Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
353/13.0PAVNF.G1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR
DESCONTO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Nº do Documento: RP20150325353/13.0PAVNF.G1.P1
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A proibição de conduzir veículos com motor imposta como injunção ao arguido na suspensão provisória do processo, que vier a ser cumprida pelo arguido deve ser descontada no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em que seja condenado no mesmo processo na sequência do prosseguimento do mesmo por virtude da revogação daquela suspensão provisória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 353/13.0PAVNF.G1.P1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I) Relatório
Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correram termos pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido B… condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º número 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00€ e ainda na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses.

Inconformado com a decisão proferida dela veio o arguido apresentar o presente recurso nos termos que constam de folhas 164 a 170 dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos e que concluiu pela forma seguinte: (transcrição)

«A- O crime dos autos foi o primeiro crime quer de condução de veículo em estado de embriaguez quer de qualquer outra natureza por parte do recorrente.
B- À data do cometimento do crime pelo qual foi condenado nos autos o recorrente era primário.
C.- Apenas quando foi julgado no processo que com o nº 208/13.9GTBRG correu termos pelo 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, o recorrente já não era primário e tinha antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza.
D- Não podia nos presentes autos ser valorada a condenação anteriormente nos autos 20S/13.9GTBRG, pelo que simples facto que o crime dos presentes autos é anterior àquela condenação.
E- Foi uma valoração indevido em prejuízo do recorrente.
F- Apesar da confissão integral e sem reservas e da quantidade de álcool próxima do limite mínimo foi aplicada uma pena acessória de inibição de conduzir de 6 meses., que é uma pena acessório manifestamente exagerada.
G- Sendo o mínimo legal nos termos do artº 69 do CP, 3 meses de inibição, sendo o recorrente primário, estando a quantidade de álcool no sangue perto do limite legal, temos que a pena de 4 meses de inibição de conduzir é mais adequada.
H- Por outro lado, a pena de multa de 60 dias, é igualmente mais adequada, sendo manifestamente desproporcionada a pena de 90 dias, próximo do máximo legal de 120 dias.
I - Acresce que nos presentes autos foi proposta ao recorrente suspensão provisória do processo, o que este aceitou.
J - Da suspensão provisória resultou a obrigação de o arguido proceder à entrego de 500€ (quinhentos euros) a Instituição e ainda à aplicação da injunção de inibição de conduzir veículos pelo preze de 4 meses.
K- O recorrente cumpriu quer a injunção de inibição de conduzir, quer o pagamento da quantia de 500,00 € a instituição.
L- O arguido entregou a sua carta de condução e procedeu ao levantamento da mesma quatro meses depois.
M- Igualmente procedeu o arguido à entrega da quantia que lhe foi fixada à entidade, e dos referidos pagamentos fez prova nos autos. N- A sentença proferida nos autos relativamente à inibição de conduzir não levou em conta a inibição já cumprida pelo recorrente de 4 meses descontado aquele período no total o cumprir.
O- Tendo o arguido cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados por 4 meses, deve ser considerada cumprida já parte da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses em que veio a ser condenado, na sequência da revogação da suspensão provisório do processo.
P- Ou até ser considerada cumprida se for procedente a redução da pena para 4 meses.
Q- Aquela condenação teve em vista um facto - condução de veículo em estado de embriaguez no dia 26/04/2013.
R- A injunção cumprida pelo arguido teve em vista o mesmissimo facto.
S.- E foi cumprida da mesma forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado.
T.- A injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser objecto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizado, aplicado em sentença proferida na sequência da revogação daquela suspensão.
U.- Ao decidir como decidiu a decisão sob recurso, fez uma incorreta interpretação do artigo 71º do C.P.
V.- Ao decidir como decidiu a decisão sob recurso, preconiza uma visão estritamente formal do direito penal, com desrespeito de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, como sejam os contemplados nos artigos 27°, 320 e 44º da CRP.
Y.- A decisão sob recurso faz uma incorrecta interpretação do artº 281º e 282º (mais concretamente da al. a) do nº 4 do artigoº 282º do CPP e viola o disposto nos nºs 5 e 6 do artigoº 29º da Constituição da República Portuguesa.»

A este recurso respondeu o Ministério Público junto da Primeira instância conforme resulta de folhas 183 a 185 dos autos, concluindo, em súmula, pela adequação da pena aplicada, mas pugnando pelo desconto do período de proibição de conduzir veículos automóveis irrogada ao arguido como uma das condições a que ficou sujeita a suspensão provisória do processo de que o arguido previamente beneficiou, concluindo portanto, pela parcial procedência do recurso.

Neste tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer sufragando o entendimento de total adequação das penas aplicadas e de que não se deve proceder ao desconto do tempo de proibição de conduzir que o arguido cumpriu aquando da suspensão provisória do processo.

Cumprido o preceituado no número 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal nada foi acrescentado no processo.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II) Fundamentação

Tem o seguinte teor a decisão recorrida: (transcrição)
«1 - No dia 26 de Abril de 2013, cerca das pelas 03:10 horas, na …, em …, Vila Nova de Famalicão, o arguido conduzia o automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-QE, com uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,33 g/I, a que corresponde a taxa de 1,22 g/I, aplicada a margem de erro.
2 - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei;
3 - Confessou os factos integralmente e sem reservas;
4 - O arguido é impressor tipográfico, no que aufere cerca 500,00€ mês;
5 - Vive com os pais, a quem entrega mensalmente a quantia de 100,00€, para ajuda das despesas da casa;
6 - Paga ainda mensalmente cerca de 300,00€, referentes a crédito para aquisição de veículo automóvel;
7 - É considerado um bom colega de trabalho e utiliza diariamente a carta de condução no exercício da sua actividade profissional;
8 - Por sentença proferida em 08-10-2013, pelo 2.º Juízo Criminal de Braga, foi o arguido condenado em pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, no montante global de 455,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 4 (quatro) meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez»

A decisão encontra-se motivada pela forma seguinte: (transcrição)
«A convicção do Tribunal resultou do corelacionamento da prova pericial, documental e pessoal produzida, sendo que o arguido confessou os factos pelos quais vinha acusado, esclarecendo o tribunal quanto à sua situação sócio-económica, e a testemunha inquirida C..., sua colega de trabalho, contribui para a formação da convicção do tribunal quanto aos factos apurados quanto à sua personalidade e utilização do veículo no exercício da sua actividade profissional.»

Conhecendo.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí suscitadas aquelas que este tribunal tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no artigo 410º número 2 do Código de Processo Penal.
A primeira, atem-se ao quantum da pena que lhe foi aplicada, que considera exagerada, atendendo a que era primário e fez uma confissão integral e sem reservas dos factos. Entende ainda que foi ponderada, em seu desfavor, a circunstância de ter sido condenado num outro processo do mesmo tipo quando não o deveria ter sido, porquanto essa condenação ocorreu em momento posterior ao da prática dos factos que estavam em julgamento.
Antes do mais importa aduzir algumas considerações genéricas a propósito dos fins das penas, enfatizando que são finalidades de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e lhe conferem fundamento e sentido.
Importa recordar que no artigo 71º do Código Penal se encontra consagrado o critério geral para a determinação da medida da pena que deve fazer-se «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta]; factores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40º do Código Penal – a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Assim sendo, não é descabido, como pretende o recorrente, o tribunal ter considerado a condenação posterior sofrida, quando cuidou de atender à sua personalidade, por forma a, também em função dela, concretizar a pena a aplicar. Esta só se pode aquilatar por relação aos factos que se conhecem praticados pelo arguido quer estes tenham ocorrido antes ou depois dos que se apreciam.
Evidentemente que qualquer arguido entenderá sempre como excessiva a pena que lhe é aplicada, sobretudo quando não concretizada no mínimo legal, tentando que se dê maior ênfase a determinados aspetos ou circunstâncias, por exemplo, como no caso, à confissão integral e sem reservas efetuada. Contudo, em boa verdade, esta confissão não tem, face à prova existente no processo, um particular relevo. No entanto ela foi devidamente considerada. A única “censura” que a decisão proferida comporta é referir-se à condenação posterior como antecedente criminal. Como bem se percebe antecedente é que sucedeu antes (previamente) dos factos que se apreciam. Mas este aspeto não abala a bondade da decisão proferida, mostrando-se a pena de multa aplicada ajustada à culpa do arguido, respondendo de modo cabal às exigências de prevenção especial e geral esta muito acentuada atendendo ao enorme número de crimes deste tipo que se praticam na nossa sociedade, geradores, muitos deles, de consequências pessoais e sociais muito nefastas – elevada taxa de sinistralidade, de mortos e/ou feridos graves originada por condutores exercendo a condução com excesso de álcool no sangue –
Assim sendo para se concluir que quanto a este aspeto improcede a pretensão do recorrente.
Pretende ainda o recorrente ver reduzida a sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi fixada em 6 (seis) meses de prisão.
De acordo com o disposto no artigo 69º número 1 e alínea a) do Código Penal, à punição pela prática de crime de condução em estado de embriaguez acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.
Enquanto a pena principal visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, esta pena acessória, para além de corresponder também a exigências de prevenção geral, visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente. Embora não esteja sujeita, na sua duração, a qualquer correspondência com a pena principal, a determinação da sua medida concreta também se rege de acordo com o estabelecido no art. 71º, devendo, pois, ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial. Assim sendo entende-se que esta pena se mostra concretizada em medida adequada à culpa do arguido que conduzia com uma taxa de álcool no sangue superior àquela que é legalmente permitida satisfazendo as exigências que com a sua aplicação se visam alcançar, improcedendo igualmente neste aspeto a pretensão do recorrente.
Por último vem ainda o recorrente impetrar o desconto do tempo de inibição de conduzir por ele já cumprido quando lhe foi proposto e aceitou a suspensão provisória do processo.
Vejamos: dos autos resulta (folhas 28 e 32 dos autos) que o arguido, relativamente aos factos agora em apreço, começou por beneficiar da suspensão provisória do processo, pelo período de cinco meses, suspensão que ficou condicionada à obrigação de efetuar o pagamento de 500,00€ a uma determinada instituição e de abster de conduzir durante 3 (três) meses e 20 (vinte) dias contados da data da entrega da carta, que como resulta de folhas 41, foi feita em 14/05/2013, terminando no dia 3/09/2013.
No entanto, também dos autos resulta que o arguido foi julgado em processo sumário pelo crime de condução em estado de embriaguez ocorrido em 22/09/2013, ou seja antes de ter decorrido o período de suspensão, razão pela qual veio o arguido a ser julgado, uma vez que comprovadamente, os objetivos que se visavam com a suspensão provisória não tinham sido atingidos.
A questão que agora nos coloca o recorrente – a de saber se deve descontar na pena acessória agora aplicada o tempo durante o qual o arguido esteve anteriormente impedido de conduzir – não tem ainda, na jurisprudência, entendimento firme.
Existem decisões no sentido de que não se deve proceder ao desconto[1] e outras em sentido contrário[2].
Os argumentos daqueles que entendem que não se pode/deve proceder ao desconto são essencialmente os seguintes:
São de diferente natureza uma e outra proibição de não conduzir; a primeira é uma injunção voluntariamente aceite para que o processo fique suspenso, outra é uma pena imposta;
O artigo 282º do Código de Processo Penal refere expressamente que caso o processo tenha de prosseguir as prestações feitas não podem ser repetidas e o artigo 69º do Código Penal não refere, podendo fazê-lo, qualquer desconto, como por exemplo expressamente se encontra referido no artigo 80º do mesmo diploma legal.
No entanto, no cotejo da mais recente jurisprudência, o entendimento maioritário parece vir a firmar-se no sentido de que, de facto, o período em que o arguido esteve sem conduzir enquanto decorria a suspensão provisória do processo.
E é este também o nosso entendimento.
Desde logo porque a aparente diferença de natureza de um e outro não é óbice de monta; também a prisão preventiva tem natureza e razão diversas da pena de prisão e a lei expressamente determina que se proceda ao seu desconto.
O argumento que a nosso ver tem mais peso é a circunstância de o legislador não ter o ter previsto expressamente quando o poderia fazer. Esse é um facto. Mas cremos que essa possibilidade se deve encarar sobretudo desde a última alteração introduzida no artigo 281º do Código de Processo Penal. Neste artigo o número 3 passou a estatuir: “(…) 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”.
Sendo certo que para haver suspensão provisória do processo o arguido tem de aceitar e concordar com as injunções que lhe são propostas, o certo é que tratando-se de suspensão provisória de processo por crime para o qual esteja prevista a pena acessória de proibição de conduzir esta será obrigatoriamente imposta ao arguido.
Esta solução legislativa foi encontrada para responder a uma questão que se cuidava não se encontrar devidamente acautelada no instituto da suspensão provisória do processo; se a inibição de conduzir acresce à sanção aplicada aquando do cometimento de uma contraordenação, se a pena acessória de inibição de conduzir reveste grande eficácia desmotivadora deste tipo de comportamentos, de tal sorte que os arguidos, por regra, mais a temem que o cumprimento da pena principal sobretudo quando esta é de multa mas mesmo até tratando-se de pena de prisão quando suspensa na sua execução, então quando pela prática de um crime ao qual seria aplicável a sanção acessória de proibição de conduzir, haveria um tratamento, neste aspeto particular mais favorável do que era dado a quem cometesse uma contraordenação.
Como efeito, na proposta de lei nº 77/XII, que se encontra na génese da Lei 20/2013, de 21/2 pugnava-se pela impossibilidade de suspender provisoriamente o processo em caso “de crime doloso para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor”.
E isto porque, como claramente se explicitava, na exposição de motivos: “(…) a pena acessória de inibição de condução encontra fundamento material na grave censura que merece o exercício da condução em certas condições, cumprindo um importante papel relativamente às necessidades, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral de intimidação, o que contribui, em medida significativa, para a consciência cívica dos condutores. A possibilidade legal de suspensão provisória do processo relativamente a este tipo de ilícitos tem esvaziado de conteúdo útil a função da pena acessória de inibição de conduzir e determina disfuncionalidades em face do regime legal aplicável aos casos em que a condução sob o efeito do álcool é sancionada como contraordenação.
Concluía-se que importava alterar o regime vigente de modo a que a suspensão provisória não se aplicasse a crimes dolosos para os quais estivesse legalmente prevista a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor.
Não foi esta solução maximalista, digamos assim, que acabou por vingar. Antes se consagrou o que acima se referiu: caso a suspensão provisória do processo seja decidida e em causa esteja o cometimento de crime pelo qual, caso fosse sujeito a julgamento, fosse aplicável a pena acessória de proibição de conduzir, então, uma das injunções com a qual o arguido concordando, tem de se sujeitar, há de ser a proibição de conduzir veículos automóveis.
A pena acessória de proibição de conduzir visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente e este desiderato impõe-se ser logo atuado, mesmo que o arguido cumpra os demais requisitos para poder beneficiar da suspensão provisória do processo.
Ora, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, não faz sentido que se, por qualquer motivo, alguma coisa venha a falhar e o processo, que se encontrava suspenso, tenha de prosseguir para julgamento o arguido venha a ser de novo proibido de conduzir sem levar em conta o tempo já anteriormente cumprido.
Vejamos o caso concreto: o arguido viu o processo ficar provisoriamente suspenso pelo período de 5 meses, sendo-lhe imposta a obrigação de pagar 500,00€ a uma determinada instituição, e impedido de conduzir veículos automóveis pelo período de 3 meses e 20 dias. E o arguido cumpriu ambas. Pagou o montante que lhe foi determinado, entregou a carta de condução e terminou o prazo de proibição de conduzir no dia 3/09.
No entanto, só no início do mês de Outubro se cumpriam os 5 meses de suspensão provisória do processo mas, em 22/09 o arguido conduziu – já o podia fazer – mas fazia-o com uma TAS superior ao legalmente permitido tendo mesmo sido interveniente num acidente de viação. Não estando terminado o período de suspensão, foi considerado, e bem, que não se tinham atingido os fins que se visavam com aquela suspensão e o processo seguiu para julgamento, conforme estabelece o nº 4, alínea b) do artigo 282º do Código de Processo Penal, sendo que, talqualmente aqui se encontra estabelecido as prestações que tenham sido feito não podem ser repetidas; os 500 euros que o arguido doou não lhe serão restituídos e os 3 meses e 20 dias também não lhe são “devolvidos” mas também não faz sentido que acresçam ao período de proibição de conduzir aplicada no processo crime.
No caso vertente, na consideração de tudo o que do processo consta, entende-se ajustada a concretização da pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, tal como foi decidido, no entanto, por tudo o que se disse anteriormente, a este período dever-se-á descontar o período de 3 meses e 20 dias que o arguido já cumpriu, procedendo nesta parte o recurso interposto.

III) Decisão
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, consequentemente, determinar que no período de 6 meses de inibição de conduzir veículos automóveis em que foi condenado sejam descontados 3 meses e 20 dias já cumpridos.
Sem tributação
(elaborado pela relatora e revisto por ambas as subscritoras)

Porto, 25 de março de 2015
Maria Manuela Paupério
Élia São Pedro
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[1] Ver acórdão da R. L de 17/12/2014, relatado por Maria Guilhermina Freitas e pesquisado em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf “- A alteração introduzida no n.º 3, do art. 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.
II - No actual quadro legislativo, não é possível proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art. 69.º do Código Penal
Ac. da RL de 06/03/2012 relatado por Alda Tomé Casimiro e pesquisada no mesmo sítio: «Determinada a suspensão provisória do processo, mediante as injunções de trabalho socialmente útil fixado em 40 horas e abstenção de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 meses, tendo o arguido logo entregue a carta de condução, sendo revogada a suspensão provisória do processo, por falta de cumprimento da injunção de trabalho, prosseguindo os autos sob a forma de processo comum, não tem o arguido direito a desconto, dos dois meses em que se absteve de conduzir, na pena acessória de proibição de conduzir»
[2] Acórdão da R.C. de 11/02/2015 relatado por Maria José Nogueira e pesquisado em http://www.gde.mj.pt/jtrc.nsf
«I - A inibição de condução de veículos a motor fixada, a título de injunção, no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta, a final, na sentença condenatória, caso o processo, por incumprimento de injunção de diferente natureza, venha a prosseguir para julgamento.
II - Só o tempo correspondente à inibição de condução pode ser objecto de desconto na referida pena acessória, e não todo o mais que mediou entre os termos de entrega e de recebimento do título de condução, porquanto o período temporal situado para além do prazo fixado como inibição não tem origem na injunção imposta, antes se devendo propriamente a actos processuais praticados conducentes à “revogação” da suspensão provisória do processo.»
Acórdão da R.C. de 14/01/2015 relatada por Vasques Osório e pesquisado no mesmo sítio:
«I - A injunção de proibição de conduzir veículos com motor determinada na suspensão provisória do processo, cumprida pelo arguido, deve ser descontada no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, decretada na sentença condenatória proferida no mesmo processo, na sequência do prosseguimento do processo determinado pela revogação daquela suspensão.
II - A pena acessória de proibição de proibição de conduzir veículos com motor imposta ao arguido na sentença condenatória proferida nos autos teve por objecto o mesmo facto que constituiu o objecto da injunção que lhe foi imposta na anteriormente determinada suspensão provisória do processo. Os efeitos substantivos de uma e de outra, projectados na vida do arguido, seriam precisamente os mesmos, pois o respectivo cumprimento é feito da mesma forma.
III - As injunções consubstanciam comandos dados ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, de facere ou de non facere, consistem em ‘equivalentes funcionais’ de uma sanção penal: só assim se explica que se espere delas a realização do mesmo interesse público, por via de regra e em alternativa, satisfeito através de uma pena. Do ponto de vista do direito penal substantivo, trata-se aqui de uma sanção de índole especial penal a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa (Costa Andrade, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, 1988, pág. 353).»
Ainda, no mesmo sentido Ac. da R.C. de 10/12/2014 relatado por Maria José Nogueira; Ac da R.G de 22/09/2014 relatado por António Condesso, Ac. da R.G. de 06/01/2014 relatado por Ana Teixeira; Ac. da R.E de 11/07/2013 relatado por Sénio Alves e deste Tribunal da Relação Ac. de 19/11/2014 relatado por Lígia Figueiredo: «Revogada a suspensão provisória do processo, no âmbito da qual foi cumprida a injunção de proibição de conduzir, esse cumprimento deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir em que venha a ser condenado na sentença proferida na sequência dessa revogação»