Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13/14.5GAVLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA
INEXPERIÊNCIA
ABUSO
Nº do Documento: RP2017112213/14.5GAVLC.P1
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 737, FLS 196-277)
Área Temática: .
Sumário: I - O conceito de abuso da sua inexperiência, previsto no artº 173º1 CP, não pressupõe a ausência de todo e qualquer relacionamento sexual anterior.
II - Tal dependerá de uma analise dos factos enquadrados na sua globalidade de modo a que em face da actuação do arguido, como o uso de nome e idade falsas e do conhecimento da personalidade das menores, permitam concluir pelo aproveitamento da inexperiência de vida das jovens.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 13/14.5GAVLC.P1
Comarca de Aveiro
Instância Central de Stª Maria da Feira

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.
No Processo Comum Colectivo n.º 13/14.5.GAVLC da Instância Central de Santa Maria da Feira, 2ª secção criminal, juiz 2, da Comarca de Aveiro, foram submetidos a julgamento os arguidos B..., e C..., identificados n Acórdão a fls. 1146.
O Acórdão de 06 de Dezembro de 2017, depositado mesmo dia tem o seguinte dispositivo:
«Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em julgar:
A - A acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que, consequentemente:
1. Dela absolvem o arguido B... na parte em que lhe é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176º, nº 4, do Código Penal;
2. Condenam o arguido B..., pela prática, em autoria material, na forma consumada e de trato sucessivo, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
3. Condenam o arguido B..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de seis crimes de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo artº 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal (versão em vigor à data dos factos), na pena de 1 (um ano) e 3 (três) meses por cada um desses seis crimes;
4. Condenam o arguido B..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176º, nºs 1, al. b), e 4, do Código Penal (versão em vigor à data dos factos), na pena de 3 (três) meses de prisão;
5. Operando o cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares impostas nos pontos 2º a 4º deste dispositivo, condenam o arguido B... na pena única de 7 (sete) anos de prisão efetiva;
6. Condenam a arguida C..., pela prática de um crime de abuso sexual de criança, a título de cumplicidade e de trato sucessivo, p. e p. pelo artº 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, com referência ao artº 27º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
7. Condenam a arguida C..., pela prática de três crimes de atos sexuais com adolescentes, a título de cumplicidade, p. e p. pelo artº 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal (versão em vigor à data dos factos), com referência ao artº 27º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão por cada um desses três crimes;
8. Operando o cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares impostas nos pontos 6º e 7º deste dispositivo, condenam a arguida C... na pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão;
9. Condenam os arguidos B... e C... no pagamento das custas do processo, com quatro UCs de taxa de justiça para cada um, ao abrigo do disposto nos artgs 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2; e 524º, todos do CPP, bem como nos termos dos artgs 1º, nº 1; 2º; 3º, nº 1; 5º, nº 1; 8º, nº 9; e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III).
B – O PIC procedente, por provado, pelo que, consequentemente, condenam a demandada C... no pagamento à demandante da quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação a que alude o artº 78º do CPP e até integral pagamento.
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Deixa-se consignado que não há lugar ao pagamento de custas no que se refere à instância cível atenta a isenção objetiva prevista no artº 4º, nº 1, al. n), do RCP.
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Por não estarem verificados todos os pressupostos do artº 109º, nº 1, do Código Penal, determina-se a devolução ao arguido B... dos artefactos que lhe foram apreendidos e em relação aos quais ainda não foi dado destino (cfr. fls 924 a 926), com exceção do computador Toshiba, sem prejuízo do direito de retenção a que alude o artº 34º, nº 1, al. d), do RCP.
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Nos termos do art. 186º, nºs 1 e 2, do CPP, determina-se a restituição do computador da marca Toshiba a D..., sua proprietária.
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Notifique e deposite.
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Após trânsito:
- Remeta boletim aos Serviços de Identificação Criminal;
- Destrua as fotografias constantes do apenso A;
- Notifique D... nos termos do artº 186º, nº 3 e 4, do CPP, no sentido de levantar o computador da marca Toshiba;
- Comunique este acórdão à DGRSP e solicite a elaboração de plano de reinserção social da arguida C... (cfr. artº 494º, nºs 1 a 3, do CPP);
- Emita mandados de detenção do arguido B... com vista ao cumprimento da pena única de prisão que lhes foi imposta; e
- Diligencie pela recolha de vestígios biológicos ao arguido B... destinados à análise de ADN, por método não invasivo, nos termos dos artgs 8º, nºs 2 e 5, 9º e 10º da Lei nº 5/2008, de 12.02 (lei que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).»
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Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso apresentando a motivação de fls. 1250 e ss. [única cópia que se encontra completa], que remata com as seguintes conclusões:
«5.1. O arguido ora recorrente foi óbvia e maquiavelicamente enganado pelo OPC que, bem sabendo que já corria contra o arguido o respectivo inquérito criminal e que a busca em causa se destinada a recolher provas relativamente aos factos que lhe eram imputados, mesmo assim, decidiu inquiri-lo - imagine-se só - com testemunha e apenas com o único e deliberado propósito de obter do arguido a sua «confissão» quanto à sua suposta segunda habitação e autorizar que nela se realizasse a respectiva busca;
5.2. Tendo-se violado, dessa forma, o disposto nos art. 58.º, n.º1, al. a) e 59°, n°1 do CPP e privado o arguido das informações inerentes à sua constituição como arguido, nomeadamente quanto aos seus direitos de não responder a perguntas feitas pelo OPC, de constituir advogado e de ser assistido por defensor na dita busca ainda antes de ter dado a sua autorização á mesma (vd al.s d), e) e f) do n°1 do art° 61 do mesmo diploma);
5.3. E, assim sendo, cremos que o consentimento do arguido ora recorrente para a realização da dita busca á sua suposta (segunda) habitação foi obtido de forma ilícita e carece de validade formal;
5.4. E as provas que foram recolhidas na busca resultante de tal consentimento são nulas e de nenhum efeito, não lhe podendo, por isso, ser conferido qualquer valor probatório;
5.5. Bem como, aliás, a própria confissão do arguido que, por sua vez só ocorreu devido às supostas evidências decorrentes da prova recolhida nas ditas buscas e apreensões que foram efectuadas de forma ilícita á suposta segunda habitação do arguido ora recorrente;
5.6. A, não ser dessa forma, ou seja, interpretadas no sentido de que, visando o mandado de busca uma determinada habitação do denunciado, o OPC poderá inquiri-lo ainda tão só como testemunha com o fito de obter deste a confirmação da existência duma outra habitação e obter do mesmo o seu consentimento para que a realização da dita busca seja realizada nesta última e ainda antes da sua constituição como arguido,
5.7. Então, as ditas normas (contidas nos artºs 58°, n°1, al. a), 59°, n°1 e 177°, n°2, al b) do CPP, serão materialmente inconstitucionais por violarem as garantias de defesa do processo criminal e o direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo previstos nos n°s 1 e 3 do art° 32° da Constituição da República Portuguesas (CRP), bem como a garantia constitucional da nulidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada e no domicilio (prevista no n°8 do mesmo artigo) e ainda o principio da dignidade humana consagrado no art° 1° e o próprio principio do Estado de Direito Democrático que emana do art° 2 do diploma fundamental;
5.8. Inconstitucionalidade essa, que, desde já, deixa aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais;
5.9. - Sendo certo que «… são (...) nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicilio (...) sem o consentimento do respectivo titular» - vd artº 126º, n.º3 do CPC.
5.10. E, assim sendo, não poderiam, nem poderão, ser valoradas contra o arguido as provas resultantes dos autos de busca de apreensão de fls. 283 a 297 e 303, bem com os exames periciais invocados na fundamentação do douto acórdão recorrido, nem a própria confissão do arguido recorrente;
5.11. Impondo-se, por isso, não só a total absolvição do arguido ora requerente quanto ao crime de pornografia de menores pelo qual foi condenado na pena de 3 (três) meses de prisão, mas também os demais face á nulidade da sua confissão;
- sem prescindir –
5.12- De qualquer modo, salvo o devido respeito por opinião contrária, a análise crítica das provas consideradas no seu conjunto impõe uma decisão diversa quanto à matéria de facto dada como provada. (vd. Art° 412°, n°3, al. b) do CPP).
5.13. Na verdade, propõe-se o arguido ora recorrente a impugnar especificadamente (art. 412°,n°3, al a) do CPP) os factos que foram dados incorrectamente como provados nos itens dos factos provados descritos no item 2.2 desta peça;
5.14. Ora, tais factos que foram indevidamente dados como provados encontram-se contrariados, desde logo, pela sucumbência da confissão do arguido e de toda a prova documental resultante das apreensões e subsequente exame pericial decorrente da busca cuja nulidade é, para nós, manifesta e também contrariados pelas inúmeras contradições existentes entre os depoimentos das 3 ofendidas;
5.15. Sendo certo que, salvo melhor opinião, os depoimentos das demais testemunhas, que não presenciaram nenhum dos factos imputados ao arguido ora recorrente, em nada contribuíram para a descoberta da verdade material;
5.16. De resto, cremos que o OPC, lamentavelmente, tudo fez para induzir as ofendidas a afirmar que tudo teria começado no ano lectivo de 2012-2013 já com o manifesto propósito de agravar a incriminação (para abuso sexual de crianças) do arguido ora recorrente relativamente á E... que, como é sabido, fez 14 anos de idade no dia de 8/9/2013;
5.17. Acresce que, face às evidentes dúvidas do arguido (que decidiu prestar declarações na audiência de julgamento), foi também o próprio tribunal recorrido que o «induziu», perante uma total passividade da defesa, a afirmar que os factos se terão iniciado no ano de 2012, sem o ter esclarecido da diversa relevância penal dos factos por si assumidos em função do concreto ano lectivo (2012 /2013 ou 2013/2014) em que teriam ocorrido;
5.18. Ademais que, o arguido ora recorrente afirmou repetidamente que não poderia afirmar o ano em que tudo se terá iniciado e chegou até a admitir que pudesse ter sido - imagine-se só - em 2010 (ano em que a E... teria apenas 11 anos de idade) e nas suas declarações finais afirmou peremptoriamente que tudo se iniciou nos finais de 2013;
5.19. E que são vastas as espontâneas remissões das próprias ofendidas para o ano lectivo 2013/2014 e para as idades de 14 anos da E... e 16 anos da F... (vd itens 2.11 a 2.19 e 2.21 e 2.22 desta peça);
5.20. De resto, os diversos depoimentos da ofendida E... estão eivados de manifestas contradições e imprecisões que lhe retiram qualquer credibilidade (vd itens 2.23 a 2.30 desta peça);
5.21. E todas as ofendidas hesitaram, sistematicamente, quando foram questionadas quanto ao ano em que terão iniciado a sua relação de namoro com o arguido ora recorrente e sobre as respectivas idades;
5.22. É, pois, manifesto que a relação do Arguido ora recorrente com a ofendida E... só se terá iniciado nos finais de 2013 e, por isso, já depois desta ter completado os 14 anos de idade e que terá durado até ao verão de 2014;
5.23. Como não foi, de igual modo, produzida qualquer prova de que o arguido ora recorrente tivesse conhecimento da concreta idade de cada uma das ofendidas e, ao invés, resulta manifesto dos autos que, quer o arguido, quer as ofendidas mentiram quanto á sua exacta idade,
5.24. Como resulta das fotografias juntas ao autos e foi confirmado pelas testemunhas (e pela co-arguida C...) que todas as menores aparentavam ter mais de 16 anos;
5.25. Ademais que sendo todas as ofendidas da mesma turma (...) e tendo a F... 16 anos (celebrados em 27/04/2013), parece- nos perfeitamente normal que o arguido ora recorrente se tivesse convencido de que todas elas fossem maiores de 16 anos, inclusive a E...;
5.26. Como não foi, de igual modo, produzida uma única prova de que o arguido ora recorrente se tivesse aproveitado da inexperiência resultante da suposta tenra idade das ofendidas e limitado a sua liberdade e autodeterminação sexual;
5.27. E, ao invés, cremos que terá ficado claramente demonstrado o facto contrário, ou seja, que todas as menores não eram virgens e possuíam já uma vasta experiência de vida e sexual, inclusive a E... (vd os factos descritos nos itens 2.43 a 2.49 desta peça);
5.28. E que foi o próprio arguido ora recorrente que foi manipulado e usado por todas as menores tendo em vista o propósito de cada uma delas de se tornar a sua eleita ou favorita (vd os factos descritos no item 2.51 desta peça);
5.29. O certo é que da conjunção de toda a prova produzida, principalmente da insuspeita carta directora da turma (G...) do .. da Escola ... de Vale de Cambra datada de 8/1/2014) resulta com mediana evidência que os factos só poderão ter ocorrido após o inicio do ano lectivo 2013/2014; - cf. fls 4 do inq° n°12/14.9TAVLC apenso aos presentes autos;
5.30. De resto, a ofendida E... nas suas declarações para memória futura de 22/04/2015 aponta, até, para o ano lectivo 2014/2015 (cf pag 85 da respectiva transcrição), o que significa que a sua suposta relação com o arguido se terá iniciado já depois dela ter celebrado o seu 16° aniversário (que ocorreu em 3 de Junho de 2014!);
5.31. Ou dela resultam, pelo menos, sérias e fundadas dúvidas de que os factos descritos na acusação possam ter ocorrido ainda durante o ano lectivo de 2012/2013 e pela simples e singela razão de que foi no ano lectivo seguinte (de 2013/2014) que as ofendidas integraram, todas elas, a turma ... do .. ano da aludida Escola ... de Vale de Cambra;
5.32. Pelo que, á mingua da produção de qualquer outra prova credível nesse sentido e em obediência aos princípios «in dubio pro reo» e da «presunção de inocência», deveria o tribunal a quo ter dado como não provados os ditos factos (descritos no item 2.2 desta peça) que, como é manifesto, serviram de base á condenação do arguido ora recorrente;
5.33. Ou, pelo menos, que tais factos só poderão ter ocorrido já após o início do ano lectivo de 2013/2015 e que, por isso, as ofendidas E... (nascida em 8/09/1999), E... (nascida em 3/6/1998) e F... (nascida em 27/4/1997), já tinham 14, 15 e 16 anos de idade respectivamente;
5.34. Por último e para a hipótese improvável da confissão do arguido ora recorrente ser considerada válida e processualmente relevante, não se descortina qualquer razão válida para que ele não tivesse confessado também os actos que lhe são imputados relativamente à ofendida E..., sendo certo que não seria razoável que o arguido tivesse confessado a conduta mais grave com a E... (Abuso Sexual de Menores) e não o tivesse feito com a conduta menos grave com a E...;
5.35. E, por isso, parece-nos manifesto que o depoimento da E... não deveria ter merecido qualquer credibilidade ao tribunal a quo, tanto mais que, o mesmo foi prestado num contexto de estrema litigância conjugal entre os pais da E... e em que esta optou conscientemente por tomar partido pela mãe que imputou ao pai e à sua companheira (ou seja, á co-arguida C...) o encobrimento do seu suposto envolvimento sexual com o arguido ora recorrente;
5.36. E, nessa conformidade, deverá este tribunal proceder á alteração da decisão da matéria de facto provada dando não provados os referidos factos supra impugnados ou provados com as alteração supra preconizadas;
5.37. E está bom de ver que a alteração da decisão da matéria de facto nos termos preconizados no item anterior, implica necessariamente a conclusão de que o arguido não praticou nenhum dos crimes pelos quais foi indevidamente condenado;
5.38. Desde logo, deverá ser absolvido do crime de Pornografia de Menores P. e P. no art° 176°, n°4 do CP por manifesta falta de prova resultante da nulidade das buscas e apreensões efectuadas ao arguido ora recorrente;
5.39. E, depois, deverá ser também absolvido do crime de Abuso Sexual de Criança p. e p. pelo art° 171°, n°s 1 e 2 do C.P. porquanto, á data dos factos, a menor E... já tinha completado os 14 (catorze) anos de idade (em 8 de Setembro de 2013) - vd certidão de nascimento de fls 71;
5.40. E se é certo que tal crime poderia ser convolado no crime de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo art° 173°, n°s 1 e 2 do CP, também é certo que neste último crime a instauração do procedimento criminal depende de queixa e que relativamente á ofendida E... a queixa foi apresentada por quem não tinha legitimidade para o efeito, ou seja pela sua avó materna (H... - fls 302v°); vd art°s 178°, n°2 e 113°, n°4 do Código Penal, porquanto, conforme resulta da respectiva certidão de nascimento de fls. 71 e v°, desde 17/06/2010 que a menor E... ficou confiada ao pai, cabendo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores e, por isso, deverá o respectivo procedimento criminal ser julgado extinto por falta de legitimidade do Ministério Público;
5.41. Como deverá, de igual modo, ser absolvido dos crimes de actos sexuais com Adolescentes (p. e p. pelo art° 173°, n°s 1 e 2) que são imputados relativamente á ofendida E... porque á data dos factos esta já tinha completado os seus 16 nos de idade (em 27/04/2013);- vd certidão de nascimento de fls 1140;
5.42. Mas mesmo que assim não fosse sempre se diria (o que vale também para a ofendida E...) que a acusação não logrou fazer prova de que o arguido ora recorrente tivesse abusado da suposta inexperiência ou de alguma suposta vulnerabilidade das menores para se aproveitar sexualmente das mesmas;
5.43. Ao invés, resulta com mediana evidência dos autos que as menores não só já não eram virgens como tinham já suficiente experiência sexual anterior e dominavam relativamente bem a arte da sedução e da intriga e que já possuía m autonomia e experiência bastantes para se terem defendido eficazmente das supostas intenções libidinosas do arguido do ora recorrente;
5.44. Acresce que, a conduta do arguido em nada afectou o livre desenvolvimento da personalidade das menores na sua esfera sexual, nem limitou a sua liberdade e autodeterminação sexual e não há nenhuma notícia nos autos de que alguma delas tenha ficado traumatizada com tal situação ou que esta lhes tenha causado quaisquer danos psicológicos ou psíquicos que tenham carecido de intervenção técnica especializada;
5.45. O certo é que o ónus da prova relativamente ao suposto abuso da inexperiência das menores por parte do arguido ora recorrente competia ao Ministério Público e este não logrou demonstrá-lo e á míngua da produção de qualquer prova nesse sentido, terão de valer aqui também os velhos princípios «in dubio pro reo» e da «presunção de inocência;
5.46. Impondo-se, por isso, a absolvição do arguido também quantos aos crimes de Actos Sexuais com adolescentes quanto a todas as ofendidas;
5.47. Por último, cremos que nem as penas parcelares, nem a pena única que foram aplicadas ao arguido são adequadas á gravidade dos factos, nem á ilicitude da sua conduta, nem á culpa e personalidade do arguido, porquanto, face às inúmeras circunstâncias atenuantes que militam a seu favor, cremos que a pena de prisão a aplicar ao arguido pelo prática do crime de abuso sexual de crianças deveria ter-se ficado pelo respectivo mínimo legal, ou seja, pelos 3 anos de prisão;
5.48. E, quanto aos crimes de actos sexuais com adolescentes, devido também ao facto das menores estarem muito perto dos 16 anos, o tribunal a quo deveria ter optado pela pena de multa (por esta ser suficiente para assegurar as finalidades da punição) ou por uma pena de prisão nunca superior a um ano, sendo certo que, tais factos consubstanciam a prática de um só crime de carácter continuado ou trato sucessivo;
5.49. E, assim sendo, cremos que, a manter-se a condenação do arguido ora recorrente e operado que seja o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, a pena única a ser aplicada ao mesmo em caso algum poderá e deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão, devendo a respectiva execução ser necessariamente suspensa por se verificarem no caso sub judice todos os requisitos previstos no art° 50°, n°1 do CP;
5.50. Pelo que, ao ter decidido como decidiu, o douto acórdão violou as normas contidas nos art°s, 30°, n°1 e2, 43°, n°1, 50°, n°1, 70°, 71°, 72°, 113°, n°4, 171°, n°s 1 e 2, 173°, n°1 e 2, 176°, n°1 e 4 do Código Penal e 58°, n°1 al. a) 59°, n°1, 61°, 126°, n°3 do CPP e os princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro que enformam todo o nosso processo.
Termina pedindo que seja dado integral provimento ao presente recurso e a decisão recorrida revogada e substituída por outra em que o arguido seja absolvido de todos os crimes que lhe são imputados ou em que, pelo menos, a respectiva pena de prisão que que lhe foi aplicada seja substancialmente reduzida e a sua execução suspensa nos termos supra preconizados, com todas as legais consequências.
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 1327, após pagamento da multa cominada pela apresentação do recurso no 3º dia útil seguinte ao prazo.
O MP junto do tribunal a quo veio oferecer a sua resposta, nos seguintes termos:
«I - Quanto à invocada nulidade da prova obtida através de busca e apreensão:
Entende o recorrente que não podem ser valoradas as provas obtidas através de busca e apreensão documentadas através dos autos de fls. 283 a 297 porquanto o consentimento prestado pelo arguido para a realização da busca na sua habitação foi obtido de forma ilícita, carecendo de validade formal.
Defende o recorrente que o órgão de polícia criminal não estava munido de mandados de busca para a habitação sita na Rua ..., n.º ..., bloco ., entrada ., ..º dto, em ..., Paredes mas apenas para uma outra residência sita na Rua ..., n.º ....
Para poder ali aceder, viu-se na contingência de obter do visado o respectivo consentimento.
No entanto, não constituiu o visado como arguido, nem o informou dos direitos que lhe assistem, nomeadamente o de poder fazer-se acompanhar por advogado na dita diligência e do direito de não prestar declarações sobre os factos que lhe eram imputados.
Em vez disso, ludibriando-o, o OPC inquiriu-o como testemunha e apenas horas depois o constituiu como arguido, já no Quartel da GNR de Paredes.
O relatório de buscas constante de fls. 318 e ss dos autos revela, porém, o contrário.
Nesse documento está pormenorizadamente descrita a forma como se desenvolveram as diligências de prova, na manha do dia 03.06.2014.
Aí se faz referência que foram entregues ao arguido os mandados de busca e apreensão e os despachos (judicial e do Ministério Público) que ordenaram tais diligências.
Igualmente se refere que, sabendo os investigadores da existência de uma outra residência, foi o visado questionado sobre isso, tendo confirmado que passava a maior parte do tempo em casa dos pais (para a qual havia sido emitido o mandado) e que apenas ia dormir à residência que ainda partilhava com a mulher.
Relata ainda o militar responsável que o B... percebeu que os mandados de busca visavam a casa dos pais e não a sua residência e, de livre vontade, afirmou permitir também a realização de uma busca no referido apartamento, o que foi formalizado através do auto de inquirição de fls.
Ou seja,
Se é verdade que a utilização de um formulário de um auto de inquirição para a prestação do consentimento do visado pode não constituir o procedimento mais correcto, também não é menos verdade que no momento em que consentiu o acesso àquela residência, era já conhecedor de que estava a ser investigado e que se iria realizar buscas autorizadas pelas autoridades competentes, contrariamente ao que afirma agora na motivação de recurso. Por outro lado,
Do acórdão recorrido e no que ao crime de pornografia de menores diz respeito, o Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos:
"46. No dia 03.06.2014, pelas 11h20m, na localidade de ..., concelho de Paredes, o arguido conduzia o veículo de marca "Renault", modelo "...", de cor branca, com a matrícula UJ-..-.., quando foi interceptado pelos militares da Secção de Investigação Criminal da GNR de Aveiro.
Nesse momento, o arguido detinha, no banco do passageiro da frente do referido veículo, um dos telemóveis por si utilizados, de marca "Sony", modelo ..." com o IMEI ................
Na memória do referido aparelho, o arguido tinha guardadas fotografias com conteúdo pornográfico, designadamente:
Do auto de busca de fls. 283 e ss resulta isso mesmo, isto é, que o arguido foi abordado pela autoridade policial quando conduzia o veículo.
Essa busca em causa estava legitimada por despacho da autoridade judiciária competente - o Ministério Público -, como resulta de fls. 127 dos autos, de acordo com o disposto no art. 174.º n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal, considerando que foi determinada a realização de busca ao automóvel de matrícula QP-..-.. e a quaisquer outros na posse e disponibilidade de B....
O mandado de busca, devidamente certificado, mostra-se junto a fls. 248 verso.
Não foi, assim, cometida qualquer nulidade na obtenção do meio de prova relativo à posse pelo arguido do material pornográfico relativo à menor E....
Invoca o recorrente que a constituição como arguido apenas ocorreu pelas 14.30 horas desse dia, já no Quartel da GNR de Paredes, como resulta de fls. 252.
Mais uma vez se reconhece que o procedimento correcto da autoridade policial seria o de proceder à constituição de arguido logo que iniciou as diligências de obtenção de prova desse dia, ainda que comunicando-o verbalmente no momento da abordagem e fazendo-o constar do respectivo relatório.
No entanto, essa omissão não consubstancia qualquer nulidade, trata-se de uma irregularidade que não foi tempestivamente arguida estando assim sanada, face ao estabelecido no art. 123.° n.º 1 do Código de Processo Penal.
II - Quanto à existência de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto dada como provada:
Os argumentos utilizados pelo recorrente para invocar a existência de erro de julgamento não podem proceder.
Desde logo, pretende o arguido que o Tribunal de Recurso desvalorize aquilo que foram as suas próprias declarações prestadas em audiência de julgamento, argumentando que essa confissão parcial dos factos só ocorreu "devido às supostas evidências decorrentes da prova recolhida nas ditas buscas e apreensões que foram efectuadas de forma ilícita à suposta segunda habitação ".
Conclui que, assim sendo, também a sua confissão foi obtida de forma ilícita e, por isso, não poderá ser valorada.
O arguido, assim como o seu mandatário constituído, tiveram acesso ao processo desde que o mesmo se tornou público, organizando a sua estratégia de defesa conforme entenderam.
Nunca invocaram, na contestação nem sequer no decurso da audiência, a existência da mais pequena irregularidade.
Não confrontaram as testemunhas, designadamente o militar que procedeu à investigação, com qualquer atropelo da lei processual penal que possa ter ocorrido.
O arguido relatou a sua versão dos factos ao Tribunal em condições de total liberdade e, pensamos nós, absolutamente esclarecido quanto à prova previamente produzida, designadamente os documentos que já constavam dos autos e as declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas à Mm.ª Juiz de Instrução Criminal.
Como decorre das actas das diversas sessões realizadas, jamais o arguido requereu a tomada de novas declarações às jovens ofendidas, designadamente para esclarecer os pontos que apenas agora e em sede de recurso vem invocar, sendo certo que, de acordo com o previsto no art. 271.º n.º 8 do Código de Processo Penal, o poderia ter feito.
Por outro lado, também jamais requereu, como lhe permitia o art. 356.º n.º 2, al. b) e n.º 5 do Código de Processo Penal, a leitura das declarações prestadas em fase de inquérito pelas testemunhas I..., de D... ou de qualquer outra, como resulta das várias actas.
Tratando-se de prova que não foi produzida em audiência de julgamento não foi valorada, nem o poderia ter sido, pelo Tribunal a quo, sendo absolutamente inócuo que apele agora ao conteúdo dos autos de inquirição elaborados em fase de inquérito.
Por outro lado, e se não resultam dúvidas quanto ao facto de as ofendidas terem frequentado a mesma escola e ali terem travado conhecimento entre si, em nenhum momento se provou que apenas tivessem sido colegas de turma quando frequentaram o oitavo ano de escolaridade e não nos anteriores ou que não fossem já amigas antes de serem colegas de turma. De resto, o que o arguido afirma é que as ofendidas terão tido acesso ao seu telemóvel porque andavam na mesma escola.
O esforço que o arguido agora faz para dar um contorno diverso aos factos apurados, pretendendo que aconteceram um ano depois é compreensível mas em vão.
Na verdade, resulta à saciedade da prova produzida em julgamento, nomeadamente dos relatos das ofendidas em declarações para memória futura e das declarações prestadas pela co-arguida C... que, o arguido se foi envolvendo sucessivamente com as jovens, que acreditavam namorar com ele, chegando a relacionar-se em simultâneo e durante alguns períodos, com mais do que uma delas.
Das declarações prestadas pela arguida C... resulta a forma como ela e o arguido se conheceram, ou seja, através da filha da arguida, de nome E..., que nessa altura ainda vivia consigo e numa altura em que o pai da arguida, consigo também residente, era vivo.
A arguida afirma que o pai faleceu em 11.11.2012 e a filha lhe foi retirada para ser institucionalizada em 06.01.2013, pelo que conclui que se tornou amiga do arguido em finais do ano de 2012.
Por fim e no que à forma insólita como conheceu o arguido B... respeita, a arguida relata que na altura, uma amiga da filha de nome F... namorava com ele e, adiante nas suas declarações, relata que o arguido passou depois a relacionar-se com a E..., a quem a arguida C... rapidamente e a pedido do arguido B..., passou a facultar a permanência em sua casa e a dar-lhe refeições.
Também a testemunha H..., avó da ofendida E..., relatou em audiência de julgamento que a jovem lhe foi entregue em 11.04.2013 e que em Maio de 2013 foi contactada pela arguida C... a solicitar que se dirigisse à escola porque a neta se tinha sentido mal. Referiu ainda que por várias vezes a C... lhe pediu que deixasse a neta ir a sua casa, o que consentiu.
Referiu que nesse período, a neta lhe dizia que namorava com um rapaz chamado B1... que dizia ser da sua turma e com quem passava muito tempo ao telefone.
De resto, relatou ao Tribunal que na noite de 14 para 15 de Agosto de 2013, cerca da 1 hora da manhã acordou com um intruso a subir pelo exterior da janela do quarto da sua casa onde a E... dormia, fazendo uso do artefacto visível na fotografia junta aos autos a fls. 341.
Tal artefacto, como resulta do auto de busca, foi apreendido ao arguido.
Por fim, há que atender a que os presentes autos foram instaurados em 20.01.2014, quando a progenitora da ofendida K..., apresentando uma denúncia contra o marido, relata ter tido conhecimento do envolvimento da filha com o arguido.
Tudo para concluir que, conjugados os depoimentos das testemunhas inquiridas e das ofendidas se conclui que o arguido conhecia as ofendidas pelo menos desde Setembro de 2012, tendo começado a relacionar-se sexualmente com a F... e com a E... ainda nesse ano civil.
Os períodos temporais e datas dos factos acolhidos pelo Tribunal a quo no Acórdão e que correspondiam ao já indicado na acusação, não merecem assim censura.
Por outro lado, remetemos para o douto Acórdão recorrido tudo o que se prende com a apreciação da prova quanto ao abuso da inexperiência das ofendidas.
Os factos olhados na sua globalidade permitem concluir pelo aproveitamento da inexperiência de vida das jovens de que o arguido se aproveitou: foi-se relacionando sucessivamente com cada uma delas, aproveitando-se do meio social desfavorecido e da falta de controlo parental, mantendo encontros com elas numa altura em que era suposto as jovens estarem na escola, chegando mesmo, no caso da E..., a procura-la durante a noite na residência da avó a quem tinha sido confiada.
O Tribunal assinala no Acórdão e a nosso ver, bem, que o abuso da inexperiência não pressupõe a ausência de todo e qualquer relacionamento sexual anterior e que as ofendidas F... e E... poderiam até já ter tido relacionamentos anteriores. Contudo esse relacionamentos próprios da idade nada têm que ver com o tipo de relacionamento mantido com o arguido.
Relativamente à E... não há que fazer apelo sequer ao abuso da inexperiência, atento o tipo legal em causa - abuso sexual de criança.
- Quanto ao alegado erro na aplicação do Direito:
Não existindo motivos para por em causa a data da prática dos factos, o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal a quo não merece censura.
O crime de abuso sexual de criança tem natureza pública, como resulta do disposto no art. 178.º, n.º 1 do Código Penal.
O crime de actos sexuais com adolescente tem natureza semi-pública, como resulta do art. 178.º, n.º 3 do Código Penal.
No caso destes ilícitos, foram exercidos os direitos de queixa pelos representantes legais das menores ofendidas (cf. auto de inquirição da mãe da ofendida F... a fls. 490 e 491 e o auto de inquirição da mãe da ofendida K... a fls. 51.
IV - Quanto à medida da pena aplicada ao arguido:
Defende o recorrente que no que concerne ao crime de abuso sexual de criança, o tribunal deveria ter fixado a pena no mínimo legal, ou seja, de três anos, face às inúmeras circunstâncias atenuantes que militam a seu favor.
Não podemos concordar com tal juízo.
Com efeito, considerando o lapso de tempo em que o arguido começou a relacionar-se sexualmente com a E... em Dezembro de 2012. Nessa altura, considerando que nasceu em 08.09.1999, a jovem tinha treze anos e três meses de idade.
Esse relacionamento manteve-se até meados do ano de 2014, ou seja, durante cerca de um ano e meio.
Durante esse período o arguido manteve com a ofendida relações de cópula completa em períodos do dia em que a jovem deveria estar na escola.
No final do relacionamento o arguido levava a ofendida de Vale de Cambra para Paredes com o objectivo de ali se relacionar sexualmente com ela, tendo por várias vezes ameaçado a mesma de que que contaria ao pai dela o relacionamento quando esta se mostrava renitente em manter a relação.
A mentira e o engodo que o arguido usou acerca da sua idade, pelo menos na fase inicial do seu relacionamento com as ofendidas, para delas se conseguir aproximar e a enorme diferença de idades existente é reveladora da postura do arguido e do seu desapego relativamente aos bens jurídicos protegidos.
Aliás, e em face da sua situação pessoal descrita no relatório, não conseguiu o arguido dar ao Tribunal uma explicação minimamente plausível para as suas deslocações quase diárias de Paredes a Vale de Cambra que não encontrar-se com as jovens para se relacionar sexualmente com elas.
Por outro lado e válido para todos os crimes cometidos, o relatório social expressa a pouca subsistência da inserção social, familiar e económica do arguido, não atenuando, antes pelo contrário, as necessidades de prevenção especial que a sua personalidade expressa no cometimento dos factos já requeria.
Com efeito, o arguido está familiarmente inserido, vivendo na mesma casa da mulher, ainda que mantenham actualmente vidas separadas.
Não tem ocupação profissional exercendo trabalhos esporádicos num bar conotado com a prática de prostituição.
Acresce que, ainda de acordo com o relatório e tal como o Tribunal deu como provado, o arguido revela pouco sentido crítico em relação ao seu comportamento e danos causados nas vítimas, apesar de em abstracto, compreender a ilicitude desse tipo de comportamentos e a sua censurabilidade social.
Importa ainda atentar, como assinalou o Tribunal a quo, às necessidades de prevenção geral que são igualmente elevadas, atento o alarme social que condutas como a do arguido causam na comunidade: o conhecimento e o estabelecimento de relações tendo como ponte de partida os contactos fáceis estabelecidos por telemóvel ou pelas redes sociais e a forma como muitos jovens são levados para situações de risco e perigo para a sua integridade por indivíduos mais velhos que deles vêm a abusar têm-se tornado cada vez mais frequentes, esperando a comunidade uma resposta firme por parte do sistema de justiça.
Tudo para concluir que a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada pela prática do crime de abuso sexual de criança se mostra assim em conformidade com o previsto no art. 40.º e 71.º do Código Penal.
Por outro lado, e no que aos crimes de actos sexuais com adolescentes, e pese embora apenas na parte final o recorrente aborde a questão de se tratar de um único crime.
A acusação imputou ao arguido a prática de crimes de actos sexuais com adolescente, na medida em que, no que concerne às ofendidas F... e E..., se conseguiram individualizar as condutas.
Assim, e na senda da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores nessa matéria, a conduta do arguido integra a pluralidade de crimes pelos quais veio a ser condenado (neste sentido Ac. TRP de 29.04.2014, proferido no processo 163/12.2TACDR e de 15.05.2013, no processo 1209/10.4JAPRT, assim como o Ac. TRC de 09.04.2014, proferido no processo 2/11.1GDCNT, todos disponíveis na Base de Dados da DGSI).
As penas fixadas para cada um dos crimes de actos sexuais com adolescente, por tudo o que se disse, mostram-se desadequadas.
Por fim, dir-se-á que, quanto ao concurso de crimes, numa moldura penal compreendida entre os 4 anos e 6 meses e os 10 anos e três meses, a pena de sete anos encontrada não merece censura.
A aplicação ao arguido de uma pena não superior a cinco anos fica aquém da culpa e não satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Por outro lado e a ser aplicada uma pena inferior a cinco anos, o que não se concebe, a suspensão sua execução contrariaria as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, não estando reunidos os pressupostos a que alude o art. 50.° n.º 1 do Código Penal.
Por todo o exposto, o Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo não merece censura, pelo que deve ser mantida a condenação nos exactos termos.»
*
Nesta Relação, o Exmº PGA emitiu Parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente respondeu reiterando na íntegra a bondade da esforçada argumentação aduzida na motivação no sentido da total procedência do recurso.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir.
- Nulidade da prova obtida através da busca e apreensão.
- Inconstitucionalidade da norma contida nos arts. 58º, n.º 1, al. a), 59°, n.º1 e 177°, n°2, al b) do CPP, quando interpretadas no sentido de que, visando o mandado de busca uma determinada habitação do denunciado, o OPC poderá inquiri-lo ainda tão só como testemunha com o fito de obter deste a confirmação da existência duma outra habitação e obter do mesmo o seu consentimento para que a realização da dita busca seja realizada nesta última e ainda antes da sua constituição como arguido, por tal norma violar as garantias de defesa do processo criminal e o direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo previstos nos n.ºs 1 e 3 do art. 32º da Constituição da República Portuguesas (CRP), bem como a garantia constitucional da nulidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada e no domicilio (prevista no n.º 8 do mesmo artigo) e ainda o principio da dignidade humana consagrado no art. 1º e o próprio princípio do Estado de Direito Democrático que emana do art. 2º do diploma fundamental.
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento. Eventuais consequências.
- Verificação do pressuposto abuso da inexperiência ou de vulnerabilidade, nos crimes de actos sexuais com Adolescentes (p. e p. pelo art. 173º, nºs 1 e 2).
- Um só Crime de carácter continuado ou trato sucessivo em relação às adolescentes K... e F....
- Medida das penas parcelares. Medida da pena única.
- Suspensão da execução da pena.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.
«a) Factos provados:
Da acusação, do PIC e contestação
1. O arguido B... nasceu em 16/07/1971.
(Ofendida F...)
2. Em data não concretamente apurada do mês de setembro de 2012, o arguido, através de SMS (short message service) iniciou conversações com F..., nascida em 27.04.1997, então com 15 (quinze) anos de idade.
3. No decurso de tais conversas, o arguido B... dizia chamar-se “B2...” e ter 18 (dezoito) anos.
4. Tais conversas mantiveram-se durante os meses de setembro e outubro de 2012, no decurso das quais o arguido dizia que amava a ofendida F... e que queria estar com ela.
5. Em data não concretamente apurada do mês de novembro de 2012, da parte da tarde, o arguido dirigiu-se ao concelho de Vale de Cambra, local de residência da menor, a fim de se encontrar com ela.
6. Arguido e ofendida dirigiram-se então a um apartamento pertencente à madrinha da menor F..., no 3.º andar de um prédio junto ao Hospital ..., nesta cidade.
7. Já no seu interior, quando se encontravam nus, o arguido (depois de ter colocado um preservativo) introduziu o seu pénis ereto na vagina da menor, friccionando-o, em movimentos de vaivém, até ejacular.
8 De seguida, abandonaram aquele local.
9. Em duas outras ocasiões, em datas não concretamente apuradas do mês de dezembro de 2012, o arguido voltou a deslocar-se a Vale de Cambra, tendo-se encontrado com a menor F..., tendo-se igualmente deslocado para o referido apartamento e mantido relações sexuais iguais à descrita em 7 (sempre com o uso do preservativo).
10. O arguido sabia que a ofendida F... tinha, então, 15 (quinze) anos de idade, circunstância de que se aproveitou.
11. Agiu para satisfação dos seus instintos libidinosos, sabendo que afetava o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual, como a limitava na sua liberdade e autodeterminação sexual.
12. Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(ofendida E...)
13. No início do mês de dezembro de 2012, o arguido, através de SMS (short message service) iniciou conversações com E..., nascida em 08.09.1999, então com 13 (treze) anos de idade.
14. No decurso de tais conversas, o arguido B... dizia chamar-se “B2...” e ter 18 (dezoito) anos.
15. Tais conversas mantiveram-se durante cerca de duas semanas, no decurso das quais o arguido dizia que gostava da ofendida E... e que queria namorar com ela.
16. Em data não concretamente apurada mas próxima de 15.12.2012, da parte da tarde, o arguido dirigiu-se à cidade de Vale de Cambra, junto ao Posto de Vale de Cambra da Guarda Nacional Republicana, local onde havia combinado encontrar-se com a menor E....
17. Uma vez aí, a menor entrou no veículo conduzido pelo arguido, de marca “Renault”, modelo “...”, de cor branca, com a matrícula UJ-..-.., e dirigiram-se para junto do ... de Vale de Cambra.
18. Aí chegados, o arguido parou o veículo, disse à ofendida que queria ter relações sexuais com ela, tendo-se ambos sentado nos lugares traseiros do automóvel.
19. De seguida, o arguido despiu a ofendida e, já completamente nus, depois de colocar um preservativo no seu pénis, pediu à menor que se sentasse em cima de si, de frente, de pernas abertas, o que esta fez.
20. Ato contínuo, o arguido introduziu o seu pénis ereto na vagina da menor, friccionando-o em movimentos ascendentes e descentes até ejacular.
21. Após, a menor e o arguido vestiram-se e este conduziu o veículo, deixando-a perto de casa, em Vale de Cambra.
22. Dois dias depois, da parte da tarde, o arguido deslocou-se novamente a Vale de Cambra, tendo-se encontrado com a menor E... e repetido, nos seus exatos termos, o episódio relatado nos pontos 17 a 21.
23. Passados uns dias, o arguido apresentou a arguida C... à menor E....
24. Desde então, a menor E... passou a frequentar, a residência da arguida C..., sita na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Vale de Cambra.
25. Desde essa altura, por diversas ocasiões, o arguido B... encontrava-se com a menor E... na referida habitação.
26. Assim, por diversas vezes, ao longo de todo o ano de 2013 e até ao início do ano de 2014, o arguido, numa divisão da referida casa, deitava a menor num colchão ali existente, e mantinha com ela relações sexuais de cópula completa (depois de colocar um preservativo no seu pénis).
27. De janeiro a julho de 2014, por várias vezes, o arguido dirigiu-se a Vale de Cambra para buscar a menor e conduziu-a a uma casa sita no primeiro andar de um prédio, em Paredes, onde mantinham relações sexuais de cópula completa.
28. De março de 2013 a julho de 2014, sempre que a menor se mostrava relutante em manter relações sexuais com o arguido, este afirmava que, caso não o fizesse, contaria ao pai e à avó da menor o relacionamento que mantinham, acabando esta por ceder e manter as referidas relações.
29. O arguido sabia que a ofendida E... tinha, até 08.09.2013, 13 (treze) anos de idade e que a mesma não dispunha de experiência a nível sexual, circunstâncias de que se aproveitou.
30. Agiu para satisfação dos seus instintos libidinosos, sabendo que afetava o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade e autodeterminação sexual.
31. Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(ofendida K...)
32. Em data não concretamente apurada do mês de setembro de 2013, a menor K..., nascida em 03.06.1998, então com 15 (quinze) anos de idade, iniciou conversações telefónicas com o arguido B..., a propósito da relação que aquele mantinha com a menor E.... 33. Nesse momento, a menor E... pensava que o arguido se chamava “B1...” e que tinha 23 (vinte e três) anos.
34. Tais conversas decorreram durante os meses de setembro e outubro de 2013, no decurso das quais o arguido dizia que amava a ofendida K..., que queria estar com ela e que iria terminar o relacionamento que mantinha com a menor E....
35. Em data não concretamente apurada do mês de novembro de 2013, da parte da tarde, a menor K... dirigiu-se à residência da arguida C..., sita na sita na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Vale de Cambra, com o propósito de aí se encontrar com o arguido.
36. Já no seu interior, numa das divisões, o arguido despiu a menor e despiu-se a si próprio, deitando-se, ambos, no colchão que ali se encontrava.
37. De seguida, o arguido apalpou os seios e o rabo da menor.
38. Ato contínuo, depois de ter colocado um preservativo, introduziu o seu pénis ereto na boca da menor, friccionando-o em movimentos de vaivém.
39. Depois, introduziu o seu pénis ereto na vagina da menor, aí o friccionando em movimentos contínuos sem, no entanto, ejacular.
40. De seguida, abandonaram aquele local.
41. Em duas outras ocasiões, em datas não concretamente apuradas dos meses de novembro e dezembro de 2013, no mesmo local, o arguido e a menor mantiveram relações sexuais em tudo idênticas à descrita em 36 a 39.
42. Da última (e terceira) vez que mantiveram relações sexuais, o arguido ejaculou no interior da vagina da menor K....
43. O arguido sabia que a ofendida K... tinha, então, 15 (quinze) anos de idade, circunstância de que se aproveitou.
44. Agiu para satisfação dos seus instintos libidinosos, sabendo que afetava o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade e autodeterminação sexual.
45. Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
(Fotografias)
46. No dia 03.06.2014, pelas 11h20m, na localidade de Sobreira, concelho de Paredes, o arguido conduzia o veículo da marca “Renault”, modelo “...”, de cor branca, com a matrícula UJ-..-.., quando foi intercetado pelos militares da Secção de Investigação Criminal da GNR de Aveiro.
47. Nesse momento, o arguido detinha, no banco do passageiro da frente do referido veículo, um dos telemóveis por si utilizados, de marca “Sony”, modelo “...”, com o IMEI ................
48. Na memória do referido aparelho, o arguido tinha guardadas fotografias com conteúdo pornográfico, designadamente:
a) Uma fotografia da menor E..., de pé, nua da cintura para cima, com a face visível (cfr. sexta fotografia de fls. 2 do anexo destes autos);
b) Uma fotografia da menor E..., deitada, nua da cintura para cima, com a face visível (cfr. oitava fotografia de fls. 4 e décima segunda fotografia de fls. 24, do anexo destes autos); e
c) Uma fotografia de pormenor da vagina da menor E... (cfr. oitava fotografia de fls. 30 do anexo destes autos).
49. O arguido sabia que detinha as referidas fotografias no seu telemóvel e que a pessoa ali retratada era E..., menor de idade.
50. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
51. A arguida C..., durante os anos de 2013 e 2014, residia na sita na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Vale de Cambra.
52. Em data não concretamente apurada, a arguida conheceu o arguido B..., de quem se tornou amiga, sendo certo que ele chegou a realizar pequenos consertos em sua casa.
53. Conhecedora dos instintos libidinosos do arguido, da sua idade real e da idade das menores E... e K..., ao longo de todo o ano de 2013 até inícios do ano de 2014, a arguida cedeu ao arguido B... o espaço da sua habitação para que este mantivesse relações sexuais de cópula completa com a menor E..., conforme descritos nos pontos 25 e 26 supra.
54. Da mesma forma, nos meses de novembro e dezembro de 2013, a arguida cedeu ao arguido B... o espaço da sua habitação para que este mantivesse relações sexuais de cópula completa e coito oral com a menor E..., conforme descrito nos pontos 35 a 42 supra.
55. A arguida agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, querendo auxiliar, como auxiliou, a prática pelo arguido B... dos apontados factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
56. A descoberta do relacionamento da menor E... com o arguido B... e os inerentes comentários jocosos pelas pessoas da terra – que chegaram ao seu conhecimento – provocaram naquela mal-estar e vergonha, além de se ter sentido abalada na sua autoestima.
57. Sentiu-se manipulada pela arguida C..., por quem nutria sentimentos de amizade.
58. Mesmo no seio familiar a menor K... foi alvo de críticas por parte do seu progenitor, que também a culpou pelo sucedido, criando nela um sentimento de revolta e injustiça ligado ao facto do seu próprio pai viver em união de facto com a arguida C....
59. Ainda hoje revive com tristeza e alguma angústia esse episódio da sua vida.
Do percurso de vida do arguido B..., sua condição socioeconómica e antecedentes criminais
60. B... é o mais velho de três irmãos, tendo desenvolvido a sua personalidade no agregado de origem, de humilde condição económica, em que o pai, tratorista, se constituía como o único elemento ativo do agregado. A dinâmica familiar era harmoniosa, baseada no bom entendimento entre os progenitores e sem registo de qualquer problemática social, tendo sido exposto a um modelo educativo assente na transmissão de regras e valores consonantes com os socialmente imperantes.
61. Frequentou a escola em idade regular até à conclusão do 6º ano, altura em que optou pelo desenvolvimento de uma atividade laboral, tendo trabalhado durante alguns meses num viveiro de árvores. Mais tarde e como forme de ver melhoradas as suas condições salariais e por motivos relacionados com o encerramento das empresas para quem laborava, chegou a trabalhar durante alguns anos numa fábrica de bilhares, numa serralharia e por último numa fábrica de cabos elétricos (para a qual laborou durante cerca de 3 anos) até ao seu encerramento (em 2013), permanecendo desde então em situação de desemprego.
62. Conheceu entretanto a mulher, de nacionalidade brasileira, num espaço de diversão noturna associado à atividade de alterne, com a qual veio a contrair matrimónio aos 32 anos de idade, nascendo na constância do mesmo um filho, presentemente com 10 anos de idade. A separação do casal ocorreu há cerca de 4 anos, por incompatibilidade relacional, na sequência de relações extraconjugais mantidas pelo arguido. Contudo, apesar da separação, o casal manteve a partilha do espaço habitacional, situação que ainda se mantém no presente, apesar de conservarem vidas separadas.
63. À data dos factos, assim como atualmente, o arguido partilha o espaço habitacional com a mulher (empregada doméstica) e o filho num apartamento de tipologia 2 próprio (adquirido com recurso a crédito bancário), sendo a dinâmica familiar caracterizada pela reduzida comunicação entre o casal, com quotidianos independentes e sem qualquer relacionamento de intimidade. É a cônjuge quem assegura o pagamento das prestações relacionadas com a amortização do crédito à habitação na medida em que o arguido se encontra desempregado. Contudo, este auxilia no custeio de algumas despesas domésticas relacionadas com a manutenção do espaço habitacional, nomeadamente o pagamento da emergia elétrica, recorrendo a algum pecúlio que angaria de trabalhos indiferenciados que vai realizando pontualmente, designadamente trabalhos na área da construção civil num bar conotado com a prostituição.
64. Toma as refeições em casa dos pais, onde se desloca diariamente, sendo tido por estes como trabalhador e com comportamento socialmente bem integrado.
65. Mantém uma relação de namoro com uma jovem de 26 anos de idade, desempregada e residente em Penafiel, chegando por vezes a pernoitar com a mesma.
66. As suas rotinas são repartidas entre a execução de alguns trabalhos pontuais de natureza indiferenciada e o auxílio que presta ao descendente, acompanhando-o à escola.
67. No seu meio de residência, projeta uma imagem favorável, sendo visto como trabalhador e cordial no contacto que estabelece com terceiros.
68. Em termos familiares, este processo é apenas do conhecimento da mulher, mas não foi ele que contribuiu para o distanciamento afetivo existente entre ambos.
69. A namorada também tem conhecimento deste processo, assumindo uma postura de apoio ao arguido.
70. Os seus pais, por seu turno, desconhecem a natureza dos crimes que lhe são imputados.
71. Revela pouco sentido crítico em relação ao seu comportamento e danos por ele causados nas vítimas, apesar de, em abstrato, compreender a ilicitude deste tipo de comportamentos e a sua censurabilidade social.
72. O arguido não tem antecedentes criminais.
Do percurso de vida da arguida C..., sua condição socioeconómica e antecedentes criminais
73. A arguida é oriunda de uma família de condição socioeconómica e cultural modesta, sendo a segunda de uma fratria de três elementos, estando atualmente os irmãos emigrados na Alemanha e no Luxemburgo.
74. O seu processo de desenvolvimento psicossocial decorreu num ambiente familiar marcado por vicissitudes económicas, sendo a sobrevivência do agregado assegurada pelo trabalho dos pais (o pai era mecânico e a mãe operária fabril).
75. O pai tinha comportamentos disruptivos associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, geradores de episódios de violência doméstica e consequente afetação negativa na qualidade das relações familiares, em particular na relação conjugal, mas tal não impediu a forte ligação da arguida à figura paterna durante a sua infância.
76. Ao nível da escolarização, a arguida apresentou um comportamento adaptado até ao 4º ano de escolaridade, passando a revelar desinteresse falta de assiduidade quando transitou para o 2º ciclo, assumindo então um percurso escolar desinvestido, o que levou ao abandono dos estudos por volta dos 12 anos. Encetou então uma vida boémia, com realce para o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e envolvimentos afetivos e de cariz sexual, comportamentos de risco que levaram à intervenção dos serviços da Segurança Social e à sua institucionalização aos 16 anos, no Porto, de onde saiu, por decisão própria, quando atingiu a maioridade.
77. Regressou então ao agregado familiar dos progenitores, em ..., dando então início a atividade laboral numa unidade fabril, numa pastelaria e numa IPSS local, nas quais se manteve pouco tempo. Retomou então o estilo de vida que a havia levado à institucionalização, desenvolvendo atividades em estabelecimentos de diversão noturna associados à prostituição, fazendo dessa atividade o seu modo de subsistência económica.
78. Nesses circuitos foi estabelecendo alguns vínculos afetivos ocasionais, engravidando aos 23 anos de idade fruto de um desses relacionamentos e do qual nasceu a sua filha, presentemente com 17 anos de idade. Após o nascimento da filha regressou a casa dos pais, passando a ter um acompanhamento sistemático dos serviços sociais locais.
79. Aos 37 anos de idade a arguida emigrou para o Luxemburgo com um indivíduo com quem encetou relacionamento afetivo, com quem casou em menos de uma semana. Nesse país trabalhou como empregada de limpeza e o cônjuge na construção civil, juntando-se ao casal, cerca de 3 anos depois, a filha da arguida.
80. Durante a vigência do casamento, fruto do consumo excessivo de bebidas alcoólicas do cônjuge e seus comportamentos violentos, a dinâmica conjugal evoluiu negativamente até à separação após 5 anos, o que motivou o regresso de C... e da filha a ..., passando o agregado a ser acompanhado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Vale de Cambra.
81 Em 2012, devido à existência de práticas educativas deficitárias, ao desinvestimento e desinteresse da arguida nas questões relacionadas com a menor e exposição desta a comportamentos desajustados na esfera doméstica, mormente de cariz sexual, a sua filha foi institucionalizada, tendo sido a arguida impedida de a visitar em face de a instigar a fugas, à adoção de comportamentos de oposição às regras da instituição, de lhe fomentar hábitos tabagísticos e de procurar impor visitas sem autorização e fora dos horários combinados. Foram também vedadas as visitas da menor à casa da família, pela continuidade das situações de risco a que esteve exposta, e posteriormente foi decidida a sua transferência para instituição afastada do perímetro de residência da família, encontrando-se em Évora há cerca de 3 anos, mantendo com a progenitora contactos esporádicos.
82. A arguida conheceu o coarguido através das redes sociais, estabelecendo com ele relação de amizade.
83. À data dos factos, assim como atualmente, C... residia com a progenitora (viúva e reformada). Porém, em janeiro de 2014 e até data recente, L... (progenitor da ofendida K...), naquela morada, estabeleceu com ela união de facto.
84. A casa é propriedade da mãe da arguida e situa-se em meio rural, na periferia de Vale de Cambra. Trata-se de um imóvel de construção antiga, modesto, com as infraestruturas básicas, denotando no seu interior desorganização e acumulação de pertences.
85. A arguida depende economicamente da progenitora (que recebe uma pensão de reforma de €530 mensais), mantendo práticas ocasionais de prostituição, existindo por parte dos familiares a aceitação desse tipo de atividade, a qual foi mantendo ao longo dos anos.
86. No seu meio residencial a arguida e o seu agregado detêm uma imagem algo desfavorável, não sendo pacíficas as relações de vizinhança.
87. Tem dificuldade em identificar a existência de vítimas e de danos decorrentes de comportamentos como os que estão em causa nos autos.
88. Não tem antecedentes criminais.
*
B - Factos não provados:
Não se provou qualquer outro facto para além dos acima referidos (nem que com eles estejam em contradição), designadamente: [1]
1. Que antes da relação sexual descrita no ponto 7 dos factos provados, nunca a menor F... tinha mantido relações sexuais com quem quer que fosse, sendo, pois, a sua primeira experiência sexual;
2. Que o arguido B... soubesse que a menor F... não tinha qualquer experiência a nível sexual;
3. Que antes da relação sexual descrita nos pontos 36 a 39 dos factos provados, nunca a menor K... tinha mantido relações sexuais com quem quer que fosse, sendo, pois, a sua primeira experiência sexual;
4. Que o arguido B... soubesse que a menor K... não tinha qualquer experiência sexual.
5. Que a ofendida K... tenha sentido aflição profunda e depressão;
6. Que a ofendida K... hoje tenha dificuldades de relacionamento com as pessoas, denotando insegurança e desconfiança;
7. Que o progenitor da ofendida K... a tenha apodado de “puta”, culpando única e exclusivamente a sua filha;
8. Que a ofendida K... tenha chegado a sentir-se a única e principal culpada;
9. Que a arguida C... ignorasse que o arguido B... manteve relações sexuais com as menores E... e K... em sua casa e, por consequência, que nunca tenha cedido a sua casa para esse efeito;
10. Que a arguida C... desconhecesse os instintos libidinosos do arguido B..., a sua real idade e a idade das ofendidas.
*
C - A convicção do tribunal:
A decisão da matéria de facto tem por base a convicção criada através da análise livre e crítica da prova produzida (cfr. artº 127.º do CPP).
Como é consabido, o princípio da livre convicção do julgador, em matéria de valoração da prova, para além de limitado pelo princípio da legalidade da prova, nos termos do qual «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei» (cfr. artgs. 125.º e 126.º, ambos do CPP), traduz naturalmente valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e do conhecimento científico, da qual resulta a objetivação da apreciação dos factos submetidos a julgamento.
Para que um facto se dê como provado, com o benefício da oralidade e imediação, necessário é que o julgador se convença da sua veracidade para além de toda a dúvida razoável (cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, polic., págs. 135 a 143).
Tendo presente este pano de fundo, o tribunal ponderou então, de forma concatenada os seguintes elementos de prova:

a) Documental:
- Certidão do registo de nascimento da ofendida K..., constante de fls 11;
- Certidão do registo de nascimento da ofendida E..., constante de fls 71;
- Certidão do registo de nascimento da ofendida F..., constante de fls 1140;
- Relatório fotográfico de fls 58;[2]
- Auto de busca e apreensão de fls 283 a 297;[3]
- Auto de apreensão de fls 303, bem como fotos de fls 341 e 508;[4]
- Documentos de fls 642 e 643;[5]
- CRCs do arguido B... de fls 337, 374 e 1027;
- CRCs da arguida C... de fls 373 e 1028;
- Relatório social do arguido B... de fls 1035 a 1039;
- Relatório social da arguida C... de fls 1053 a 1057;

b) Pericial:
- Relatório de Resumo dos Trabalhos de Encerramento da Diligência de fls 402 a 407;
- Exames efetuados aos telemóveis e computadores, gravados em DVDs e imprimidos a fls 419 a 453, sendo certo que as fotos dali extraídas encontram-se imprimidas no apenso A;

c) Por declarações (arguidos, demandante e testemunhal):[6]
- Declarações do arguido B...;[7]
- Declarações da arguida C...;[8]
- Declarações das ofendidas K..., E... e F... (declarações para memória futura cujos autos constam de fls 585, 586 e 635 a 637, transcritas a fls 684 a 894);[9]
- Declarações da testemunha M...;[10]
- Declarações da testemunha N...;[11]
- Declarações da testemunha D...;[12]
- Declarações da testemunha H...;[13]
- Declarações da testemunha L...;[14]
- Declarações da testemunha I....[15]

No essencial, conforme resulta dos factos dados como provados, a convicção do tribunal repousou no teor das certidões de nascimento e nos depoimentos das menores ofendidas (cfr. as respetivas declarações para memória futura, transcritas a fls 684 e ss.).
Nos respetivos depoimentos não se denotou qualquer tentativa de torpedear a verdade dos factos.
Com efeito, os respetivos depoimentos revelaram-se imprecisos aqui e acolá, conforme assim é normal em face dos mecanismos da memória na revisitação de acontecimentos passados, ainda que marcantes, sinal de que os depoimentos em causa foram espontâneos.
Não se vislumbrou também razão alguma para o facto da menor K... ter assegurado que manteve relações sexuais com o arguido contra a verdade dos factos, apesar deste o ter negado sem crédito.
Vejamos, a forma de abordagem do arguido é tipicamente predatória, iludindo as vítimas com aproximações que só tiveram sucesso ante a falta de experiência de vida das mesmas.
De facto, como é possível que as menores tenham acreditado que ele tinha a idade que dizia ter? Essa credulidade só é explicável pela sua manifesta falta de experiência de vida (o que não é equivalente a falta de experiência sexual).
Assim, sob identidade falsa e mentindo acerca da idade, iniciou com as três ofendidas relacionamento sexual (que elas, iludidas, chamaram de namoro), num padrão de conduta homogéneo, revelador da impressão digital do arguido.
Este, delas só queria uma coisa e apenas só uma: satisfazer os seus instintos libidinosos, relacionando-se sexualmente com elas.
Como pintura desbotada, a palavra amor ecoou nos seus lábios, mas na idade das ofendidas tudo tem cor viva, mesmo que de facto não a tenha.
Sabia perfeitamente o arguido as respetivas idades e confessadamente teve relacionamento sexual com a F... e a E.... Não é assim crível que também o não tivesse tido com a ofendida K..., conforme esta o assegurou (e assim se explica aliás a perseguição furiosa do pai desta menor ao arguido).
De todo o modo, em face da desenvoltura sexual patenteada pelo menos pelas ofendidas F... e K..., no que a estas concerne, não ficamos convencidos que elas não tivessem tido relações sexuais antes de conhecerem o arguido B....
Isso não equivale a dizer que tivessem experiência de vida. No campo sentimental tiveram com certeza as relações insipientes próprias da idade, numa época em que a iniciação sexual se dá cada vez mais cedo e a maturidade cada vez mais tarde.
Sinal dos tempos…
A arguida, por seu turno, negou, no essencial, os factos que lhe são imputados.
Sem crédito, como é bom de ver.
A sua mundividência tem a particularidade de um contexto socioeconómico precário e sexualmente promíscuo.
É nesse plano de pobreza de espírito e existencial que nos temos de situar para alcançar alguma espécie de explicação para o seu comportamento.
A sua casa era frequentada por menores, de forma aliás suspeita e que deixa até antever condutas penalmente mais graves.
Todas elas de contextos socioeconómicos e culturais desfavorecidos, denotando as fragilidades próprias da idade e do seu contexto existencial, vulneráveis portanto a assimilar como normais certo tipo de comportamentos de risco.
Algumas das menores eram colegas da sua filha e, tendo presente o contexto em que travou conhecimento com elas, não é crível que desconhecesse as respetivas idades.
Deu-lhes de comer, deu-lhes de beber, rodeou-as com atenções e, no caso da ofendida K..., tornou-se sua confidente e chegou mesmo a constituir-se como uma espécie de figura (para) maternal.
É pois plausível, para além de qualquer dúvida razoável (e, por maioria de razão, muito para além de qualquer dúvida irrazoável), a matéria de facto dada como provada.
Já os artefactos apreendidos ao arguido e a posse das fotografias decorre da prova documental acima referenciada (cfr., em particular, o auto de busca e apreensão e fotos imprimidas e constantes do apenso A), matéria que aliás B... reconheceu e que também foi referida pelo agente da GNR inquirido e pela menor E....
A intenção a que presidiu as condutas dos arguidos vislumbra-se, como espelho, nos factos objetivos que empreenderam e, como François de La Rochefoucauld escreveu no Séc. XVII, é caso para dizer que «os caprichos da nossa vontade são ainda mais estranhos do que os do destino», ainda que se conceda que «para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar certas loucuras» (Marcel Proust).
No que diz respeito aos danos não patrimoniais alegados no PIC deduzido, para além do depoimento dos pais da demandante, o tribunal estribou-se nas regras da experiência comum, em face da experiência vivida pela menor K....
Não deixa de ser sintomático que o pedido indemnizatório apenas tenha sido dirigido contra a pessoa da arguida C..., sinal de que a demandante sentiu profundamente a traição da confiança que depositou naquela.
Quanto à matéria de facto dada como não provada a esse propósito, consideramos que a mesma não teve respaldo nos meios de prova produzidos.
No que respeita ao percurso de vida dos arguidos e sua condição socioeconómica, o tribunal valorou em particular os relatórios sociais juntos.
Por fim, quanto à ausência de antecedentes criminais, o tribunal teve em consideração os CRC já acima referenciados.»
*
3.- Apreciação do recurso.
3.1. - Nulidade da prova obtida através da busca e apreensão.
O recorrente suas conclusões 5.1 a 5.6. sustenta que foi enganado pelo OPC que, bem sabendo que já corria contra o arguido o respectivo inquérito criminal e que a busca em causa se destinava a recolher provas relativamente aos factos que lhe eram imputados, mesmo assim, decidiu inquiri-lo como testemunha e apenas com o único e deliberado propósito de obter do arguido a sua «confissão» quanto à sua suposta segunda habitação e autorizar que nela se realizasse a respectiva busca; argumenta que dessa forma foi violado o disposto nos arts. 58.º, n.º1, al. a) e 59º, n.º1 do CPP e privado o arguido das informações inerentes à sua constituição como arguido, nomeadamente quanto aos seus direitos de não responder a perguntas feitas pelo OPC, de constituir advogado e de ser assistido por defensor na dita busca ainda antes de ter dado autorização à mesma e invoca as als. d), e) e f) do n°1 do art. 61 do CPP; E conclui que assim sendo o consentimento do arguido ora recorrente para a realização da dita busca à sua suposta (segunda) habitação foi obtido de forma ilícita e carece de validade formal;e as provas que recolhidas na busca são nulas e de nenhum efeito, não lhe podendo, por isso, ser conferido qualquer valor probatório;bem como, a própria confissão do arguido que, só ocorreu devido às supostas evidências decorrentes da prova recolhida nas ditas buscas e apreensões que foram efectuadas de forma ilícita à suposta segunda habitação do arguido ora recorrente.
Por sua vez, o MP responde: “Entende o recorrente que não podem ser valoradas as provas obtidas através de busca e apreensão documentadas através dos autos de fls. 283 a 297 porquanto o consentimento prestado pelo arguido para a realização da busca na sua habitação foi obtido de forma ilícita, carecendo de validade formal.
Defende o recorrente que o órgão de polícia criminal não estava munido de mandados de busca para a habitação sita na Rua ..., n.º ..., bloco ., entrada ., ..º dto, em ..., Paredes mas apenas para uma outra residência sita na Rua ..., n.º ....
Para poder ali aceder, viu-se na contingência de obter do visado o respectivo consentimento.
No entanto, não constituiu o visado como arguido, nem o informou dos direitos que lhe assistem, nomeadamente o de poder fazer-se acompanhar por advogado na dita diligência e do direito de não prestar declarações sobre os factos que lhe eram imputados.
Em vez disso, ludibriando-o, o OPC inquiriu-o como testemunha e apenas horas depois o constituiu como arguido, já no Quartel da GNR de Paredes. O relatório de buscas constante de fls. 318 e ss dos autos revela, porém, o contrário.”

Vejamos.
Em primeiro lugar, os factos relevantes.
- A fls. 318 e segs., mais especificamente no que tange à buscas em causa, a fls. 321 a 323 consta o relatório de buscas efectuadas ao visado B... aqui recorrente.
- Do referido relatório de fls. 318 e ss em conjunto com os documentos juntos aos autos a fls. 247 a 255, resulta:
*Que em 20.05.2014, em Vale de Cambra, foram emitidos mandados de busca, emitidos pela Srª Procuradora Adjunta, para efectiva apreensão tendo como local da diligência: o automóvel de matrícula QP-..-.. e quaisquer outros na posse e disponibilidade de B..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., Paredes. (fls. 248)
*Na mesma data e local, foram emitidos mandados de busca, pela Mmª Juiz de Direito, para efectiva apreensão tendo como local da diligência: Habitação Suspeito: B..., (…) sita na Rua ..., n.º ..., ..., ....-... Paredes.(fls. 249)
- Tais mandados de busca foram executados no dia 03.06.2016, e a fls. 321 a 323 dos autos está pormenorizadamente descrita a forma como se desenvolveram as diligências de prova, na manha do dia 03.06.2014, do seguinte modo:
«Assim, no dia 03 do corrente mês, pelas 06H30, elementos deste Núcleo [Núcleo Investigação Apoio Vítimas Específicas], deram início às diligências de investigação.
(…) Chegados então à localidade de ... - Paredes, eram cerca das 07H40, deslocamo-nos para a Rua ..., onde junto do n.º ..., foi abordado o Sr. O..., Pai do agora arguido B..., ao qual perguntamos pelo arguido, tendo-nos informado o Sr. O... que o arguido não estava em casa, em virtude de ainda estar a ir dormir à residência que ainda partilhava com a mulher, mas que entretanto chegaria, Pois ali (residência do Pai) o agora arguido passava a maior parte do tempo. Visualmente, o Sr. O... localizou-nos o bloco de apartamentos onde o arguido ia dormir, inclusive era o mesmo (arguido) casado e tinha um filho de oito (8) anos, inclusive após levar o filho à escola, isto por volta das 09H00, deslocava-se para esta residência (residência do Pai) e aqui se mantinha todo o dia.
Aguardamos relativamente, perto da residência, sita na Rua ..., esperando que o agora arguido ali chegasse. Eram cerca das 11H00, quando o arguido circulava com a viatura automóvel de matricula UJ-..-.., na Rua ... - ..., na direção da habitação sita na Rua ..., n.º .... Sendo mandado parar pelos Investigadores, estes, logo fizeram prova da sua qualidade de Agentes da Autoridade, sendo-lhe logo comunicado as circunstâncias que fundamentavam a obrigação do mesmo (arguido) se identificar e imobilizar a viatura, desligando-a e saindo do interior da mesma (viatura).[sublinhado original]
Muito prontamente, o agora arguido, desligou a viatura automóvel que conduzia (UJ-..-..), saindo também do seu interior. Foi-lhe solicitado documento de identificação, o qual de imediato o mostrou, sendo-lhe também efetuada uma revista de segurança, não tendo sido encontrado qualquer objeto susceptível de colocar a segurança dos investigadores em perigo ou atingir a integridade física dos mesmos ou até do próprio visado. Todavia, foi encontrado junto do visado outros objetos que estão elencados no auto de busca e apreensão, mas que não oferecia qualquer risco para os investigadores.
Foi entregue ao visado B... os respetivos mandados de busca e apreensão e respetivos despachos que ordenaram as buscas. Mais, sabendo já os investigadores da existência de outra residência do visado, foi o mesmo questionado sobre essa mesma residência, tendo referido que efetivamente, todos os dias passava a maior parte do seu tempo em casa de seus Pais e que só ia dormir à residência que ainda partilhava com a sua mulher, inclusive já nem com esta dormia e que muitos dos seus pertences já se encontravam em casa de seus Pais.
Percebendo que os mandados de busca e apreensão visavam a casa de seus Pais e não a habitação que segundo o mesmo ainda partilhava com sua mulher... e seu filho Q..., de livre vontade disse que até nos permitia também uma busca ao apartamento sito na Rua ..., n.º ..., bloco ., entrada ., .º direito - ... - Paredes. Foi então o visado B... ali identificado e inquirido em como ambas as residências são por si frequentadas, assim como redigido no mesmo auto os pressupostos previstos no artigo 174°, n.º5, al. b) do CPP e sobre as buscas domiciliárias previstas no artigo 177°, n.º 3, al. a) do mesmo diploma legal, tendo o visado assinado o consentimento por si prestado.
Desde o início de todos os nossos trabalhos que o agora arguido foi colaborante, assumindo ser de sua pertença todos os objetos por este Núcleo encontrados no decorrer de todas as buscas, com exceção das armas brancas (vide fotos 45, 46, 47 e 48), estas de pertença de seu Pai para abater suínos, assim como exceto todos objetos encontrados no apartamento (Rua ..., n.º ...) sendo os mesmos de pertença de sua mulher (vide fotos 49, 50, 51 e 52). (…)»
- Do que consta a fls. 250 dos autos verifica-se que os agentes do Núcleo que realizou as buscas usaram o formulário de uma auto de inquirição de testemunha para a prestação do consentimento do visado e para ficar nele a constar a informação “que para além da residência da Rua ..., n.º ..., ... - Paredes, tem a residência em cima descrita” – Rua ..., n.º ..., Bloco ., Entrada ., .º Direito, ..., Paredes. “que actualmente a sua residência é mais a dos seus pais uma vez que se está a separar de sua mulher”.
- Verifica-se que consta no mesmo auto a fls. 250, que disse: “Ser o visado das buscas, B...”; e a fls. 250 verso consta, na parte em que o agora recorrente deu o seu consentimento para as buscas na morada da Rua ... “declara o visado B... autorizar os investigadores do NIAVE da GNR a entrar no domicilio sito na rua ... …
- Dos autos de busca de fls. 248 e 249, nomeadamente nos seus versos, consta que após cumpridas as formalidades legais as referidas buscas foram presenciadas pelo visado B....

O Direito.

Dispõe o artigo 174º do CPP:
1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;

Por sua vez o art. 177º do CPP, sob a epígrafe “Busca domiciliária”:
1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
Dispõe o artigo 58º do CPP:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
Finalmente dispõe o artigo 59º do CPP:
1 - Se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior.

Como se sabe a busca é um meio de obtenção de prova, e quer se trate de uma busca domiciliária quer não, a prévia constituição de arguido, do concreto arguido, não era, nem é pressuposto da sua realização e validade, como decorre do disposto nos artigos 174º a 177º do CPP, onde não está enunciada essa formalidade; e, compreende-se que assim seja, visto que a busca visa recolher provas e, nessa medida, indícios de que os factos denunciados ou participados contra o suspeito da prática de crime têm fundamento. Queremos com isto dizer que por vezes a busca visa um resultado do qual dependerá a futura constituição de arguido que, como é consabido, com a reforma de 2007 deixou de ser automática.
Com efeito, «no sistema do Código, arguido não é todo aquele sobre quem recaia a suspeita de ter cometido um crime, mas somente a pessoa que é formalmente constituída como sujeito processual, e relativamente a quem corre processo no qual é eventual responsável pelo crime que constitui o seu objecto. (…) A constituição de arguido pode ocorrer ope legis, ou mediante acto de comunicação específico; (…); a constituição mediante comunicação opera-se nas hipóteses previstas nos arts. 58º e 59º do CPP.» - vide Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, pags. 204
Como do auto de desenvolvimento de diligências de prova, resulta, a fls. 322: «Percebendo que os mandados de busca e apreensão visavam a casa de seus Pais e não a habitação que segundo o mesmo ainda partilhava com sua mulher P... e seu filho Q..., de livre vontade disse que até nos permitia também uma busca ao apartamento sito na Rua ..., n.º ..., bloco ., entrada ., 1º direito - ... - Paredes. Foi então o visado B... ali identificado e inquirido em como ambas as residências são por si frequentadas, assim como redigido no mesmo auto os pressupostos previstos no artigo 174°, n.º5, al. b) do CPP e sobre as buscas domiciliárias previstas no artigo 177°, n.º 3, al. a) do mesmo diploma legal, tendo o visado assinado o consentimento por si prestado.
Resulta da conciliação da supra referida factualidade emergente dos autos, que antes do visado pelas buscas [já autorizadas, a no veículo de matrícula QP-..-.. e quaisquer outros na posse e disponibilidade do visado e na residência da Rua ..., n.º ..., ..., Paredes] se aproximar dos elementos do NIAVE já estes, informados pelo pai do visado, sabiam que ele tinha outra residência onde pernoitava, com a mulher e o filho de 8 anos.
Assim, o auto de fls. 250, nomeado de “auto de inquirição de testemunhas”, é formal e substancialmente um auto de formalização e documentação do consentimento do visado à busca na referida residência onde dormia e onde também dormia a sua mulher e filho.
Em abono do que dizemos o que consta a fls. 322 e que acabamos de reproduzir e ainda o facto de posteriormente o arguido ter sido constituído arguido - fls. 252 a 256 e, aí sim, ter-lhe sido perguntado se queria responder sobre os factos que lhe são imputados, respondeu: “que não deseja responder sobre nenhum dos factos que lhe são imputados nos presentes autos.”
Concluímos, assim, que no caso não era obrigatória a constituição de arguido antes da realização da busca, nem para efeitos de prestação de consentimento para a busca à residência sita no apartamento da Rua ..., n.º ..., bloco ., entrada ., .º direito, ..., Paredes.
E que o auto de fls. 250 mais não é formal e substancialmente do que um auto de prestação de consentimento do visado para realização de busca numa outra sua residência.
Acrescem duas notas com relevo para o pedido:
No momento em que o visado, ora recorrente e arguido, consentiu na busca àquela residência, era já conhecedor de que estava a ser investigado e que se iria realizar buscas autorizadas pelas autoridades competentes, contrariamente ao que afirma agora na motivação de recurso.
Por outro lado, tendo ainda em atenção o pedido, do acórdão recorrido e no que ao crime de pornografia de menores diz respeito, o Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos:
«46. No dia 03.06.2014, pelas 11h20m, na localidade de ..., concelho de Paredes, o arguido conduzia o veículo de marca "Renault", modelo ".", de cor branca, com a matrícula UJ-..-..-, quando foi interceptado pelos militares da Secção de Investigação Criminal da GNR de Aveiro.
47. Nesse momento, o arguido detinha, no banco do passageiro da frente do referido veículo, um dos telemóveis por si utilizados, de marca "Sony", modelo ..." com o IMEI ................
48. Na memória do referido aparelho, o arguido tinha guardadas fotografias com conteúdo pornográfico, designadamente:
a) Uma fotografia da menor E..., de pé, nua da cintura para cima, com a face visível (cfr. sexta fotografia de fls. 2 do anexo destes autos);
b) Uma fotografia da menor E..., deitada, nua da cintura para cima, com a face visível (cfr. oitava fotografia de fls. 4 e décima segunda fotografia de fls. 24, do anexo destes autos); e
c) Uma fotografia de pormenor da vagina da menor E... (cfr. oitava fotografia de fls. 30 do anexo destes autos).
49. O arguido sabia que detinha as referidas fotografias no seu telemóvel e que a pessoa ali retratada era E..., menor de idade.»
Do auto de busca de fls. 283 e ss, nomeadamente a fls. 283 e 284 [início], resulta que o arguido foi abordado pela autoridade policial quando conduzia o veículo. E no interior da referida viatura automóvel UJ-..-..:
- No lado do condutor – na lateral da porta um telemóvel de marca Nokia (foto 7 e 8);
- No lado do passageiro – Em cima do banco um telemóvel de marca Sony (foto 9 e 10)…
A busca em causa estava legitimada por despacho da autoridade judiciária competente - o Ministério Público -, como resulta de fls. 127 dos autos, de acordo com o disposto no art. 174.º n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal, considerando que foi determinada a realização de busca ao automóvel de matrícula QP-..-.. e a quaisquer outros na posse e disponibilidade de B..., cujo mandado de busca, devidamente certificado, se mostra junto a fls. 248 verso.
Cumpre ainda referir que as autoridades que realizaram a busca aceitaram, como resulta do que consta a fls. 285, em conjugação com o que consta a fls. 322 in fine, que o telemóvel e cartão de telemóvel, encontrados no quarto de casal e o computador portátil e uma embalagem de cartão de telemóvel com respectivo cartão encontrados na cozinha da residência da Rua ..., n.º ...º, bloco ., entrada ., .º direito ..., Paredes, eram pertença de sua mulher (fotos 49, 50, 51 e 52 das diligências de busca).
Não foi, assim, cometida qualquer nulidade na busca efectuada e na obtenção da prova da posse pelo arguido do material pornográfico relativo à menor E....
Relativamente à pretensão do recorrente de que não seja valorada ou se tenha por nula a confissão parcial dos factos por si efectuada em audiência, argumentando que essa confissão parcial dos factos só ocorreu "devido às supostas evidências decorrentes da prova recolhida nas ditas buscas e apreensões que foram efectuadas de forma ilícita à suposta segunda habitação"; essa pretensão é desprovida de qualquer sentido, não só pelo que deixamos dito anteriormente, mas ainda por, como diz o MP junto da primeira instância, “o arguido relatou a sua versão dos factos ao Tribunal em condições de total liberdade e, …, absolutamente esclarecido quanto à prova previamente produzida, designadamente os documentos que já constavam dos autos e as declarações para memória futura prestadas pelas ofendidas à Mm.ª Juiz de Instrução Criminal.
Uma última nota para esclarecer o recorrente que não compete ao tribunal esclarecer qualquer arguido das implicações jurídicas de eventual confissão dos factos, pois, para isso é que o arguido se encontra, nos actos que a lei prescreve, acompanhado de defensor ou advogado constituído.
Pelo exposto improcede a questão colocada na sua totalidade.
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3.2. - Inconstitucionalidade da norma contida nos arts. 58º, n.º 1, al. a), 59°, n.º1 e 177°, n°2, al b) do CPP, quando interpretadas no sentido de que, visando o mandado de busca uma determinada habitação do denunciado, o OPC poderá inquiri-lo ainda tão só como testemunha com o fito de obter deste a confirmação da existência duma outra habitação e obter do mesmo o seu consentimento para que a realização da dita busca seja realizada nesta última e ainda antes da sua constituição como arguido, por tal norma violar as garantias de defesa do processo criminal e o direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo previstos nos n.ºs 1 e 3 do art. 32º da Constituição da República Portuguesas (CRP), bem como a garantia constitucional da nulidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada e no domicilio (prevista no n.º 8 do mesmo artigo) e ainda o principio da dignidade humana consagrado no art. 1º e o próprio princípio do Estado de Direito Democrático que emana do art. 2º do diploma fundamental.
Vejamos.
Quanto aos alegados vícios do auto de busca, essa matéria já foi objeto de decisão neste acórdão.
No que diz respeito à conformidade constitucional material da interpretação ora realizada, porquanto a questão não foi colocada na 1ª instância, entendemos que a mesma não é violadora de qualquer direito do arguido, e não foi feita qualquer afronta aos princípios constitucionais, pois a hipótese tal como o recorrente a desenha não é verídica, nem material nem formalmente.
Para que o recorrente não fique com qualquer dúvida: a) em primeiro lugar, a realização de uma busca ao visado, ora arguido, não depende da sua prévia constituição como arguido; b) conforme já se explicou, as buscas que carrearam provas relevantes para os autos estavam legitimamente autorizadas; c) a busca à residência da Rua ... foi autorizada, pelo arguido, com consentimento devidamente documentado - o auto de fls. 250 dos autos é formal e substancialmente um auto de documentação do consentimento do visado; d) como decorre do que consta a fls. 222 dos autos não impugnado pelo recorrente, ao ser entregue ao visado B... os respectivos mandados de busca e apreensão e despachos que ordenaram as buscas, e o consentimento documentado e dado pelo visado para a busca realizada noutra sua residência, e ao ter o visado acompanhado todas as diligências, foram cumpridas todas as formalidades legais, que o caso impunha, pelo que não se vislumbra qualquer violação do art. 32º, números 2 e 3 ou qualquer outro artigo da CRP.
Pelo exposto, por ser manifestamente improcedente, já que não se vislumbram violados quaisquer direitos do arguido, improcede a questão.
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3.3. Impugnação da matéria de facto.
O recorrente impugna os factos identificados no item 2.2. da sua motivação, isto é os factos com a seguinte redacção:
2.2.1. - que foi o arguido quem iniciou as conversações com a F..., que os contactos com esta se tenham iniciado no mês de Setembro de 2012 e mantido durante os meses de Setembro e Outubro de 2012 e que o mesmo tenha tido relações com aquela em Novembro e Dezembro de 2012 ou em qualquer outra data (vd itens 2 a 9);
2.2.2.- que o arguido tivesse conhecimento que a F... tinha apenas 15 anos de idade (vd item 10);
2.2.3.- que o arguido se tivesse aproveitado dessa situação e soubesse que estaria a limitar a sua liberdade e autodeterminação sexual (vd item 11);
2.2.4. - que o arguido tivesse agido de forma consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal (vd item 12;
2.2.5.- que o arguido tivesse iniciado conversações com a E... no mês de Dezembro de 2012, então com 13 anos de idade (vd item 13);
2.2.6.- que o arguido tenha mantido relações sexuais ou actos sexuais de relevo com a E... em data próxima de 15/12/2012 (vd item 16 a 21);
2.2.7.- que o arguido tenha repetido tais actos dois dias depois (vd item 22);
2.2.8.- que o arguido tenha apresentado a arguida C... à menor E... (vd item 23);
2.2.9.- que o arguido tenha mantido relações sexuais com a menor E... em casa da arguida C... ao longo de todo o ano de 2013 até ao inicio de 2014 (vd item 26);
2.2.10.- que de Janeiro a Julho de 2014, por várias vezes, o arguido tenha mantido relações sexuais com a E... no 10 andar de um prédio em Paredes (vd item 27;
2.2.11.- que o arguido tenha, alguma vez coagido ou chantageado a E... para manter relações sexuais com o mesmo (vd item 28);
2.2.12.- que o arguido sabia que a ofendida E... tinha 13 anos de idade e que a mesma não dispunha de experiência a nível sexual e que se aproveitou dessa situação (vd-item 29)
2.2.13.- que o arguido sabia estar a limitar a liberdade e autodeterminação sexual da E... (vd item 30);
2.2.14.- que o arguido agiu conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punia pela lei penal (vd item 31);
2.2.15.- que o arguido manteve relações sexuais com a menor K... na casa da arguida C... no mês de Novembro de 2013 ou em qualquer outra data (vd itens 35,a 42);
2.2.16.- que o arguido sabia que a K... tinha 15 anos de idade e que se tenha aproveitado dessa circunstância (vd. item 43);
2.2.17.- que o arguido sabia estar a limitar a liberdade e a autodeterminação sexual da K... (vd item 44):
2.2.18.- que o arguido sabia que as suas condutas eram proibidas pela lei penal (vd item 45);
2.2.19.- que a arguido tinha guardado no seu telemóvel fotografias com conteúdo pornográfico relativas à menor E... (vd item 48);
2.2.20. que o dito telemóvel estava no banco de passageiros da frente do veículo com a matricula UJ-..-.. (vd itens 46 e 47);
2.2.21.- que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei (vd item 49);
Para tanto argumenta que os factos supra referidos encontram-se contrariados pela sucumbência da confissão do arguido e de toda a prova documental, resultante das apreensões e subsequentes exame pericial decorrente da busca cuja nulidade tem como manifesta.
Mais refere que tais factos encontram-se contrariados pelas inúmeras contradições existentes entre os depoimentos das 3 ofendidas.
E chama à colação depoimentos das testemunhas I... e D... prestados perante a GNR a fls. 257 e 490; bem como da F... a fls. 525; e da E... a fls. 210; e argumenta que as declarações, incluindo as do arguido, foram induzidas quer pelos OPC quer pelo Tribunal [este, relativamente ao arguido]; para concluir ser manifesto que a relação do arguido com a ofendia E... só se terá iniciado nos finais de 2013, já depois desta ter completado 14 anos de idade [teria completado 14 anos de idade em 08.09.2013] e terá durado até ao verão de 2014; e que como resulta das fotografias juntas aos autos e foi confirmado pelas testemunhas e pela co-arguida C... todas as menores aparentavam ter mais de 16 anos.
Depois o recorrente intencionalmente ou não mistura (vide conclusão 5.27 e pontos 2.43 a 2.49) os factos relativos à E... com os factos relativos à F... para argumentar que todas as menores já não eram virgens.

Vejamos.
§ 1º. Posto isto, vejamos os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
A prova produzida em julgamento é valorada de acordo com o princípio geral do art. 127º do Código de Processo Penal, segundo o qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e o princípio in dubio pro reo -.
O referido princípio concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo decisório, no entanto tal juízo decisório terá de ser fundamentado de modo lógico e racional.
Essa liberdade está, assim, condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência humana comum.
A formação da convicção exige uma atividade intelectual de análise crítica da prova, baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. Tal impossibilita que o julgador possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
De encontro a estes considerando a lei consagra no nº 2, do artigo 374º, do Código de Processo Penal, que a sentença contenha “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova, e uma tal exigência legal visa exactamente o controlo da formação da convicção, quer pelos cidadãos quer pelos Tribunais superiores.
Como supra referimos, atenta a reproduzida fundamentação da decisão da matéria de facto, a sentença recorrida satisfaz as referidas exigências, sendo, por isso, a convicção do tribunal de julgamento passível de ser sindicada em relação às provas produzidas em julgamento.
A livre apreciação da prova não é a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova. A lei exige, antes, um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com prudência e bom senso.
Tendo o tribunal a quo procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção do julgador e este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando tal convicção violar as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios de prova produzidos em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
Com efeito, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”.
A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto:
- não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo;
- ou se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto.
Assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
os pontos sob censura na decisão recorrida; e
as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Do exposto conclui-se que o objeto do recurso em apreço exige que se apure se os probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de realização de um 2º julgamento assente na apreciação da globalidade da prova produzida.
Assentes estes pressupostos genéricos urge descer ao caso concreto.
Cumpre referir, em primeiro lugar, que as considerações do recorrente sobre a prova são meras generalidades, pois. impugnando os factos que deixamos reproduzidos, argumenta a esmo, com provas não produzidas em audiência, sem referir o facto que nesse momento visa atacar com a sua argumentação. Queremos com isto dizer que a técnica do recorrente não faz reflectir a sua argumentação ou ponto de vista relativamente a um facto concreto, sendo nessa medida absolutamente inconsequente.
Começamos por referir, que as declarações prestadas pelas ofendidas ou testemunhas perante a GNR não têm qualquer valor em julgamento – a não ser nos apertados casos de leitura ao abrigo do artigo 356º, n.º5 do CPP, ex vi da al. b) do n.º2 do mesmo artigo do CPP, o que no caso não ocorreu -; são prova do inquérito, produzida e usada para efeitos do despacho de encerramento do inquérito, pelo Ministério Público, quer ele seja de arquivamento quer de acusação.
A propalada indução das declarações do arguido em audiência não faz qualquer sentido estando o mesmo aí devidamente assessorado por defensor.
Lidas as declarações para memória futura das ofendidas não encontramos contradições relevantes e os relatos efectuados conferem com os factos provados.
Impõe-se referir que a menor E... sempre evidenciou a mesma certeza, em qualquer das vezes em que prestou declarações, e também nas suas declarações para memória futura, que o namoro com o arguido, que se dizia B2..., de 18 anos, começou em Dezembro de 2012, e quando referiu o dia 15 de Dezembro de 2012, relativamente a calhar a um dia de quarta-feira disse: “se não me engano era uma quarta-feira” e tendo-lhe sido perguntado “Não tens a certeza mas pensas que era uma quarta?” Referiu: “Sim”.
Por outro lado, do teor das declarações da ofendida E... resulta que a K... foi da turma da E..., não resulta em que ano isso aconteceu; a F... não era da sua turma [esta namorou com o B2...[arguido] antes da E... – fls. 733], a ofendida F... conheci-a por ser irmã da S..., essa sim colega de turma da ofendida E... (vide fls. 756 e 795).
Por outro lado, do respondido pela menor E... a fls. 725 e 726 e a fls. 731 a 740 dos autos, resulta que se relacionou sexualmente com o Arguido, entre 15 de Dezembro de 2012 e 8 de Julho de 2014, atravessando, portanto, dois anos lectivos o de 2012/2013 e o de 2013/2014.
Aliás do depoimento da K... resulta que a menor E... foi da sua turma, mas no ano de 2013/2014 [no mesmo sentido vai a esgrimida carta da directora de turma do ..., G...; e ao contrário do que pretende o recorrente que diz que as declarações da K... apontam para o ano lectivo de 2014/2015] e porque a E... em Setembro de 2013 estava como problemas com o arguido, por ser desconfiado e impulsivo, a K... começou a falar com ele para lhe dizer «tu não estejas assim porque ela “E...” não está a mentir».
E, portanto só em meados de Outubro ou inícios de Novembro [portanto de 2013] é que começa a falar com ele.
Por outro lado, do depoimento da K... a fls. 770 resulta que o arguido encetou uma conversa com esta que não teve o rumo inicial que ela lhe quis dar. Ela só queria ajudar a amiga. Ele intromete-se a falar por um número privado e começa a dividir para reinar ao dizer que a E... tinha as duas faces e que a ia apunhalar, à K..., pelas costas, visivelmente a explorar a inexperiência de vida das menores; e aproveitar essa inexperiência para logo de seguida e por essa altura encetar um relacionamento sexual também com a K..., quando ainda se relacionava com a E....
Efectivamente a K... diz nas suas declarações para memória futura que teve o primeiro relacionamento sexual com o arguido que se dizia B1..., de 23 anos [fls. 775], em casa da C... [e era a sua primeira vez] em Novembro de 2013 [fls. 776] embora não tenha sangrado, e que cortaram o namoro em Janeiro de 2014, altura em que o pai e a mãe da menor descobriram que o B1..., nome pelo qual conhecia o aqui arguido, tinha 43 anos.
E resulta das suas declarações que a menor E... ainda continuou o seu relacionamento com o arguido depois da ofendida K... acabar o seu, com ele [fls. 809 a 811]. Também das declarações desta menor resulta que a F..., segundo o que a E... lhe tinha dito era a Ex. do arguido. Atentas as declarações para memória futura da menor K..., a fls. 811 e 812 não resulta que fosse da mesma turma da F..., porquanto a pergunta que lhe foi feita e a que respondeu foi:
Havia mais alguma rapariga da turma ou da escola que também tivesse um relacionamento que vocês soubessem?
Menor: com a F...! Mas a F... eu sabia…
Juiz de Direito: A F... que está aqui fora?
Menor: Isso mesmo.
Juiz de Direito: Sabias?
Menor: Sabia
Juiz de Direito: Quem é que te tinha dito?
Menor: A E.... A E... disse-me que era a ex-dele.
Quanto à idade que a ofendida F... tinha quando foi namorada do arguido esta é bem explícita: fui namorada dele [do arguido B...] há dois anos atrás, tinha quinze anos na altura. (fls. 824 das suas declarações para memória futura]. E também a esta ele dizia que se chamava B2... ou B3..., que tinha 18 anos de idade e tinha um sobrinho chamado Q..., que afinal era filho. A mesma depoente diz que conheceu a E... no Sétimo ou oitavo ano e conheceu a K... o ano passado, e à pergunta: “Mas andam na mesma escola ou andaram na mesma escola? Respondeu “andamos na mesma escola”.
Situou o conhecimento do arguido em Setembro do ano lectivo de 2012/2013. A primeira relação com ele, que foi também a sua, em Novembro de 2012, disse-lhe a idade, teve relações sexuais com ele três vezes e depois nunca mais esteve com ele porque ele começou a namorar com a E..., disse-lho ela e ele confirmou.
Pelo exposto, conjugados os depoimentos das ofendidas conclui-se que o arguido conheceu as ofendidas F... e E... no ano de 2012, tendo começado a relacionar-se sexualmente com a K... e com a E..., respectivamente em Novembro e Dezembro de 2012.
Portanto, olhando os argumentos de recurso o que se conclui é que o recorrente pretendeu baralhar toda a prova, para fazer crer realidades que não existem como a esgrimida de que todas as ofendidas eram da mesma turma e que, por isso, se a F... tinha uma idade (16 anos celebrados em 27.04.2013) todas as outras a tinham ou seria natural que o arguido pensasse que a tinham.
Acontece que o relacionamento com a F... aconteceu em Novembro de 2012, e acabou logo no início de 2013, muito antes da ofendida F... ter perfeito 16 anos de idade.
Por outro lado, quanto ao reproduzido trecho do depoimento do arguido:
Juiz de direito: Isto, aqui começou em Setembro, de 2013?
Arguido: (1.15 a 1.23)- A 'data' não me lembro Sr. Doutor. Não faço a mínima ideia, isto já foi a tanto que a data já não me lembro que comecei a falar...
Juiz de Direito: Mas à quanto tempo mais ou menos? Estamos em 2016... (1.33 a 1.40)
Arguido: (1.44 a 2.05) -2010, 2011... Pode ter sido 2011 ou 2012... Não faço a mínima ideia. A data certa não me lembro.
Juiz de Direito: Quer dizer alguma coisa que não tenha dito?
Arguido: Queria dizer que foi em 2013 e não em 2012. Eu conheci a minha namorada ... que ela está lá fora, tem-me acompanhado sempre, todas as vezes que eu tenho vindo aqui. E no final de 2013 comecei a andar com ela outra vez. Eu comecei a andar com a F... em 2013, e nos finais de 2013, fiquei com a namorada que estou agora.
Nunca o reproduzido trecho, só por si podia autorizar qualquer mudança de decisão relativamente à data em que o arguido começou a relacionar-se sexualmente com a menor E..., ou com as outras menores, já que ele próprio admitiu que os factos podiam ter tido lugar em 2010/ 2011 ou 2011/2012, como poderia agora no final da audiência afirmar que foi em 2013 e merecer credibilidade.
Os depoimentos das menores mereceram grande credibilidade ao tribunal a quo e a nós que os lemos e pudemos avaliar o elevado grau de sinceridade e inexperiência de vida que deles emana.
Uma pequena nota para esclarecer que a carta de 8 de Janeiro de 2014, subscrita pela directora de turma do .º ano ., nada acrescenta em favor do arguido, pois dele apenas consta que é directora de turma do .º ano . e que aí são alunas S..., K... e E... o que, aliás, já havíamos concluído; e decorre também que o ano lectivo em curso é necessariamente o de 2013/2014.
Perante o exposto, os argumentos do arguido não fazem qualquer sentido, não tendo sido indicada qualquer prova que imponha, ou sequer permitisse, decisão diversa, pelo que a questão é clara e manifestamente improcedente.
Soçobra, assim, por manifesta improcedência a questão dos erros de julgamento.
*
§2º
Argumenta o recorrente nas suas conclusões 5.37 e 5.38: “está bom de ver que a alteração da decisão da matéria de facto nos termos preconizados no item anterior, implica necessariamente a conclusão de que o arguido não praticou nenhum dos crimes pelos quais foi indevidamente condenado”; “Desde logo, deverá ser absolvido do crime de Pornografia de Menores P. e P. no art. 176º, nº4 do CP por manifesta falta de prova resultante da nulidade das buscas e apreensões efectuadas ao arguido ora recorrente;”
Posto que a matéria de facto fixada na primeira instância resultou incólume é apodíctica a conclusão de que não há lugar a qualquer absolvição pelo crime de pornografia de menores, ou qualquer outro por essa circunstância.
*
§ 3º
Pretende o recorrente que deverá ser também absolvido do crime de Abuso Sexual de Criança p. e p. pelo art. 171º, n.ºs 1 e 2 do CP porquanto, à data dos factos, a menor E... já tinha completado os 14 (catorze) anos de idade (em 8 de Setembro de 2013) - vd certidão de nascimento de fls 71.
Pois bem, visto que os factos fixados na primeira instância não foram modificados nesta instância, por não ter sido alterada a matéria de facto que fixou o relacionamento sexual da menor E... com o arguido em Dezembro de 2012, é claro que tendo a menor nascido em 08 de Setembro de 1999 (certidão de fls. 71) em Dezembro de 2012 tinha apenas 13 anos de idade, e nessa medida era, para efeitos do artigo 171º, n.ºs 1 e 2 do CP, uma criança.
Acresce que o crime de abuso sexual de criança tem natureza pública, como resulta do disposto no art. 178.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que a legitimidade do MP para prosseguir a acção penal não depende do exercício de qualquer queixa – artigos 48º e 49º este a contrario, ambos do CPP.
Por isso, quer esta questão quer a colocada na argumentação alternativa da conclusão 5.40 são claramente improcedentes.
*
§ 4º.
Mais, pretende o recorrente na sua conclusão 5.41 ser absolvido dos crimes de actos sexuais com Adolescentes (p. e p. pelo art. 173º, nºs 1 e 2) que lhe são imputados relativamente à ofendida F... porque à data dos factos esta já tinha completado os seus 16 nos de idade (em 27/04/2013) - vd certidão de nascimento de fls. 1140.
Visto que os factos fixados na primeira instância não foram modificados nesta instância, por não ter sido alterada a matéria de facto que fixou o relacionamento sexual da menor F... com o arguido em Novembro de 2012, é claro que tendo a menor nascido em 27.04.1997 (certidão de fls. 1140), a menor em Novembro de 2012 tinha apenas 15 anos de idade, e nessa medida era, para efeitos do artigo 173º, n.ºs 1 e 2 do CP, uma adolescente porquanto tinha uma idade compreendida entre 14 e 16 anos de idade.
Acresce que embora o crime de actos sexuais com adolescente tenha natureza semi-pública, como resulta do art. 178.º, n.º 3 do Código Penal, os direitos de queixa relativamente a estes crimes foram exercidos pelos representantes legais das menores ofendidas – veja-se o auto de inquirição da mãe da ofendida F... a fls. 490 e 491 e o auto de inquirição da mãe da ofendida K... a fls. 51/v.º.
Por isso, a questão é claramente improcedente.
*
3.4. - Verificação do pressuposto abuso da inexperiência ou de vulnerabilidade, nos crimes de actos sexuais com Adolescentes (p. e p. pelo art. 173º, nºs 1 e 2).
Pretende o recorrente nas suas conclusões 5.42, 5.43 e 5.44 a acusação não logrou fazer prova de que o arguido ora recorrente tivesse abusado da suposta inexperiência ou de alguma suposta vulnerabilidade das menores para se aproveitar sexualmente das mesmas; mas ao invés, argumenta resulta com mediana evidência dos autos que as menores não só já não eram virgens como tinham já suficiente experiência sexual anterior e dominavam relativamente bem a arte da sedução e da intriga e que já possuíam autonomia e experiência bastantes para se terem defendido eficazmente das supostas intenções libidinosas do arguido do ora recorrente; mais conclui que a conduta do arguido em nada afectou o livre desenvo1vimento da personalidade das menores na sua esfera sexual, nem limitou a sua liberdade e autodeterminação sexual e não há nenhuma notícia nos autos de que algum delas tenha ficado traumatizada com tal situação ou que esta lhes tenha causado quaisquer danos psicológicos ou psíquicos que tenham carecido de intervenção técnica especializada.
Mais entende que o ónus da prova relativamente ao suposto abuso da inexperiência das menores por parte do arguido ora recorrente competia ao Ministério Público, este não logrou demonstrá-lo, pelo que terão de valer aqui também os velhos princípios «in dubio pro reo» e da «presunção de inocência, impondo-se a absolvição do arguido também quantos aos crimes de Actos Sexuais com adolescentes.

Vejamos.
O Tribunal a quo sobre o crime de abuso sexual com adolescentes discorre na decisão em recurso:
«…. Dos crimes de atos sexuais com adolescentes:
É ainda imputado ao arguido Eusébio, a título de autoria, a prática de seis crimes de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal, com referência aos artgs 14º e 26º, do mesmo diploma legal (três crimes por cada uma das ofendidas F... e K..., já que ocorreram em três ocasiões distintas e bem definidas no tempo, segundo resolução criminosa autónoma).
(…)
Dispõe o artº 173º, no segmento em causa e na versão em vigor à data dos factos, o seguinte:
«1 – Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Se o ato de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de parte do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.»
Com as alterações introduzidas pela Lei nº 103/2015, de 24.08, esse preceito passou a ter a seguinte redação:
«1 – Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos.
2 – Se o ato de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de parte do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos.»
«O actual crime de actos sexuais com adolescentes surge após a supressão do crime de estupro da previsão do artigo 204.º do Código Penal de 1982 e do antecedente crime de estupro contemplado no artigo 391.º do Código Penal de 1886. Para o efeito a nomenclatura dos crimes sexuais com menores seguiu de perto as linhas de política criminal sugeridas pela Resolução 1099 (1996) de 25 de Setembro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Conselho da União Europeia, mais precisamente o seu ponto iv), no sentido de serem tomadas medidas legislativas que incorporem o princípio de que abaixo dos 15 anos de idade o menor não poderá dar o seu consentimento para se relacionar sexualmente com um adulto – actualmente as linhas de política criminal de protecção sexual dos menores encontram-se “traçadas” pela Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote em 25 de Outubro de 2007 e, por isso, também conhecida pela Convenção de Lanzarote (DR I, n.º 103, de 2012/05/28).
O bem jurídico tutelado no crime de actos sexuais com adolescentes, ao não criminalizar o relacionamento sexual de jovens entre 14 e 16 anos em certas circunstâncias (v. g. com jovens entre 16 e 18 anos ou mesmo com adultos, quando estes não abusem da inexperiência daqueles), não é certamente a intangibilidade sexual (CARMONA SALGADO, Concha, Los delitos de Abusos Deshonestos, Barcelona, Bosch, 1981, p. 43). E ao estabelecer a ilicitude dessa conduta quando a adolescente se relaciona sexualmente, por vontade própria, com uma pessoa adulta quando esta abusa da inexperiência daquela, também não será a liberdade de autodeterminação sexual do adolescente (ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, Lisboa, UCP, 2008, p. 480). E a referência de que continua a proteger-se o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente (Beleza dos Santos, RLJ 57/33; DIAS, Jorge de Figueiredo, ANTUNES, Maria João, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 858, 859), também não responde plenamente aos parâmetros da tipicidade do crime em apreço, que aceita, dando-lhe relevância, nuns casos o consentimento do menor, mas noutras situações afasta o mesmo. Por isso, consideramos mais adequado dizer-se que no crime de actos sexuais com adolescentes tutela-se a autonomia vulnerável da sexualidade desses adolescentes, numa fase em que essa mesma autonomia já assume um certo relevo, mas ainda está a sedimentar-se. Para o efeito, convém recordar, que se partiu da opção político-criminal de que entre os 14 e os 16 anos de idade ainda não se possui, e em regra, o discernimento pleno e necessário para avaliar tanto o sentido, como o alcance de um relacionamento sexual 38.º, n.º 3 Código Penal). Daí que nestes casos esteja essencialmente em causa uma actividade sexual prematura de um adolescente, ainda que este tenha dado o seu consentimento, e uma conduta abusiva de aproveitamento sexual por parte de um adulto. Nesta conformidade, podemos dizer, como já o fizemos anteriormente (Ac. TRP de 2011/Mar./09, CJ II/226), que nos casos dos crimes dos crimes de abuso sexual de criança (171.º Código Penal) e do crime de actos sexuais com adolescentes acaba por se pretender proteger mediatamente, naturalmente com níveis de intensidade distinta, um adequado desenvolvimento sexual em relação a cada uma dessas fases específicas de crescimento, ou seja e segundo a ordem indicada, a infância e a juventude (69.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1 da Constituição) – e não tanto a “intangibilidade sexual” e muito menos uma “obrigação de castidade e de virgindade quando estejam em causa menores”. Assim, só quando uma pessoa for adulta ou mesmo ainda uma jovem madura (16 a 18 anos de idade) é que se pode dizer que se protege a liberdade sexual, porquanto só nestas alturas é que se está em condições de se desenvolver, com capacidade, tal vertente da nossa liberdade.
Mas se em relação ao crime de abuso sexual de criança a acção típica poderá simplesmente corresponder a qualquer acto de sexual relevo e, por maioria de razão, extensível à cópula, ao coito anal ou oral, no caso do crime de actos sexuais com adolescentes estes mesmos actos de conotação sexual têm que surgir “abusando da inexperiência” da pessoa menor por parte do agente adulto. Assim, se à partida a idade entre 14 e 16 anos não é um factor exclusivo para determinar a condição de inexperiência da adolescente, pois se assim fosse bastaria traçar a descrição deste tipo legal de crime sem essa exigência, esse escalão etário não pode deixar de ser um factor preponderante para essa determinação. Daí que seja necessário estabelecer, a partir da factualidade provada, esse vinculo ou conexão entre o abuso da inexperiência da menor e o consentimento desta para a prática de actos com conotação sexual relevante ou mesmo de coito (vaginal, anal ou oral) com uma pessoa adulta. Para o efeito não será exigível que esta pessoa adulta tenha uma estratégia de actuação vincada nesse sentido, designadamente através de promessas ou ofertas, porque o que está em causa é a autonomia do relacionamento sexual de uma adolescente e não a obtenção compromissos, rendimentos ou proventos por parte desta última. Daí que o significado de “abusando da sua inexperiência” não possa ser outro de que essa pessoa adulta se tenha simplesmente aproveitado de uma maior vulnerabilidade da autonomia da menor adolescente para esta se relacionar sexualmente. E tal pode ser aferido a partir dos seus níveis de maturação no relacionamento comos outros, mormente para aferir as consequências de um relacionamento sexual, que tanto pode passar pela ingenuidade, como pela prudência.» (ac. do TRP, de 19.06.2013, com texto integral em www.dgsi.pt, processo nº 1004/07.8TALMG.P1).
Convocando aqui a matéria de facto dada como provada e as considerações tecidas acerca da inexperiência de vida das menores aquando da fundamentação da matéria de facto, entendemos que se mostram preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, pelo que os arguidos deverão ser condenados nos termos preconizados na acusação.
(…)
Além disso, afirmamo-lo já, deverá ser aplicada a lei em vigor à data dos factos na medida em que a lei nova não é em abstrato e necessariamente em concreto mais favorável para os arguidos (pois deixou de prever a possibilidade de diretamente o tribunal poder impor a pena de multa) – cfr. artº 2º, nºs 1 e 4, a contrario, do Código Penal.»

Concordamos com o expendido, remetendo em termos de matéria de facto para as considerações que tecemos aquando do conhecimento da questão 3.3..
O recorrente não argumentou em que sentido juridicamente haveria de ser interpretada o elemento “abusando da sua inexperiência” escudando-se numa questão de ónus da prova, quando o tribunal ultrapassou a questão por apelo à globalidade dos factos provados e à idade das ofendidas.
Em primeiro lugar cumpre referir que o recorrente não cumpriu o que lhe competia nos termos do artigo 412º, n.º2, al. b) do CPP, indicando o sentido em que, no seu entendimento, a norma do artigo 173, n.º1, do CP e especialmente o elemento em causa “devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada”.
Com efeito, estando em causa a interpretação de uma norma jurídica a questão não se prende com a amplitude do princípio in dubio pro reo, como é consabido.
Por outro lado, os factos enquadrados na sua globalidade permitem concluir que o arguido com a sua actuação de uso de nomes falsos e idades falsas se aproveitou da inexperiência de vida das jovens. O que decorre também do facto de os relacionamentos da F... e da E... terem tido momentos de sobreposição, assim como os relacionamento da E... e da K... os tiveram, e decorre também do facto de o arguido se ter aproveitado do facto de a K... acudir pela amiga E..., para logo se imiscuir na amizade e arranjar um relacionamento com a K... desfazendo a imagem da E..., com quem nunca deixou de andar enquanto mantinha relacionamento sexual com a K....
Portanto, o arguido foi-se relacionando sucessivamente com cada uma delas, aproveitando-se como diz o MP junto da 1ª instância, do meio social desfavorecido e da falta de controlo parental [aliás, mais ainda, de pais a contas com problemas tão sérios que os filhos ainda tinham de pensar neles como se os papeis se invertessem, veja-se o caso da K..., cujas declarações U... nos tocaram profundamente, pela maturidade, pela sinceridade, pela franqueza…], mantendo encontros com elas numa altura em que era suposto as jovens estarem na escola, chegando mesmo, no caso da E..., a procurá-la durante a noite na residência da avó a quem tinha sido confiada.
Apresentava-se e insinuava-se como pessoa próxima da idade das jovens, e aproveitava a sua inexperiência de vida para levar as jovens [a mulher mais velha e experiente não passaria despercebida a idade, ou a idade aproximada] a acreditar nas falsas idades, falsas identidades e mesmo estado civil, que indicava, visando que elas o aceitassem como um parceiro sexual elegível e natural [e depois ainda vem aduzir em sua defesa que a F..., então com 15 anos de idade, tenha dito nas suas declarações para memória futura “aconteceu tudo muito naturalmente”; Pudera!!!!]. Explorava tudo isso para manter, tal qual um predador sexual, relacionamentos de cariz sexual com o maior número de jovens adolescentes.
Um homem mais velho com grande experiência de vida, muito provavelmente com um passado com elevado número de parceiras sexuais, conhecendo de forma ampla o mundo feminino e as suas idiossincrasias [veja-se como passava dos telemóveis de uma amigas para as outras como num passe de mágica, e andava ali na roda das amigas, a dividir para reinar, a coscuvilhar para se intrometer e obter o que pretendia, é o que resulta das declarações para memória futura das ofendidas, veja-se que no início ele só tinha o número do telemóvel de uma amiga da F... e da E... que foi para o Luxemburgo] e sabedor de que é normal as adolescentes ou pré-adolescentes tenderem para um parceiro mais velho ou então mais maduro, aproveitou-se de toda essa inexperiência e apetência para se fazer passar por um parceiro mais velho, mas ainda dentro da faixa dos “teen” para fazer vingar os seus intentos.
Aliás, não deixa de ser expressivo que as menores se tenham sentido enxovalhadas e vilipendiadas quando souberam que o arguido tinha 43 anos de idade e se tinha feito passar por um rapaz próximo da idade delas, como decorre das declarações para memória futura de algumas delas e mesmo dos factos provados relativamente à K....
Por outro lado, como assinala o Tribunal, o abuso da inexperiência não pressupõe a ausência de todo e qualquer relacionamento sexual anterior e que as ofendidas F... e K... poderiam até já ter tido relacionamentos anteriores. Contudo esses relacionamentos próprios da idade não têm nada a ver com o tipo de relacionamento mantido com o arguido.
Pelo exposto improcede a questão.
*
3.5. - Crimes de carácter continuado ou trato sucessivo em relação às adolescentes K... e F....
O recorrente na sua motivação, no ponto 4.17 argumenta [parece que se refere aos actos sexuais com adolescentes] que tais crimes deverão ser enquadrados como um só crime de carácter continuado ou trato sucessivo. E volta a fazer esta afirmação na conclusão 5.48. mas sem qualquer argumentação das razões de assim entender.

Vejamos.
O arguido não argumenta esta sua pretensão em qualquer sentido, nem sequer se é seu entendimento a integração de um só crime continuado ou trato sucessivo em relação a cada menor, ou em relação a todas as menores, e as razões de ser de uma maneira ou de outra.
Por outro lado como enfatiza o tribunal: «É ainda imputado ao arguido B..., a título de autoria, a prática de seis crimes de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173º, nºs 1 e 2, do Código Penal, com referência aos artgs 14º e 26º, do mesmo diploma legal (três crimes por cada uma das ofendidas F... e K..., já que ocorreram em três ocasiões distintas e bem definidas no tempo, segundo resolução criminosa autónoma).
É consabido que um eventual concurso real de crimes se pode conceber como um só crime ou um só crime continuado, punível com uma pena, nos termos do art.79º do C. Penal [por contraposição a um concurso real de crimes punido nos termos do art. 77º do CP.]
Como afirma Eduardo Correia in A Teoria do Concurso em Direito Criminal I – Unidade e Pluralidade de Infracções, 1963, pág. 90 “o tipo legal é o portador, o interposto da valoração jurídico-criminal, ante o qual se acham colocados os tribunais e o intérprete”.
Nestas circunstâncias para que estejamos face a um só crime, (não sendo o mesmo permanente ou de execução continuada) é necessário que exista uma só resolução criminosa. Sendo que, para que haja um só crime continuado, impõe-se que exista uma linha de continuidade psicológica que induza a persistir na prática do tipo de crime concernente, no âmbito de um contexto exterior desculpabilizador, favorável a tal cometimento: uma única resolução criminosa equivale a um só crime, havendo pluralidade de resoluções mas no mesmo circunstancialismo fáctico e psicológico desculpabilizante, também haverá um só crime, mas continuado.
Nesta linha o disposto no art. 30º do C.P., o número de crimes determina-se pelo número de tipos efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, resultando inequivocamente de tal preceito, que o legislador consagrou um critério teleológico para a determinação do número de crimes praticados pelo agente… – Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, vol. II, págs. 197 e segs..
Será, portanto, um critério normativo que conseguirá dar-nos “o número de crimes praticados pelo agente em sentido jurídico penal” (cfr. Faria Costa, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 177); e o mesmo critério decide que o número de crimes há-de ser o número de acções entendidas teleologicamente, recorrendo a um critério normativo-valorativo, pois, acima de tudo a infracção é a ilicitude material modelada no tipo, como negação, pelo agente, de valores jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico.
Sem olvidar que nos crimes que tutelam bens jurídicos pessoais a ponderação do bem jurídico implica necessariamente a consideração da pluralidade de vítimas – vide Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal, 12ª edição, pág. 158.
Como refere Eduardo Correia, ob. e loc. cit., “O número de infracções determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico criminal, correspondem a uma certa actividade”, “pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal”.
Assim, dispõe o n.º 2, do referido art. 30º do CP, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
São, portanto, pressupostos do crime continuado:
- realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (ou de vários tipos que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico);
- pluralidade de resoluções criminosas;
- homogeneidade da forma de execução;
- proximidade temporal das respectivas condutas;
- unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada;
- quadro de uma situação exterior que facilita a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Assim, o primeiro pressuposto da continuação criminosa consiste na existência de uma relação, que de fora, e de maneira considerável, facilita a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que paute a sua conduta de acordo com o direito.
Aliás, diga-se, são circunstâncias exteriores (cf. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, págs. 246-250) que apontam para aquela redução de culpa:
- a circunstância de se ter criado através da primeira acção criminosa uma certa relação de acordo entre os sujeitos;
- o facto de voltar a registar-se uma oportunidade favorável ao cometimento do crime, que foi aproveitada pelo agente ou o arrastou a ele;
- a perduração do meio apto para execução do delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira acção criminosa;
- e o facto de o agente, depois da mesma resolução criminosa, verificar a possibilidade de alargar o âmbito da acção delituosa.
Com efeito, lê-se no sumário do Ac. STJ de 02-02-94, “O ponto de referência mais importante para aferir da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na ficção jurídica do crime continuado, é a circunstância exógena que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e no do Ac. do STJ de 03-03-94, “2.- As referenciadas circunstâncias exteriores terão, no entanto, de arrastar irresistivelmente os agentes da infracção para a prática do facto, tirando-lhe toda a possibilidade de se comportarem de maneira diferente”; ambos citados in Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1º vol., Editora Rei dos Livros, 1995, pág. 292. (sublinhado nosso]
Atento o que se referiu a propósito da figura jurídica do crime continuado, tal situação não ocorre no caso concreto, pois que, desde logo, não se vê que exista uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Com efeito, como consta do sumário do Ac. do T.R.P. de 20/10/2004, acessível in www.dgsi.pt.: “A pedra angular da continuação criminosa não radica na existência ou não de uma pluralidade de desígnios, mas sim no condicionalismo ou situação exterior que facilita ao agente aquela repetição, de tal modo que possamos dizer que esses factores exógenos constituíram um ambiente favorável para a prática do crime sucessivamente renovado, diminuindo consideravelmente a culpa”.
“A violação repetida da mesma pessoa, praticada na mesma noite, em dois locais diferentes, com um intervalo temporal, permitindo que a ofendida se recompusesse e tentasse que o arguido a deixasse ir embora, configura duas resoluções criminosas”.
“O circunstancialismo exterior que rodeou a acção do arguido, (manutenção da vítima sob o seu domínio físico) foi criado e planeado por ele próprio, não conferindo qualquer efeito de diminuição considerável da culpa, pelo que não há lugar à continuação criminosa, mas sim à prática de dois crimes de violação”.
Ora, no caso sub judice, conciliando o exposto com a matéria de facto assente, verifica-se que existem, relativamente a cada uma das ofendidas F... e K... diferentes resoluções criminosas por parte do arguido, e tantas quantas as relações de sexo praticadas com cada uma das ofendidas, que se traduzem no facto de o arguido em dias e horas diferentes, e até, por vezes em meses diferentes, portanto com um certo distanciamento no tempo, ter accionado e renovado os mecanismos da sua vontade para praticar os enunciados crimes sexuais e repeti-los, o que faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
Por outro lado, também não estamos perante um só crime continuado, porque para que tal acontecesse, era necessário que se verificasse uma situação exterior que permitisse concluir pela considerável diminuição da culpa do agente, o que face ao que ficou provado não se verifica.
Com efeito, o circunstancialismo exterior que rodeia a actuação do arguido em vez de diminuir a sua culpa aumenta-a, visto que se trata de condutas engendradas e estudadas, visando iludir as menores que estavam a tratar com um parceiro elegível e da sua idade.
Não obstante os crimes serem cometidos contra a mesma pessoa (3 em relação a cada uma das ofendidas, relativamente a quem se verifica a realização plúrima de actos) e no essencial da mesma forma, não existem factores exteriores ao próprio indivíduo que o “arrastem irresistivelmente para a prática” do crime. É o próprio arguido que providencia as condições para perpetrar o crime para satisfazer os seus instintos libidinosos.
Não se pode conceber que o sucesso da primeira investida e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido. O arguido agiu determinado pela vontade de satisfazer os referidos instintos e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente, a circunstância de poder estar a sós com cada uma delas. O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado.
Na realidade, como elucidativamente se afirma no Acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2009, in www.dgsi.pt., não se vislumbra que diminuição possa existir no caso de abuso sexual …, por actos que se sucederam no tempo, e em que a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua à medida que tais actos se repetem.
A atitude das ofendidas resultou naturalmente da atitude do arguido, aliás em alguns casos com a cumplicidade da co-arguida C..., e do rol de mentiras com que ia mantendo o engodo que as atraía e não de um qualquer “acordo” entre aquele e as menores.
Acresce que nem sequer se podem considerar em rigor homogéneas as condutas imputadas ao arguido, já que ocorreram em contextos espaciais diferentes, umas num apartamento, outras na casa da co-arguida C....
Finalmente, impõe-se salientar, não estarmos perante um crime prolongado, ou de trato sucessivo, porquanto não se apresenta a conduta do arguido uma unidade resolutiva, posto que para tal se impunha uma conexão temporal que em regra, e de harmonia com os dados da experiência psicológica, levasse a aceitar que o agente executou toda a sua actividade, sem ter de renovar o respectivo processo de motivação – Eduardo Correia, 1968, 201 e 202, apud Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado, Universidade Católica Editora, Lisboa, p. 136, - ou seja, um dolo inicial que englobasse toda a actividade relativa a cada uma das ofendidas, que os factos impõem que se afaste, pois os factos ocorreram em relação a cada uma das adolescentes em três ocasiões distintas e bem definidas no tempo.
Deste modo, o arguido cometeu tantos crimes quantas as resoluções criminosas que tomou por referência aos momentos temporais em que levou a efeito as respectivas condutas.
A questão é improcedente.
*
3.5.- Medida das penas parcelares. Medida da pena única.
§1º Medida das Penas Parcelares.
Como é sabido, a graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).
Nos termos do art. 40.º, n.º 1, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), sendo certo que a referência (legal) aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade de pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção – vide artigo 18º da CRP.
É sabido - vide Professor Figueiredo Dias - in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2.º a 4.º, Abril - Dezembro de 1993, págs. 186 e 187 – que «o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena”.
Assim, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art. 71.º), sendo certo que como lucidamente se escreveu no Ac. STJ de 10/4/96, CJ-STJ 96, II, 168), “disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva”.
Por outro lado, com Anabela Rodrigues, há ainda que ter em conta que «no âmbito da valoração dos factores de medida da pena vigora o princípio – comummente conhecido por princípio da proibição da dupla valoração – de que não devem ser apreciados para efeitos de determinação da medida da pena aqueles factores que se referem a aspectos já tidos em consideração pelo legislador ao estatuir as molduras penais. Desta forma, não só os elementos do crime – ilícito, culpa e punibilidade –, como as circunstâncias modificativas – atenuantes ou agravantes, nominadas ou inominadas, resultantes de “exemplos-padrão” ou conformadoras de casos excepcionalmente graves ou pouco graves –, são abrangidos pelo princípio».
Postas estas considerações gerais, vejamos.
Diz o recorrente que face às inúmeras atenuantes que militam a seu favor, a pena de prisão a aplicar ao arguido pelo crime de abuso sexual de criança deveria ter-se ficado pelo respectivo mínimo legal, ou seja pelos 3 anos de prisão.
E quanto aos crimes de actos sexuais com adolescentes, devido também ao facto das menores estarem muito perto dos 16 anos, o Tribunal a quo deveria ter optado pela pena de multa (por, diz, esta ser suficiente para assegurar as finalidades da punição) ou por uma pena de prisão nunca superior a um ano.
Vejamos.
O Tribunal a quo fundamentou as penas parcelares aplicadas ao recorrente da maneira que segue:
«2.2. As consequências do crime - determinação concreta das penas parcelares …
Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a medida das penas a aplicar, de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal, tendo presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectactivas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, p. 227) – cfr. artº 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Assim, para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pela arguida na prática dos crimes em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelos arguidos, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para os reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre eles um efeito preventivo no cometimento de novos crimes.
Nessa conformidade, nos termos do nº 2, do artº 71º, do Código Penal, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (na medida em que já foram valoradas pelo legislador ao fixar os limites abstratos da moldura legal), funcionem como atenuantes ou agravantes, circunstâncias essas que estão elencadas exemplificativamente no nº 2 do referido preceito legal.
Assim:
a) Quanto ao crime de abuso sexual de criança:
Tendo em conta que o arguido B... atuou com dolo direto, o modus operandi, o período de tempo em que a conduta teve lugar e a idade da ofendida (13 anos), o juízo de censurabilidade ético-jurídica e, portanto, de culpabilidade, parece-nos revelante.
(…)
Por outro lado, no que concerne às necessidades de prevenção geral positiva, há que ponderar o facto de que a natureza deste tipo de crime é suscetível de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos desta natureza têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para esse flagelo. Por conseguinte, as necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, pois que, como resulta do que acima se referiu, a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efetiva tutela dos bens jurídicos cuja proteção se visa antecipadamente assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe.
De resto, conforme se sustentou na impressiva linguagem utilizada no ac. do STJ, de 08.01.2003, com texto integral in www.dgsi.pt (processo 03P1090), «quando, como hoje, se assiste com uma frequência preocupante ao autêntico escárnio dos mais sagrados sentimentos de crianças indefesas, tantas vezes transformadas sem escrúpulo em meros instrumentos de satisfação libidinosa, não raro por actuação perversa e cobarde, até dos próprios progenitores ou de quem, acobertado pelo recato do lar, e em regra, por isso, portador da sua inocente confiança total, não hesita em conspurcar esse sacrário de inocência no seu próprio chafurdo sexual, não pode o sistema jurídico-penal dar outra resposta que não seja um inequívoco sinal de segurança, enfim, proporcionando porto de abrigo a quem dele tão veementemente mostra necessitar: as crianças.»
No que respeita às necessidades de prevenção especial, haverá que ponderar as seguintes circunstâncias:
- …o… arguido… não tem antecedentes criminais;
- A inexistência de arrependimento.
- … de modesta condição socioeconómica, encontra…-se socialmente inserido…, mas revela… uma mundividência algo retorcida no que diz respeito à esfera sexual.
Têm assim alguma relevância as necessidades de prevenção especial….;
Tudo visto, variando a moldura penal abstrata entre 3 e 15 anos de prisão no que diz respeito ao arguido …., parecem-nos adequadas as seguintes penas:
- 4 anos e 6 meses de prisão no que concerne ao arguido;
(…)
b) Quanto aos crimes de atos sexuais com adolescentes:
Considerando que o arguido agiu com dolo direto, os concretos atos sexuais praticados e a idade das ofendidas (15 anos), entendemos que tem alguma relevância o grau de censurabilidade das suas condutas.
(…)
Por outro lado, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações já referidas quanto às necessidades de prevenção geral e especial a propósito do crime de abuso sexual de crianças.
O crime em causa prevê a imposição de uma pena de prisão até 3 anos ou pena de multa360 dias no caso do arguido …
Ora, o artº 70º, do Código Penal, estabelece que «Se ao crime foram aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», as quais estão enunciadas no artº 40º, nº 1, do mesmo código.
Tendo presente sobretudo o que já se referiu a propósito das necessidades de prevenção geral e especial, parece-nos que a opção pela pena de multa não se mostra suficiente e adequada em ordem a salvaguardar as finalidades da punição tal como enunciadas no art. 40º, nº 1, do Código Penal.
Opta-se pois pela imposição de uma pena de prisão…
Consequentemente, tendo presente a moldura penal abstrata, parece-nos justa a imposição das seguintes penas:
- 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos seis crimes perpetrados pelo arguido;
(…)»
Tendo em atenção os objectivos e limites elencados nas considerações relativamente às penas, e tendo em conta a factualidade dada como provada, vejamos.
Cumpre referir, em primeiro lugar, relativamente à pretensão do arguido de que lhe seja aplicada uma pena de multa pela prática dos crimes de actos sexuais com adolescentes que, atendendo ao disposto no artigo 70º do CP, e bem assim, à gravidade dos factos perpetrados, às exigências de prevenção geral que são prementes, a atitude do arguido reflectida nos factos quer perante as menores, quer no seu desrespeito pelos valores de preservação da inocência sexual de menores pelo maior tempo possível [e quanto tal não aconteça, o interesse social de que isso se passe entre pares que comungam as mesmas inexperiências e angústias, para que tudo tenha um evoluir natural e não conspurcado por um adulto, as suas ligeirezas, os seus casos consumados, os seus “dejá vues”], sendo, por isso também prementes as exigências de prevenção especial, visto que num período de tempo curto o arguido perpetrou seis crimes desta natureza a que acresce o crime de abuso sexual de crianças, afigura-se-nos claro que as exigências de prevenção evidenciadas no caso impedem a aplicação ao arguido de uma pena de multa, por esta não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, vistas as medidas concretas das penas encontradas pelo tribunal do julgamento e a fundamentação que deixamos exposta, os elementos que emergem dos autos sobre o comportamento do arguido; o tempo de relacionamento, cerca de um ano e oito meses em relação à ofendia E... e entre 2 a 3 meses em relação a cada uma das outras duas ofendidas, mas ambas concomitantemente com o relacionamento da E...; o modo de actuação com uma ilicitude elevada; a culpa, numa actuação com dolo directo, com um procedimento rebuscado e visando arredar consequências; as exigências de prevenção geral muito prementes – pela necessidade de conter este tipo de criminalidade - e as de prevenção especial a merecerem fortes reservas, pese, embora o facto de ser delinquente primário, mas não esquecendo que num curto espaço de tempo, praticou oito crimes, um deles muito grave.
O arguido confessou parcialmente os factos, com algum relevo para efeitos de prova, como decorre da motivação da decisão de facto.
Quanto às condições pessoais do arguido importa considerar que o arguido nasceu em 16.07.1971, portanto, com uma idade entre 42 e 43 anos à data dos factos, actualmente com 46 anos de idade; tem o 6º ano de escolaridade; tem hábitos de trabalho como decorre do facto de ter tido várias ocupações até ao ano de 2013, permanecendo desde então em situação de desemprego; partilha o espaço habitacional com a mulher, de quem se encontra separado, fazendo quotidianos independentes e sem qualquer relacionamento ou intimidade; está familiar integrado - desloca-se diariamente para casa dos pais onde toma as refeições - e também está socialmente integrado, tem um filho de 10 anos de idade, a quem presta auxílio no acompanhamento à escola e mantém uma relação de namoro com uma jovem de 26 anos de idade; revela pouco sentido crítico em relação ao seu comportamento e danos por ele causados às vítimas; em abstracto compreende a ilicitude deste tipo de comportamentos e a sua censurabilidade social.
Se tivermos em consideração a acentuada ilicitude dos factos, a intensidade da culpa, mais elevada no crime de abuso sexual de criança, o modo de execução dos factos, as muito elevadas exigências de prevenção geral expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados indo ao encontro das expectativas da comunidade na manutenção [se não mesmo no reforço] da vigência de tais normas [artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal], particularmente sentidas num caso como o presente, e as exigências de prevenção especial que nos merecem elevadas reservas, pelo que atrás deixamos dito, facilmente concluímos que as penas parcelares aplicadas ao arguido pelos crimes perpetradas não se mostram desproporcionadas à culpa, nem desadequadas ou desnecessária às exigências preventivas verificadas no caso pelo que, por isso, se mostram justas, não excessivas e, por isso, não merecem censura.
De resto, subsidiariamente dir-se-á, ainda, que o caso concreto não é de molde a justificar qualquer intervenção correctiva deste Tribunal e nesta sede, pois como vem entendendo Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197]: ‘a intervenção corretiva do tribunal superior no que diz respeito à medida da pena - quantum exacto da pena - aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se revelar de todo desproporcionada’; entendimento que também vem sendo seguido pelo STJ. Ora, no caso concreto os referidos pressupostos de intervenção correctiva não se verificam de todo.
Com o que improcede mais este fundamento do recurso, mantendo-se na totalidade as penas parcelares encontradas pela primeira instância.
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§ 2º Medida da pena única.
Quanto à pena única alega o recorrente que a manter-se a condenação do arguido ora recorrente e operado que seja o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, a pena única a ser aplicada ao mesmo em caso algum poderá e deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão.
Relativamente a este aspecto discorreu o acórdão recorrido:
«d) Quanto à determinação da pena única:
Entre os sobreditos crimes, conforme decorre do acima exposto, afirma-se a existência de um concurso efetivo de infrações penais.
Neste sede haverão assim de considerar-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo como limite mínimo a pena mais elevada e como limite máximo a soma das penas que, neste caso, no concreto lhe foram aplicadas, salvaguardada que seja o limite intransponível de 25 anos de prisão (situação que neste caso não se coloca, em face da moldura penal abstrata do concurso no seu limite máximo – 5 anos e 6 meses de prisão).
Assim, tendo presente os critérios de determinação concreta da pena única, ínsitos no artº 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, haverá que considerar que os arguidos agiram sempre com dolo direto, o modus operandi, o período de tempo durante o qual as condutas em causa foram praticadas, a concreta idade das vítimas e as consequências mais ou menos gravosas que se intuem para as vítimas em termos psicológicos, o sentimento generalizado de repulsa perante tais comportamentos, a falta de arrependimento e as respetivas condições pessoais (de que se destaca a inserção social e ausência de antecedentes criminais).
Por conseguinte, no que concerne ao arguido B..., variando a moldura abstrata da pena entre os 4 anos e 6 meses de prisão e os 10 anos e 3 meses de prisão, julgamos adequada a sua condenação na pena única de 7 anos de prisão.
(…)»
Vejamos.

Estabelece o art. 77º, n.º1 do Código penal, sobre as regras de punição do concurso de crimes, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do nº 2, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2 -, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Expõe o Autor que, na busca da pena do concurso, «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». Acrescenta que «de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
No caso concreto, a moldura de punição tem como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão, e como limite máximo [4 anos e 6 meses de prisão + (1 ano e 3 meses de prisão x 6) + 3 meses de prisão] doze anos e cinco meses de prisão [o tribunal a quo enganou-se na quantificação do limite máximo da pena de prisão, pois considerou esse limite como sendo 10 anos e 3 meses de prisão]
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais é de considerar elevada, pois no caso presente estamos face a 1 crime de abuso sexual de criança, 6 crimes de actos sexuais com adolescentes e 1 crime de pornografia de menores sendo vários e importantes os bens jurídicos violados.
Quanto à modalidade de dolo, o recorrente agiu com dolo directo.
No que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, a única relação é os ilícitos ocorreram num curto período de tempo encadeados uns nos outros, sobressaindo pela sua gravidade e insensibilidade, o crime de abuso sexual de criança.
Na avaliação da personalidade do recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, que descriminamos na questão anterior, e o grau de afoiteza e insensibilidade com que agiu.
Por outro lado, é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma pluriocasionalidade, não revestindo ainda a carga necessária para que se possa falar de tendência criminosa radicada na sua personalidade.
São prementes as exigências de prevenção geral como já referido foi supra.
No que toca à prevenção especial, não há dúvidas que o recorrente carece de socialização, tendo-se em vista a prevenção de nova reincidência, atenta a insensibilidade com que num período de tempo curto cometeu oito crimes todos à volta da mesma realidade, o uso e abuso da sexualidade de menores em seu benefício e para satisfação dos seus instintos libidinosos.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando que estamos perante uma pluriocasionalidade que não radica [ainda] na personalidade do arguido, mesmo considerando a preponderância do crime de abuso sexual de criança e a «gravidade do ilícito global perpetrado», consideramos que a pena única de 7 anos de prisão [que não podemos ultrapassar atento o princípio consagrado no art. 409º, n.º1, do CPP] encontrada pela primeira instância, se mostra proporcional à culpa demonstrada nos factos e adequada, embora necessárias, a satisfazer as exigências de prevenção geral e especial que o caso exige, e, nessa medida justa, pelo que assim se mantém, e nesta medida improcede mais esta questão do recurso.
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Visto que a pena única aplicada ao recorrente é superior a 5 anos de prisão não se coloca a questão da suspensão da execução da pena, pois o pressuposto formal de aplicação da pena de substituição não se mostra preenchido - art. 50 do CP.
Improcede, na totalidade o recurso interposto.
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III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recurso interposto pelo recorrente, arguido, B..., confirmando o acórdão da primeira instância.
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Custas pelo recorrente nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º, n.º9 do regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa em 6 [seis] UC.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 22 de Novembro de 2017.
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Soares
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[1] Advérbio de modo especial que serve para dar realce e que, neste caso, interligando-se com o segmento anterior da frase, significa que o que se segue não é exaustivo e que o que não consta do elenco dos factos provados deve ser considerado como não provado.
[2] Fotografia que estava armazenada na memória do telemóvel da ofendida K... e que foi facultada à GNR. Nela se vê a ofendida e a viatura na qual o arguido B... se fazia transportar.
[3] Para além de armas (não fazem parte do objeto destes autos em face do despacho de fls 906), foram apreendidos três telemóveis ao arguido (cfr. fotos 4, 8, 10 e 50) e dois computadores portáteis (cfr. fotos 16 e 51). Cfr. ainda as fotos de fls 316
[4] Objeto supostamente utilizado pelo arguido para escalar e entrar no quarto da ofendida E....
[5] Documentos de identificação da esposa do arguido, do filho de ambos e do arguido B....
[6] Para melhor compreensão da convicção do tribunal, optou-se por reproduzir por súmula o teor das declarações prestadas. Não se trata pois de uma reprodução ipsis verbis.
[7] O arguido reconheceu parte dos factos que lhe são imputados. Assim, admitiu que em 2012 travou conhecimento com a ofendida F... através de sms, alegando que lhe tinha enviado a primeira mensagem por engano e que deste aí iniciaram conversações. Mentiu-lhe, dizendo chamar-se B2... e que tinha 18 anos de idade. Fê-lo, segundo argumentou, porquanto não sabia também com quem estava a falar. Esta abordagem é, porém típica dos predadores sexuais. Aproximam-se das vítimas fazendo-se passar por jovens e com identidades falsas. Só passado 3 ou 4 semanas é começaram a conversar pelo telefone. Começou a gostar dela, disse que a amava e que queria encontrar-se com ela. Encontraram-se então conforme relatado nos artgs 8º e 9º da acusação. Nesse encontro só conversaram (o que contraria o depoimento da F..., que assegurou que logo nesse encontro mantiveram relações sexuais, conforme descrito na acusação). De todo o modo, admitiu que duas ou três semanas depois (talvez em finais de novembro ou já em dezembro de 2012) encontraram-se no mesmo apartamento e que mantiveram relações sexuais (em moldes semelhantes aos descritos na acusação quanto aos atos sexuais praticados). Assegurou que ela não era virgem e revelou ter experiência sexual. Só soube da sua real idade nessa ocasião, antes portanto de terem mantido relacionamento sexual. Nessa altura também lhe contou a sua real idade. Sabia que não podia manter relacionamento sexual com ela mas ainda assim fê-lo porque gostava dela. Os seus encontros ocorreram sempre ao fim de semana. Confirmou que começou a contactar com a ofendida E... através de sms em dezembro de 2012. Ela é que lhe enviou o primeiro sms a dizer “olá”. Ignora como é que ela obteve o seu número (até porque ela não lho revelou, apesar de lho ter perguntado), mas deduz que o tenha obtido através da F... pois as duas andavam na mesma escola. Cerca de 1 mês depois começaram a conversar pelo telemóvel. Também aqui o arguido deu uma identidade falsa, mentindo acerca do nome e da idade, conforme descrito no artº 18º da acusação. Trata-se pois de mais uma abordagem predatória. Negou a matéria do artº 19º da acusação, pois ela dizia-lhe que a F... o andava a enganar com outros rapazes. Encontraram-se a primeira vez em janeiro de 2013 no local indicado na acusação. Nessa altura ela havia-lhe já enviado uma foto pelo telemóvel e não lhe pareceu ser menor (o que é absolutamente descredível, tanto mais que sabia que andava na mesma escola da F...). Confirmou a matéria constante do artº 21º da acusação, mas nessa ocasião só conversaram durante meia hora (o que contraria o depoimento da menor). Cerca de 1 semana depois acabou o relacionamento com a F..., começando então a namorar com a E.... Encontraram-se novamente cerca de 2 semanas depois, num domingo. Encontraram-se perto da discoteca “V...”, mas não mantiveram relações sexuais. No fim de semana seguinte, ainda em janeiro ou já em fevereiro de 2013, encontraram-se novamente e ela apresentou-o ao pai e à madrasta como seu namorado, tendo ido todos às compras ao “X...”. Pela primeira vez teve com ela relações sexuais em fevereiro de 2013 na sua viatura, em Matosinhos, para onde a levou (nos moldes descritos nos artgs 21º a 25º da acusação). Só no fim de semana seguinte é que soube a idade dela (!?). A menor, segundo o arguido, não era virgem pois já tinha namorado com um tal de Y... de S. João da Madeira, segundo lhe contou. Conheceu a arguida C... através da filha desta, que por sua vez havia conhecido através da F.... Em finais de 2012 ou princípios de 2013 (ainda namorava com a F...) conheceu a arguida num café e desde então começaram a falar ao telemóvel. Apresentou a E... à arguida C... e desde então ela passou a frequentar a casa dela. às vezes ela ia sozinha, outras vezes ia com o depoente. Nesse entretanto a E... estabeleceu relação de amizade com a filha da arguida (andavam na mesma escola, antes desta ter sido institucionalizada). Admitiu que num quarto da casa da arguida manteve relações sexuais com a E.... Às vezes a arguida C... estava presente outras vezes não (apenas estava a mãe da arguida, que ali vivia). Tornou-se amigo da arguida e chegou a fazer-lhe pequenas reparações domésticas e a ali tomar refeições. Isto passou-se entre os inícios de 2013 e os inícios de 2014. A arguida sabia perfeitamente da idade da E..., pois conversava muito com ela. De resto, o pai da E... chegou a estar em casa da arguida várias vezes e a ali pernoitar, numa altura em que ele tinha terminado o relacionamento com a madrasta da E.... Referiu que só manteve com esta relações sexuais em casa da arguida C.... Negou a matéria do artº 32º, tanto mais que o pai dela sabia que namoravam. Quando conheceu a E... ela vivia com o pai e a madrasta, mas entretanto foi viver com a avó (que nunca conheceu). Nunca foi a casa da avó da E... para se encontrar com ela. De resto, não sabia onde era essa casa, sabendo apenas que se situava algures em Vale de Cambra. Nega assim ter escalado pela janela do quarto da menor. A arguida C... sabia perfeitamente que mantinha com ela relações sexuais em sua casa, tendo sido ela quem os encaminhou para uma das divisões para estarem mais à vontade e para que a mãe dela não desse conta. Chateou-se com ela numa altura em que ela manteve um relacionamento com a testemunha L... (pai da ofendida K...). Nunca mais falou com ela desde a data em que foi-lhe apreendido o telemóvel (03.06.2014). Por fim, conheceu a ofendida K... através da E..., pois eram colegas de escola. Tem a ideia que a conheceu cerca de 2 ou 3 meses antes de ser abordado pela GNR. Soube da idade dela cerca de 2 ou 3 semanas depois de a conhecer. Contactavam-se pelo telefone e por sms. Confirmou a matéria do artº 37º da acusação. Nega que com ela tivesse mantido qualquer relacionamento sexual (o que é absolutamente desmentido pela menor). Admitiu a matéria constante dos artgs 51º a 53º da acusação. Ela enviou-lhe as fotos de modo a que o depoente não se esquecesse dela (!?).
[8] Referiu que a sua filha conhecia a K... e esta disse-lhe que namorava com um rapaz do Porto, tendo-lhe fornecido o número de telemóvel dele. Mandou-lhe então um sms a dizer “olá” e desde então trocaram sms. Entretanto combinaram tomar café (fez-se acompanhar da sua filha W...). Ele foi sozinho, mas disse-lhe que se ia encontrar com a E... em casa da avó dela (que nessa altura já ali vivia. Porém, segundo a avó da menor, esta passou a viver consigo em abril de 2013). Isto ter-se-á passado em finais de 2012, tendo em conta que o seu pai faleceu a 11.11.2012 e que a sua filha foi-lhe retirada a 06.01.2013. Tornou-se assim amiga do arguido em finais de 2012. Foi o arguido quem pediu para dar refeições à E..., o que sucedeu várias vezes (almoço). Não sabia a idade dela, tanto mais que parecia ser maior de idade (!?). O arguido também ali almoçava por vezes e procedia a umas obritas em sua casa. Sabia que o arguido namorava com a E.... Nunca deu fé deles terem mantido relações sexuais em sua casa. Nunca a tal autorizou, tanto mais que a sua mãe estava sempre presente. Foi a E... quem trouxe a K... e outra menor (T...). Diziam que não gostavam da comida da cantina da escola. Chegou inclusive a ter um relacionamento com o pai da K.... Depois de se ter zangado com este, dormiu também com o pai da E..., de quem era já amiga. Não sabe se eles sabiam ou não que as respetivas filhas namoravam com o arguido. De resto, não sabia que o arguido alguma vez tenha namorado com a K.... Esta chegou a ter a chave de sua casa. Chateou-se com ela porque lhe contaram que certa vez a viram sair de sua casa com o arguido, numa altura em que a depoente e a sua mãe não estavam, razão pela qual lhe pediu a chave de volta, ao que ela negou.
[9] A respetiva gravação foi ouvida na audiência de julgamento. Quanto ao que as menores então disseram, remete-se para a transcrição dos respetivos depoimentos (cfr. fls 684 e ss.).
[10] Agente da GNR que participou em diversas diligências de prova ao longo do inquérito, designadamente a busca a casa e à viatura do arguido B.... Do seu depoimento nada de útil se extrai para além do que já está documentado a propósito das buscas efetuadas (cujos autos são documentos autênticos, recorde-se).
[11] É irmã da ofendida K.... Referiu conhecer os arguidos em 2012 (sensivelmente na mesma altura), sendo certo que conheceu o arguido B... através da sua irmã e a arguida C... através da W... (filha desta). Referiu que a convite da arguida foi almoçar a casa desta, umas três ou quatro vezes, tendo depois ido para a escola. Nada contou aos pais (que só souberam após a intervenção da CPCJ de Vale de Cambra). Recorda-se que a sua irmã foi uma vez almoçar lá. Era suposto almoçar na cantina da escola. Nessa altura a depoente era da mesma turna da ofendida E... e sabia que ela namorava com o arguido B.... Certa vez viu-o à espera dela em casa da arguida C.... Depois de ter almoçado a depoente foi para a escola e não sabe por que motivo a E... a não acompanhou, ficando ao invés com o arguido B... em casa da arguida C.... Ao que pensa em 2013, chegou a ver alguns sms no telemóvel da E.... Ela não lhe chegou a contar se tinha mantido ou não com ele relações sexuais. Porém, apercebeu-se que eles iam para o quarto. O arguido namorou também com a sua irmã K... (começaram a falar pelo telemóvel e encontravam-se, segundo lhe disse a sua irmã, tendo chegado a ver no telemóvel dela sms dele). Depois o arguido começou a namorar com a E... e ao que pensa, no mesmo ano, namorou com outra rapariga, mas não tem a certeza. Ele namorou também com a K... às escondidas. Em 2013, viu-os certa vez a irem para um dos quartos da casa (não era o quarto da C...). Nessa altura ele supostamente namorava com a E....
[12] Mãe da ofendida K.... Referiu só ter tomado conhecimento da situação em causa nos autos – envolvendo as suas filhas – na CPCJ de Vale de Cambra. Em 2013 elas andavam na Escola ... de Vale de Cambra e era suposto almoçarem na escola. Soube depois que a arguida C... lhes dava o almoço. A 8 de dezembro de 2012 ou 2013 o arguido foi buscar a sua filha F... de carro às 10.30h e ela só chegou às 16 horas. Fez alusão ao facto da sua filha ter um computador portátil que o arguido levou para consertar, mas nunca o devolveu (matéria que foi objeto de despacho de arquivamento).
[13] É avó da ofendida E.... Ela foi-lhe entregue a 11.04.2013, pois tinha problemas com o pai e com a madrasta. Ficou consigo até julho de 2014. Frequentava a Escola .... de Vale de Cambra. A arguida C... em maio de 2013 ligou para sua casa (deduz que tenha sido a sua neta a fornecer-lhe o respetivo número de telefone) a dizer que a iria buscar à escola porquanto se tinha sentido mal. Porém, ela nada tinha pois levou-a ao médico. A arguida pediu-lhe várias vezes para deixar a sua neta ir para sua casa e a depoente consentia. A sua neta não almoçava na escola porque não queria. Certa vez a arguida ligou-lhe e pediu-lhe para deixar a E... passar o fim de semana em sua casa, mas não deixou. Na escola foi chamada a atenção devido a faltas não justificadas da sua neta. Nunca tinha ouvido falar do arguido. A sua neta dizia-lhe que falava para um rapaz de 15 anos da sua turma de nome B1.... Passava com ele muito tempo ao telefone. Só após a intervenção da CPCJ é que soube que afinal era o arguido. Na noite de 14 para 15 de agosto de 2013, cerca da 1 hora da manhã, acordou com alguém cuja cara não viu a subir pelo exterior para se introduzir no interior pela janela do quarto (localizado no 2º andar), deduzindo que seria o arguido, usando para o efeito o artefacto visível na foto de fls 341 e 508. Por esse motivo, chegou a dormir na mesma cama da sua neta cerca de mês e meio. Sabe que o progenitor da sua neta conhecia a arguida C..., mas não sabe se teve com ela um relacionamento, mas a E... disse-lhe que às vezes ele a ia buscar a casa dela.
[14] É o progenitor da demandante K.... Conheceu a arguida C... através da sua filha em outubro de 2013 (a qual, por sua vez, a tinha conhecido através de umas amigas). Conheceu o arguido no final de dezembro de 2013, numa ocasião em que foi a casa dele (em Paredes) buscar um eletrodoméstico que ele tinha oferecido à arguida. Segundo lhe contava a sua filha, esta apenas teria alguns namoricos, mas nada de sério. A sua filha foi almoçar várias vezes a casa da arguida, argumentando que não gostava da comida da cantina. Soube disso em princípios de setembro de 2013, altura em que ela lhe disse que ia com uma amiga almoçar a casa da C.... Isso tornou-se frequente, ao ponto de se sentir na obrigação de contribuir para a despesa do almoço. A sua filha olhava para a arguida como sendo a mãe que nunca teve. Referiu que quer o depoente quer a sua então esposa eram motoristas de longo curso, de sorte que a sua filha ficava com os seus pais nos períodos em que estavam ausentes em trabalho. O depoente entretanto tornou-se amigo da arguida C... e passaram a namorar em novembro de 2013. Quando saíam, a sua filha e a filha da arguida acompanhava-os. Antes de conhecer o arguido pessoalmente, este, pelo telefone, havia-lhe já pedido o consentimento para namorar com a sua filha. Nessa altura disse-lhe que tinha vinte e poucos anos. Não consentiu na medida em que a sua filha era muito nova. Quando foi a casa dele buscar o já referido eletrodoméstico não reparou na sua idade, tanto mais que só ali esteve 15 minutos. Viu-o depois em casa da arguida. Em finais de dezembro de 2013 (estava a sua esposa internada no hospital) o depoente convidou a arguida e a filha desta para jantar em sua casa. Ficou desagradado com o facto de o arguido também aparecer apesar de não ter sido convidado e só permitiu a sua presença a pedido da sua filha. Nessa altura apercebeu-se que ele tinha mais do que 20 anos de idade. Colocou-o fora de sua casa nessa noite na medida em que, no 1º andar, apanhou-o com a sua filha encostados a uma porta. Depois da sua então mulher ter regressado do hospital ela mudou as fechaduras de casa e impediu-o de entrar. Viveu então com a arguida e a sua relação com ela terminou há cerca de 2 meses e meio. Só em janeiro de 2014 é que soube que o arguido tinha namorado com a sua filha (soube-o pela sua ex-cunhada) e por isso chegou a perseguir o arguido (para o apanhar). Descreveu a casa da arguida. Na sala dormia a mãe da arguida, a qual estava sempre em casa. Ali viu a ofendida E... duas ou três vezes a almoçar, regressando depois para a escola.
[15] Mãe da ofendida K.... A depoente e o seu então marido estavam de viagem entre 3ª feira e domingo, sendo certo que nas suas ausências os seus filhos ficavam em casa dos seus então sogros. Teve conhecimento da situação em causa nos autos em inícios de 2014, depois de ter saído do hospital (onde esteve internada 20 dias, desde o dia 20.12.2013 até 10.01.2014). O seu então marido falava muito pelo telefone com o arguido B... quando estavam em viagem e entravam em território nacional, isto antes de a depoente ter sido internada. Falavam de vários assuntos, com a exceção de mulheres. Conhecia o arguido pelo nome de B4.... Passavam cerca de 2 a 3 horas ao telefone. O seu então marido dizia-lhe que era um amigo. Quando saiu do hospital é que soube pela sua filha que o seu então marido lhe dava dinheiro e mandava-a comer a casa da arguida, que o seu então marido a tinha levado a casa do dito Vítor e que este teria vinte e tal anos de idade. Foi a primeira vez que ouviu falar na arguida. Obrigou então a sua filha contar tudo à polícia. Soube por ela que mantinham relacionamento sexual. Hoje a sua filha não se consegue relacionar com os jovens da sua idade. Tem acompanhamento psicológico. Tanto está bem como se sente revoltada. Deixou de falar com o progenitor porque o culpa de ter deixado a família para ter ido viver com a arguida e por tudo o que sucedeu.