E.F.P,I.P, o qual verificou o abandono da Ré, vindo a constatar pelo histórico de descontos para a segurança social que a ré passou a trabalhar por conta doutrem.
10-G) Tomou depois conhecimento a autora, que a ré, havia renunciado à gerência, sem qualquer comunicação prévia à autora, e ao IEFP, conforme era sua obrigação em cumprimento da cláusula 9ª do contrato de concessão de incentivos financeiros?
10-H) E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e, € 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo?
11) Sendo certo que a partir de 2007 é que se previam os lucros da empresa, mas em decorrência do abandono da ré, continuou a C…, Lda. com prejuízos, tendo apresentado um resultado negativo de € 13.113,76 e com tendência para aumentar?
12) Devendo-se à ré a responsabilidade por estes resultados negativos e pela travagem do crescimento económico da empresa?
13) E a autora está a suportar pessoalmente com todas as despesas da empresa, porque esta não tem dinheiro?
13-A) A C…, Lda., pagou as contribuições devidas à Segurança Social, sem a ré prestar o seu trabalho, referentes aos meses de Maio e Junho de 2007, no valor total de € 186,00 (cento e oitenta e seis euros), devendo a ré proceder à sua restituição?
13-B) Se a ré tivesse cumprido com as suas obrigações, a C…, Lda., antes de terminar os 4 anos de contrato, e assim que obtivesse o referido licenciamento de atividade de lavandaria, receberia do IEFP 15% do investimento, e tudo lhe ficaria a pertencer?
13-C) O licenciamento foi autorizado, e agora por causa do incumprimento da ré , o IEFP, não vai dar os 15% do investimento?
14) Para pagamento da avença à sua contabilista, que se encontrava em atraso no ano de 2007, pagou pessoalmente o valor de € 453,75 (quatrocentos e cinquenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), conforme cópias dos cheques que se juntam como documentos nºs 23, 24, 25 e 26?
15) Na esperança de conseguir resolver a situação com o I.E.F.P, IP, e assim o projeto que abraçou ainda poder vira a concretizar-se, a autora foi fazendo as diligências necessárias, para conseguir o referido licenciamento para a atividade de lavandaria, o qual foi deferido conforme documento que junta sob o nº 27, tendo havido necessidade, para o efeito, de fazer um projeto acústico pelo qual pagou o valor de o valor € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), conforme documentos que juntam sob os nºs 28 e 29?
16) Muitas despesas, relativas à água, luz, e telefone foram suportadas pela autora, no valor total € 761,14 (setecentos e sessenta e um euro e catorze cêntimos), evitando o corte destes serviços, conforme documentos que juntam sob os nºs 30 a 45?
17) Tudo isto causou e continua a causar para a autora um grande desgaste físico, psicológico e financeiro?
18) Trabalha arduamente na lavandaria, fazendo horários das 8:30 horas às 20: 30 horas?
19) Sente medo e angústia sobre qual vai ser a posição final do I.E.F.P, IP, mais angustiante ainda porque é responsável solidariamente com a empresa, estando todos estes problemas a atingir profundamente a autora e a sua família e a afetar-lhes consideravelmente a sua qualidade de vida?
20) Pelos aborrecimentos diários causados no seu lar e no trabalho, esta instabilidade económica em que caiu a sociedade, a autora e por arrastamento a sua família, constituída pelo seu marido e dois filhos menores, está a ter repercussões muito negativas no seio familiar?
2.1.2. Pontos de facto impugnados e meios de prova que sustentam a impugnação
Constatámos anteriormente que as sucessivas remissões para os artigos da petição inicial (em sucessivos despachos) criaram uma complexidade processual que tentámos simplificar com o estabelecimento da correspondência, por ordem crescente, entre os números da base instrutória e o seu conteúdo (factualidade vertida nos correspondentes artigos da petição).
Nas suas conclusões de recurso, a recorrente também não nos facilita a sistematização do objeto da sua discordância, fazendo, também ela, remissões das conclusões para o corpo das alegações.
A metodologia utilizada é suscetível de criar um problema quanto à verificação dos pressupostos formais de apreciação do recurso, face ao que recentemente defendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19.02.2015[5], onde se consignou que “a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias”[6], dado que o legislador, com a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar, visa a delimitação do objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
A conclusão enunciada no citado aresto é a única que se harmoniza com a vocação delimitadora das conclusões de recurso, onde se define e, eventualmente, se restringe, o objecto da pretensão recursória, ficando o Tribunal impedido de conhecer qualquer questão que não tenha sido vertida nessa peça processual (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine).
No entanto, privilegiando a verdade material, e a consequente prevalência do conteúdo sobre a formalidade, como tem sido entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, consideramos que o que é absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca[7].
Por essa razão, apreciaremos o recurso, pese embora o incumprimento pela recorrente, do ditame formal enunciado no aresto do Supremo.
Vejamos o que diz a recorrente quanto aos pressupostos enunciado no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Relativamente aos meios de prova, refere a recorrente: “documentos que foram juntos aos autos e que se encontram a fls. 31 a 116, 148, 348, 349 a 356, 364 a 387, 398 e 404 a 405”; “depoimento de parte da ré/recorrida que confessou alguns factos relevantes para a procedência dos pedidos, nomeadamente o abandono do seu posto de trabalho”; prova testemunhal: G…, H…, I…, J…, e K….
Relativamente aos “concretos meios probatórios” em que assenta a divergência, refere a recorrente:
“6º Com base nestes meios probatórios (documental, depoimento de parte e testemunhal) deveriam e devem agora por V.ªs Ex.ªs serem dados como provados todos os factos devidamente descriminados e especificados supra no ponto I (impugnação da matéria de facto), constantes das alíneas A) a Q), para onde se remete (e que a nosso ver, foram incorretamente julgados uns que foram dados como provados mas que se considera que pecam por deficiência ou insuficiência e outros por total omissão)”.
Trata-se da referida remissão, que não consideramos total omissão, interpretando as exigências formais da lei na perspetiva da prossecução da verdade material.
Relativamente ao sentido da decisão, que preconiza, a recorrente indica os factos que entende que devem ser provados e não provados, fazendo-o também por remissão[8].
Vejamos agora a remissão, quanto à factualidade impugnada, transcrevendo parcialmente o corpo das alegações.
Diz a recorrente:
«A) Quanto à matéria alegada no artigo 17º da P.I (quesito 1) o tribunal considerou provado que: A C…, Lda. fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio:
Com todo o respeito não se concorda na íntegra com a redação que deu o tribunal “quo” a esta matéria, pois peca por deficiência e omissão, pretendendo-se a sua alteração.
Na verdade o que resultou provado foi a matéria factual alegada no artigo 17º na sua totalidade, pelo que tal matéria deve ser integralmente dada como provada. […]
B) Quanto à matéria alegada no artigo 19º da petição inicial (quesito 2), o tribunal apenas considerou provado que a Ré entregou algumas roupas lavadas após prévias encomendas de lavagem e engomadoria.
Igualmente não se concorda com esta conclusão a que chegou o tribunal “quo”, por não corresponder com rigor ao que resultou provado.
O que realmente resultou provado quanto a esta matéria foi que era a Ré que em exclusivo efectuava as entregas ao domicilio nos locais mais distantes em que era necessário utilizar uma viatura, porquanto a autora / recorrida não conduz. […]
C) Quanto à matéria alegada no artigo 24º da petição inicial (quesito 3), não se concorda integralmente com o que o tribunal considerou provado.
Entende-se que o que ficou realmente provado e que deve a ficar constar, é o teor integral da matéria alegada no artigo 24 da PI.. Ficou inequivocamente provado que a ré abandonou o seu posto de trabalho antes do término do prazo de 4 anos, prazo que deveria cumprir de acordo com o contrato de concessão de incentivos financeiros celebrado com o IEFP. […]
D) Quanto à matéria dada como provada e referente ao artigo 41º da PI (quesito 10B) deve-se acrescentar que a ré recorrida pagou metade do valor de 3.674,39, um 6 meses depois de a Autora ter celebrado o acordo com a instituição financeira e ter pago, conforme bem resulta dos documentos de fls 144 junto com a réplica e do documento junto com o requerimento de referência 1059654..
Nesta sequência, também, deve ficar provado o artigo 38º, 39º e 40º da Petição inicial, de acordo também com os documentos de fls 38 a43, documentos de fls. 57 a 69. […]
E) Quanto à matéria descrita nos artigos 46, 47 e 48 (quesitos 10- E e 10 F), deve ser integralmente dada como provada, devendo ficar a constar os termos exatos dos seus teores, conforme bem resulta dos depoimentos prestado pelo Dr. G…, e dos documentos de fls. 57 a 59, documentos de fls. 349 a 356, documentos de fls. 364 a 387, documentos de fls. 404 e 405.
F) A matéria factual alegada no artigo 5º da petição inicial, aliás, matéria que considerada como provada logo no despacho saneador, que certamente, só por lapso, não ficou a constar.
G) Igualmente deve fazer parte da matéria considerada como provada alegada no artigo 28º da Petição Inicial, ficando a constar de acordo com a prova produzida, que a Ré ao deixar de comparecer no seu posto de trabalho e a sociedade, a autora ficou sozinha na empresa, a lutar por esta procurando soluções para os problemas que advieram para a sociedade e para si.
Tal deriva dos documentos de fls. 57 a59, documentos de fls. 73 a 82, documentos de fls. 349 a 356, 364 a 387 e 404 e 405.
Resulta ainda do depoimento do depoimento das testemunhas.
I)[9] Entendemos ainda que deve ser adicionada à matéria provada, o facto alegado no artigo 29º da PI (quesito nº 6), porquanto resultou provado que as entregas ao domicílio em que era necessário utilizar uma viatura deixaram de se efetuar.
J) Há ainda que adicionar, por ter resultado provada, a matéria descrita no artigo 30º, quesito nº 7, devendo constar o seguinte: resultou provado, que, pelo menos, a ré comunicou a uma cliente que a empresa ia fechar.
L) Os factos alegados nos artigos 32º e 35 (quesitos 9 e 9 A), devem ainda ser considerados provados, por tal decorrer do projecto que está subjacente à actividade que a autora e ré se propuseram exercer, e por ser um facto notório na medida que é um objectivo de qualquer sociedade comercial que exerça a actividade de lavandaria e engomadoria, e que por isso teriam que ter todos os meios para o poder concretizar.
M) O vertido no artigo 36. (quesito 10), deve ser considerado matéria provada, tal resulta dos documentos de 46 a 49. […]
N) Entendemos, que com relevância para o objecto do litigio, devem ainda ser considerados os factos alegados nos artigos 45º a76, 79º e 80º. da Petição Inicial.
Quanto ao alegado no artigo 45º da Petição inicial, de acordo com os documentos juntos aos autos resultou provado que: foi o abandono do posto de trabalho pela ré que era assegurado pelo IEFP, que deveria ocupar durante 4 anos, posto este que não foi reposto, que gerou o incumprimento por parte da C…, Ida das obrigações que assumiu com aquele instituto.
A este propósito confronte-se o contrato de concessão de incentivos financeiros a fls. 33 a 35, actas que estão a fls. 57 a60 e decisões de resolução do referido contrato de incentivos financeiros a fls. 17 e 18, avaliações da quota que se encontram a fls. 71 a72 e 84 a 86 , documentos de fls. 349 a 356, 364 a 387, 404 e 405.
Veja-se -se ainda o que foi dito pela testemunha Dr. G… a este propósito supra transcrito.
O) Quantos aos demais artigos todos se provam pelos documentos supra referidos.
P) Sobre o valor da quota da sociedade, e no que concerne ao alegado nos artigos 79 e 80 (Quesito H), devem ficar provados que a ré nunca teria direito ao valor de 10.000,00Euros pela sua quota, por esta ter valor negativo.
A tal conclusão chega-se pelos documentos de fls 73 a 82, e pelo depoimento da testemunha Drª H…, autora da avaliação da quota, e técnica oficial […].
Q) Com relevância devem ainda ser considerados provados os factos alegados nos artigos 90º a 93º, conforme foi referido por todas as testemunhas, em particular pelo Dr. G… […]».
Sintetizando, uma vez mais, com vista a criar condições para a apreciação do recurso, concluímos que estão em causa as respostas aos seguintes quesitos:
Quesito 1.º:
Questionava-se: 1) Com vista à angariação de clientes para a C…, Lda., eram feitas entregas de roupa lavada ao domicílio?
O Tribunal respondeu: A C…, Lda. fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio.
Quesito 2.º
Questionava-se: 2) Tais entregas eram feitas em exclusivo pela Ré?
O Tribunal respondeu: A Ré entregou algumas roupas lavadas após prévias encomendas de lavagem e engomadoria.
Quesito 3.º
Questionava-se: A ré desde março de 2007, só ocasionalmente é que aparecia na empresa, e a partir de maio do ano de 2007, pese embora tendo conhecimento que não o poderia fazer, deixou de comparecer no seu posto de trabalho, em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros, sem efetuar qualquer comunicação prévia ao I.E.F.P,IP e à autora a sua sócia?
O Tribunal respondeu: A ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda.
Quesito 7.º
Questionava-se: Chegou ao conhecimento da autora que a ré comunicou a vários clientes que a lavandaria ia fechar, fechando vários contratos?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesitos 9.º e 9.º-A
Questionava-se: Os contratos com restaurantes e ginásios que pretendiam efetuar, não se puderam fazer por ser necessário buscar e entregar as roupas, sendo imprescindível uma viatura? Recebe imensos telefonemas a solicitar serviço ao domicílio, mas não os pode efetuar pelas razões supra expostas?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesito 10.º
Questionava-se: Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos, conforme se pode verificar pelo resultado das contas referentes ao exercício dos anos de 2004 a 2007, e que constam das atas nº 1,2,3 e 5, do livro de atas da empresa, de que aqui se juntam sob os documentos nºs 5,6,7 e 8?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesito 10.º-B
Questionava-se: Para evitar o prosseguimento da execução, autora chegou a um acordo com aquela instituição bancária, e pagou a título pessoal em prestações a divida exequenda no valor de € 3.674,39 (três mil seiscentos e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos)?
O Tribunal respondeu: Para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…,SA contra C…, Lda., a autora pagou a tal instituição bancária o valor de € 3.674,39, tendo a ré D… pago – pelo menos – 750 € na esteira de acordo que realizou com a autora quanto ao pagamento de metade desse montante.
Quesitos 10-E e 10-F
Questionava-se: 10-E) A autora preocupada com as consequências do abandono da ré, do seu posto de trabalho perante o Instituto do Emprego e Formação Profissional, encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento, e repor o nível de emprego, sob pena de a sociedade e as suas sócias terem de reembolsar o I.E.F.P de todos os incentivos que lhes foram concedidos? 10-F) Comunicou de imediato e pessoalmente este abandono ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, de forma a solucionarem esta situação criada pela ré, e reuniu várias vezes com o Dr G…, técnico superior do I.E.F.P,I.P, o qual verificou o abandono da Ré, vindo a constatar pelo histórico de descontos para a segurança social que a ré passou a trabalhar por conta doutrem.
O Tribunal respondeu: Ao ter a ré deixado de colaborar no aviamento da sociedade G…, Lda., a autora comunicou tal facto ao IEFP. EP, com tal visando a resolução do assunto junto de tal instituto.
Quesito 10.º-H
Questionava-se: E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e, € 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo?
O Tribunal respondeu: não provado.
Mais entende a recorrente, neste segmento, sem qualquer referência a qualquer quesito da base instrutória:
«F) A matéria factual alegada no artigo 5º da petição inicial, aliás, matéria que considerada como provada logo no despacho saneador, que certamente, só por lapso, não ficou a constar. […]
G) Igualmente deve fazer parte da matéria considerada como provada alegada no artigo 28º da Petição Inicial, ficando a constar de acordo com a prova produzida, que a Ré ao deixar de comparecer no seu posto de trabalho e a sociedade, a autora ficou sozinha na empresa, a lutar por esta procurando soluções para os problemas que advieram para a sociedade e para si. […]
I) Entendemos ainda que deve ser adicionada à matéria provada, o facto alegado no artigo 29º da PI (quesito nº 6), porquanto resultou provado que as entregas ao domicilio em que era necessário utilizar uma viatura deixaram de se efetuar. […]
N) Entendemos, que com relevância para o objecto do litigio, devem ainda ser considerados os factos alegados nos artigos 45º a 76, 79º e 80º. da Petição Inicial. […]
Q) Com relevância devem ainda ser considerados provados os factos alegados nos artigos 90º a 93º, conforme foi referido por todas as testemunhas, em particular pelo Dr. G… […]».

2.3. Reponderação da decisão
Quanto ao artigo 5.º da petição inicial
Alega a recorrente: «F) A matéria factual alegada no artigo 5º da petição inicial, aliás, matéria que considerada como provada logo no despacho saneador, que certamente, só por lapso, não ficou a constar. […]».
Consta do artigo em causa: «A referida sociedade dedica-se à lavagem, limpeza a seco e engomadoria de têxteis e peles.».
Assiste razão à recorrente neste segmento recursório.
Com efeito, o Mº Juiz integrou sob a alínea C) da factualidade assente, os artigos 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória e, pensamos que por manifesto lapso, não integrou o teor do artigo 5.º no elenco dos factos provados na sentença.
No entanto, tal lapso já se encontra reparado na formulação que atrás demos à referida alínea:
«C) A referida sociedade, que se dedica à lavagem, limpeza a seco e engomadoria de têxteis e peles, apresentou uma candidatura aos apoios financeiros previstos na Portaria 196-A /2001, de 10 de Março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, sendo promotoras de tal iniciativa a autora e ré, a qual foi aprovada, tendo celebrado em 30/12/2004, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P,IP) um contrato de concessão de Incentivos Financeiros, pelo prazo de quatro anos, segundo o qual foi concedido um incentivo financeiro para a constituição de uma iniciativa local de emprego.».
Quanto aos factos não integrados na base instrutória, que a recorrente pretende agora que sejam aditados
Pretende a recorrente que se aditem ao elenco factual provado, nem mais nem menos do que 37 (trinta e sete factos): artigos 28.º, 45º a 76, 79º, 80º e 90º a 93º da petição.
Salvo todo o respeito devido, verifica-se manifesta confusão na pretensão recursória nesta parte.
Com efeito, dos referidos artigos, alguns encontram-se já quesitados – é o caso, por exemplo, dos artigos 28.º (quesito 5.), 46.º (quesito 10.º), 47.º e 48.º (quesito 10.º-F) e 62.º (quesito 10.º-G).
A matéria alegada nestes artigos será apreciada aquando do conhecimento da impugnação que foi feita sobre os quesitos em que se integram.
A restante matéria, não integrada em qualquer quesito, que, por essa razão, não foi objeto de perguntas às testemunhas, não pode ser agora apreciada nesta sede.
Vejamos porquê.
A Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou a reforma do processo civil, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013 (artigo 8.º)
Vigorava à data em que foi definido o thema decidendum, o regime anterior à reforma decorrente da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, tendo sido tal regime aplicado à fase instrutória e ao julgamento, que se iniciou em 15.11.2012.
Tendo-se iniciado o julgamento em data anterior à entrada em vigor da reforma processual, na falta de indicação legal em contrário, deve o julgamento continuar a reger-se pelas regras que vigoravam quando se iniciou.
No entanto, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, que no regime anterior era cindida da decisão da matéria de direito, poderá defender-se uma exceção, sendo processualmente viável, após audição das partes, com base no princípio da adequação formal, a eliminação da separação da decisão da matéria de facto da matéria de direito e a prolação da sentença nos termos definidos no novo regime processual.
A sentença recorrida foi proferida de acordo com o novo regime processual, não tendo sido arguida qualquer nulidade.
Na audiência de julgamento – realizada na vigência do anterior regime processual – era viável a ampliação da base instrutória, desde que: i) fosse efetuada “até ao encerramento da discussão” (art.º 650.º, n.º 2, f), ii) fosse dada às partes a possibilidade de “indicarem as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal” (art.º 650.º, n.º 3).
Poderiam ainda, nos termos do n.º 3 do artigo 264.º do CPC, ser considerados na decisão “os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”.
As formalidades referidas, que a lei imperativamente exigia, não foram cumpridas, pelo que não haverá que apreciar a impugnação de qualquer facto para além daqueles que foram integrados na base instrutória, tendo sido objeto de produção de prova, dando-se, obviamente, às partes a possibilidade de “indicarem as respetivas provas”[10].
Questão diversa, é a possibilidade de este Tribunal, se o entender, mesmo oficiosamente, usar os poderes que lhe são conferidos pelo n.º 2 do artigo 662.º do Código de processo Civil.
Vejamos.
Como se referiu, alguns dos artigos em causa encontram-se já quesitados – é o caso, por exemplo, dos artigos 28.º (quesito 5.), 46.º (quesito 10.º), 47.º, 48.º (quesito 10.º-F), 62.º (quesito 10.º-G) e 80.º, que tem natureza absolutamente conclusiva e foi vertido no quesito 10.º-H (“E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e, € 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo?”).
Quanto aos restantes artigos, constituem mera repetição ou desenvolvimento conclusivo de matéria alegada e quesitada, não se vislumbrando qualquer razão que possa legitimar a anulação do julgamento (que também não é pedida) para produção de prova adicional.
Face ao exposto, decide-se não apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a factos não incluídos na base instrutória.
Quanto à factualidade vertida na base instrutória, impugnada pela recorrente:
Vejamos individualmente cada quesito e a resposta que obteve.
Quesito 1.º:
Questionava-se: 1) Com vista à angariação de clientes para a C…, Lda., eram feitas entregas de roupa lavada ao domicílio?
O Tribunal respondeu: A C…, Lda. fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio.
Quesito 2.º
Questionava-se: 2) Tais entregas eram feitas em exclusivo pela Ré?
O Tribunal respondeu: A Ré entregou algumas roupas lavadas após prévias encomendas de lavagem e engomadoria.
Quesito 3.º
Questionava-se: A ré desde março de 2007, só ocasionalmente é que aparecia na empresa, e a partir de maio do ano de 2007, pese embora tendo conhecimento que não o poderia fazer, deixou de comparecer no seu posto de trabalho, em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros, sem efetuar qualquer comunicação prévia ao I.E.F.P,IP e à autora a sua sócia?
O Tribunal respondeu: A ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda.
Quesito 7.º
Questionava-se: Chegou ao conhecimento da autora que a ré comunicou a vários clientes que a lavandaria ia fechar, fechando vários contratos?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesitos 9.º e 9.º-A
Questionava-se: Os contratos com restaurantes e ginásios que pretendiam efetuar, não se puderam fazer por ser necessário buscar e entregar as roupas, sendo imprescindível uma viatura? Recebe imensos telefonemas a solicitar serviço ao domicílio, mas não os pode efetuar pelas razões supra expostas?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesito 10.º
Questionava-se: Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos, conforme se pode verificar pelo resultado das contas referentes ao exercício dos anos de 2004 a 2007, e que constam das atas nº 1,2,3 e 5, do livro de atas da empresa, de que aqui se juntam sob os documentos nºs 5,6,7 e 8?
O Tribunal respondeu: não provado.
Quesito 10.º-B
Questionava-se: Para evitar o prosseguimento da execução, autora chegou a um acordo com aquela instituição bancária, e pagou a título pessoal em prestações a divida exequenda no valor de € 3.674,39 (três mil seiscentos e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos)?
O Tribunal respondeu: Para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…,SA contra C…, Lda., a autora pagou a tal instituição bancária o valor de € 3.674,39, tendo a ré D… pago – pelo menos – 750 € na esteira de acordo que realizou com a autora quanto ao pagamento de metade desse montante.
Quesitos 10-E e 10-F
Questionava-se: 10-E) A autora preocupada com as consequências do abandono da ré, do seu posto de trabalho perante o Instituto do Emprego e Formação Profissional, encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento, e repor o nível de emprego, sob pena de a sociedade e as suas sócias terem de reembolsar o I.E.F.P de todos os incentivos que lhes foram concedidos? 10-F) Comunicou de imediato e pessoalmente este abandono ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, de forma a solucionarem esta situação criada pela ré, e reuniu várias vezes com o Dr G…, técnico superior do I.E.F.P,I.P, o qual verificou o abandono da Ré, vindo a constatar pelo histórico de descontos para a segurança social que a ré passou a trabalhar por conta doutrem.
O Tribunal respondeu: Ao ter a ré deixado de colaborar no aviamento da sociedade C…, Lda., a autora comunicou tal facto ao IEFP. EP, com tal visando a resolução do assunto junto de tal instituto.
Quesito 10.º-H
Questionava-se: E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e, € 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo?
O Tribunal respondeu: não provado.
O Mº Juiz motivou a sua decisão nos termos que se seguem:
«A minha convicção no que concerne aos factos dados como provados resultou da útil concatenação/cotejo de todos os elementos probatórios carreados para os autos, tendo muito particularmente valorado (em sede de prova testemunhal) os depoimentos prestados pelos Snrs. L…, J…, Dr. G…, H…, I…, K…, N… e, finalmente, O…, testemunhas estas que me forneceram uma visão global sobre o “iter” económico/financeiro da C…, Lda, circunstanciando detalhadamente o desenrolar de tal particular .
Valorei ainda o fornecido depoimento de parte na medida do provado, uma vez este meio processual conjuntamente articulado com a remanescente prova (testemunhal e documental). Da conjugação útil dos sobreditos depoimentos, fiquei com a segura (insisto: segura) convicção que a sobredita entidade empresarial sempre afrontou grandes dificuldades em termos económicos, facto este derivado (ao que colhi) de ter um muito reduzido volume de negócios (por exemplo, convenci-me que a firma não tinha mais do que dois/ três clientes), nunca verdadeiramente se afirmado no mercado não obstante as diligências a tal dirigidas (cfr.,por impressivo, o depoimento do Snr. Dr G…, o qual afirmou – ao que colhi - que a C…, Lda. não tinha qualquer viabilidade económica).
Portanto, empreendimento “ab initio” votado ao insucesso como consequência da sua incapacidade de afirmação no mundo empresarial, para mais tendo encargos não negligenciáveis para a sua reduzida dimensão.
Este, pois, o quadro de facto que apurei e que deu estribo fundante às respostas aos quesitos que acima forneci, no essencial centrados sobre as virtualidades do projecto em termos de aviamento. Em sede documental, atentei na globalidade do acervo de tal natureza junto ao processo, tendo procedido à exegese dos mesmos em estreita conexão com os sobreditos depoimentos testemunhais; contudo, valorei com particular ênfase aqueles que nesta causa se encontram de fls. 84 a fls. 116, os quais ajudaram (cumulativamente com o depoimentos testemunhais) à formação da minha perspectiva no que concerne aos factos dados como provados. No que, por seu turno, se reporta aos factos /quesitos dado como não provados, tal resultou do que reputo da total ausência de prova segura e bastante que, ”per se”, determinasse divergente convicção decisória, sendo certo que igualmente atentei nas regras do “onus probandi” assinaladas no art. 342º do Código Civil.
No entanto, modestamente o atesto, sempre poderá bondade da prolactada decisão de facto ser ulteriormente sindicada em face da operada legal gravação dos “apports” testemunhais, para aí remetendo.».
Reapreciação das respostas:
Quanto ao quesito 1.º:
Questionava-se: 1) Com vista à angariação de clientes para a C…, Lda., eram feitas entregas de roupa lavada ao domicílio?
O Tribunal respondeu: A C…, Lda. fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio.
A recorrente indicou como suporte da sua divergência o depoimento do Dr. G…, Técnico Superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Começou por afirmar que o “empréstimo” concedido à empresa das partes (C…, Lda.) “foi mais uma doação”, porque “foi a fundo perdido”.
No que respeita à matéria em causa, declarou a testemunha na parte relevante do seu depoimento: “A minha função foi dar parecer técnico sobre a viabilidade do mesmo. Recordo-me de um projeto que entrou em Abril de 2004, inicialmente apresentado por três promotoras, desempregadas involuntárias e durante a análise do processo, uma das promotoras saiu da sociedade e ficou então a Dona D… e a Dona B…. Isto atrasou a análise do processo até ao final de Dezembro de 2004” (05:47). A atividade era “engomadoria e lavandaria e havia também costura, salvo erro” (07:20). Inquirido sobre se para aquele tipo de atividade eram preponderantes as entregas ao domicílio, respondeu: “era uma das valências do projeto; para quem estava a analisar e ver dentro do projeto essa vertente de entregas ao domicílio, certamente que foi valorizado” (07:40). Inquerido sobre se essa era uma forma de angariar clientes, respondeu: “obviamente, os projetos devem primar por uma certa, digamos, não diria por uma certa originalidade, mas no fundo agregar outro tipo de atividades, que não neste caso estar no fundo com uma porta aberta e permita-me a expressão estar à espera que o cliente aparecesse” (08:20). Inquirido sobre se acompanhou o desenvolvimento da atividade da C…, Lda., respondeu afirmativamente. Foi então inquirido pela ilustre mandatária da autora: “se acompanhou certamente sabe se houve entregas ao domicílio? Havia entregas ao domicílio?”, tendo a testemunha respondido ipis verbis: “supostamente teriam que ser feitas” (08:59). Inquirido pela ilustre mandatária da autora sobre se tinha conhecimento direto deste facto, respondeu a testemunha: “no projeto havia uma viatura, parto do princípio de que essa viatura era para fazer entregas ao domicílio…” (09:20).
A recorrente indica também como suporte da sua divergência o depoimento da Dra. H…, técnica oficial de contas da sociedade.
Inquirida pela ilustre mandatária da autora sobre se, para angariação de clientes se faziam entregas ao domicílio, a testemunha respondeu (06:00): “faziam … sei porque conheço o projeto e no projeto era esse o objetivo… sou conhecedoras de que havia entregas”.
Salvo todo o respeito devido, não vemos como possa ser dada resposta diversa daquela que o Tribunal deu, com natureza restritiva: a empresa fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio.
Quanto ao quesito 2.º
Questionava-se: 2) Tais entregas eram feitas em exclusivo pela Ré?
O Tribunal respondeu: A Ré entregou algumas roupas lavadas após prévias encomendas de lavagem e engomadoria.
A recorrente indicou como suporte da sua divergência o depoimento do Dr. G….
No que respeita à matéria em causa, declarou a testemunha na parte relevante do seu depoimento: “eu das visitas que fiz às instalações via maioritariamente a Dona B…” (10:12). Questionado sobre se seria a ré quem fazia as entregas, declarou: “não lhe posso afirmar de forma categórica se seria ela quem fazia a distribuição” (10:32); “não me recordo” (10:57).
A testemunha Drª H… quanto a esta matéria declarou: “creio que era a Dona D…, tenho ideia porque foi assim a base do projeto”.
A testemunha I…, inquirida sobre se o serviço externo era feito pela ré, declarou que a autora “tem carta de condução mas nunca conduziu, ganhou medo” (07:22); e que “nunca a via conduzir”, afirmando, no entanto: “quando era necessário pegar na viatura era feito exclusivamente pela Dona D…. As entregas que ficavam perto e dava para ir a pé era feito pelas duas.”.
A testemunha K… é marido da autora e afirmou que era a ré e não a esposa quem fazia as entregas.
Face à prova produzida, a resposta à questão “Tais entregas eram feitas em exclusivo pela Ré?” merecia resposta negativa. Com efeito, não se provou, minimamente, a exclusividade. No entanto, aceitamos como correta a resposta restritiva dada pelo Tribunal a quo.
Quanto ao quesito 3.º
Questionava-se: A ré desde março de 2007, só ocasionalmente é que aparecia na empresa, e a partir de maio do ano de 2007, pese embora tendo conhecimento que não o poderia fazer, deixou de comparecer no seu posto de trabalho, em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros, sem efetuar qualquer comunicação prévia ao I.E.F.P,IP e à autora a sua sócia?
O Tribunal respondeu: A ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda.
Cumpre desde já referir que a expressão “em total desrespeito do referido contrato de concessão de incentivos financeiros” tem natureza conclusiva, devendo, por essa razão, ser retirada do quesito[11].
Quanto à cessação de funções da ré, cumpre ter em conta a confissão desta, expressa no artigo 61.º da contestação: “… a Ré deixou o seu posto de trabalho em Maio de 2007…”.
No mesmo articulado, a ré apresenta, resumidamente, a seguinte versão: em fevereiro de 2007, numa reunião com o Dr. G…, referiu-lhe a degradação das relações com a autora e a falta de rendimento da empresa, bem como a sua intenção de abandonar as função que exercia na empresa, em abril de 2007, avisou a autora de que ia casar no dia 26 de maio e que após esse evento, não regressaria.
A recorrente indicou como suporte da sua divergência o depoimento do Dr. G….
No que respeita à matéria em causa, declarou a testemunha na parte relevante do seu depoimento: “Eu recordo-me ainda antes desse abandono do posto e trabalho de uma reunião no meu gabinete no Instituto do Emprego, na altura as sócias ainda se davam, mas era notório algum desgaste, que eu até lhes perguntei se estavam chateadas. E ficámos por aqui”; “ora, quando abandonou o posto de trabalho, em termos de registo de remunerações para a segurança social foi em 2007. (10:00)
Questionado pela ilustre mandatária da autora sobre qual o mês, a testemunha respondeu: “salvo erro em março de 2007”. (10:30)
A recorrente refere ainda o documento junto aos autos a fls. 74 – despacho do diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no qual se refere: “… essa situação foi alterada em Julho de 2007, data em que a sócia gerente D… deixou de efectuar descontos pela firma C……”.
Ora, perante a confissão da ré, há que precisar que a mesma deixou de exercer a sua atividade na C…, Lda., no fim de maio de 2007.
No que respeita à alegada ausência de comunicação prévia ao Instituto do Emprego e Formação Profissional e à autora, o representante da referida entidade declarou: «Não me recordo de qualquer tipo de comunicação».
Confrontam-se assim duas teses: a autora afirma que a ré nada lhe disse sobre a sua saída e a ré afirma que lhe comunicou.
Não foi produzida prova segura, quer da comunicação, quer da omissão.
Finalmente, no que respeita ao conceito de “abandono”, o mesmo tem natureza conclusiva, não sendo integrável por factualidade concreta provada, pelo que se afigura mais correta a versão adotada pelo Tribunal a quo: cessação de prestação de atividade.
Face ao exposto, afigura-se-nos correta a resposta restritiva dada ao quesito em apreço: A ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda.
Quanto ao quesito 7.º
Questionava-se: Chegou ao conhecimento da autora que a ré comunicou a vários clientes que a lavandaria ia fechar, fechando vários contratos?
O Tribunal respondeu: não provado.
Alega a recorrente que deverá passar a constar o seguinte: resultou provado, que, pelo menos, a ré comunicou a uma cliente que a empresa ia fechar.
Fundamenta a sua pretensão nestes termos: “A este respeito ouça-se o depoimento da testemunha I… sobre esta matéria, a qual foi esclarecedora – ficheiro 2013021120610- Gravação 13,52 a 14,30. Advogada: Tem conhecimento que a D. D… disse clientes que a empresa ia fechar? Testemunha: Ouvia os clientes. Houve uma senhora que era cliente, a D. P…, que disse que a D. D… lhe disse que ia fechar. Essa Senhora disse que foi a D. D….”.
A testemunha não identificou completamente a cliente em causa, referindo apenas (14:08), que a tal “Dona P…” “não era uma cliente muito regular, utilizando os serviços da empresa muito esporadicamente”.
O depoimento testemunhal é indireto quando a testemunha declara ter conhecimento de um facto através do que lhe foi transmitido por um terceiro, e não pela sua perceção sensorial imediata[12].
O Código de Processo Penal prevê o depoimento indireto, estabelecendo a seguinte regra no n.º 1 do artigo 129.º: «Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».
No Código de Processo Civil não existe uma norma equivalente, daí decorrendo que tal meio de prova é admissível, sendo livremente apreciado pelo Tribunal (art.º 396.º do Código Civil).
Ora, salvo todo o respeito devido, não pode o tribunal dar como provado um facto, baseado única e exclusivamente num depoimento indireto: a testemunha I… disse que uma cliente, uma Dona P… (não a identificando totalmente, sequer), lhe disse que a ré lhe teria dito que ia fechar.
Este depoimento, sem mais nenhum meio probatório que o corrobore, não pode, por si só, alicerçar uma resposta positiva.
Deverá, em consequência, manter-se o facto como não provado.
Quanto aos quesitos 9.º e 9.º-A
Questionava-se: Os contratos com restaurantes e ginásios que pretendiam efetuar, não se puderam fazer por ser necessário buscar e entregar as roupas, sendo imprescindível uma viatura? Recebe imensos telefonemas a solicitar serviço ao domicílio, mas não os pode efetuar pelas razões supra expostas?
O Tribunal respondeu: não provado.
Alega a recorrente:
“Os factos alegados nos artigos 32º e 35 (quesitos 9 e 9 A) , devem ainda ser considerados provados, por tal decorrer do projecto que está subjacente á actividade que a autora e ré se propuseram exercer, e por ser um facto notório na medida que é um objectivo de qualquer sociedade comercial que exerça a actividade de lavandaria e engomadoria , e que por isso teriam que ter todos os meios para o poder concretizar.
Assim, e de acordo com o referido pelas testemunhas, cuja transcrição infra se faz, deve ficar provado que após a saída da ré da sociedade, de deixar de trabalhar e colaborar, a possibilidade de se efetuaram os contratos com restaurantes e ginásios deixou de existir porquanto o trabalho ao domicilio deixou de se efetuar, por ser necessário uma viatura e que era feito pela ré.
Confrontar o depoimento da testemunha I…, passagem já transcrita – ficheiro 2013221120610. Advogada: Houve dificuldade em fechar contrato para ampliar a carteira de clientes? Gravação 14.48 a 15,49. Testemunha: Sim. Advogada: Solicitavam serviços ao domicílio? 15,31 a 15,49) Testemunha: Sim, Sim».
Salvo todo o respeito devido, não vislumbramos lógica na argumentação da recorrente.
Como já se sintetizou supra, a testemunha I…, inquirida sobre se o serviço externo era feito pela ré, declarou que a autora “tem carta de condução mas nunca conduziu, ganhou medo” (07:22); e que “nunca a via conduzir”, afirmando, no entanto: “quando era necessário pegar na viatura era feito exclusivamente pela Dona D…. As entregas que ficavam perto e dava para ir a pé era feito pelas duas.” (08:30).
No que respeita à viatura, ela continuou a existir após a saída da ré da empresa. Seria necessário alguém que a conduzisse, sendo certo que também a autora fazia entregas quando estas podiam ser efetuadas a pé.
Ora, do depoimento da testemunha não se poderá concluir: i) que não se celebraram contratos com restaurantes e ginásios por ser imprescindível uma viatura (teor do quesito); ii) que a autora recebia “imensos telefonemas” a solicitar serviço ao domicílio, mas não os podia efetuar.
Não há qualquer prova sólida suscetível de ancorar a pretensão da recorrente quanto a este segmento, que por essa razão improcede.
Quanto ao quesito 10.º
Questionava-se: Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos, conforme se pode verificar pelo resultado das contas referentes ao exercício dos anos de 2004 a 2007, e que constam das atas nº 1,2,3 e 5, do livro de atas da empresa, de que aqui se juntam sob os documentos nºs 5,6,7 e 8?
O Tribunal respondeu: não provado.
A recorrente funda a sua pretensão quanto a este segmento do recurso, no depoimento da Dr.ª H…
Disse a testemunha, quanto ao segmento relevante, em resposta à questão de saber se “era previsível, que uma empresa recente apoiada em fundos comunitários, em 2007 (…) ainda estaria a crescer para uma fase de implementação”: “… havendo normalmente projetos, o 3º ano já começa em velocidade de cruzeiro; há todo um semear e no 3º,4º e 5º ano começa haver um recolher do que se semeou” (06:50 – 2.ª inquirição)
Inquirida sobre nomes de clientes, a testemunha declarou “não tenho nenhuns”. Afirmou ainda: “foi sempre uma empresa com movimento muito pequeno” (07:50). Inquirida pelo Mº Juiz sobre a situação económica da empresa (“por mês quanto é que aquilo dava?”), a testemunha respondeu “não sei”. O Mº Juiz insistiu: “dava mais de mil contos?”, e a testemunha respondeu: “cinco mil euros? Não dava de certeza” (08:25), esclarecendo depois: “dava prejuízo” (08:45), mesmo com ambas as sócias a trabalhar. (08:55); “nunca deu lucro” (09:05); “deu sempre prejuízo, antes e depois da saída da Dona D…” (09:30)
Questionada sobre se a empresa tinha algum cliente institucional – supermercado, restaurante, respondeu: “não tenho conhecimento de nenhum” (12:30)
Vejamos agora um trecho da transcrição feita pela recorrente:
“Advogada: A saída da D. D… foi causal para a dar prejuízo?
Testemunha: Segundo a minha opinião a D. D… tinha características de empreendedora e era isso que se esperava dela. O projeto estava a pensar para uma comercial, se ela desaparece não há vendas.
Advogada: Se ela continuasse na empresa teria lucros?
Testemunha: Não posso afirmar nesta fase, nem em nenhuma. Se ela continuasse a empresa estaria melhor do que estava. A presença da D. D… na empresa era muito importante, e poderia ir para a frente.”
Voltando à questão formulada:
Questionava-se: Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir, pelo contrário continuou com resultados negativos, conforme se pode verificar pelo resultado das contas referentes ao exercício dos anos de 2004 a 2007, e que constam das atas nº 1,2,3 e 5, do livro de atas da empresa, de que aqui se juntam sob os documentos nºs 5,6,7 e 8?
A resposta deverá ser aletrada, extirpando-se o segmento da previsão (“Os lucros da empresa que se adivinhavam para o ano de 2007, não se fizeram sentir”), porque não sabemos se se “adivinhava” a existência de lucros ou não, devendo, no entanto, dar-se uma resposta restritiva: provado apenas que a sociedade comercial por quotas C…, Lda., manteve teve resultados negativos no exercício dos anos de 2004 a 2007, conforme consta das atas n.º 1, 2, 3 e 5, do livro de atas da referida sociedade, juntas aso autos a fls. 46 a 49.
Procede assim, parcialmente, o recurso neste segmento.
Quanto ao quesito 10.º-B
Questionava-se: Para evitar o prosseguimento da execução, autora chegou a um acordo com aquela instituição bancária, e pagou a título pessoal em prestações a divida exequenda no valor de € 3.674,39 (três mil seiscentos e setenta e quatro euros e trinta e nove cêntimos)?
O Tribunal respondeu: Para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…,SA contra C…, Lda., a autora pagou a tal instituição bancária o valor de € 3.674,39, tendo a ré D… pago – pelo menos – 750 € na esteira de acordo que realizou com a autora quanto ao pagamento de metade desse montante.
Diz a recorrente nas suas alegações:
“Quanto à matéria dada como provada e referente ao artigo 41º da PI (quesito 10B) deve-se acrescentar que a ré recorrida pagou metade do valor de 3.674,39, um 6 meses depois de a Autora ter celebrado o acordo com a instituição financeira e ter pago, conforme bem resulta dos documentos de fls. 144 junto com a réplica e do documento junto com o requerimento de referência 1059654.”.
Em suma, a recorrente confessa que a recorrida pagou a quantia de € 1.837,20, preconizando o aditamento do prazo em que tal pagamento foi efetuado.
Quanto ao prazo de pagamento, está para além da matéria quesitada.
No que se refere à quantia, há, efetivamente, que proceder à sua alteração, face à confissão da recorrente.
Decorre do exposto, que a resposta ao quesito passa a ter a seguinte redação:
«Para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…,SA contra C…, Lda., a autora pagou à referida instituição bancária o valor de € 3.674,39, tendo a ré D… pago € 1.837,20, na esteira do acordo que realizou com a autora quanto ao pagamento de metade desse montante.».
Quanto aos quesitos 10-E e 10-F
Questionava-se: 10-E) A autora preocupada com as consequências do abandono da ré, do seu posto de trabalho perante o Instituto do Emprego e Formação Profissional, encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento, e repor o nível de emprego, sob pena de a sociedade e as suas sócias terem de reembolsar o I.E.F.P de todos os incentivos que lhes foram concedidos? 10-F) Comunicou de imediato e pessoalmente este abandono ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, de forma a solucionarem esta situação criada pela ré, e reuniu várias vezes com o Dr G…, técnico superior do I.E.F.P,I.P, o qual verificou o abandono da Ré, vindo a constatar pelo histórico de descontos para a segurança social que a ré passou a trabalhar por conta doutrem.
O Tribunal respondeu: Ao ter a ré deixado de colaborar no aviamento da sociedade C…, Lda., a autora comunicou tal facto ao IEFP. EP, com tal visando a resolução do assunto junto de tal instituto.
Alega a recorrente nas suas alegações de recurso:
“Quanto à matéria descrita nos artigos 46, 47 e 48( quesitos 10- E e 10 F), deve ser integralmente dada como provada, devendo ficar a constar os termos exatos dos seus teores, conforme bem resulta dos depoimentos prestado pelo Dr. G…, e dos documentos de fls. f 57 a59,, documentos de fls. 349 a 356, documentos de fls. 364 a 387, documentos de fls. 404 e 405.
Tal também se retira do depoimento prestado pelo Dr. G…”.
A questão do alegado “abandono” já foi abordada em momento anterior, para o qual remetemos.
A expressão “encetou todas as diligências para resolver esta situação, de forma a sanar o incumprimento” tem natureza conclusiva.
A resposta dada pelo Tribunal, contempla e sintetiza a matéria relevante provada, nada havendo a acrescentar face á prova produzida, nomeadamente, ao depoimento invocado pela recorrente.
Mantém-se a resposta: Ao ter a ré deixado de colaborar no aviamento da sociedade C…, Lda., a autora comunicou tal facto ao IEFP. EP, com tal visando a resolução do assunto junto de tal instituto.
Quesito 10.º-H
Questionava-se: E relativamente ao valor assinalado no art.79º da P.I (i.e, € 10.0000), nunca a ré teria direito a esse valor pela sua quota, pois esta tem apresentado um valor negativo?
Salvo todo o respeito devido, esta questão é absolutamente conclusiva, não fazendo sentido, quer a sua formulação, quer a sua resposta, em sede de apreciação da matéria de facto.

2.4. A inexistência de razões que justifiquem a alteração pretendida, para além das pequenas alterações aos quesitos 10.º e 10.º-B
Considerámos que a decisão não merece reparo que justifique as alterações pretendidas pelos recorrentes, salvo quanto aos pequenos detalhes que enunciámos (quesitos 10.º e 10.º-B).
Já na vigência do novo regime processual[13], que permite uma maior indagação da prova em sede de recurso (art. 662.º), refere o Conselheiro Abrantes Geraldes[14]: “Para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, postura no depoimento, etc.) insuscetíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. A Relação poderá modificar a decisão da matéria de facto se puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”.
Constata, no entanto, o autor citado, que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo, dado que, como a experiência o demonstra, “tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que porventura influenciaram o juiz da 1.ª instância”.
O autor citado enfatiza ainda o facto de existirem “aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”[15].
Em conclusão, refere o autor citado, que, não garantindo o sistema de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1.ª instância a perceção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os fatores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo, ainda assim, “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
A Mª Juiz do Tribunal a quo fundamentou a sua decisão.
Apreciámos exaustivamente as razões que motivaram a decisão, bem como as que motivaram a impugnação e, conscientes do facto de o juiz de 1.ª instância ser um observador privilegiado da prova, porque para além do que as testemunhas diziam podia apreciar o modo como o faziam, não vislumbramos qualquer erro ou incoerência, ou mesmo a desconsideração da relevância de qualquer meio probatório, que nos permita resposta diversa às questões em análise.
Em conclusão, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, apesar das pequenas alterações que se enunciaram e que passamos a consignar no capítulo seguinte.

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada, que ora se enuncia com referência a nova numeração:
1. Autora e ré são as únicas sócias da sociedade por quotas C…, Lda., com sede em estabelecimento na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho do Porto, com o capital social de 7500,00 ( sete mil e quinhentos euros), matriculada na 2ª Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o nº 58605/20040226, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial, tendo cada uma das sócias uma quota no valor 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), representativas cada uma delas, de 50% do capital social. (alínea A) da factualidade assente)
2. No início a administração ficou a cargo das duas sócias, sendo necessária a assinatura de ambas para obrigar validamente a sociedade, tendo a ré renunciado à gerência em dezembro de 2007. (alínea B) da factualidade assente)
3. A referida sociedade, que se dedica à lavagem, limpeza a seco e engomadoria de têxteis e peles, apresentou uma candidatura aos apoios financeiros previstos na Portaria 196-A /2001, de 10 de Março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, sendo promotoras de tal iniciativa a autora e ré, a qual foi aprovada, tendo celebrado em 30/12/2004, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P,IP) um contrato de concessão de Incentivos Financeiros, pelo prazo de quatro anos, segundo o qual foi concedido um incentivo financeiro para a constituição de uma iniciativa local de emprego. (alínea C) da factualidade assente)
4. O referido contrato teve e tem por objeto a concessão de incentivos financeiros para a constituição de uma iniciativa local de emprego, tendo por objetivos entre outros a criação de dois postos de trabalho, que teriam que ser ocupados pela autora e pela ré, por um período de quatro anos e, além do incentivo à criação dos dois postos de trabalho, o projeto em apreço tem ainda por objetivos a realização de investimento em ativos fixos corpóreos ou incorpóreos. (alínea D) da factualidade assente)
5. A C…, Lda. fez algumas entregas de roupa lavada ao domicílio. (quesito 1)
6. Para o efeito a C…, Lda., adquiriu uma viatura, sendo que para a sua aquisição celebrou em 24/03/2006 um contrato de locação financeira com o E…, S.A., aí figurando como fiadoras a autora e a ré. (quesito 1-A)
7. A Ré entregou algumas roupas lavadas após prévias encomendas de lavagem e engomadoria. (quesito 2)
8. A ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda. (quesito 3)
9. O funcionamento da sociedade era assegurado pela autora e ré, aí efetuando ambas trabalhos de lavandaria, engomadoria e costura. (quesito 4)
10. A sociedade comercial por quotas C…, Lda., manteve teve resultados negativos no exercício dos anos de 2004 a 2007, conforme consta das atas n.º 1, 2, 3 e 5, do livro de atas da referida sociedade, juntas aos autos a fls. 46 a 49. (quesito 10)
11. Para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…,SA contra C…, Lda., a autora pagou à referida instituição bancária o valor de € 3.674,39, tendo a ré D… pago € 1.837,20, na esteira do acordo que realizou com a autora quanto ao pagamento de metade desse montante. (quesito 10-B)
12. A sociedade comercial por quotas C…, Lda., teve dificuldades em cumprir pontualmente com os pagamentos junto das Finanças e Segurança Social. (quesito 10-C)
13. Como a forma de obrigar a sociedade necessitava da assinatura das duas sócias gerentes, a autora defrontou algumas dificuldades em combinar encontros com a ré para decidirem assuntos relacionados com a atividade da sociedade comercial por quotas C…, Lda. (quesito 10-D)
14. Ao ter a ré deixado de colaborar no aviamento da sociedade C…, Lda., a autora comunicou tal facto ao IEFP. EP, com tal visando a resolução do assunto junto de tal instituto. (quesitos 10-E e 10-F)
15. A ré renunciou à gerência sem qualquer comunicação prévia à C…, Lda., ou ao IEFP, EP. (quesito 10-G)
16. A C…, Lda., pagou as contribuições devidas à Segurança Social, sem a ré prestar o seu trabalho, referentes aos meses de Maio e Junho de 2007, no valor total de € 186,00 (cento e oitenta e seis euros[16]) - (quesito 13-A)
17. A autora pagou à contabilista a avença de 453,75 € (reportada ao ano de 2007). (quesito 14)
18. A autora encetou diligências várias tendentes à obtenção do licenciamento legal para a atividade de lavandaria (o que veio a ser deferido), tendo sido necessário um projeto acústico pelo qual pagou 250 euros. (quesito 15)
19. Várias despesas, relativas à água, luz, e telefone foram suportadas pela autora, no valor total € 761,14 (setecentos e sessenta e um euro e catorze cêntimos), evitando o corte destes serviços, conforme documentos que juntam sob os nºs 30 a 45. (quesito 16)
Mais resulta documentalmente provado dos autos:
20. Consta da ata da sociedade C…, Lda., de 13.09.2007 (fls. 65): “… a representante da sócia D…, disse que a sua representada pretende sair definitivamente da sociedade, e que está na disposição de ceder a sua quota à sua sócia ou a terceiro, sendo que para o efeito, irá avaliar o valor da sua quota junto de um técnico oficial de contas. Mais disse que a sua representada no caso de não se concretizar a cessão de quotas, que estaria na disposição de continuar como sócia mas que renunciaria à gerência…”.
21. Por carta de 12.12.2007 (fls. 128), a ré fez a seguinte comunicação à autora: “Com os meus respeitosos cumprimentos, serve o presente, em referência ao assunto em epígrafe, para informar que a partir desta data, renuncio à gerência da firma C…, Lda., sem outro assunto, grata pela atenção, me subscrevo”.
22. O Instituto do Empregue Formação Profissional emitiu em 29.01.2009 decisão de resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros, referido no ponto 3., determinando a conversão do subsidio não reembolsável em reembolsável, o vencimento imediato da dívida no valor de € 23.650,56 e a devolução imediata das importâncias concedidas acrescidas de juros legais. (documentos de fls. 73 e seguintes)
23. Consta dos fundamentos do despacho:
«[…] foi aprovado, para um investimento total de € 35.420,78 €, um apoio financeiro, sob a forma de subsídio, sendo o montante de 13.161,60 €, relativo à criação de dois postos de trabalho […] essa situação foi alterada em Julho de 2007, data em que a sócia gerente D…, deixou de efectuar descontos pela firma C…. Por outro lado, é também do conhecimento do Centro de Emprego que a mesma não se encontra desde há muito no estabelecimento […] encontra-se a entidade em situação de incumprimento injustificado das obrigações assumidas com o IEFP, IP, mormente:
- Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos […];
- Manter a situação regularizada perante a administração fiscal, a Segurança Social e o IEFP, IP […]. (fls. 74 e 75 dos autos.
24. Em 25.11.2009, a administração fiscal notificou a sociedade de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida no valor de € 23.650,56, acrescida de juros. (fls. 387)
25. A recorrente impugnou a referida decisão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Proc. 827/10.5BEPRT), no qual foi proferida sentença, em 22.06.2012, que manteve a decisão administrativa. (documento de fls. 350)
26. A recorrente interpôs recurso da referida decisão, admitido por despacho de 8.01.2013 (fls. 393)
27. Entretanto, a recorrente havia intentado providência cautelar com vista à suspensão da eficácia do despacho do delegado regional do IEFP, IP, de 3.12.2009, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP., no qual se determinou a resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros, referido no ponto 3., bem como a conversão do subsidio não reembolsável em reembolsável, o vencimento imediato da divida no valor de € 23.650,56 e a devolução imediata das importâncias concedidas, tendo sido proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, o acórdão de 13.01.2011, que julgou procedente a providência e suspendeu a eficácia do despacho. (fls. 363)

4. Fundamentos de direito
O objeto do recurso restringe-se em parte substancial, à impugnação da decisão da matéria de facto, improcedendo parcialmente as conclusões 1.ª a 7ª, com os fundamentos já exarados.
Nas conclusões 8.ª a 37.º, salvo todo o respeito devido, a recorrente limita-se a repetir a argumentação expendida na petição inicial, ao invés de aduzir argumentos suscetíveis de alicerçarem um juízo revogatório da decisão.
Finalmente, nas conclusões 39.ª a 50.ª, pretende a recorrente: que a recorrida deve ser excluída da sociedade, invocando os artigos 241º e 242º do Código das Sociedades Comerciais e 1003º e 1005º do Código Civil (conclusões 39.ª a 43.ª); que a recorrida seja condenada em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (conclusões 44.ª a 50.º).
Consta da fundamentação jurídica da sentença:
«Na verdade, a exclusão de sócio nas sociedades por quotas está dependente da concreta verificação do circunstancialismo previsto no art. 242º do C.S.C, sendo certo que no caso “sub judice” não se apurou matéria de facto alguma que permita concluir que a conduta societária da Ré seja de reconduzir à previsão desse normativo (cfr. a resposta dada ao quesito nº 3), tão só avultando o anódina (na presente sede) circunstância neste vertida.
Daqui deriva que “in casu ”- e à míngua de elementos que deponham em sentido contrário - que não se verificam os pressupostos legais da peticionada exclusão societária da Snra. D. D…, a saber: A)- quanto ao sócio, um comportamento desleal ou francamente perturbador do funcionamento da sociedade; B) quanto à sociedade, prejuízos relevantes, efectivos ou possíveis (vd. neste sentido, o Snr. Prof. António Menezes Cordeiro in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª edição, pag.706, edição da Livraria Almedina, Coimbra) .
Visto tal, deve o aí peticionado soçobrar na sua total improcedência.
No que concretamente concerne aos pedidos B), C), D), G), H) e I), e uma vez a analisado criticamente o substrato fáctico apurado, entendo que o mesmo não sustenta (minimamente, para o mesmo remetendo “brevitatis causa”) a sua procedência uma vez operada a pertinente sua subsunção “de jure constituto”. Nestes termos ,devem os mesmos improceder “in totum”.
No que, por seu turno, concerne aos pedidos E) e F) – e perante o provado cfr. os quesitos 14º, 15 e 16º da B. Instrutória) – logo se extrai que tais despesas são (claramente) dívidas da sociedade, não (“tout court”) da Ré, sendo certo que pedido algum foi “ab initio” dirigido contra esta última, para mais não se podendo postergar que o património social é insusceptível de confusão como património pessoal da Snra. D. D…, neste sentido decisivamente militando o que estatuído se encontra nos arts. 197º nº 3 e 198º nº3, ambos do Código das Sociedades Comerciais.
Deste modo – e na falta de suporte bastante de direito – improcedem os pedidos supra referidos .
Feita esta digressão crítica – e no que concretamente tange à pretensão reconvencional (que se tem por admissível - art. 266º nº2 a) do CPC) que consta a fls. 126 “in fine” (e uma vez vistos os termos em que é apresentada), julga-se a sua aferição como prejudicada à luz do consignado no art. 608º nº2 do CPC.
Tudo visto e analisado – e como silogístico corolário das razões de facto e direito supra publicadas – decido julgar a presente acção nº 144/09 como totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré, Snra. D. D…, de todos os pedidos contra si formulados no âmbito desta.».
Reponderando o mérito jurídico da ação, começamos por referir, salvo todo o respeito devido, que só por manifesto lapso se justificará a referência ao pedido reconvencional, considerando a desistência apresentada pela ré em 4.06.2009 (fls. 155) e a respetiva homologação exarada em despacho de 15.02.2010 (fls. 171).
Passamos a aferir o mérito dos pedidos formulados pela autora/recorrente, face à factualidade provada.
Recapitulemos a pretensão da autora/recorrente.
Formula a autora os seguintes pedidos de condenação da ré:
a) Que “seja reconhecido o comportamento da ré ter sido a causa direta para a ocorrência dos prejuízos da C… Lda., e dos que possam vir a ocorrer, e nesta medida seja imediatamente excluída de sócia da referida sociedade, nos termos dos artigos 241º e 242º do Código das Sociedades Comerciais, a decidir no despacho saneador com base nos elementos de prova que já se encontram juntos aos autos como documentos nºs 1,2,12, 4, 8,13,16 14,17”.
b) Seja a ré “condenada a pagar à C…, Lda., e à autora uma indemnização pelos prejuízos que poderão ocorrer pelo incumprimento do contrato de Incentivos Financeiros que foi celebrado com o IEFP, que se computam atualmente no valor de € 23.650,56 (vinte e três mil seiscentos e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescidos de juros legais, sendo relegada para a execução de sentença a fixação de valor superior caso se venha a verificar”.
c) Seja condenada a pagar à C…, Lda., uma indemnização pelos resultados negativos que a empresa teve no ano de 2007 que se computam no valor de € 13.113,76 (treze mil cento e treze euros e setenta e seis cêntimos), bem como os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
d) Seja a ré condenada no pagamento numa indemnização à C…, Lda., pela situação que criou a fixar equitativamente pelo tribunal.
e) Seja a ré condenada a pagar à C…, Lda., as contribuições que foram pagas à segurança social no valor de 186,00 (cento e oitenta e seis euros), sem a ré ter prestado o seu trabalho.
f) Seja a ré condenada a pagar à autora o valor de € 1.759,89 (mil setecentos e cinquenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais pelos pagamentos que efetuou a titulo pessoal das despesas da empresa, referidas nos artigos 97º, 100º,101º e 102º, ainda pelos que poderão ocorrer a fixar em execução de sentença
g) No pagamento à autora de um a indemnização pelos danos não patrimoniais de que está a ser vítima, no montante a fixar equitativamente pelo tribunal.
h) As quantias peticionadas, serão acrescidas dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, até efetivo e integral pagamento e, acrescidas ainda de sobretaxa de 5% desde o trânsito em julgado da sentença nos termos do artigo 829º – A do Código Civil, e das custas de parte , e custas judiciais.
i) Seja a ré condenada a pagar os prejuízos que não forem possíveis fixar na presente ação, seja fixado em execução de sentença.
Quanto ao pedido formulado na alínea a):
O n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece os seguintes requisitos substantivos da exclusão de sócios: «Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.».
Como referem Alexandre Mota Pinto e outros[17], para a integração da norma não basta que o comportamento do sócio seja desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, sendo ainda imprescindível que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes, remetendo para os seguintes exemplos: aproveitamento em benefício próprio de negócios da sociedade, frequente propositura de ações chicaneiras contra a sociedade, difusão de opiniões difamatórias sobre a sociedade, apropriação ilícita de bens sociais, utilização em proveito próprio do património da sociedade, revelação de segredos da organização empresarial da sociedade, atos de concorrência desleal contra a sociedade, provocação culposa de desavenças graves entre os sócios e assédio sexual a trabalhadores da sociedade.
Com referência a vasta bibliografia e jurisprudência, refere-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 10.02.2009[18]:
«[…] Por sua vez, MENEZES CORDEIRO menciona, respigando-as da jurisprudência dos tribunais portugueses, estoutras situações justificativas da exclusão por “comportamento desleal ou gravemente perturbador ”: «- um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa, coloca tais atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da sociedade à deserção; - um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade, começa a vender os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela; - um sócio desenvolve uma actividade concorrencial com a da sociedade, procurando angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria sociedade».
De notar que, «para legitimarem a exclusão judicial, é ainda necessário que estes (e outros) comportamentos tenham causado ou sejam susceptíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade». […]
“Podemos, pois, dizer que subjaz à cláusula geral do nº 1 do art. 242º a ideia da exclusão permitida somente com “fundamento importante”, como ultima ratio (a exclusão é permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a actividade social)”.
De notar que «o sócio-gerente que adopte comportamentos como os indicados há pouco (violando deveres não apenas enquanto gerente mas também enquanto sócio) fica igualmente sujeito a ser excluído da sociedade». “Todavia, se se conclui que o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com ele na sociedade mas fora da gerência, bastará que seja destituído desta com justa causa (cfr. o art. 257º [do CSC])”. […]».
Em suma: para a integração da previsão do n.º 1 do artigo 242.º do CSC, não basta que o comportamento do sócio seja desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, sendo ainda imprescindível que tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes; exclusão de sócio deverá ser entendida como ultima ratio, apenas sendo permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a atividade social; afigura-se-nos que no caso sub judice o funcionamento normal da sociedade pode prosseguir com a recorrida na sociedade mas fora da gerência, à qual a mesma renunciou, não se justificando a sua exclusão, tanto mais que não se provaram factos consubstanciadores dos requisitos cumulativos enunciados no n.º 1 do artigo 242.º do CSC: comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, causal de prejuízos relevantes à sociedade.
Reiteramos a firmação de que, salvo todo o respeito devido, não logrou a recorrente provar factualidade suscetível de integrar a previsão legal do n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente porque se provou que a sociedade manteve resultados negativos no exercício dos anos de 2004 a 2007 (facto 10), ou seja, mesmo quando a ré prestou o seu trabalho, e que, para evitar o prosseguimento de execução movida pelo E…. SA, contra a sociedade, a ré, apesar de ter renunciado à gerência, pagou à referida instituição metade do valor da quantia exequenda (€ 1.837,20), na sequência do acordo que realizou com a autora (facto 11).
Atenta a prova produzida, não se afigura viável e devidamente suportada na factualidade provada, a conclusão de que o comportamento da recorrida tenha sido desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, e suscetível de causar à sociedade prejuízos relevantes.
Decorre do exposto a improcedência do pedido formulado na alínea a).
Quanto ao pedido formulado na alínea b):
Pede a recorrente/autora que seja a recorrida/ré “condenada a pagar à C…, Lda., e à autora uma indemnização pelos prejuízos que poderão ocorrer pelo incumprimento do contrato de Incentivos Financeiros que foi celebrado com o IEFP, que se computam atualmente no valor de € 23.650,56 (vinte e três mil seiscentos e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescidos de juros legais, sendo relegada para a execução de sentença a fixação de valor superior caso se venha a verificar”.
Provou-se a seguinte factualidade relevante: a sociedade constituída pela recorrente e pela recorrida apresentou uma candidatura aos apoios financeiros previstos na Portaria 196-A /2001, de 10 de Março, no âmbito da modalidade Iniciativas Locais de Emprego, sendo promotoras de tal iniciativa a autora e ré, a qual foi aprovada, tendo celebrado em 30/12/2004, com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P,IP) um contrato de concessão de Incentivos Financeiros, pelo prazo de quatro anos; o referido contrato teve e tem por objeto a concessão de incentivos financeiros para a constituição de uma iniciativa local de emprego, tendo por objetivos entre outros a criação de dois postos de trabalho, que teriam que ser ocupados pela autora e pela ré, por um período de quatro anos; a ré, pelo menos, a partir de maio/junho de 2007, deixou de prestar qualquer atividade produtiva na C…, Lda.; o Instituto do Empregue Formação Profissional emitiu em 29.01.2009 decisão de resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros, referido no ponto 3., determinando a conversão do subsidio não reembolsável em reembolsável, o vencimento imediato da dívida no valor de € 23.650,56 e a devolução imediata das importâncias concedidas acrescidas de juros legais; consta dos fundamentos do despacho: «[…] foi aprovado, para um investimento total de € 35.420,78 €, um apoio financeiro, sob a forma de subsídio, sendo o montante de 13.161,60 €, relativo à criação de dois postos de trabalho […] essa situação foi alterada em Julho de 2007, data em que a sócia gerente D…, deixou de efectuar descontos pela firma C…. Por outro lado, é também do conhecimento do Centro de Emprego que a mesma não se encontra desde há muito no estabelecimento […] encontra-se a entidade em situação de incumprimento injustificado das obrigações assumidas com o IEFP, IP, mormente: - Não reduzir o nível de emprego atingido por via do apoio concedido, por um período mínimo de quatro anos […]; - Manter a situação regularizada perante a administração fiscal, a Segurança Social e o IEFP, IP […]. (fls. 74 e 75 dos autos; em 25.11.2009, a administração fiscal notificou a sociedade de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida no valor de € 23.650,56, acrescida de juros. (fls. 387); a recorrente impugnou a referida decisão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Proc. 827/10.5BEPRT), no qual foi proferida sentença, em 22.06.2012, que manteve a decisão administrativa. (documento de fls. 350); a recorrente interpôs recurso da referida decisão, admitido por despacho de 8.01.2013 (fls. 393); entretanto, a recorrente havia intentado providência cautelar com vista à suspensão da eficácia do despacho do delegado regional do IEFP, IP, de 3.12.2009, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP., no qual se determinou a resolução do contrato de concessão de Incentivos Financeiros, referido no ponto 3., bem como a conversão do subsidio não reembolsável em reembolsável, o vencimento imediato da divida no valor de € 23.650,56 e a devolução imediata das importâncias concedidas, tendo sido proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, o acórdão de 13.01.2011, que julgou procedente a providência e suspendeu a eficácia do despacho. (fls. 363).
Em suma: o contrato de concessão de Incentivos Financeiros pressupunha a criação de dois postos de trabalho, a ocupar pela recorrente e pela recorrida; a recorrida deixou o seu posto de trabalho; tal facto foi um dos fundamentos invocados pelo IEFP, para resolver o contrato e exigir à sociedade a devolução do valor entregue; o despacho que determinou a resolução (e devolução do montante do financiamento) foi impugnado; o ato administrativo em causa encontra-se com os seus efeitos suspensos por decisão judicial que julgou procedente a respetiva providência; a recorrente interpôs recurso da decisão judicial que manteve o ato, encontrando-se o mesmo a aguardar decisão.
Resulta, manifestamente, da factualidade provada, que o ato administrativo que determinou a resolução e devolução da quantia prestada não tem por ora natureza definitiva, encontrando-se os seus efeitos suspensos, a aguardar decisão judicial definitiva.
Decorre do exposto, que: a dívida não se constituiu, o que só ocorrerá com a definitividade do ato administrativo; a quantia em causa não é neste momento exigível à sociedade C…, Lda., podendo vir a sê-lo, ou não, em face da decisão judicial que vier a ser proferida.
Ora, não tendo a sociedade pago tal quantia nem sendo a mesma exigível, por o ato administrativo não se ter tornado definitivo, não vemos como possa ser exigido o seu pagamento à recorrida, na medida em que o mesmo ainda não é exigível à sociedade nem à recorrente.
Poderá questionar-se se a situação em apreço se integra na previsão legal do artigo 610.º do Código de Processo Civil, que preceitua:
1 - O facto de não ser exigível, no momento em que a ação foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
2 - Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observa-se o seguinte:
a) O réu é condenado a satisfazer a prestação ainda que a obrigação se vença no decurso da causa ou em data posterior à sentença, mas sem prejuízo do prazo neste último caso;
b) Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.
3 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o autor é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu.
Uma primeira conclusão se pode retirar: não é possível conhecer-se nesta ação “da existência da obrigação”, porque tal conhecimento de mérito será apenas viável na ação em que se aprecia a validade do ato administrativo do qual poderá decorrer a obrigação em apreço (caso o mesmo não seja revogado e se torne definitivo).
Uma segunda conclusão decorre da anterior: a situação em apreço não é integrável na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC.
Pela sua pertinência, reproduzimos um trecho do acórdão desta Relação, de 5.05.2014[19], subscrito pelo ora relator, na qualidade de 1.º adjunto:
«Não se desconhece a distinção doutrinal entre a “sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema”[20]. Para admitir a prolação de sentença de condenação condicional em que é o direito reconhecido na sentença que é condicionado invoca-se o disposto no artigo 662º do anterior Código de Processo Civil, a que corresponde, actualmente, sem alterações que não as derivadas do novo acordo ortográfico, o artigo 610º do vigente Código de Processo Civil, aplicável directamente, por identidade de razão, ou por analogia[21]. Porém, salvo melhor opinião, cremos que o preceito processual citado não pode servir de arrimo às referidas posições doutrinais. Embora o normativo se refira à inexigibilidade da obrigação, uma leitura atenta do mesmo permite-nos verificar que a situação contemplada respeita à inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação.».
Ora, como se disse, na situação sub judice, o que está em causa não é meramente a inexigibilidade decorrente da falta de vencimento da obrigação (situação suscetível de integração na previsão legal do n.º 1 do art.º 610.º do CPC), mas a existência dessa obrigação (que apenas emergirá do ato administrativo, caso o mesmo se torne definitivo).
Concluindo-se pela inexistência da obrigação de restituição da quantia objeto do financiamento, face à impugnação do ato administrativo da qual a mesma emerge, terá que improceder este pedido.
Quanto aos restantes pedidos:
Pede a autora: que seja a ré condenada a pagar à C…, Lda., uma indemnização pelos resultados negativos que a empresa teve no ano de 2007 que se computam no valor de € 13.113,76; que seja a ré condenada no pagamento numa indemnização à C…; Lda., “pela situação que criou, a fixar equitativamente pelo tribunal”; que seja a ré condenada a pagar à C…, Lda., as contribuições que foram pagas à segurança social no valor de 186,00, sem a ré ter prestado o seu trabalho; que seja a ré condenada a pagar à autora o valor de € 1.759,89 a título de danos patrimoniais pelos pagamentos que efetuou a titulo pessoal das despesas da empresa; que seja a ré condenada a pagar à autora uma indemnização pelos danos não patrimoniais; bem como a pagar “os prejuízos que não forem possíveis fixar na presente ação, seja fixado em execução de sentença.”.
Salvo todo o respeito devido, não se vislumbra factualidade provada na qual se possam alicerçar estas pretensões da autora/recorrente.
Quanto aos prejuízos do ano de 2007, provou-se (facto 10), que a sociedade comercial por quotas C…, Lda., manteve teve resultados negativos no exercício dos anos de 2004 a 2007, conforme consta das atas n.º 1, 2, 3 e 5, do livro de atas da referida sociedade, juntas aos autos a fls. 46 a 49.
Ou seja, a sociedade deu prejuízo nos anos de 2004 a 2007, apesar de a recorrida ali desempenhar funções durante esse período (até final de maio de 2007), não se vislumbrando assim qualquer nexo causal entre a saída da recorrida e os prejuízos da sociedade.
Quanto às despesas, ressalvando sempre o devido respeito, não vislumbramos qualquer razão para a sociedade efetuar um desconto desnecessário (referente a um mês em que a recorrida não prestou trabalho), nem para a recorrente pagar despesas que competiam à sociedade.
Decorre do exposto a total improcedência do recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
*
O objeto do recurso é essencialmente matéria de facto, não se revelando viável, da fundamentação da decisão, a extração de proposições jurídicas genéricas relevantes que justifiquem a sua sumariação, razão pela qual não se dá cumprimento ao disposto no n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.
*
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
*
Custas do recurso a cargo da recorrente.
*
O presente acórdão compõe-se de setenta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Porto, 6 de junho de 2016
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] O acórdão encontra-se manuscrito, com uma letra de difícil legibilidade. Pensamos, no entanto, que há um manifesto lapso, se bem interpretamos o respetivo dispositivo: o que estava em causa eram as alíneas b) a i), como resulta do confronto do despacho recorrido com as conclusões de recurso, pelo que o dispositivo do acórdão, que julga procedente o recurso, só poderá reportar-se às alíneas b) a i).
[2] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão
O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte da recorrente, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada, repetindo à exaustão argumentação expendida na petição.
No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar a recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso.
[3] Trata-se de uma única reclamação, apresentada pela autora em 15.09.2011.
[4] Segue-se a ordem de enunciação dos factos feita pelo Mº Juiz, apesar de se inscreverem mais do que um facto em cada alínea, a fim de evitar a alteração da enumeração, que acrescentaria ainda mais dificuldades ao trabalho de sistematização que pretendemos fazer com vista a podermos apreciar o recurso de forma organizada e compreensível para os destinatários da decisão. A manutenção da ordem de enunciação obriga-nos a alterar a redação, aqui e além, respeitando, no entanto, as remissões efetuadas.
[5] Proferido no processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível no site da DGSI.
[6] Refere-se no citado aresto: «… já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória…».
[7] Neste sentido, que se harmoniza com as exigências de prevalência do fundo sobre a forma visadas pela Reforma do Processo Civil preconizadas pelos decretos-lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Setembro, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.10.2008, proferido no processo nº 07B3011, acessível em http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos do STJ, ambos disponíveis no site da DGSI: acórdão de 27.10.2009, proferido no Proc. 1877/03.3TBCBR.C1.S1: “não se justifica a rejeição do recurso (…) se o recorrente especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que no seu entender impõem uma decisão diversa”; e acórdão de 23.02.2010, proferido no Proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1: “Tendo a recorrente, na conclusão primeira, afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento da matéria de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos que estava obrigada a alegar para que a questão fosse apreciada pela Relação”.
[8] Apesar de excessivamente longas e da ausência de qualquer síntese, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, as conclusões são quase na totalidade preenchidas com a repetição do que é alegado na petição inicial, não estando nelas incluídas matérias relevantes.
[9] No corpo das alegações, para o qual remete na conclusão 6.ª, a recorrente “salta” a alínea H), passando diretamente da alínea G) para a alínea I).
[10] Podendo para o efeito dispor de dez dias, nos termos do n.º 3 in fine, do art.º 650.º do CPC.
[11] Com a aglutinação numa mesma peça processual da decisão da matéria de facto e da decisão sobre o aspeto jurídico da causa, foi eliminada a previsão que constava do nº 4, do artigo 646º do CPC na versão anterior. Não obstante, apenas factos podem constituir objeto de prova (artigos 341º do Código Civil e 410º do atual CPC). Decorre do exposto, que a fundamentação de facto não deve incidir sobre matéria de direito, nem conclusiva.
[12] O Professor José Alberto dos Reis distinguia entre “testemunha auricular” (depoimento indireto) e “testemunha ocular” (depoimento direto): “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 2007, Voluma IV, pág. 358.
[13] NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 233 a 236.
[15] Como afirmou Eurico Lopes Cardoso, in BMJ, n.º 80, pág. 220/221, «(…) os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe».
[16] Apesar de o Mº Juiz ter considerado provada a totalidade do quesito, eliminámos a parte final, de natureza conclusiva «devendo a ré proceder à sua restituição», que, salvo todo o respeito devido, não pode, por essa razão, integrar a factualidade provada.
[17] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coordenação de Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, 2011, pág. 583.
[18] Proferido no processo n.º 7518/2008-1, acessível no site da DGSI.
[19] Proferido no processo nº 17113/12.9YIPRT.P1, acessível no site da DGSI.
[20] Citação extraída do Manual de Processo Civil, Coimbra Editora 1985, 2ª edição revista e actualizada, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, página 683, nota 1. No mesmo sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2013, proferido no processo nº 2424/07.3TBVCD.P1.S1, acessível no site da DGSI. Em sentido contrário veja-se, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina 2009, Miguel Mesquita, páginas 92 e 93.
[21] No sentido de uma aplicação directa do preceito vejam-se, Vaz Serra in A excepção de não cumprimento do contrato publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 67, página 34; A excepção de não cumprimento do contrato, Almedina 1986, José João Abrantes, páginas 154 e 155, nota 20. Parecem aplicar este preceito por identidade de razão os autores citados na nota que antecede. Aplicam o preceito por analogia, Miguel Teixeira de Sousa in As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lex, Lisboa 1995, páginas 164 a 166 e Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora 2011, página 804.