Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3297/16.0T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE TRANSFERIDA
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RP20191104/3297/16.0T8OAZ.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA NA PARTE RECORRIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda que os autos possam não conter os elementos necessários para a decisão de uma questão de direito, não há fundamento bastante para que se determine a ampliação da matéria de facto, com o inerente anulação da decisão recorrida – n.º 4, do artigo 662.º, do CPC –, caso o conhecimento daquela questão esteja absolutamente prejudicado pelo conhecimento de uma outra questão de direito que se imponha.
II - Sendo o empregador, como decorre da LAT, o primeiro responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de um acidente de trabalho, como princípio geral a responsabilidade da entidade seguradora tem como objeto e limite a responsabilidade que tenha assumido através do contrato de seguro, respondendo aquele empregador por eventual excesso de responsabilidade que não tenha transferido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação: 3297/16.0T8OAZ.P1
Autora: B…
Ré: C… – Companhia de Seguros, SA.
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Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… deduziu a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a C… – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta no pagamento do seguinte: O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.495,62, devida a partir de 24-6-2016, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 10.121,34 e na IPP de 21,1099%, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts 48º nos 2 e 3 al. c) e 71º nos 1, 2 e 3 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro; A quantia de € 17,00, respeitante a despesas de transporte, com as suas mencionadas deslocações obrigatórias, bem assim como a quantia de € 6.049,02, referente a diferenças indemnizatórias pelos períodos de incapacidade temporária sofridos; A quantia de € 665,50, a título de despesas com tratamentos de fisioterapia; Os juros de mora, à taxa legal (4,00%), respeitantes às mencionadas prestações, contados a partir do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho de que resultaram lesões que implicaram tratamentos e deixaram sequelas, sendo que a seguradora lhe deu alta, o que implicou a necessidade de despesas em tratamentos de fisioterapia nos quais ela autora despendeu a quantia indicada, que deve ser objeto de ressarcimento.

1.1 O Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de reembolso no montante de € 3.353,25, a título de subsídio de doença pelo período entre 15 de Setembro de 2016 e 22 de Junho de 2017.

1.2 Contestou a Ré alegando, em síntese, que a consolidação das lesões foi fixada em 23 de Agosto de 2016, sendo que a Autora, desde 4 de Março de 2016, já não apresentava nenhuma evolução, ficando com uma IPP de 12,03%, pelo que mantém a sua posição da tentativa de conciliação, não sendo responsável pelo pagamento de despesas de tratamentos e indemnizações por incapacidades temporárias relativos a períodos posteriores à data da alta.

1.3 Saneados e condensados os autos, foi organizado apenso destinado à fixação de incapacidade, no qual foi proferida decisão que fixou a IPP em 15,13%.

1.4 Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, declaro que por força de acidente de trabalho ocorrido em 27 de Novembro de 2015 a autora ficou a padecer de uma IPP de 15,13% e, por força disso, condeno a ré a pagar à autora as seguintes quantias
O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no valor de € 1.071,95, a vencer-se a partir de 24 de Junho de 2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data indicada até integral pagamento;
A quantia de € 950,30 a título de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento parcelar até integral pagamento; e
O montante de € 17 a título de despesas de deslocação acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento.
No mais, julgo improcedente a ação, incluindo o pedido de reembolso e, em consequência, absolvo a ré nesta parte.
Mais condeno a autora e ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento.
Condeno o ISS, IP, no pagamento das custas do pedido de reembolso.
Valor da causa: € 24.608,43.
Valor do pedido de reembolso: € 3.353,25.
Registe e notifique.
Após trânsito, calcule o capital de remição e proceda ao agendamento da sua entrega.”

2. Não se conformando com o decidido, a Ré apresentou recurso de apelação, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. Decorre do previsto no n.º 1 do artigo 514.º do Código do Trabalho que, a aplicação, por via de uma portaria de extensão, de um contrato coletivo de trabalho a empregadores e trabalhadores não filiados nas entidades que o outorgaram depende de o empregador exercer a sua atividade no mesmo sector económico a que a convenção se aplica.
II. De facto, não se sabendo (como, in casu, se não sabe), se as partes do contrato de trabalho subscreveram - directa (no caso do empregador) ou indirectamente (no caso do trabalhador e, eventualmente, do empregador) por via de associações em que estejam filiados - uma determinada convenção coletiva de trabalho, a aplicação desta a essa mesma relação laboral por via de uma portaria de extensão só é possível caso se saiba qual o sector de actividade em que actua o empregador.
III. Nos autos não se sabe qual o sector de actividade em que actua o empregador da Recorrida, e, consequentemente, não se sabe se a previsão constante da Portaria de Extensão que levou o Tribunal a quo a considerar aplicável o ACT, no qual se estriba a condenação da Recorrente, se encontra preenchida.
IV. De facto, dos autos apenas consta a referência ao nome da entidade empregadora, o que é manifestamente insuficiente para concluir qual o sector de actividade em aquela actua, o que impede que a Recorrente seja condenada a pagar qualquer montante que decorra da aplicação desses instrumentos.
V. O entendimento constante da sentença recorrida ao condenar a Recorrente no pagamento de diferenças indemnizatórias decorrentes da aplicação do ACT viola assim, desde logo, os princípios e regime consagrados nos artigos 496.º e 514.º, n.º 1, do CT.
VI. Acresce que, decorre da LAT que é o empregador o primeiro responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de um acidente de trabalho, sendo a responsabilidade da Seguradora sempre decorrente e dependente da transferência dessa responsabilidade por parte do empregador, a qual está, por sua vez, limitada ao âmbito dessa mesma transferência.
VII. Entendimento este que está, aliás, subjacente a todo o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (doravante “RJCS”).
VIII. Estabelece o RJCS, logo no seu artigo 1.º, que “[p]or efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente” (sublinhado nosso).
IX. Da conjunção da noção de prémio de seguro constante do artigo 51.º do RJCS com o já mencionado artigo 1.º do mesmo regime, fica claro que, não tendo sido pago o prémio corresponde à cobertura do risco decorrente das previsões constantes do ACT, a respectiva contrapartida – que nos presentes autos se consubstancia na diferença indemnizatória a que foi condenada a Recorrente – nunca poderia estar coberta pela Recorrente.
X. Por último, é o próprio RJCS que lista, no n.º 2 do artigo 37.º, os elementos mínimos obrigatórios que têm de constar do texto da apólice, sendo um deles “os riscos cobertos”.
XI. Ora, conforme consta das condições especiais já juntas na fase conciliatória do processo a fls. __ dos autos, a entidade empregadora apenas transferiu para a Recorrente a responsabilidade decorrente da “LAT” e das “deslocações e trabalhos em Estados Membros da União Europeia”, não constando do âmbito das condições especiais qualquer transferência da responsabilidade decorrente das disposições convencionais do ACT que alargam o âmbito de reparação do acidente.
XII. De facto, não tendo a entidade empregadora transferido para a Recorrente a responsabilidade decorrente das disposições constantes do ACT, nunca poderia esta ser responsável por um risco que não foi efectivamente transferido pela entidade empregadora.
XIII. O entendimento constante da sentença recorrida ao condenar a Recorrente no pagamento de diferenças indemnizatórias decorrentes da aplicação do ACT viola assim os artigos 7.º e 79.º da LAT, os artigos 1.º e 37.º do RJCS e até, apesar de o mesmo não ser aplicável, a cláusula 125.º do ACT que a sentença considerou, erradamente, ser aplicável.
XIV. Face ao exposto, deverá a sentença proferida ser parcialmente anulada e a Recorrente absolvida do pagamento da quantia de € 950,30 a título de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento parcelar até integral pagamento.
NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”

2.1 A Autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.

2.2 O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

3. Subido o recurso a esta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer a que alude o artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), sustenta que o recurso deve proceder, por não constar das condições especiais da apólice qualquer transferência de responsabilidade decorrente das disposições convencionais do ACT, que alargam o âmbito da reparação do acidente, não podendo assim a Recorrente ser responsabilizada por aquelas diferenças, da responsabilidade da entidade patronal.
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Cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: saber se o processo contém todos os elementos necessários à decisão e, por decorrência, eventual necessidade de anulação da sentença, por necessidade de ampliação da base factual; saber se ocorre inadequada aplicação do direito quanto à responsabilidade atribuída à Recorrente, pelas diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias, face ao teor do contrato de seguro.
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III - Fundamentação
A) O Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a matéria de facto, fez constar o seguinte:
“1. Factos provados:
1. A autora foi vítima de acidente quando, com a categoria profissional de operadora de máquinas, mediante o vencimento de € 545,00 x 14 meses, acrescido de € 93,94 x 11 meses de subsídio de alimentação e de € 121,50 x 12 meses de outra remuneração regular, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “D…, Lda,” cuja responsabilidade infortunística se encontrava transferida para a C…, Companhia de Seguros, S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ……, na modalidade de prémio variável.
2. O acidente consistiu em, quando prensava solas de sapatos, ter ficado com a mão esquerda entalada na máquina, o que lhe ocasionou as lesões e incapacidades descritas no relatório de perícia de avaliação do dano corporal de folhas 98 e seguintes.
3. O Perito do GML de Entre Douro e Vouga fixou a consolidação médico-legal das suas lesões no dia 23-6-2017 e lhe arbitrou um coeficiente de desvalorização de 21,1099%, a título de IPP.
4. A autora recebeu da seguradora a quantia de € 5.092,77, respeitante a indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária sofridos e despendeu a quantia de € 17,00 em despesas de transporte, com as suas deslocações obrigatórias ao aludido Gabinete Médico-Legal e a este Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis.
5. Na tentativa de conciliação a autora reclamou da seguradora ré o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.495,62, devida a partir de 24-6- 2016, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 10.121,34 e na IPP de 21,1099%, de harmonia, o pagamento da quantia de € 17,00, respeitante a despesas de transporte, com as suas mencionadas deslocações obrigatórias, bem assim como o pagamento da quantia de € 6.049,02, referente a diferenças indemnizatórias pelos períodos de incapacidade temporária sofridos e a quantia de € 665,50, a título de despesas com tratamentos de fisioterapia, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal (4,00%), respeitantes às mencionadas prestações, contados a partir do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento mas a ré aceitou a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional e a retribuição da sinistrada, a transferência da responsabilidade infortunística, nos termos da citada apólice de seguro, em função da retribuição anual ilíquida de € 10.121,34 e aceitou pagar à autora a quantia de € 17,00, referente às aludidas despesas de transporte e os juros de mora, nos termos por ela reclamados, mas não concordou com a data da alta, os períodos de incapacidade temporária, o respetivo grau de incapacidade e o coeficiente de desvalorização arbitrados à sinistrada pelo Perito do Gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, dado entender que ela é portadora de uma IPP de apenas 12,03 % e que a data da alta, os períodos de incapacidade temporária e o respetivo grau são os constantes do boletim de alta e nada aceita pagar à sinistrada, a título de tratamentos de fisioterapia e diferenças indemnizatórias pelos períodos de incapacidade temporária sofridos, visto entender que já a ressarciu devidamente.
6. No ano anterior ao acidente, a autora auferiu a retribuição líquida de € 8.169,34 [folhas de férias de folhas 47 a 58].

2. Factos não provados:
1. Em consequência do acidente em causa nos autos, a autora esteve numa situação de ITA entre 23 de Agosto de 2016 e 23 de Junho de 2017.
2. Em consequência do acidente em causa nos autos, a autora recebeu do ISS, IP, a título de baixa médica subsidiada no período entre 15 de Setembro de 2016 e 22 de Junho de 2017, a quantia de € 3.353,25.
3. A autora necessitou de tratamentos de fisioterapia nos quais pagou a quantia de € 665,50.”
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b) - Discussão
Como primeiro argumento, invoca a Apelante que a aplicação, por via de uma portaria de extensão, de um contrato coletivo de trabalho a empregadores e trabalhadores não filiados nas entidades que o outorgaram depende de o empregador exercer a sua atividade no mesmo sector económico a que a convenção se aplica, sendo que, apenas constando dos autos a referência ao nome da entidade empregadora, tal é manifestamente insuficiente para concluir qual o sector de atividade em que aquele empregador atua, do que decorre que não pode ser condenada a pagar qualquer montante que decorra da aplicação desses instrumentos – sustentando que o entendimento constante da sentença recorrida ao condená-la no pagamento de diferenças indemnizatórias decorrentes da aplicação do ACT viola assim, desde logo, os princípios e regime consagrados nos artigos 496.º e 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Pronunciando-se a Apelada pela manutenção do julgado, à Exma. Procuradora sustenta também a improcedência deste argumento, por entender que “da documentação junta aos autos, nomeadamente proposta de seguros (fls 6), declaração da entidade patronal a fls 31 e da matéria assente na alínea C), verifica-se qual a natureza daquela atividade e instrumento de regulamentação aplicável.
Cumprindo apreciar, e desde logo, tanto mais que não poderemos deixar de ter como pressuposto que é necessariamente do conhecimento da Apelante qual a atividade desenvolvida pela entidade patronal, pois que, como bem o salienta o Ministério Público junto desta Relação, aquela atividade consta expressamente da documentação referente ao contrato de seguro celebrado, junta aos autos, contrato esse a que de resto se alude no ponto 1.º da factualidade (podendo pois entender-se que essa alusão é bastante para se ter como integrado nesse ponto, com os elementos que dele constam, de entre as quais a atividade da entidade patronal), do mesmo modo, acrescente-se, é aliás tendo por base essa mesma atividade que se percebe adequadamente a descrição que consta do ponto 2.º, ou seja que “o acidente consistiu em, quando prensava solas de sapatos, ter ficado com a mão esquerda entalada na máquina (...)”.
Só dentro desse contexto, sem esquecermos ainda que em momento algum a agora Apelante questionou esse elemento ou a responsabilidade que decorresse para si da celebração do contrato de seguro (atividade desenvolvida pelo tomador do seguro e que o acidente ocorreu no exercício por parte da sinistrada da sua atividade para aquele), se acaba por perceber, de algum modo, que a entidade patronal sequer tivesse sido chamada à tentativa de conciliação realizada na fase administrativa do processo, sendo que, não se conseguindo acordo nessa, também sequer foi chamada depois à fase contenciosa, pois que essa foi dirigida apenas contra a Seguradora aqui Apelante e não pois contra a entidade patronal da sinistrada.
Ora, não obstante não constar é certo do elenco factual constante da sentença a referência expressa a qual era a atividade da entidade patronal (referência que, até face à aplicação que se faz depois do direito a respeito da aplicação de convenção coletiva, seria na nossa ótica de se se fazer constar), ainda assim, entendemos que não há fundamento bastante para que seja anulada a sentença, face à insuficiência da matéria de facto, tendo em vista a sua ampliação – artigo 662.º, n.ºs 2, al. c), do CPC –, pois que, sem prejuízo ainda do que referimos anteriormente, constata-se que ocorre uma outra razão, de relevância determinante, que retira qualquer utilidade a tal atividade processual, razão essa relacionada já com o segundo fundamento/argumento avançado pela Apelante no presente recurso, assim que o risco que é objeto do presente recurso não se encontra coberto pelo contrato de seguro celebrado.
Ou seja, tal como resulta do que acabámos de dizer, assiste razão a Recorrente quando sustenta (conclusões VI a XII que, sendo o empregador, como decorre da LAT, o primeiro responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de um acidente de trabalho, decorrendo/dependendo a responsabilidade da Seguradora da transferência que tenha ocorrido dessa responsabilidade por parte do empregador, esta responsabilidade por este meio assumida, independentemente pois da eventual maior amplitude da primeira, fica diretamente limitada ao risco que tenha sido assumido através do contrato de seguro – por esse contrato o segurador cobre o risco que tenha sido expressamente previsto, pertencente ao tomador do seguro ou a outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, obrigando-se o tomador do seguro, por sua vez, a pagar o prémio correspondente. É aliás este mesmo regime, inerente à natureza do contrato de seguro e respetiva legislação, que está subjacente à redação que consta do artigo 79.º da LAT, nomeadamente os seus n.ºs 4 e 5, nos casos em que a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, situação essa em que a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida, respondendo o empregador pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção.
Porém, no caso, apenas consta do contrato de seguro, no que agora importa (excluindo pois a previsão “Deslocações e Trabalhos em Estados membros da União Europeia”, por não relevar), quanto ao âmbito da responsabilidade que por esse contrato era transferida para a Seguradora, a referência à “Lei 98/2009 de 04 de Setembro” e não pois a qualquer contrato coletivo de trabalho que porventura se considerasse aplicável, em particular, sendo afinal o que aqui ocorre (como se refere na sentença, da cláusula 125.ª do Acordo Coletivo do Trabalho celebrado entre a APICCAPS - Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos e a FESETE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal, em 29 de Abril de 2010, publicado no BTE n.º 16/2010, e objeto de portaria de extensão publicada no BTE n.º 30/2010, resulta que “o empregador garante aos trabalhadores no regime de incapacidade temporária absoluta por acidente de trabalho a retribuição líquida auferida à data do acidente, transferindo essa responsabilidade para a companhia de seguros na competente apólice de seguro de acidentes de trabalho”), se da sua aplicação resultar um agravamento da responsabilidade da seguradora em relação ao que resultaria da aplicação da LAT, do que decorre, em conformidade, porque não transferida (quando o poderia ter sido) a responsabilidade nesta parte, que não pode impor-se à Seguradora a obrigação de, ainda assim, por esta também responder, sendo que, não atendendo ao supra indicado regime, o Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de €950,30, fê-lo precisamente a título de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias, entre o que já fora liquidado e que teve por base 70% da retribuição anual bruta da sinistrada (afinal precisamente o que resulta da aplicação da LAT, seu artigo 48.º, n.º 3, al. d), que como se viu corresponderá então à responsabilidade que foi transferida para a Seguradora) e o valor que se entendeu resultar da aplicação do contrato coletivo de trabalho (mas que, também como já se viu, porque agrava a responsabilidade assumida no contrato, não pode impor-se à Seguradora).
Procede assim o recurso quanto a esta questão.
Em conformidade com o exposto, tendo ainda presente que sequer a entidade patronal foi chamada à ação (fase contenciosa), terá de proceder o presente recurso, com a consequente revogação da sentença, na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora “a quantia de € 950,30 a título de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento parcelar até integral pagamento”.

Sem prejuízo de benefício de apoio judiciário de que goze, a responsabilidade pelas custas da ação impende, na proporção do decaimento, sobre Autora e Ré, sendo as do presente recurso apenas pela Autora (artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão:
Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar procedente o presente recurso e, em conformidade, mantendo-a no mais, em revogar a sentença recorrida no seguimento decisório em que se condenou a Ré a pagar à Autora “a quantia de € 950,30 a título de diferenças indemnizatórias por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento parcelar até integral pagamento”, sendo a Ré, diversamente, absolvida neste acórdão dessa parte do pedido.
A responsabilidade pelas custas da ação, na proporção do decaimento, impende sobre Autora e Ré, sendo a do presente recurso exclusivamente da Autora/apelada (artigo 527.º do CPC), sem prejuízo de benefício de apoio judiciário que a esta tenha sido concedido.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do acórdão.

Porto, 4 de novembro de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes