Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA ERMELINDA CARNEIRO | ||
Descritores: | CRIME DE AMEAÇA DOLO PROVA INDIRECTA EXPRESSÃO OFENSIVA GENÉRICA PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO | ||
Nº do Documento: | RP20181031423/16.3PBVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/31/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º46/2018, FLS.164-183) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Por via de regra, na ausência de confissão do arguido, a prova do dolo terá de ser feita através de prova indirecta a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente, mediante os elementos objectivamente comprovados e em conjugação com as regras da experiência comum. II - O tipo objectivo do crime de ameaça consiste em anunciar que se vai fazer algo que implica um mal, uma lesão ou dano futuro. III – Quando a ameaça é genericamente dirigida a várias pessoas, como por exemplo, “mato-vos a todos”, o tribunal deverá averiguar quais os visados a que o arguido concretamente pretendia referir-se, única forma de se apurar o número de crimes efectivamente cometidos. IV - Não sendo feita uma tal averiguação, deverá lançar-se mão do princípio “in dúbio pro reo” e considerar não prova a inerente factualidade, permanecendo apenas o crime perpetrado na pessoa a quem foi concretamente dirigida aquela genérica expressão. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo número 423/16.PBVLG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Valongo – Juiz 2 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório Nestes autos de processo comum singular supra identificado, em que é arguido, B…, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença, em 29/11/2017, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):«Pelo exposto, e atentos os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública deduzida contra o arguido B…, em consequência do que decido: a. Absolvê-lo quanto à imputada prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal; b. Condená-lo, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); c. Condená-lo, pela prática de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo art. 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); d. Condená-lo, pela prática de cinco crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, nas penas parcelares de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); e. Condená-lo, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), assim perfazendo um total de €1.800,00 (mil e oitocentos euros).» Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido nos termos constantes da motivação de folhas 169 a 174, a qual finalizou concluindo da forma seguinte (transcrição): «Das conclusões: 1.ª O Tribunal a quo julgou a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, condenou o arguido B… pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo Artigo 143.º, n.º 1, de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo Artigo 153.º, n.º 1, e de cinco crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos Artigos 153.º, n.º 1 e 155.º. n.º 1, al. a), todos do Código Penal, condenando-o, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), assim perfazendo um total de €1.800,00 (mil oitocentos euros), bem como foi condenado no pagamento das custas criminais, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, ao abrigo do disposto nos Artigos 513.º e Artigo 514.º do Código de Processo Penal e nos termos do Artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais.2.ª Porém, Tribunal recorrido falha no seu raciocínio jurídico-factual porque faz uma deficiente interpretação dos factos, não apreciou os factos segundo as regras da experiência e a livre convicção que o julgador deve ter ao abrigo do Artigo 127.º do Código de Processo Penal. 3.ª O julgador dá a conhecer um convicção subjetiva e não objetiva dos factos, uma vez que supervaloriza as atitudes e expressões do arguido como se tudo que o mesmo disse foi ilícito grave, desvalorizando o comportamento dos denunciantes que, conforme ficou demonstrado, estão na origem da provocação da exaltação nervosa do arguido. 4.ª O arguido encontrava-se nervoso com o ladrar da cadela e interpelou o dono do animal sem qualquer intenção de ofender ou ameaçar quem quer que fosse mas verbalizou as mesmas expressões a vários familiares que foram aparecendo na mesma varanda e teria o mesmo comportamento se lá aparecessem outras pessoas, familiares ou não do dono da cadela, porque se encontrava afetado pelo ladrar frequente da cadela, o que o impedia de dormir e de descansar. 5.ª Pelo que, em correta e adequada análise objetiva, não é de considerar que mediante os factos em discussão estejamos em presença da prática de tantos crimes quantas as pessoas (ameaçadas), ao contrário do invocado na sentença recorrida. 6.ª O Tribunal a quo não teve em conta a situação de pobreza e a insuficiência económica do arguido na determinação da medida da pena, uma vez que não aplicou os valores mínimos legalmente permitidos. 7.ª Não tendo, assim, sido preenchidas os elementos objetivo e subjetivo, típicos dos crimes de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo Artigo 143.º, n.º 1, de um crime de ameaça simples, previsto e punido pelo Artigo 153.º, n.º 1, e de cinco crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos Artigos 153.º, n.º 1 e 155.º. n.º 1, al. a), todos do Código Penal, o arguido deve ser absolvido. 8.ª Na eventualidade de não se entender o acima exposto, suficiente para justificar a absolvição do arguido, sem conceder, o arguido unicamente deve ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo Artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, devendo quanto ao mais ser absolvido. 9.ª O Tribunal violou, ou aplicou mal, nomeadamente as normas legais seguintes: Artigos 143.º, n.º 1, 153.º n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal e Artigos 127.º, nº 2 e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.» * Admitido o recurso, o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta nos termos insertos a folhas 179 a 183 concluindo pela manutenção do decidido.Neste Tribunal da Relação a Digna Procuradora-Geral Adjunta elaborou douto parecer constante de folhas 190 a 201 cujo teor se dá por reproduzido, pugnando em remate pela parcial procedência do recurso. Para tanto considera verificar-se dos factos apurados o cometimento pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º; um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 e um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153º., nº 1 e 155º, nº 1 a), todos do Código Penal. Entende, ainda, excessivas as penas parcelares cominadas porquanto, no seu entender, as mesmas deveriam ser de 50 dias de multa, 40 dias de multa e 60 dias de multa, respetivamente, para cada um dos considerados crimes, fixando-se a pena única em conformidade com as referidas penas parcelares. Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal, nada foi acrescentado nos autos. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre apreciar e decidir. *** Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).II – Fundamentação No caso vertente, se bem entendemos as conclusões do recurso interposto, a discordância do recorrente incide, sobretudo sobre a verificação do elemento subjetivo dos crimes pelos quais foi condenado, porquanto afirma não ter agido com intenção, designadamente, de ameaçar quem quer que fosse. Disside, ainda, da medida da pena e quantum da taxa diária aplicada que, no seu entender, deveriam ser fixados nos seus mínimos legais. Cumpre apreciar e decidir. É do seguinte teor a sentença recorrida (transcrição parcial)«(…) 2.1 Matéria de facto provada Da discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade irrelevante para a descoberta da verdade material, tal qual delimitada pelo libelo acusatório, bem como de juízos conclusivos ou de Direito:* * 1. O arguido reside na Rua …, …, n.º….2. No seu …, residem C… e D…, os seus filhos E…, nascido a ../09/99, F…, nascida a ../01/07 e G…, nascida a ../10/14, e a avó paterna destes, H…. 3. No seu …, reside I…, tio de E…, F… e G…. 4. Desde data não concretamente apurada, que arguido e os seus identificados vizinhos mantêm um desentendimento, relacionado com o barulho causado pela cadela pertença de E… quando se encontra na varanda. 5. Em 28/07/16, cerca das 15:30 horas, o arguido, da janela da sua residência, dirigiu-se a E…, que se encontrava na varanda a recolher a sua cadela, dizendo-lhe “vou-te bater e dar um tiro”. 6. Escasso tempo volvido, o arguido direccionou-se à residência de E…, posteriormente a este lhe ter aberto a porta lhe desferindo uma bofetada na face. 7. Após o que se retornava à sua residência, tendo-se cruzado com I…, que o questionou acerca do que havia feito, aquele lhe dizendo “ainda não fiz, mas vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder”. 8. Em 29/09/16, cerca das 15:15 horas, o arguido, do exterior do prédio, dirigiu-se a F…, que se encontrava na varanda, dizendo serem “uma cambada de filhos da puta”. 9. Seguidamente ao que, da janela da sua residência, dirigiu-se a D…, que, naquela sequência, se deslocou à varanda, dizendo-lhe “vou pegar numa arma e mato-vos a todos”, aquela contando aos seus familiares consigo residentes o sucedido. 10. Como consequência directa e necessária da bofetada que lhe foi desferida na face pelo arguido, E… padeceu de dor na face. 11. Sabia o arguido que, ao desferir uma bofetada na face de E…, o molestava no seu corpo e lhe provocava dor. 12. Bem como que, ao dirigir a I… a expressão “ainda não fiz, mas vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder”, nas circunstâncias em que o fez, lhe provocava medo e inquietação, fazendo-o temer pela sua integridade física, ciente de se tratar de dito a tanto adequado. 13. E que, ao dirigir a D… a expressão “vou pegar numa arma e mato-vos a todos”, referindo-se a C…, D…, E…, F… e H…, nas circunstâncias em que o fez, lhes provocava medo e inquietação, fazendo-os temer pela sua vida, ciente de se tratar de dito a tanto adequado. 14. Não ignorava serem tais condutas proibidas e punidas por lei. 15. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente. 16. O arguido é divorciado; reside sozinho em casa própria, para cuja aquisição, em sede de partilha subsequente a divórcio, contraiu empréstimo de um seu familiar, despendendo na respectiva amortização mensal a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros); encontra-se aposentado por invalidez, beneficiando de pensão no valor de €515,00 (quinhentos e quinze euros) por mês; tem uma filha com trinta e quatro anos de idade; amortiza ainda empréstimo contraído por razões de saúde, cuja amortização ascende mensalmente a €250,00 (duzentos e cinquenta euros); completou o 4.º ano de escolaridade. 17. Em 05/08/15, foi internado no Hospital J…, no …, onde lhe foi diagnosticado AVC isquémico, tendo vindo a ser orientado para consultas externas de diversas especialidades, prescrita medicação e uso nocturno de CPAP. 18. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais. * Não resultaram provados ou não provados, com interesse para a discussão da causa, quaisquer outros factos (cfr., no sentido de que a sentença se deve limitar aos “factos com relevo para a decisão da causa”, exemplificativamente, o Ac. do STJ de 02/06/05, in www.dgsi.pt).* O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas pelo arguido – a final, por virtude de razões de saúde de que o impediram de assim proceder no início da audiência de julgamento – , os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas e os elementos documentais juntos aos autos.2.2 Fundamentação da matéria de facto * * O arguido, conforme predito, prestou declarações apenas a final, e anteriormente à produção de alegações finais, pelo que, respeitando a ordem cronológica da produção de prova, nos referiremos às mesmas posteriormente a ajuizarmos criticamente da prova testemunhal.* Em sede de acusação pública, foram inquiridos como testemunhas E…, I…, H…, C…, F… e D…, todos vizinhos do arguido. Depuseram de forma simples e escorreita, congruente entre si e compatível com os apontados ditames da experiência e da normalidade, e, ademais, isenta, não resvalando em conclusões ou juízos de valor, antes se atento aos factos propriamente ditos, tão pouco denotando menoscabo inopinado para com o arguido. Saliente-se, ainda, e com acrescido relevo, não haverem protagonizado excursos decalcados uns dos outros, antes se nos inculcando a pessoalidade e espontaneidade do quanto transmitiram, sendo certo tratar-se de um total de seis pessoas que, não aderindo acriticamente à factualidade em questão, sobre a mesma expendeu de modo absolutamente autónomo. Mereceram credibilidade por parte deste Tribunal.A testemunha E… afirmou que o agregado familiar se mudara para a residência em questão há escasso tempo volvido aquando do primeiro dos eventos em análise – e que o envolveu directamente –, sendo sabedor de queixas por parte do arguido relativamente ao barulho causado pela cadela do próprio, pelo que procuravam fechar a varanda – anteriormente ao que a mantinham aberta. Disse que escutou berros vindos do arguido e que se deslocou a essa varanda para recolher a cadela, aquele o avistando desde a sua janela e anunciando-lhe que lhe ia bater e dar um tiro, ao próprio e aos seus familiares. Deu conta que, seguidamente, o arguido lhe apareceu à porta da residência do agregado familiar, que abriu por “não [estar] a pensar em condições” (sic), sendo esbofeteado na face direita com a mão esquerda daquele, já que, na mão direita, trazia consigo uma corda. Noticiou que esse evento foi presenciado pela testemunha H…. Acrescentou ter sabido dos demais factos criminosos por lhe terem sido contados. A testemunha I… referiu estar a sair da residência do próprio quando se apercebeu de uma altercação entre o arguido e a testemunha E…, localizados, respectivamente, na janela e na varanda das suas habitações, pelo que regressou, deparando-se com aquele primeiro já em direcção à sua casa, instando-o sobre o sucedido. Asseverou que o arguido lhe disse ainda nada ter feito, mas que os iria foder a todos e chamar ciganos, e que observou a vermelhidão na face daqueloutra testemunha, com quem logo contactou, inteirando-se da bofetada que lhe fora desferida. Acrescentou ter sabido dos demais factos criminosos por lhe terem sido contados. A testemunha H… descreveu que o arguido estava “a mandar vir” (sic) desde a sua janela, estando a cadela na varanda a ladrar, pelo que a testemunha E… a foi retirar, após tendo o mesmo aparecido à porta da residência da família e desferido uma “lapada” (sic) na face direita daquele, não chegando a “[dar-lhe] com o fio” (sic) que trazia. Acrescentou ter sabido dos demais factos criminosos por lhe terem sido contados. A testemunha C… arrogou-se conhecedor do sucedido nas duas ocasiões em crise porquanto o mesmo lhe foi transmitido, auxiliando na descoberta da verdade material na estrita medida em que assentiu ter-se-lhe anteriormente dirigido o arguido, por virtude do barulho causado pela cadela. A testemunha F…, presentemente com dez anos de idade, veiculou encontrar-se a cadela na varanda a ladrar, ao que foi espreitar, avistando o arguido no exterior do prédio, com o seu cão, propalando, em direcção à varanda, que “[eles eram] uma cambada de filhos da puta” (sic). Explicou que o arguido mais anunciou que “pegava numa arma e dava tiros a todos” (sic), o que interpretou como referente aos seus familiares, e que a testemunha D… foi ao encontro da própria, que se preparava para retirar a cadela da varanda, chegando a vislumbrá-lo a entrar no prédio. A testemunha D… expôs ter ouvido a cadela a ladrar e a voz do arguido desde o exterior, que reconheceu, pelo que se dirigiu à varanda, onde viu a testemunha F… e escutou do arguido serem “uma cambada de filhos de puta” (sic). Disse que o abordou, o mesmo se encontrando já na janela da sua residência, em concreto o censurando por aquele dito a uma menor, escutando da sua boca a expressão “vou pegar numa arma e mato-vos a todos” (sic). * Tomadas declarações ao arguido, o mesmo negou a autoria dos assacados ilícitos. Sendo certo lhe não incumbir a demonstração da sua inocência, no cotejo com a prova testemunhal vinda de analisar e perspectivadas aquelas – e, bem assim, a sua postura em Juízo – à luz dos ditames da experiência e da normalidade, não logrou convencer. Na verdade, dúvidas não restaram quanto ao temperamento do arguido, assumido pelo próprio, ainda que associado à toma de medicamentos e ao seu débil estado de saúde, o mesmo – em momento algum desrespeitando este Tribunal – expendeu acerca da factualidade cuja comissão lhe é assacada de forma tensa e crescentemente exaltada, arrogando-se o proferimento de expressões distintas das discriminadas no libelo acusatório, mas cujo pendor se divisou demonstrativo da sua insurgência por virtude do barulho da cadela, de resto abusando de vernáculo aquando da sua narração em discurso directo. Ademais – e, quanto a nós, apercebendo-se da sua exacerbação descontrolada, numa tentativa de a minimizar – iniciou choro a despropósito, o que assegurou suceder-lhe sempre que assistia a um acidente na estrada. Cuidou, ainda, de discorrer acerca de uma subsequente pacificação do relacionamento intercedente entre o próprio e os seus discriminados vizinhos.* Retiveram-se os assentos de nascimento juntos aos autos, a documentação clínica apresentada pelo arguido e o seu CRC.* Dispõe o art. 143.º, n.º 1 do Código Penal que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 3. Do Direito * 3.1 Do enquadramento jurídico - penal da conduta * 3.1.1 Do crime de ofensa à integridade física simples * * Quanto ao tipo objectivo de ilícito, prende-se este com a ofensa no corpo, o mesmo é dizer, com “todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem - estar físico de uma forma não insignificante” (Paula Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 205), sendo objecto desse mau trato outra pessoa. Ora, o conceito de semelhante ofensa corporal deve ser entendido “com sentido médico - legal” e, nessa medida, como uma “alteração anatómica ou patológica, uma perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” (Pinto da Costa, Ofensas Corporais, Introdução ao Seu Estudo Médico - Legal, Colóquio de 01/03/83 proferido na Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto, apud Leal Henriques e Simas Santos, O Código Penal de 1982, III, 1986, 95). Já quanto ao respectivo elemento subjectivo, é este um tipo necessariamente doloso, nessa medida pressupondo a intencionalidade da conduta e, com isso, nos termos do art. 14.º do Código Penal, a representação de um facto – a ofensa corporal – e a actuação com vontade de o realizar (ou a assunção dessa realização como consequência necessária ou possível da conduta encetada, nas hipóteses de dolo necessário ou eventual).* Da prova produzida, resultou que o arguido desferiu uma bofetada na pessoa de E…, com o que o atingiu na face, o que fez, dada a irrazoabilidade de qualquer outro no confronto com os ditames da experiência comum e da normalidade social, com o propósito de o magoar, o mesmo é dizer, de o ofender no seu corpo e saúde, como de resto logrou, tendo o mesmo padecido de dor em razão de semelhante conduta.* Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.Preenchidos que se encontram os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreciação, legítima se torna a ilação de que o arguido incorreu na prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal. * Dispõe o n.º 1 do art. 153.º do Código Penal que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. Por seu turno, prevê o art. 155.º, n.º 1, al. a) do mesmo Código que quando os factos previstos nos arts. 153.º a 154.º-C forem realizados (…)por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos (…) o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do art. 153.º (…).3.1.2 Dos crimes de ameaça simples e agravada * * Salvaguardados pela presente incriminação, encontram-se bem jurídicos tão relevantes quanto a liberdade pessoal, a tranquilidade e o sossego individuais, não se exigindo que, em concreto, tenha sido provocado medo, causado inquietação ou prejudicado a liberdade de determinação, mas, tão-só, que a ameaça seja adequada a tanto, para o efeito se convocando um juízo de causalidade adequada por referência ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado ainda não tivesse ocorrido. No que tange ao respectivo elemento objectivo, são três as características fundamentais do conceito de ameaça do respectivo normativo, atinentes à sua tradução num mal, de natureza futura e cuja ocorrência há-de depender da vontade do agente. Igualmente releva, enquanto elemento integrante do tipo objectivo de ilícito, o conhecimento da ameaça por banda do sujeito passivo, já que a norma alude expressamente a outra pessoa. Exige-se, ademais, a adequação da ameaça à provocação de medo ou inquietação no visado, bastando contudo que “a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado” (Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I, Coimbra, 1999, 348, corroborando o entendimento de Figueiredo Dias, Actas, 1993, 500).O critério de semelhante adequação há - de revestir-se de um cariz objectivo - individual: “objectivo no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é produzida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar qualquer pessoa; individual no sentido de que devem relevar as características psíquico - mentais da pessoa ameaçada conhecidas do agente” (cfr. o Ac. do TRC de 23/09/09, in www.dgsi.pt). Considera-se, pois, por um lado, a susceptibilidade da ameaça em ordem à intimidação de qualquer pessoa, mas não se descura, por outro, as características próprias do concretamente ameaçado. Já quanto ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de ameaça é doloso, bastando-se com a representação e conformação com a adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo “irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça” (Taipa de Carvalho, ob. cit., 351). * Da prova produzida, resultou que o arguido, dirigindo-se a I…, que o questionara acerca do seu feito, proferiu a expressão “ainda não fiz, mas vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder”, conduta que preenche a primeira parte do tipo objectivo de ilícito a que aludimos supra: a tradução de um mal, in casu uma ofensa à integridade física, de carácter futuro e de ocorrência dependente da vontade de quem profere tal expressão, o mesmo é dizer, de quem ameaça. Igualmente pacífico é o conhecimento de tanto pelo destinatário da ameaça, ou seja, I…. Revertendo até ao critério de adequação objectivo - individual que atrás se referiu, analisando a expressão proferida no contexto do demais sucedido, não podemos deixar de considerar ser a mesma idónea à intimidação da pessoa em questão, inclusivamente tendo em linha de conta a globalidade do comportamento do arguido na ocasião temporal em debate. Acresce reter ser este um crime de perigo concreto, pelo que é desnecessário “que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação” (Taipa de Carvalho, ob. cit., 348). Igualmente neste particular, a actuação do arguido foi manifestamente dolosa, consciente que estava da susceptibilidade de provocar medo ou inquietação no visado, não obstante o que não hesitou em agir da forma descrita.Do mesmo passo, resultou que o arguido, dirigindo-se a D…, proferiu a expressão “vou pegar numa arma e mato-vos a todos”, perante o que se revelam inteiramente aplicáveis, a propósito destoutro dito, as considerações acima tecidas, apenas se nos oferecendo acrescentar, neste segmento, ser bastante “que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja susceptível de a afectar”, sendo “ameaça «adequada» aquela que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente do seu destinatário ficar, ou não, intimidado” (cfr. o Ac. do TRC de 07/03/12, in www.dgsi.pt). Ora, no que à apontada expressão concerne, verifica-se, porém, o escalamento da tipicidade, pois que o anúncio do mal contende com a morte, donde, com crime punível com pena de prisão superior a três anos, pelo que a incriminação preenchida ascende ao patamar da ameaça agravada. Permitimo-nos, porém, discordar da imputação preconizada em sede de acusação pública no que se atém à quantidade de crimes deste jaez perpetrados, pois que uma das visadas, G…, nascida em 14/10/14, sequer contava à data do sucedido com dois anos de idade, pelo que, inevitavelmente, não poderia ser conhecedora da ameaça, assim soçobrando um dos elementos típicos. Por fim, destacaremos constituir jurisprudência pacífica que neste tipo de ilícito se protegem “bens jurídicos eminentemente pessoais”, pelo que “a ofensa (o injusto de acção, de resultado e a culpa) dirige-se a cada acto concreto que afecte o bem jurídico individualizado na pessoa de cada titular”, razão pela qual “ o arguido comete tantos crimes quantas as pessoas [ameaçadas]” (cfr. o Ac. do TRC de 11/05/11, in www.dgsi.pt). * Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.Preenchidos que se encontram os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreciação, legítima se torna a ilação de que o arguido incorreu na prática – não de seis – mas de cinco crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal. * Realizado o enquadramento jurídico - penal da conduta, cumpre agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar, sendo que o processo de determinação da pena em concreto compreende três fases distintas. Primeiramente, há que averiguar da moldura penal abstracta aplicável ao crime em questão e aferir da existência de circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes, susceptíveis de actuar sobre a mesma. Em seguida, cumpre determinar a pena concreta dentro dessa moldura, tendo por base o estatuído no art. 71.º do Código Penal, e escolher, num terceiro momento, a espécie de pena a aplicar, na eventualidade de a lei permitir ao julgador a escolha, em conformidade com o art. 70.º do mesmo diploma legal. Dispõe, então, o art. 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, enumerando exemplificativamente o n.º 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias que, sendo exteriores ao tipo de crime, possam depor contra ou a favor do arguido.3.2 Da determinação da medida concreta da pena * * Uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes, cumprirá também considerar o disposto no art. 77.º, n.º 1 daquele diploma legal, em consonância com o qual quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Acrescenta a mesma norma que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, e esclarece o correspondente n.º 2 que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em consonância com o respectivo n.º 3, se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.* Revertamos a cada um dos ilícitos em debate.Relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, entendemos ser grave a ilicitude dos factos, atentos o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e a natureza dos mesmos. Em causa está uma violação do direito à integridade física de cada um, traduzido na sua legítima pretensão em não ser violentado no seu corpo e saúde, encerrando assim valores que, merecedores de indubitável e distinta tutela penal, se assumem como inequivocamente significantes; no caso sub judice, cumpre ainda não perder de vista que de agressão que diríamos absolutamente gratuita se cuida. Igualmente a culpa do agente se mostra elevada, por força do dolo directo, donde, intenso, com que agiu, sendo de relevar, por outro lado, a sua circunstanciação a uma bofetada na face. As necessidades de prevenção geral são elevadas, visto que o corpo e a saúde integram, certamente, um dos bens jurídicos de maior relevância, que diríamos, até, inversamente proporcional à sua violação, as mais das vezes, injustificada; agride-se por agredir, sem a noção do que – e do quanto – se ofende na pessoa dos outros, posto que se exorcizem os males de quem perpetra, sentido em que urge consciencializar a comunidade para a verdadeira seriedade deste concreto tipo de ofensa e reforçar a vigência e a validade da correspondente incriminação. As necessidades de prevenção especial afiguram-se-nos situadas em patamar ainda reduzido, militando em desabono do arguido a concomitância de outros ilícitos por referência ao mesmo hiato temporal e a sua postura em Juízo enquanto denotadora de falta de assunção das responsabilidades decorrentes dos seus feitos, em seu benefício sendo de considerar o desconhecimento de antecedentes criminais e a sua aparentemente satisfatória integração familiar. No que respeita aos crimes de ameaça simples e agravada, entendemos ser elevada a ilicitude dos factos, atentos o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e a natureza dos mesmos, em causa estando, afinal, a intimidação ilegítima da pessoa de outrem, mormente na sua liberdade, sendo certo reconduzir-se esta a uma dos bens jurídicos merecedores de tutela penal com maior significado, urgindo sopesar o modo de execução da conduta criminosa – e, desta maneira, relevar o contexto em que teve lugar, o mesmo é dizer, na esteira de um desentendimento entre vizinhos alicerçado no ruído provocado por um animal e, no caso concreto da ameaça agravada, sendo uma das vítimas menor de idade. A culpa mostra-se igualmente elevada, por força do dolo directo com que o arguido agiu, assim ascendendo ao seu patamar de maior gravame e inexistindo demonstradas quaisquer circunstâncias susceptíveis de mitigar o juízo de censurabilidade de que se revela merecedor. As necessidades de prevenção geral são elevadas, visto vivermos presentemente tempos marcados por um crescente e significativo desrespeito pelas pessoas, cada vez menos se atendendo às consequências das expressões intimidatórias que vão sendo proferidas, as mais das vezes de forma irreflectida; aos visados são, porém, legítimos, sentimentos de inquietude e receio, substituídos por sentimentos de impunidade, perante a permissividade com que frequentemente se encaram tais condutas. Importa, pois, alertar a comunidade para a seriedade deste tipo de crime e contribuir para o reforço da validade da correspondente incriminação. A propósito das necessidades de prevenção especial, permitimo-nos, por brevidade de exposição, dar nestoutra sede por reproduzidos os considerados acima entretecidos neste segmento. * Não menosprezando a preferência pelas penas não privativas da liberdade expressa no art. 70.º do Código Penal, julgamos ser – ainda – suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na sociedade, finalidades mencionadas no n.º 1 do art. 40.º do mesmo Código, a condenação do arguido numa pena de multa, a qual representa, no caso presente, “uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 119). Sopesando todo o circunstancialismo previamente analisado e tendo presente o quanto se deixou dito quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial, temos por justo aplicar ao arguido as penas parcelares que, por facilidade de exposição, seguidamente se enumeram: pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, a pena de 100 (cem) dias de multa; pela prática de um crime de ameaça simples, a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; e, pela prática de cada um dos cinco crimes de ameaça agravada, as penas de 140 (cento e quarenta) dias de multa. De harmonia com as regra que presidem à determinação da moldura penal do concurso, constantes do art. 77.º, n.º 2, conclui-se ser de aplicar ao arguido uma pena concreta que há-de oscilar entre os 140 (cento e quarenta) e os 920 (novecentos e vinte) dias de multa. Olhando ao conjunto dos factos e à sua personalidade, entendemos ser de o condenar numa pena única de 300 (trezentos) dias de multa. Retenhamos, a propósito, os ensinamentos da jurisprudência, de acordo com os quais a medida concreta da pena se deve imbuir do “vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando-se o limite da culpa”, pois que, “se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins de prevenção constitui um desperdício” (cfr. o Ac. do TRC de 10/03/10, in www.dgsi.pt).Presentes as regras que hão-se presidir à determinação do quantitativo da pena de multa, dispõe o n.º 2 do art. 47.º do Código Penal que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. O mesmo é dizer, há que “adequar a pena de multa de modo a não fixar uma pena nem que seja de cumprimento impossível, nem que se traduza numa quase absolvição: se o montante for desajustado porque demasiado elevado o que resulta é que o condenado não poderá, simplesmente, cumprir, mesmo que nisso faça questão; se for demasiado baixo o cumprimento da pena não gera nem sacrifício, nem desconforto, e acaba por não se fazer sentir” (cfr. o Ac. do TRC de 08/03/17, in www.dgsi.pt). Ora, cotejadas as circunstâncias de vida do arguido que lograram a adesão da prova – nomeadamente o facto de se encontrar aposentado e serem-lhe conhecidas duas amortizações de empréstimos – entendemos ser de fixar a respectiva taxa diária em €6,00 (seis euros), assim perfazendo um total de €1.800,00 (mil e oitocentos euros). Observe-se ensinar a jurisprudência que temos por avalizada que a pena de multa “não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas” (cfr. o Ac. do TRC de 18/10/10, in www.dgsi.pt) e “representar um real sacrifício para o condenado” (cfr. o Ac. do TRP de 20/03/17, in www.dgsi.pt), sob pena de descrédito da própria pena de multa enquanto tal, e, em última análise, dos Tribunais e da Justiça, do mesmo passo, se “obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência” (cfr. o Ac. do TRC de 05/11/08, in www.dgsi.pt). (…)». * Entende o arguido que deveria ter sido absolvido da prática de todos os crimes pelos quais foi condenado ou, a não se entender assim, deveria a sua condenação resumir-se ao crime de ofensa à integridade física.Apreciando: Para o efeito, entende o recorrente que o tribunal a quo não valorou corretamente a prova, porquanto não apreciou os factos segundo as regras da experiência, atendendo ao circunstancialismo fáctico global em que o arguido perpetrou as suas condutas. Vejamos se assiste razão ao recorrente. No que concerne à formação da convicção, rege o artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual consagra o princípio da livre apreciação da prova, que tem, na fase de julgamento, o momento por excelência para ser atuado; é ali que o julgador, de modo direto, oral e imediato, toma contacto com todos os elementos de prova existentes no processo, livremente os analisa e, a partir deles, forma a sua convicção. Como é óbvio, “livre convicção” não pode significar apreciação meramente subjetiva e/ou arbitrária da prova; por isso, deverá o julgador, na busca de alcançar a “verdade material”, conduzir-se, na apreciação que fará da prova que perante si se produzir, de forma racional e lógica, estribado sempre nos ensinamentos resultantes da experiência comum, que terá de demonstrar de modo claro, plasmando, na fundamentação da matéria de facto, o percurso intelectual percorrido desde a produção da prova até à decisão. A livre convicção «não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica» (cfr. Código Processo Penal de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339). Sendo «a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.) que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Daí a lei impor ao julgador um especial dever de fundamentação (cfr. número 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal), exigindo-lhe que evidencie (demonstre) o percurso trilhado na formação da sua convicção, concretamente indicando os meios de prova em que se estribou, mas, também, explicando as razões pelas quais credibilizou uns em detrimento de outros que desconsiderou. Só assim justificada a decisão se impõe, desde logo, aos diferentes intervenientes processuais, com especial destaque para o próprio arguido permitindo-lhes que a compreendam, mas igualmente à comunidade no seu todo que, querendo, poderá inteirar-se das razões pelas quais a decisão proferida foi a que foi e não qualquer outra. É também pela fundamentação da decisão que se possibilita ao tribunal de recurso controlar a correção do que foi decidido. Ora, relativamente ao cometimento pelo recorrente do crime de ofensa à integridade física perpetrado na pessoa do ofendido E…, não se vislumbra em que sustenta o recorrente o seu dissídio, limitando-se a referir não se mostrarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivo do crime. Contudo, como é bom de ver, tal não tem qualquer correspondência com a realidade, tendo os factos elencados na fundamentação de facto sido objeto de motivação, nos termos constantes da transcrição supra, ou seja, tendo valorado a prova através dos elementos probatórios concretos que concatenou entre si e que valorou de acordo com o princípio da livre convicção, explicitando a razão pela qual os considerou provados mediante uma análise crítica que explicitou. Aliás, da motivação apresentada não coloca o recorrente minimamente em causa os factos objetivos que, a tal propósito, se apuraram (factos provados nºs 6.) e 10.). E, no que ao elemento subjetivo concerne, como é consabido, muito raramente os atos interiores ou factos internos que respeitam à vida psíquica se provam diretamente. De facto, na ausência de confissão do arguido, a prova do dolo terá de fazer-se por prova indireta, a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente mediante os elementos objetivamente comprovados e em conjugação com as regras de experiência comum, por forma a concluir se o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente. Como se salienta no acórdão do STJ de 06 de outubro de 2010, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar «a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.». E, foi precisamente o que sucedeu no caso ora em análise. O tribunal a quo partindo dos factos objetivos que se lograram comprovar, em concatenação com as regras da experiência comum, logrou o apuramento dos elementos do dolo. Com efeito, parece-nos óbvio, tal como se expende na motivação da sentença recorrida, que tendo resultado da prova produzida que o arguido (ainda que exaltado) desferiu uma bofetada no ofendido E…, atingindo-o na face provocando-lhe, ademais, dor o fez “dada a irrazoabilidade de qualquer outro no confronto com os ditames da experiência comum e da normalidade social, com o propósito de o magoar, o mesmo é dizer, de o ofender no seu corpo e saúde, como de resto logrou, tendo o mesmo padecido de dor em razão de semelhante conduta”. E, idênticas razões se verificam relativamente ao crime de ameaça simples previsto e punido pelo artigo 153º do Código Penal em que foi ofendido I…. Com efeito, não se encontra colocado em causa que o arguido dirigiu ao identificado ofendido a expressão “ainda não fiz, mas vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder”. O tipo objetivo do crime de ameaça consiste em anunciar que se vai fazer algo que implica um mal, uma lesão ou dano futuro. Exigível é que a ameaça, o mal futuro que se promete fazer constitua crime (contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor), e seja adequada a provocar medo ou inquietação. Como refere Taipa de Carvalho (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 343), são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial e tem de ser futuro. A ocorrência desse mal futuro terá ainda de depender da vontade do agente, o que se analisará de acordo com a perspetiva do homem comum, tendo no entanto em conta as características individuais da pessoa ameaçada. É ainda necessário que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, mesmo que em concreto o não tenha provocado «exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação.» (Vide Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2° Vol., pág. 348) Neste sentido, pode legitimamente concluir-se que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado. Mais precisamente, trata-se de um crime de perigo concreto. Deste modo, a prática de um dos crimes de referência do artigo 153º não será típica para efeitos do preenchimento do tipo legal de ameaça, se ocorrer em simultâneo (sob a forma tentada ou consumada) com a sua execução, ou se a execução do crime prometido ainda não se iniciou mas está iminente. Nessas situações o desvalor inerente à ameaça é desconsiderado pelo legislador por estar abrangido pela incriminação do crime prometido. «a desconsideração do desvalor da ameaça pressuposta pelo legislador só se verifica nos casos em que a ameaça é seguida ou acompanhada da execução do crime prometido ou por ele consumido – e não outro -, tanto na forma consumada como tentada, ou seja, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado. Significa isto, que o critério determinante para aferição da incriminação autónoma da “ameaça” é que da conduta global do agente praticada em dado momento resulte que o desvalor contido na ameaça não se esgota no desvalor do ilícito típico executado na mesma ocasião, aferida esta pelo critério da unidade de sentido do acontecimento ilícito - global adiantado e explicado pelo Prof. F.Dias (vd, Direito Penal, parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2007, especialmente o § 18 do cap. 43º a pp. 1016 e sgs.). Isto é, o desvalor da ameaça estará contido na punição do crime prometido quando, por se verificar aquela mesma punição, façam parte de um mesmo acontecimento ilícito - global.». E assim terá acontecido relativamente à ameaça dirigida ao ofendido E… em 25 de julho de 2016, porquanto escassos momentos depois da expressão ameaçadora ter sido proferida pelo arguido, este agrediu-o desferindo-lhe uma bofetada no rosto. O mesmo não ocorre, porém, no que concerne à expressão dirigida pelo arguido, nesse mesmo dia, ao ofendido I…, nos termos que resultaram provados. Limitamo-nos, a este conspecto, por desnecessidade de tecer outras considerações, a subscrever o expendido na sentença recorrida: “Da prova produzida, resultou que o arguido, dirigindo-se a I…, que o questionara acerca do seu feito, proferiu a expressão “ainda não fiz, mas vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder”, conduta que preenche a primeira parte do tipo objectivo de ilícito a que aludimos supra: a tradução de um mal, in casu uma ofensa à integridade física, de carácter futuro e de ocorrência dependente da vontade de quem profere tal expressão, o mesmo é dizer, de quem ameaça. Igualmente pacífico é o conhecimento de tanto pelo destinatário da ameaça, ou seja, I…. Revertendo até ao critério de adequação objectivo - individual que atrás se referiu, analisando a expressão proferida no contexto do demais sucedido, não podemos deixar de considerar ser a mesma idónea à intimidação da pessoa em questão, inclusivamente tendo em linha de conta a globalidade do comportamento do arguido na ocasião temporal em debate. Acresce reter ser este um crime de perigo concreto, pelo que é desnecessário “que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação” (Taipa de Carvalho, ob. cit., 348). Igualmente neste particular, a actuação do arguido foi manifestamente dolosa, consciente que estava da susceptibilidade de provocar medo ou inquietação no visado, não obstante o que não hesitou em agir da forma descrita”. Questão que se coloca e a Exmª Procuradora Geral Adjunta junto deste tribunal suscita, é se a expressão dirigida à ofendida D…, nos moldes em que o arguido a fez, integra a prática de cinco crimes de ameaça agravada, ou apenas de um só crime. Dispõe o artigo 30º do Código Penal, sob a epígrafe “Concurso de crimes e crime continuado”: “1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente; 2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente; 3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.” Assim, como consagrado no preceito citado, a pluralidade de infrações é aferida segundo um critério normativo, pelo número de tipos legais infringidos ou de vezes que a mesma norma é violada, assimilando-se o concurso ideal ao real. Porém, situações ocorrem em que uma só conduta objetivamente típica pode conduzir ao cometimento de um vários crimes. Como refere Eduardo Correia, in “Direito Criminal II”, 1971, pág. 201 e seg.: «O problema é evidentemente, o da determinação da ilicitude material. (…) para que uma conduta se possa considerar como constituindo uma infracção não basta, como sabemos, que seja antijurídica; é ainda necessário que seja culposa, que possa ser reprovada ao agente. Ora pode acontecer que o juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encarnam a violação do mesmo bem jurídico. E encontramos, assim, a culpa como elemento limite da unidade de infracção; a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes.». E acrescenta (pág. 203 e segs) «(…) a unidade ou pluralidade de tipos legais a que pode subsumir-se uma certa relação da vida constitui o critério decisivo para fixar a unidade ou pluralidade de infracções. Mas, assim como da violação de uma só norma ou de um só artigo da lei penal não é lícito, sem mais, concluir pela realização de um só tipo e portanto de um só crime, do mesmo modo a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infracções.» Para Figueiredo Dias, in “Direito Penal Parte Geral” Tomo I, Coimbra, 2ª Edição, pág. 989 o que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes, é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do Tribunal. Considerou o tribunal recorrido que o arguido ao proferir a expressão dirigida à ofendida D… “vou pegar numa arma e mato-vos a todos” se referiu aos familiares com a mesma residentes e identificados no ponto 13.) dos factos provados, pelo que cometeu 5 crimes de ameaça agravada. Questão que se poderia colocar – e é colocada no douto parecer pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta - seria a de saber se não tendo a expressão proferida sido dirigida diretamente às demais pessoas ameaçadas, mas apenas dirigida à ofendida D…, é essa conduta suscetível da prática do crime de ameaças a essas outras pessoas. Taipa de Carvalho, in Ob.cit. pag. 347, pronunciando-se sobre a questão de saber se a ameaça dirigida a uma pessoa visando outra constitui crime, refere: «Que a pessoa objecto da ameaça não tem de coincidir com a pessoa (a ser) objecto do crime ameaçado é, como se viu, compreensivelmente inquestionável. Mas questionável e questionado já é qual o círculo de pessoas que – evidentemente, na hipótese de não coincidência – podem ser objecto do crime ameaçado (…)». Logo de seguida esclarecendo que para que o crime de ameaça se considere realizado não pode ser dirigido a um qualquer terceiro, antes se impondo «que a pessoa objecto do crime ameaçado tem de estar, para com o ameaçado, numa relação de proximidade existencial.(…)». Assim, quanto a este aspeto e tendo em consideração que a ofendida D… é familiar próximo e reside com todas as pessoas que o tribunal a quo considerou como tendo sido ameaçadas, não se coloca em causa a relação de proximidade suscetível de realização do crime de ameaças pelo arguido às pessoas identificadas como tendo sido objeto desse crime. Porém, consideramos que a tónica da questão se não coloca nesta vertente. O que importa analisar é se o arguido ao proferir a expressão dirigida contra a ofendida D… “vou pegar numa arma e mato-vos a todos” teve intenção e consciência de ameaçar todos os elementos que constituem o agregado familiar da ofendida D…, concretamente os descritos no facto provado sob o nº 13). Neste particular, cumpre realçar, que o tribunal recorrido em lado algum explicita com base em que elementos de prova se escorou para dar como provado que o arguido ao utilizar os vocábulos “vos” e “todos” quis referir-se, designadamente, a C…, E…; F… e H…. Dos factos provados não ressalta da conduta do arguido essa concreta intenção nem a mesma é compaginável com as regras da experiência comum e do normal acontecer. Na verdade, dos factos objetivos que lograram comprovação positiva, o arguido dirigiu expressões de cariz ameaçador, não só a D… como também anteriormente a I…, familiar da ofendida D… e cujo agregado familiar aquele não integra. Ademais, também relativamente ao referido ofendido I… o arguido dirigiu a expressão consubstanciadora de ameaça utilizando o vocábulo “vos”, concretamente referindo “(….)vou chamar um grupo de ciganos para vos vir foder” (realce nosso) e, não obstante, o tribunal recorrido considerou apenas a prática de um só crime de ameaça. Assim sendo será legítimo, da análise dos elementos objetivos que se provaram, extrair o elemento subjetivo nos termos em que o tribunal a quo o fez, ou seja, que o arguido quis dirigir a ameaça a todos os elementos que constituem o agregado da ofendida D…? Então, porque não a todos os familiares (residentes ou não) da identificada ofendida? Conclusão indiscutivelmente diversa seria se o arguido ao dirigir a expressão tivesse concretamente identificado (em razão do nome ou parentesco) qualquer das pessoas aludidas no ponto 13.) ou outras pessoas com quem a ofendida D…, tivesse uma relação de proximidade existencial. Contudo, o arguido não o fez; genericamente utilizou o plural do tempo verbal e referiu-se a “todos”. Aliás, do teor da decisão recorrida ressalta exatamente não se ter apurado quem serão esses “todos”. Só assim se poderá entender ter o tribunal a quo feito específica alusão à menor G… por considerar não poder essa visada, atenta a sua idade, ser conhecedora da ameaça. Recordemos o que a sentença recorrida a este propósito refere: “Permitimo-nos, porém, discordar da imputação preconizada em sede de acusação pública no que se atém à quantidade de crimes deste jaez perpetrados, pois que uma das visadas, G…, nascida em ../10/14, sequer contava à data do sucedido com dois anos de idade, pelo que, inevitavelmente, não poderia ser conhecedora da ameaça, assim soçobrando um dos elementos típicos.”. Ora, teria toda a razão o tribunal recorrido no enquadramento jurídico que efetuou se, efetivamente, a acusação pública tivesse mencionado como visada a aludida criança G…. Porém, a acusação à mesma se não refere, ou seja, não imputa a prática do crime de ameaça ao arguido relativamente a G…. A acusação, embora imputasse ao arguido (para além de um crime de ofensa à integridade física e um crime de ameaça simples) a prática de seis crimes de ameaça agravada, o certo é que expressamente refere quanto ao elemento subjetivo dos crimes de ameaças que “Ao actuar da forma descrita, o arguido sabia que as expressões que proferiu nas circunstâncias supra descritas, em tom sério e intimador, eram aptas a criar nos ofendidos, E…, D…, C… e H…, receio que o mesmo pudesse atentar contra as suas vidas e no ofendido I… receio que o mesmo pudesse atentar contra a sua integridade física” (o sublinhado é nosso). Afigura-se-nos que, perante a generalização da expressão dirigida pelo arguido à ofendida D…; ao número de crimes de ameaça agravada constantes da acusação pública (seis, embora apenas identifique quatro pessoas como ofendidos) e à ausência de prova sobre a intenção do arguido em englobar na expressão dirigida à ofendida D… outras (ou quais) concretas pessoas, o tribunal a quo erroneamente acabou por retirar a conclusão que, nos seis imputados crimes de ameaça agravada, se considerou como igualmente ofendida a criança G… por a mesma integrar o referido agregado familiar. Como igualmente integrou no rol dos elementos familiares a menor, F…, embora a acusação pública a ela se não referisse nos termos já acima transcritos, nem se mostra que tenha existido qualquer cumprimento do disposto no artigo 358º do Código Processo Penal. É, pois, manifesto, que o tribunal recorrido não apurou em concreto, quais os visados, a existirem, a quem o arguido pretenderia referir-se com a utilização do vocábulo “todos”. Perante a vaguidade da expressão impunha-se, ademais, a convocação pelo tribunal recorrido do princípio in dubio pro reo. O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa inclui entre as garantias do processo criminal, no seu número 2, a de que: “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”. O princípio da presunção de inocência que a Lei Fundamental consagra no seu artigo 32º, integra uma norma diretamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos – artigo 18º, número 1 da Constituição da República Portuguesa. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, tomo II, pág.105, a propósito deste princípio, impressivamente refere «O princípio da presunção de inocência é antes de mais um princípio natural, lógico, de prova. Com efeito, enquanto não for demonstrada, provada a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação, Por isso que o princípio da presunção de inocência seja identificado por muitos autores como o princípio in dubio pro reo, e que efetivamente o abranja, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce com essa dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece ainda dúvida a final, não obstante o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade, ou seja, princípio contrário, princípio da presunção da culpa. O princípio da presunção da inocência tem também incidência na exigência de motiva dos atos decisórios, (…) na medida em que sem essa motivação seria a mais das vezes, impossível comprovar, nomeadamente através dos recursos se foi feito uso de elementos permitidos de prova e se o processo de valoração foi irracional ou ilógico.». Do citado emerge que o princípio in dubio pro reo nada mais é que a emanação do princípio da presunção de inocência e surge como solução ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a prova produzida não seja de molde a permitir erradicar de forma segura a dúvida inicial que está na base do processo. Para que haja violação deste princípio é necessário que o tribunal tenha tido, ou devesse ter tido, dúvidas, sobre a culpa do agente ou sobre a forma como os factos ocorreram e, não obstante, tenha decidido contra ele. Não é o arguido não tem de demonstrar que não praticou os atos que lhe são assacados na acusação. No processo penal não existe presunção de culpa. Compete então ao julgador apreciar conjugadamente os meios de prova disponíveis e concluir se eles têm a virtualidade de permitir de modo seguro a conclusão sobre o modo como os factos ocorreram. Se não for possível, como já se disse, a dúvida terá de ser resolvida sempre a favor do arguido. A prova elencada e analisada na motivação da decisão de facto da decisão sob escrutínio, não permite a conclusão retirada pelo tribunal recorrido de que o arguido ao proferir a frase dirigida à ofendida D… constante do ponto 9.) da facticidade provada se referisse a C…, E…, F… e H…. Sendo assim, como efetivamente é, não poderia o tribunal recorrido considerar como provado o facto elencado sob o nº 13.) nos termos em que o faz, por não resultarem elementos probatórios que permitam extrair o elemento subjetivo naqueles moldes. O tribunal recorrido não os indica de forma clara, nem consideramos poder retirar dos factos objetivos conjugados com as regras da experiência comum tal prova. Conforme escreve Cavaleiro de Ferreira in "Direito Penal Português” - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa a propósito do elemento subjetivo do tipo legal deste crime «se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão... Por outro lado, o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.» Do que vem sendo expresso conclui-se que do teor da decisão recorrida ressalta a existência do vício de erro notório na apreciação da prova a que se reporta a alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal, cujo conhecimento é oficioso por este tribunal ad quem. Com efeito, decorre do nº 2 do citado preceito legal que, no âmbito da “revista alargada”, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que a mesma ser auto-suficiente (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.). No caso ora em análise, da simples leitura da decisão recorrida, perante a factualidade que resultou comprovada conjugada com as regras da lógica, da experiência comum e da normalidade das circunstâncias, extrai-se não poder imputar-se ao arguido a intenção de a expressão dirigida à ofendida D… se referisse, para além desta, a C…, E…, F… e H…, pelo que se mostra indevidamente dado como provado parte do facto inserto no ponto 13.), incorrendo a decisão recorrida no vício de erro notório na apreciação da prova. Não obstante a verificação do apontado vício, uma vez que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, pode este tribunal modificar a mesma e decidir da causa nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 431º al. a) do Código Processo Penal. Altera-se pois em conformidade a factualidade provada e não provada nos seguintes termos: Facto 13. Da factualidade provada: “E que, ao dirigir a D… a expressão “vou pegar numa arma e mato-vos a todos”, nas circunstâncias em que o fez, lhe provocava medo e inquietação, fazendo-a temer pela sua vida, ciente de se tratar de dito a tanto adequado” Facto não provado: “Que a expressão referida no ponto 13. se referisse a C…, E… e H…”. Assim alterada a matéria de facto e procedendo ao respetivo enquadramento jurídico-penal, temos que o arguido se mostra incurso, para além do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º e um crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153º, ambos do Código Penal, em que são ofendidos, respetivamente, E… e I…, num único crime de ameaça agravado p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º., nº 1 alínea a) do citado diploma legal em que é ofendida D… e não de cinco crimes previstos e punidos pelos mencionados preceitos legais. O recorrente não se pronunciando concretamente sobre cada uma das penas parcelares que lhe foram cominadas ou da pena única fixada, refere discordância relativamente ao quantum das penas, considerando como adequadas as penas mínimas cominadas para os crimes pelos quais foi condenado e, se bem percecionamos, o mesmo pretenderá relativamente ao valor da taxa diária. Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O artigo 71º do Código Penal consagra que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente as elencadas nesse preceito. Por outro lado, nos termos do artigo 40º número 2 do citado diploma legal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Assim, sendo a finalidade do direito penal o da proteção dos bens jurídico-penais e a pena, o meio de realização dessa tutela, haverá que estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes. Através da prevenção geral positiva apela-se à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura-se garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada. Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente – prevenção especial positiva – e a dissuasão da prática de futuros crimes – prevenção especial negativa. A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores. Como ensina Figueiredo Dias in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime, 1988, pág. 279 e segs «As exigências de prevenção geral (…) constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo da qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico - criminal da necessidade da pena (artigoº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº 1 do mesmo comando). Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena». Daí que, na convocação dos citados artigos 71º e 40º do Código Penal, para a determinação da medida da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º referido, sem olvidar a proteção dos bens jurídicos tutelados, até ao máximo consentido pela culpa e a reintegração do agente na sociedade. A moldura penal abstrata que corresponde aos crimes em causa nos presentes autos são, respetivamente, os seguintes: de 1 (um) mês a 3 (três) anos de prisão ou multa entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias (artigos 143º, n.º 1; 41º, nº 1 e 47º nº 1 do Código Penal); de 1 (um) mês a 1 (um) ano de prisão ou multa entre 10 (dez) e 120 (cento e vinte) dias (artigos 153º, n.º 1; 41º, nº 1 e 47º nº 1 do Código Penal) e de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão ou multa entre 10 (dez) e 240 (duzentos e quarenta) dias (artigos 155º, n.º 1, alínea e); 41º, nº 1 e 47º nº 1 do Código Penal). O tribunal recorrido depois de optar – e bem - pela pena de multa, concretizou a mesma em 100 (cem) dias pela prática do crime de ofensa à integridade física; em 120 (cento e vinte) dias, pela prática do crime de ameaça e em 140 (cento e quarenta) dias por cada um dos cinco crimes de ameaça agravada, computando a respetiva taxa diária em €6,00 (seis euros). Efetuado o cúmulo jurídico das penas, fixou o tribunal a pena única de 300 (trezentos) dias de multa à referida taxa diária de €6,00. Cumpre desde já adiantar considerarmos que, efetivamente, as penas irrogadas se mostram elevadas, atentos os princípios enunciados para a determinação da medida das penas. Vejamos. As razões de prevenção geral que este caso suscita não são de intensidade elevada, confinando-se ao círculo restrito dos envolvidos. Contudo, este tipo de condutas repercute-se no sentir comunitário e, se não forem devidamente censuradas, dão sinal à comunidade que as dissensões privadas podem resolver-se com o uso da violência física ou verbal. O arguido agiu com dolo direto, sendo por isso intensa a sua culpa. A ilicitude da sua conduta não se mostra de forte relevância, designadamente no que tange ao crime de ofensa à integridade física, atendendo que a mesma se traduziu numa bofetada na face, não resultando para o ofendido quaisquer lesões, para além da dor sentida. No que aos crimes de ameaças (simples e agravada) respeita, não se apurou que as mesmas tivessem provocado, efetivamente, aos ofendidos temor ou inquietação. Não obstante a censurabilidade da conduta do arguido relatada, nomeadamente dirigindo-se a casa do seu vizinho para, logo que este lhe abre a porta, de imediato lhe desferir uma bofetada no rosto e bem como proferir as expressões ameaçadores utilizando, ademais, linguagem imprópria e indecorosa perante uma menor, também é exato e tem de ser considerado (o que o tribunal a quo não fez), que o latido constante e frequente de um canídeo na varanda de uma casa de que a sua é contígua é potenciador de provocar destabilização e exaspero, tanto mais tratando-se de pessoa, como o arguido, que se encontra aposentado por invalidez, padecendo de doença isquémica que lhe determinou AVC, carecendo de medicação e consultas especializadas diversas e uso noturno de aparelho CPAP. As exigências de prevenção especial de socialização reputam-se diminuídas. Com efeito, o arguido é delinquente primário, facto que não é despiciendo tendo em conta a idade do mesmo (60 anos) bem assim, como salienta a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, atentas as circunstâncias que espoletaram os comportamentos do arguido. Ainda, a considerar encontrar-se o arguido socialmente inserido, sendo aposentado por invalidez. Sopesadas todas estas circunstâncias entendemos fixar as seguintes penas parcelares: - 80 (oitenta) dias de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal; - 40 (quarenta) dias de multa, pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal; - 70 (setenta) dias de multa, pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 alínea a), ambos do Código Penal. Operando o cúmulo jurídico das penas, atenta a moldura abstrata de 80 dias a 190 dias, e considerando em conjunto, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, os factos e a personalidade do arguido, entende-se adequado, fixar a pena única em 120 (cento e vinte) dias de multa. Na determinação do quantitativo diário da pena de multa, o n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal preceitua que “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”. Este normativo concretiza o designado sistema escandinavo ou de dias-de-multa, que visa adaptar a pena às condições económicas do arguido para que o seu cumprimento possa ser sentido com a mesma severidade, independentemente do maior ou menor desafogo financeiro do agente. Na aferição do quantitativo diário, o Tribunal deve ter em conta não só os rendimentos mensais do arguido, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos. De tal factualidade ressalta que o recorrente tem como único rendimento o valor que recebe da pensão de invalidez e que ascende a €515,00 mensais. Sendo este o rendimento que o recorrente apresenta, e tendo como despesas fixas mensais o montante de €150,00 para amortização do pagamento da casa que habita e €250,00 para amortização de um outro empréstimo contraído por razões de saúde, é manifesta a sua carência económica, apenas lhe sobejando para fazer face a todas as demais despesas com a sua subsistência, a quantia de €115,00 mensais. Acresce que o arguido após o seu internamento hospitalar em 15/8/2015, onde lhe foi diagnosticado AVC isquémico, tem vindo a ser orientado para consultas de diversas especialidades, prescrita medicação e uso noturno de CPAP., situação que, necessariamente, obriga a dispêndio regular com transportes e medicamentos. Assim, e sem olvidar que a pena deve representar um real sacrifício para o condenado, também deve salvaguardar o patamar mínimo da satisfação das suas necessidades básicas. Como é salientado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/10/97, in CJ, Tomo III, pag. 183, «O montante diário da multa deve ser fixado em termos de se constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar». O mesmo entendimento se mostra vertido no Acórdão da Relação do Porto de 9/2/2011, processo 32/10.0GBVNH.P1, in www.dgsi.pt «Atento o princípio da dignidade da pessoa humana, imanente ao Estado de direito democrático (que proíbe qualquer tipo de tratamento desprezível da condição humana), a ponderação do quantitativo diário deve salvaguardar “o mínimo dos mínimos” da subsistência económica do condenado.» Assim, atendendo aos princípios supra referidos que devem nortear a fixação do quantitativo diário da pena de multa, e ponderada a citada situação económica do recorrente, decide-se fixar o mesmo no seu mínimo legal, ou seja, em €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos). *** Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência, condenam o recorrente B…:III – Decisão - pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50; - pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50; - pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50. Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, condenam o recorrente na pena única em 120 (cento e vinte) dias de multa, à referida taxa diária de €5,50, o que perfaz o montante global de €660,00 (seiscentos e sessenta euros), confirmando-se, no mais, a sentença recorrida. Sem custas. Porto, 31 de outubro de 2018 (elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artigo 94 nº2 do Código Processo Penal) Maria Ermelinda Carneiro Raúl Esteves |