Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
313/12.9GAVPA.G1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PENAS
Nº do Documento: RP20150603313/12.9GAVPA.G1.P1
Data do Acordão: 06/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A comprovação de que foi um coarguido e não outro que praticou um acto integrado no complexo de actos que integra a actuação, descrita na acusação, de todos os coarguidos relativa ao delito praticado em coautoria material não atinge a densificação normativa de alteração não substancial dos factos com relevo para ser comunicada nos termos do artº 358º CPP.
II - O princípio da igualdade abrange a proibição do arbítrio, a proibição de discriminações e a obrigação de diferenciação, exigindo um tratamento igual a situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diversos, pelo que não ocorrendo uma dualidade de critérios na determinação da pena de cada coarguido não se mostra violado tal princípio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 313/12.9GAVPA.G1.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunta: Maria Dolores Sousa

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No âmbito do processo Comum Colectivo n.º 313/12.9GAVPA, do extinto Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, agora Comarca de Vila Real, Vila Real – Instância Central – Secção Criminal-J3, por acórdão proferido e depositado a 11 de Junho de 2014, foram condenados os arguidos:
1. B…, com os demais sinais dos autos, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, e 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), em resultado das seguintes penas parcelares:
a) 4 (quatro) anos de prisão pela prática, em co-autoria, de 1 (um) crime de roubo, previsto e punível pelos arts. 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204º n.ºs 1, al. a), e 2 al. f), do Cód. Penal;
b) 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) pela prática de 1 (um) crime de detenção de munições proibidas, previsto e punível pelo art. 86º n.º 1 d), da lei n.º 5/2006, de 23/2;
2. C…, com os demais sinais dos autos, na pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática, em co-autoria, de 1 (um) crime de roubo, previsto e punível pelos arts. 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204º n.ºs 1, al. a), e 2 al. f), do Cód. Penal.
Mais foram condenados a pagar à assistente/demandante D…, solidariamente, a quantia global de € 3.116,00 (três mil cento e dezasseis euros), sendo € 116,00 (cento e dezasseis euros) a título de indemnização de danos patrimoniais, com juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação até efectivo ressarcimento, e o montante restante a título de danos não patrimoniais, com juros de mora à mesma taxa legal, a contar da decisão até efectivo e integral pagamento.
*
Inconformado, o arguido C… interpôs recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
Um. O testemunho da assistente foi confuso e contraditório;
Dois. Como contraditório foi com o que esta havia prestado na fase de inquérito;
Três. A assistente, que usa óculos, esteve sempre sem óculos, com o assaltante sempre com máscara opaca, e de noite sem luz.
Quatro. A identificação tem de ser duvidosa, até porque baseada somente na voz.
Cinco. Pelo que tal dúvida deveria ter sido decidida em favor do arguido;
Seis. Foram dados como provados factos que não constam da acusação ou constam como perpetrados por arguido diferente.
Sete. O arguido tem uma deficiência de visão de 95%.
Oito. Não podia deslocar-se sem ajuda;
Nove. Contudo tal facto não foi relevado.
Dez. A assistente sofre de cataratas, só vê com óculos e não os tinha colocado durante todo o assalto.
Onze. No chão junto à janela partida estava sangue de um elemento feminino.
Doze. Tal sangue não era dos arguidos;
Treze. Não era da assistente. De quem era?
Catorze. A douta sentença é nula por deficiente indagação e aplicação legal.
Quinze. Existe omissão de pronúncia;
Dezasseis. A prova produzida é insuficiente para a condenação ocorrida.
Dezassete. Existe erro na produção de prova.
Dezoito. Para factos iguais os arguidos tiveram condenação diferente.
Dezanove. Tal facto viola o princípio de igualdade das partes perante a lei, garantido constitucionalmente.
***
Admitido o recurso por despacho de fls. 426, responderam o Ministério Público e a assistente D… sustentando a sua improcedência e manutenção do decidido, finalizando a motivação com as conclusões que se transcrevem:
Ministério Público

De acordo com o doutamente decidido por esse Venerando Tribunal da Relação em acórdão datado de 17.03.2014 (processo nº 636/13.0 PBGMR), disponível in www.dgsi.pt/jtrg/nsf e que passa a transcrever-se “Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º., nº. 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995).”

Afigura-se-nos que não existe qualquer reparo a fazer ao douto acórdão recorrido, na medida em que não tendo o arguido nas conclusões que elencou a matéria de facto que pretendia ver provada, não podem as alegações de recurso ser aceites nesta parte.

Relativamente aos vícios do art. 410º do CPP que o arguido alega existirem na decisão não vislumbramos que qualquer um dos vícios elencados naquele preceito tenha sido violado pelo douto acórdão recorrido.
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Assistente D…
1 - No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, a apreciação feita pelo Tribunal da Relação é feita dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, como sejam o de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, além da indicação das provas a renovar, se for caso disso.
2 - Na motivação deverão ser enunciados os fundamentos do recurso, isto é, as razões ou motivos em que se baseia a discordância do recorrente quanto à Decisão (cfr. artigo 412º, n.º 1, 1ª parte do Código de Processo Penal), cabendo ao mesmo elaborá-la com todo o cuidado, preservando o princípio da lealdade processual, mas formulando argumentos válidos e devidamente fundamentados que convençam o Tribunal de recurso da sua bondade e consistência (cfr. Simas Santos, Leal Henriques, Noções de Direito Penal, Rei dos Livros, pago 506).
3 - Neste tipo de recursos, cujo objecto é a reapreciação da prova, impõe a lei o cumprimento dos requisitos de forma prescritos no artigo 412º n.º 3, als, a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal, que estabelecem que o recorrente: a) Indique concretamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, por referência à indicação individualizada dos factos que constam da decisão; b) Indique as provas que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação (o que implica a identificação do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, qual a decisão que se impõe desse meio de prova e porque é que tal decisão se impõe). E c) Indique, se for caso disso, as provas que pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que baseia a impugnação.
4 - A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430º do Código de Processo Penal).
5 - De tudo decorrendo a conclusão que as especificações consagradas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, apesar de serem de forma, não têm natureza meramente formal ou secundária, antes estando directamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, já que só a sua observância permite que o tribunal de recurso se pronuncie sobre o objecto que foi verdadeiramente escolhido pelo recorrente.
6 - O recurso do Apelante não observou o regime prescrito no nºs 3, alínea b) do artigo 412º do Código de Processo Penal, pois, não identificou as concretas provas que impõem decisão diversa, limitando-se a identificar as testemunhas e a fazer um resumo do que elas disseram, sendo que quanto aos documentos refere "Os documentos juntos aos autos", limitando-se a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas.
7 - Assim, perante tal omissão, a questão atinente à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto não provada suscitada no recurso não deverá ser conhecida.
8 - O Apelante C…, cinge, no essencial, as suas alegações aos seguintes pontos: 1 – Factos que não constam da acusação e alegada nulidade sentença. 2 - Erro na apreciação da prova. 3 - Errada determinação da medida da pena.
9 - Limitando tal alegação ao ponto 10, ou seja quem arrastou a assistente, sendo pacífico que a mesma foi arrastada, e estavam presentes os dois arguidos, ora tal ponto 10 não implica qualquer alteração do tipo de crime, qualquer alteração da culpa dos arguidos, qualquer alteração aos danos causados à assistente.
10 - Só quando aos factos da acusação se acrescentam outros, novos, ou se substituem os mesmos por outros, novos, que modificam os primitivos, é que estamos perante a alteração dos factos a que alude o artigo 1º do C.P.P.
11 - A simples precisão, concretização ou esclarecimento de factos constantes da acusação não equivale, como é bom de ver, a uma qualquer alteração dos factos na medida em que nenhum facto se muda ou modifica, como não se introduz nenhum facto estranho.
12 - Nenhuma alteração factual foi feita na sentença, seja ela substancial ou não substancial, sendo que estamos apenas perante uma concretização dos factos, tendo em conta a prova produzida em sede de julgamento e não factos novos.
13 - Não constitui alteração substancial dos factos o desvio da sentença em relação à acusação, dado que a aludida modificação não tem relevo para a decisão da causa, tratando-se apenas de uma mera concretização, bem como, não tem qualquer repercussão nas garantias de defesa do arguido.
14 - O apelante veio invocar a nulidade da sentença, ora, é de referir que as nulidades processuais vêm taxativamente consagradas nos arts. 119º e 120º, do CPP, não constituindo, a sentença em causa, qualquer uma das situações previstas nesse elenco.
15 - Assim, não se vislumbrando que a sentença padeça de qualquer vício, é de manter a mesmo, indeferindo-se, consequentemente, a pretensão do arguido, aqui Apelante.
16 - Sempre se dirá, no entanto, que aquando da apresentação das alegações de recurso, há muito tinha decorrido o prazo de 10 dias para alegar qualquer nulidade.
17 - Importa desde já esclarecer que considerando-se definitivamente assente a matéria de facto dada como provada (e não provada), resulta parcialmente prejudicada esta questão, equacionada pelo recorrente para a hipótese de se proceder à alteração de tal matéria fáctica, o que não se concede.
18 - A fundamentação da sentença é válida, concretamente o exame crítico da prova, pois a decisão contem e clarifica todo o complexo de operações lógicas, que permitem perceber "como" e "porquê" o tribunal decidiu da forma como decidiu.
19 - O Tribunal “a quo”, baseou a sua decisão sobre a matéria de facto na prova documental junta aos autos, tais como: - nos docs. de fls. 5 a 10 e 28, que retratam o local onde os factos mencionados no acervo provado e datados de 15-09-2012 ocorreram e estado físico de D… na mesma altura, tendo a respectiva autoria sido assumida pela testemunha a que abaixo se fará referência; - nos docs. de fls. 19 e ss. que retratam o local onde os factos mencionados no acervo provado e datados de 15 -09- 2012 ocorreram; - no auto de fls. 47 e v."; - no auto de fls. 48 e ss.; - no auto de fls. 56 e v."; - no auto de fls. 57 e ss., onde se evidenciam os objectos encontrados na residência do arguido B…, em sintonia com o referido na matéria de facto provada; - no auto de fls. 63 e v."; - no auto de fls. 64 e ss.; - no relatório médico-legal de fls. 80 e ss., onde se evidencia a situação clínica de D… decorrente da actuação dos arguidos, conforme matéria dada como provada; - nos autos de exame de fls. 91 a 93, que evidenciam a natureza de parte do material apreendido e referido no auto de fls. 57 e ss. (munições); - no relatório de fls. 101 (141); - nos autos de reconhecimento de fls. 107 e ss. e 118 e ss.; - nos documentos fotográficos de fls. 125 a 127, que respeitam aos indícios recolhidos no local onde os factos referidos na matéria provada sobre D… se verificaram; - no documento de fls. 185, onde se evidenciam a matéria referida no acervo provado sobre a ausência de licença de uso e porte de arma emitida a favor do arguido B…; - no relatório pericial de fls. 189 e ss., referente aos vestígios hemáticos recolhidos na residência de D…; - nos docs. de fls. 208 e ss.; - nos c.r.c. de fls. 210 e ss., 226 e ss., que evidenciam a matéria atinente aos antecedentes criminais dos arguidos dada como provada; - no doc. de fls. 266, onde se evidencia a data de nascimento de D…, não se vislumbrando motivo para se duvidar do respectivo teor; - nos docs. de fls. 262 a 270, que evidenciam as despesas com consultas e tratamentos suportadas por D…, em consonância com o referido na matéria provada; - no doc. de fls. 271, o qual, por se mostrar anónimo, não foi ponderado; nos docs. de fls. 404-405; - no doc. de fls. 406, onde se evidencia a situação clínica actual do arguido B…, em consonância com a matéria dada como provada;- nos relatórios sociais de fls. 391 e ss. e 399 e ss., onde se evidencia o percurso de vida e situação pessoal dos arguidos, conforme matéria dada como provada;
20 - O Tribunal “a quo”, baseou a sua decisão sobre a matéria de facto na prova testemunhal nomeadamente: - nas declarações do arguido B…, prestadas em audiência de julgamento, - nas declarações do arguido C…, prestadas em audiência de julgamento, - nas declarações prestadas pela assistente, D…, em audiência de julgamento, - no depoimento da testemunha E…, - no depoimento da testemunha F…, - no depoimento da testemunha G…, - no depoimento da testemunha H…, - no depoimento da testemunha I…, - no depoimento da testemunha K…,
21 - A fundamentação da sentença é válida, concretamente o exame crítico da prova, pois a decisão contém e clarifica todo o complexo de operações lógicas, que permitem perceber "como" e "porquê" o Tribunal decidiu da forma como decidiu.
22 - Analisando os fundamento invocados pelo apelante logo se conclui que não passam de meras conclusões, não alegando depois o Apelante nada que as possa consubstanciar.
23 - O Tribunal “a quo” muniu-se de diversas outras provas, provas que não foram questionadas pelo aqui Apelante.
24 - O Tribunal “a quo” baseou a sua convicção em toda esta prova documental e pericial, não colocada em causa pelo Apelante, e só depois o Tribunal “a quo” analisou a prova testemunhal, que confrontou com a restante prova.
25 - É necessário chamar à colação entre outros o depoimento da assistente, que depôs com isenção e objetividade, quanto aos factos que presenciou, depoimento considerado fidedigno pelo Tribunal “a quo”, Depoimento de D…, Gravado em suporte informático (5.00) Juiz – Então o que se passou? R - ….eram 2.20 ouvi os vidros a partir Juiz – Ouviu os vidros R- Sim, a cair, levantei-me peguei na arma, que não estava carregada, abri a porta e o C… botou-me logo a mão à espingarda e deitou a espingarda ao chão (6.08) Juiz – Quem fez isso? R – O C… Juiz – Ouvi-os a falar? R – Sim, e disseram assim «se calhar conheceu-nos» e depois também conheci o C…, mas não quis dizer, se disse-se naquela hora, hoje não estava lá Juiz – Conheceu o C…, já antes o conhecia? R – Já, ele andava sempre onde à minha casa a brincar com o meu enteado Juiz – E o B… também conhecia? R – Muito bem, ele foi lá a casa uma vez ajudar a carregar uma burra… (11.10) Juiz – Olhe e então levaram o dinheiro e mais o quê? R – Foi a arma, o dinheiro, e então esse tal colar e o alfinete (17.35) Juiz – E a senhora tinha mesmo a certeza que eram eles? R – Sim, tou a dizer a verdade ó Sr. Doutor Juiz – Então a Sr.ª não se terá enganado? R – Nada, então se me tivesse enganado engasgava-me agora a dizer as palavras. Juiz – A senhora antes disso teve algum problema com eles? R – não com o B… nada. Não, olhe, ainda no mês, eu queria dizer, antes de ser assaltada, em abril ou maio, mais ou menos por essa altura, eu estava na casa de uma cunhada que mora perto da casa dele, e ele estava para a cozinha e disse «vou fazer-lhe uma pergunta» «responde se quiser» e disse-lhe diz lá «você não quer vender a sua arma?» E eu disse «não» Juiz – Quem lhe perguntou isso? R – o C…, à uma não posso vender e à outra faz-me falta, desde aí nos outros meses eles já queriam entrar para levar a espingarda. Juiz – Isso é o que a Senhora diz R – Quem é que abria as persianas? Pois se eu fechava-as. Juiz – Os dois levavam meias na cabeça? R – Eram os dois, O B… era o que levava a mais fina, foi o que reconheci mais depressa. Juiz – Que é que eles lhe disseram? R – que queriam o dinheiro, chamavam puta, vaca, depois fiquei…Juiz – Não se recorda de mais nada R – Não, recordo Juiz – Levavam alguma coisa com eles R – Só vi o spray Juiz – Viu-os com ele na mão R – Não sei qual dos dois tinha na mão, só sei que, depois eu abri a porta e o C… é que deitou a não, foi quando sai e vi o tal spray e me intoxicaram as vistas para fazer o trabalho.
26 - A aqui Apelada, depôs com isenção e objetividade, quanto aos factos que presenciou, considerada fidedigna pelo Tribunal “a quo”, demonstrou conhecer os arguidos, e tê-los reconhecido no dia dos factos,
27 - Descreveu com a exatidão possível dada a gravidade dos fatos ocorridos, a atuação dos arguidos, os bens que lhe foram roubados e a violência utilizada pelos arguidos para conseguirem os seus intentos.
28 - Testemunho que deve ser conjugado, como fez o tribunal, com a restante prova.
29 - A testemunha E…, referiu ser frequente ver o arguido C… a conduzir veículos automóveis em Vila Pouca de Aguiar.
30 - A testemunha F…, militar da GNR, confirmou que a assistente, logo nessa ocasião, referiu terem sido os arguidos os autores dos factos em referência, evidenciando segurança em tal.
31 - A testemunha H…, militar da GNR confirmou que a assistente, logo nessa ocasião, referiu terem sido os arguidos os autores dos factos em referência, evidenciando segurança em tal.
32 - Alega o apelante que não pode ter cometido o crime porquanto existe um atestado que atesta uma deficiência visual.
33 - Está dado como provado, de que o apelante não recorre, que: Padece de tal deficiência de 2000, e está dado como provado que cometeu os seguintes crimes: 1 crime de homicídio em 2002, 1 crime de condução em estado de embriagues em 2009 e 1 crime de condução em estado de embriaguez em 2013.
34 - Ditam as regras da experiência, que se o Apelante foi capaz de praticar dois dos quais condução em estado de embriaguez, pelo que se depreende que tem carta de condução, e está apto a conduzir, tanto que se aventura a conduzir embriagado está apto a entrar numa casa e a circular pela mesma sem tropeçar.
35 - Nada consta das alegações de recurso do Apelante que tenha a virtualidade de colocar em causa a matéria de facto dada como assente pelo tribunal “ a quo”.
36 - O Tribunal “a quo” teve, quanto à matéria de facto ora em crise, em consideração os testemunhos apresentados em audiência de julgamento, não dando como provada a matéria de facto alegada pelo aqui Apelante, tendo considerado o depoimento das testemunhas.
37 - De facto, o Tribunal “a quo” não violou as normas de julgamento da matéria de facto, nomeadamente o senso comum e as regras da experiência.
38 - Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” não cometeu erro na indagação dos factos, não tendo violado o disposto nos artigos 412º, 410º, 127º e 379º do C.P.P. e 13º da CRP.
39 - Pelo que a decisão do Tribunal “a quo” contrariamente ao alegado pelo Apelante, não violou qualquer normativo legal, pois tendo em conta os factos que foram dados como provados e a gravidade das lesões sofridas pela ofendida, não enferma de deficiente indagação dos factos e as suas conclusões não estão em contradição com a fundamentação, não tendo o acórdão violado o artigo 410º do Código de Processo Penal.
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Neste Tribunal da Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público elaborou douto parecer, aderindo às considerações expostas na resposta da assistente e analisando cabalmente cada uma das questões suscitadas, para concluir pelo não provimento do recurso.
Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica (cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente), as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, in casu, suscitam-se as seguintes questões.
a) Erros de julgamento da matéria de facto
b) Nulidade da decisão
• Condenação por factos não constantes da acusação sem cumprimento do disposto no art. 358º, do Cód. Proc. Penal
c) Violação do princípio da igualdade na pena aplicada
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2. Com interesse para a causa, importa considerar a seguinte fundamentação de facto da decisão recorrida: (transcrição)
A) Factos Provados
1. No dia 15-09-2012, entre as 00H00 e as 02H15, os arguidos, actuando em execução de plano previamente acordado entre ambos e em comunhão de esforços, muniram-se, cada um deles, de uma meia de vidro, com a qual cobriram as respectivas cabeças e faces, e calçaram luvas nas respectivas mãos;
2. De seguida, os arguidos dirigiram-se à residência de D…, situada no …, n.º .., …, …, Vila Pouca de Aguiar;
3. Chegados a tal residência, de modo não apurado, os arguidos lograram partir o vidro de uma janela que dá acesso à varanda da habitação;
4. De seguida, os arguidos passaram pela aludida janela e entraram na habitação;
5. D…, que se encontrava deitada, no seu quarto, ao aperceber-se do barulho provocado pelos arguidos com a actuação acima referida, deitou mão de uma espingarda da marca “Remington”, com o n.º ……., calibre 12, de um cano liso, que se encontrava na mesma dependência, e dirigiu-se para a porta da mesma dependência;
6. Acto contínuo, empunhando a aludida espingarda, D… abriu a porta do mencionado quarto e saiu do mesmo, entrando num corredor da habitação;
7. De imediato, o arguido C… deitou as mãos à arma que D… trazia consigo, atirando-a ao chão;
8. De seguida, o arguido C… chamou D… de “puta” e “vaca” e perguntou-lhe onde a mesma tinha o dinheiro guardado;
9. Após, o arguido C… atou uma camisola na cabeça de D…, tapando-lhe a boca, para impedir que a mesma lograsse gritar e pedir socorro e, dessa forma, pudesse dificultar a concretização dos intentos de ambos os arguidos;
10. De seguida, o arguido C… agarrou D… por um braço e puxou pelo mesmo, arrastando-a dessa forma até um quarto distinto do acima referido, perguntando-lhe onde a mesma tinha o dinheiro guardado;
11. No interior de tal quarto, D…, receando que, caso não entregasse dinheiro ou bens de valor patrimonial aos arguidos, os mesmos lhe fariam mal, designadamente, batendo-lhe e, dessa forma, ferindo-a ou, mesmo, matando-a, acabou por entregar ao arguido C… € 200,00 em notas do BCE e um alfinete em ouro em forma de flor, de valor não apurado;
12. Após, o arguido C… entregou o dinheiro acima referido ao arguido B…, que o contou;
13. Após, o arguido B… pegou na espingarda acima referida;
14. De seguida, os arguidos saíram do local, levando consigo a arma e o dinheiro acima referidos;
15. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido C…, acima descrita, D… sofreu equimose de coloração avermelhada de 5X3 cm na hemiface esquerda, que demandou, directa e necessariamente, 5 dias de doença para a sua cura, sem afectação da capacidade para o trabalho;
16. Os arguidos previram e quiseram actuar do modo acima referido com intenção de, causando o receio acima mencionado a D…, a convencer a entregar-lhes dinheiro e bens de valor patrimonial, bem sabendo que, desse modo, além de a ofenderem na sua saúde e corpo, obtinham benefício patrimonial que sabiam ser ilegítimo e que lhe causavam prejuízo patrimonial;
17. Os arguidos também previram e quiseram entrar na aludida residência do modo acima mencionado para, desse modo, concretizarem os seus intentos de obter benefício patrimonial da forma sobredita;
18. Os arguidos actuaram de modo livre, deliberado e consciente, sabendo bem que a sua conduta, acima descrita, era proibida e punida por Lei;
19. No dia 25-09-2012, pelas 07H20, na sua residência, sita no …, n.º ., …, …, Vila Pouca de Aguiar, o arguido B… tinha em seu poder os seguintes objectos:
a) 30 cartuchos de calibre 16 e um cartucho de calibre 12 dentro da caixa de correio localizada na porta da garagem,
b) 4 munições de calibre 6,35 mm dentro de uma mesa de cabeceira localizada na garagem,
c) 1 munição de calibre 6,35 mm dentro de uma dentro de uma mesa de cabeceira localizada no quarto do mesmo arguido,
d) 1 cartucho de calibre 32 que se encontrava em cima de uma mesa na arrecadação,
e) Duas notas de € 50,00 do BCE que se encontravam escondidas na base de um termo colocado entre a lenha acondicionada em dependência destinada ao seu armazenamento,
f) 3 cartuchos de calibre 12 e uma munição de salva no quarto do pai do mesmo arguido,
g) 1 par de luvas pretas em nylon no quarto do pai do mesmo arguido,
h) 1 par de luvas prestas em pele no quarto do pai do mesmo arguido,
i) 4 cartuchos de calibre 12 no quarto da mãe do arguido,
j) 1 par de meias de vidro de cor preta no quarto da mãe do arguido;
20. O arguido B… previu e quis ter em seu poder as munições acima mencionadas;
21. O arguido B… não é titular de qualquer licença ou outra autorização para deter ou usar armas de fogo ou as munições acima mencionados;
22. O arguido B… sabia bem que, por não ser titular da licença ou autorização acima mencionada, não podia ter em seu poder, nos termos acima mencionados, as munições supra referidas;
23. O arguido B… actuou de modo livre deliberado e consciente, sabendo bem que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
24. O arguido B… tem os seguintes antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c.:
a) por sentença proferida no dia 25-03-2010, transitada em julgado no dia 26-04-2010, no pcs n.º 36/10.3GAVPA, foi condenado, pela prática, no dia 03-03-2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1, do CP, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, e na pena acessória de proibição de conduzir, que vieram a ser declaradas extintas pelo respectivo cumprimento;
25. O arguido C… tem os seguintes antecedentes criminais averbados no respectivo c.r.c.:
a) Por sentença proferida no dia 29-02-2000, no pcs n.º 74/99, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, foi condenado, pela prática, no dia 13-09-1998, em concurso, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º do CP, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. a), do CP, na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de 500$00, e na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses, que vieram a ser declaradas extintas pelo cumprimento;
b) Por acórdão proferido no dia 18-03-2004, transitado em julgado no dia 05-04-2004, no pcc n.º 41/02.3GAVPA, foi condenado, pela prática, no dia 20-04-2002, em concurso efectivo, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art. 131º do CP, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 6º da Lei n.º 22/97, de 27-06, na pena única de 6 anos e 2 meses de prisão, que veio a ser declarada extinta pelo cumprimento;
c) Por sentença proferida no dia 29-10-2004, transitada em julgado no dia 12-11-2004, no pcs n.º 124/01.7GAVPA, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar, foi condenado, pela prática, no dia 17-09-2001, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do CP, na pena de 2 anos de prisão, que veio a ser declarada extinta pelo cumprimento;
d) Por sentença proferida no dia 05-01-2010, transitada em julgado no dia 11-03-2011, no pcs n.º 246/09.6GAVPA, foi condenado, pela prática, no dia 15-12-2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º do CP, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, que vieram a ser declaradas extintas pelo cumprimento;
e) Por sentença proferida no dia 04-10-2013, transitada em julgado no dia 04-11-2013, no pcs n.º 362/13.0GAVPA, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar, foi condenado, pela prática, no dia 03-10-2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º do CP, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano com a condição de se sujeitar a tratamento médico, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses;
26. O arguido B… pertence a um agregado constituído pelos progenitores e sete descendentes, de baixos recursos económicos, pautado pela transmissão de regras e valores por parte dos progenitores;
27. O agregado familiar do arguido B… era sustentado com o salário obtido pelo progenitor como cantoneiro;
28. O arguido B… tem o 4º ano de escolaridade;
29. O arguido B… começou a trabalhar aos 13 anos de idade numa pedreira da freguesia onde habita, situação que se manteve até ter iniciado o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório;
30. Após o cumprimento de tal serviço, o arguido B… regressou ao agregado de origem, desenvolvendo várias actividades laborais;
31. Após, o arguido B… emigrou para a Bélgica, onde permaneceu por três anos;
32. Após, o arguido B… emigrou para os EUA, onde residiam alguns dos seus irmãos, que o apoiaram e garantiram trabalho;
33. O arguido B… casou com 27 anos de idade, tendo um filho do casamento maior de idade;
34. O arguido B… regressou a Portugal cerca de 14 anos após ter emigrado para os EUA em consequência da ingestão imoderada de bebidas alcoólicas, que determinou diminuição da sua capacidade de organização pessoal, de manutenção do posto de trabalho e da participação na dinâmica familiar;
35. Em Portugal, o arguido B… reintegrou o agregado dos progenitores, passando a residir com uma companheira durante dois anos, após o que regressou ao mesmo agregado;
36. Com o falecimento de seu pai, o arguido B… passou a residir com a progenitora que, após, passou a residir nos EUA;
37. À data dos factos acima referidos, o arguido B… residir sozinho, em casa da progenitora, situação que se mantém;
38. Na mesma data e actualmente, o arguido B… labora para um irmão na agricultura e pecuária, tendo o mesmo irmão assumido as despesas habitacionais e de apoio domiciliário do arguido, com a condição de o mesmo se submeter às orientações e tratamento médico aos seus hábitos etílicos no Centro de Saúde de Vila Pouca de Aguiar;
39. O arguido B… recebe € 180,00 por mês a título de RSI;
40. O arguido B… realiza trabalhos de limpeza de arruamentos para a Junta de Freguesia … desde Julho de 2013, num total de 15 horas semanais divididas por 3 dias da semana, com termo previsto para final deste mês de Junho, no âmbito do um programa do RSI;
41. O arguido B… é tido por pessoa trabalhadora e respeitadora por aqueles com quem convive;
42. O arguido C… é oriundo de uma família com sete descendentes, de modesta condição socioeconómica, com dinâmica organizada e pautada pela existência de laços de afectividade entre os elementos;
43. O arguido C… tem o 6º ano de escolaridade;
44. O arguido C… começou a trabalhar com 14 anos de idade, como calceteiro;
45. Após, o arguido C… passou a trabalhar em pedreiras da região de Vila Pouca de Aguiar e na construção civil;
46. Com 18 anos de idade, o arguido C… sofreu um acidente de trabalho em consequência do qual perdeu a visão do olho esquerdo e ficou com a visão do olho direito diminuída, além de moderadamente surdo de ambos os ouvidos;
47. Cerca de dois anos após, em Janeiro de 2002, o arguido C… passou a laborar como vigilante de um J…;
48. Entre Abril 2002 de Maio de 2006, o arguido C… cumpriu pena de prisão efectiva;
49. Quando saiu em liberdade, em Junho de 2006, o arguido C… passou a residir com sua mãe e três irmãos, em casa daquela;
50. Actualmente, o arguido C… reside com a mãe e um irmão, situação que ocorria à data dos factos acima descritos;
51. O agregado familiar do arguido C… subsiste com uma pensão mensal de € 280,00 auferida pela sua mãe e o salário auferido pelo irmão;
52. O arguido C… aufere uma pensão mensal de € 240,00 que o mesmo gasta em deslocações para consultas e na obtenção de medicação;
53. O arguido C… tem vindo a fazer sucessivos transplantes de córnea sem sucesso e a ter acuidade visual no olho direito muito baixa, de <1/10;
54. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido C… acima referida, D… sofreu dores;
55. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, acima descrita, D… sentiu tristeza, amargura, inquietação, dificuldade em dormir, ansiedade;
56. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, acima descrita, D… sentiu e sente insegurança e receio de voltar a ser agredida;
57. Na altura da actuação dos arguidos, acima referida, D… residia sozinha, situação que se mantém;
58. D… nasceu no dia 05-06-1943;
59. D… despendeu € 76,00 em consultas e tratamentos da lesão acima referida;
60. D… despendeu € 40,00 com a substituição do vidro partido pelos arguidos, acima referido, e em deslocações para as consultas e tratamentos acima referidos;
61. D… procedeu à colocação, na residência onde habita, de tábuas, portas e grades, despendendo quantia não apurada.
*
B) Factos não Provados
Com relevância para a decisão final, não se provou que:
a) Os arguidos desferiram murros e pancadas com o pé de cabra com que abriram a janela em D…;
b) Os arguidos espancaram D…;
c) Os arguidos fizeram com que D… caísse;
d) O arguido B… agarrou D… por um braço e arrastou-a;
e) O arguido C… agarrou o pescoço de D…;
f) Em consequência do referido na alínea anterior, D… sofreu hemorragia nasal;
g) Em simultâneo com o referido na alínea e), o arguido C… disse a D…, de modo repetido, que a matava;
h) Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, D… teve dificuldades em executar as suas tarefas quotidianas;
i) Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, acima descrita, D… sofre de depressão;
j) D… despendeu € 275,00 na colocação, na residência onde habita, de tábuas, portas e grades referidas na matéria provada;
k) D… despendeu € 69,11 em deslocações.
*
C) Motivação
A decisão quanto à matéria de facto fundou-se nos seguintes elementos de prova:
- Nos docs. de fls. 5 a 10 e 28, que retratam o local onde os factos mencionados no acervo provado e datados de 15-09-2012 ocorreram e estado físico de D… na mesma altura, tendo a respectiva autoria sido assumida pela testemunha a que abaixo se fará referência;
- Nos docs. de fls. 19 e ss. que retratam o local onde os factos mencionados no acervo provado e datados de 15-09-2012 ocorreram;
- No auto de fls. 47 e v.º;
- No auto de fls. 48 e ss.;
- No auto de fls. 56 e v.º;
- No auto de fls. 57 e ss., onde se evidenciam os objectos encontrados na residência do arguido B…, em sintonia com o referido na matéria de facto provada;
- No auto de fls. 63 e v.º;
- No auto de fls. 64 e ss.;
- No relatório médico-legal de fls. 80 e ss., onde se evidencia a situação clínica de D… decorrente da actuação dos arguidos, conforme matéria dada como provada;
- Nos autos de exame de fls. 91 a 93, que evidenciam a natureza de parte do material apreendido e referido no auto de fls. 57 e ss. (munições);
- No relatório de fls. 101 (141);
- Nos autos de reconhecimento de fls. 107 e ss. e 118 e ss.;
- Nos documentos fotográficos de fls. 125 a 127, que respeitam aos indícios recolhidos no local onde os factos referidos na matéria provada sobre D… se verificaram;
- No documento de fls. 185, onde se evidenciam a matéria referida no acervo provado sobre a ausência de licença de uso e porte de arma emitida a favor do arguido B…;
- No relatório pericial de fls. 189 e ss., referente aos vestígios hemáticos recolhidos na residência de D…;
- Nos docs. de fls. 208 e ss.;
- Nos c.r.c. de fls. 210 e ss., 226 e ss., que evidenciam a matéria atinente aos antecedentes criminais dos arguidos dada como provada;
- No doc. de fls. 266, onde se evidencia a data de nascimento de D…, não se vislumbrando motivo para se duvidar do respectivo teor;
- Nos docs. de fls. 262 a 270, que evidenciam as despesas com consultas e tratamentos suportadas por D…, em consonância com o referido na matéria provada;
- No doc. de fls. 271, o qual, por se mostrar anónimo, não foi ponderado;
- Nos docs. de fls. 404-405;
- No doc. de fls. 406, onde se evidencia a situação clínica actual do arguido C…, em consonância com a matéria dada como provada;
- Nos relatórios sociais de fls. 391 e ss. e 399 e ss., onde se evidencia o percurso de vida e situação pessoal dos arguidos, conforme matéria dada como provada;
- Nas declarações do arguido B…, prestadas em audiência de julgamento, no sentido de negar os factos que lhe estão imputados na acusação tendo por vítima D….
O mesmo arguido assumiu o conhecimento da existência das munições na sua residência, e seu domínio, sendo o mesmo o único habitante permanente (sua mãe apenas permanece na habitação quando se desloca a Portugal, cerca de uma vez por ano), referindo que o material em referência foi deixado por seu pai, já falecido e que desconhecia a proibição da sua detenção, face a tal circunstancialismo.
Entende-se que o afirmado pelo arguido, no que ao desconhecimento acabado de referir respeita, não merece credibilidade, posto que contraditado por critérios de normalidade, que apontam, de modo seguro, para que um cidadão minimamente informado, como o arguido, tenha o conhecimento da proibição de detenção das munições por falta de autorização para tal (por isso se deu tal conhecimento como provado).
O arguido reportou-se, ainda, à sua situação pessoal, em sintonia com a matéria dada como provada.
- Nas declarações do arguido C…, prestadas em audiência de julgamento, no sentido de negar os factos que lhe estão imputados na acusação, referindo, ainda, que, devido à incapacidade visual de que padece, não consegue ver de modo suficiente para os poder praticar.
O arguido reportou-se, ainda, à sua situação pessoal, no sentido da matéria dada como provada.
- Nas declarações prestadas pela assistente, D…, em audiência de julgamento, de modo espontâneo e seguro, no sentido da verificação da matéria dada como provada no que respeita ao comportamento dos arguidos para consigo.
A assistente mostrou-se peremptória na indicação dos arguidos como tendo sido os autores dos factos referidos na matéria provada, esclarecendo que os reconheceu no mesmo momento, assumindo perante ambos apenas o reconhecimento do arguido B… por temer ser agredida pelo arguido C… caso lhe comunicasse o seu reconhecimento.
Mesmo quando confrontada com o por si afirmado em sede de inquérito, nos termos que se alcançam da acta da audiência de julgamento, a assistente evidenciou segurança, além de isenção, corrigindo o afirmado em tal sede, designadamente, ao negar ter sido agredida nos termos dados como não provados.
A assistente reportou-se, ainda, às despesas e deslocações que realizou, bem como ao receio sentido, nos termos dados como provados, evidenciando espontaneidade e segurança.
- No depoimento da testemunha E…, que assumiu ser vizinha da assistente, além de conhecer os arguidos (sendo um seu irmão a vítima do crime de homicídio anteriormente cometido pelo arguido C…), e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou ao comportamento da mesma (assistente) na tarde seguinte aos factos referidos no acervo provado a si respeitantes, no sentido de atribuir a sua autoria aos arguidos.
A mesma testemunha também referiu ser frequente ver o arguido C… a conduzir veículos automóveis em Vila Pouca de Aguiar.
- No depoimento da testemunha F…, que, de modo espontâneo e seguro, assumiu ser vizinho da assistente e ter-se deslocado a casa da mesma imediatamente após os factos referidos na matéria provada, na sequência de telefonema feito pela mesma para a sua residência (durante o qual falou com sua mulher), tendo-se reportado aos vestígios de que deu conta no local (em sintonia com os documentos fotográficos acima mencionados) e aos ferimentos evidenciados pela assistente, além de ter confirmado o forte receio e intranquilidade patenteadas pela mesma.
A testemunha referiu, ainda, que a assistente, logo nessa ocasião, referiu terem sido os arguidos os autores dos factos em referência, evidenciando segurança em tal.
A mesma testemunha assumiu, ainda, a compra do vidro colocado pela assistente na janela da sua residência em substituição do partido pelos arguidos e o transporte da mesma para tratamentos na sua viatura, além de ter reportado a retribuição de tal pela assistente nos termos dados como provados, em sintonia com o pela mesma afirmado (por isso se deu tal matéria como provada, sendo certo que os valores em referência se mostra ajustados, face a critérios de normalidade).
- No depoimento da testemunha G…, militar da GNR, que acorreu à residência da assistente após os factos dados como provados aí ocorridos, e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou aos vestígios de que deu conta no local (em sintonia com os documentos fotográficos de fls. 5 e ss., cuja autoria assumiu) e aos ferimentos evidenciados pela assistente, além de ter confirmado o forte receio e intranquilidade patenteados pela mesma.
A testemunha referiu, ainda, que a assistente, logo nessa ocasião, referiu terem sido os arguidos os autores dos factos em referência, evidenciando segurança em tal.
- No depoimento da testemunha H…, militar da GNR que, juntamente com a testemunha G…, acorreu à residência da assistente após os factos dados como provados aí ocorridos, e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou aos vestígios de que deu conta no local (em sintonia com os documentos fotográficos de fls. 5 e ss.) e aos ferimentos evidenciados pela assistente, além de ter confirmado o forte receio e intranquilidade patenteadas pela mesma.
A testemunha referiu, ainda, que a assistente, logo nessa ocasião, referiu terem sido os arguidos os autores dos factos em referência, evidenciando segurança em tal.
A mesma testemunha reportou-se, ainda, às diligências em que participou para determinar o paradeiro do arguido C…, na noite dos factos, tendo acabado por o encontrar na respectiva residência, cerca de uma hora após ter chegado à residência da assistente.
- No depoimento da testemunha I…, militar da GNR (NIC de Vila Real), que, de modo espontâneo e seguro, se reportou às diligências de busca na residência do arguido C…, esclarecendo os objectos e valores que apreendeu e sua localização e assumindo a autoria das fotografias de fls. 60 e ss..
A mesma testemunha reportou-se, ainda, à diligência de inspecção que realizou à residência da assistente, na qual participou.
- No depoimento da testemunha K…, que assumiu morar próximo da assistente e que, de modo espontâneo e seguro, referiu que a mesma, na noite dos factos em referência nos autos à mesma respeitante, lhe ligou dando conta da sua ocorrência e pediu para que a testemunha lhe fizesse companhia, por se encontrar receosa, ao que a mesma não acedeu.
A testemunha referiu, ainda, que, logo nesse telefonema, a assistente identificou os arguidos como tendo sido os autores dos aludidos factos, de modo peremptório.
A mesma testemunha reportou-se, ainda, ao receio e insegurança manifestados pela assistente em decorrência da actuação dos arguidos, no sentido da matéria dada como provada.
- No depoimento da testemunha L…, irmão do arguido B…, que, de modo espontâneo e seguro, se reportou à situação pessoal do mesmo, no sentido da matéria dada como provada.
- No depoimento da testemunha M…, que assumiu conhecer o arguido B… (além do arguido C…) e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou à situação pessoal do mesmo, no sentido da matéria dada como provada.
- No depoimento da testemunha N…, que assumiu conhecer o arguido B… (além do arguido C…) e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou à situação pessoal do mesmo, no sentido da matéria dada como provada.
- No depoimento da testemunha O…, que assumiu conhecer o arguido B… de infância, sendo sua amiga (além do arguido C…) e que, de modo espontâneo e seguro, se reportou ao percurso de vida e à situação pessoal do mesmo, no sentido da matéria dada como provada.
Cumpre referir que se entende que as declarações da assistente, prestadas em audiência de julgamento, conjugadas com os elementos fotográficos de fls. 5 e ss. e depoimentos que se reportaram aos vestígios aí retratados, bem como com os autos de reconhecimento acima mencionados, evidenciam, de modo seguro e inequívoco, a autoria dos factos à mesma respeitantes por parte dos arguidos.
Na verdade, a versão dos acontecimentos apresentada pela assistente mostra-se corroborada pelos vestígios em referência (o vidro da janela partido, a gaveta do quarto aberta, os ferimentos na face e pé evidenciados pela assistentes).
Acresce que a assistente, imediatamente após os factos, referiu àqueles com quem contactou (o que se alcança dos depoimentos a que acima se fez referência) os arguidos como sendo os respectivos autores, tendo-os reconhecido em diligências realizadas para o efeito (cfr. autos de reconhecimento).
Não se vislumbra qualquer motivo para justificar tal comportamento que não seja a da convicção, por parte da assistente, de tal autoria, tanto mais que, como a mesma referiu (sendo que os arguidos também o assumiram), nenhuma animosidade havia tido com os mesmos até então.
Acresce que, não obstante o afirmado pelo arguido C…, não se encontra demonstrado que o mesmo, à data dos factos, não dispusesse de capacidade visual suficiente para praticar o comportamento em referência, sendo certo que, como mencionado pela testemunha H…, militar da GNR, o mesmo arguido apareceu à entrada da sua residência na noite dos factos, ainda que acompanhado, a inteirar-se do sucedido no exterior durante a vigilância que a mesma testemunha e outros camaradas realizavam, o que aponta para alguma capacidade visual.
Importa reter que o documento de fls. 406 não atesta a incapacidade em menção, no que à altura dos factos respeita.
No que concerne à situação pessoal dos arguidos, tiveram-se em conta os relatórios sociais respectivos e depoimentos que se reportaram a tal, que a evidenciam com segurança.
Os c.r.c. dos arguidos evidenciam, de modo seguro, a matéria atinente aos respectivos antecedentes criminais.
A decisão quanto à matéria respeitante ao sofrimento da assistente e despesas pela mesma suportadas fundou-se nas respectivas declarações e nos depoimentos das testemunhas F…, G…, H… e K…, que se coadunam entre si e, por isso, a evidenciam com segurança.
No que respeita à matéria dada como não provada, teve-se em conta que a mesma foi negada pela assistente e não tem sustento na prova pericial junta aos autos (quanto à lesão dada como não provada).
***
3. Apreciando e decidindo do mérito
3.1 Intróito
§1º Considerando o âmbito das questões suscitadas pelo recorrente C… e, não se olvidando que as nulidades da decisão determinam a repetição do acto, ou seja a reforma do acórdão nos segmentos afectados e demais deles dependentes, começaremos, in casu, por apreciar o sindicado erro de julgamento pois que a sufragada condenação com base em factos diversos dos imputados relaciona-se com a fase da subsunção jurídica cujo conhecimento ficará, obviamente, prejudicado caso se conclua pela impossibilidade de responsabilização criminal por ausência ou insuficiência probatória.
Com efeito, sendo inquestionável que, por um lado, o recurso funciona como remédio quanto a questões concretamente suscitadas e, eventualmente, carecidas de reparação por enfermarem de uma qualquer desconformidade relevante, que o interessado tem o ónus de especificar nos moldes previstos no art. 412º n.ºs 2 (matéria de direito), 3 e 4 (matéria de facto), do Cód. Proc. Penal, e que, por outro lado, o recorrente não observou, verdadeira e integralmente, os pressupostos que devem presidir ao recurso em matéria de facto por via da reapreciação da prova que pressupõe a obrigação de especificação dos concretos pontos de facto da discórdia, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas [acrescida do ónus, no caso da reapreciação da prova gravada, das duas primeiras especificações deverem ser feitas por referência à acta e com indicação concreta (ou transcrição se a acta for omissa – v. Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012) das passagens em que se funda a impugnação], sendo ainda perceptível que questiona os moldes da identificação realizada pela ofendida, prova fundamental para a sua responsabilização criminal, classificando-a de insuficiente, por contraditória e inconsistente, em si mesma e por contraponto quer com as declarações prestadas no inquérito e lidas na audiência de julgamento quer ainda com a prova disponível sobre a sua (do recorrente) incapacidade visual, em homenagem aos princípios da economia processual e descoberta da verdade material, entende-se não ser de rejeitar o seu conhecimento.
§2º Tecendo considerações críticas sobre a investigação dos vestígios hemáticos encontrados no local da ocorrência e bem assim sobre a desvalorização de tal elemento probatório em conjugação com outras provas disponíveis, acaba o recorrente por aludir a omissão de pronúncia.
Como é bom de ver tal alegação relaciona-se com a fundamentação da decisão e, mais concretamente, com a convicção que o tribunal a quo adquiriu e expressou e os moldes em que o fez.
Ora, a omissão de pronúncia, cominada com a nulidade da decisão, nos termos do art. 379º n.º 1 c), do Cód. Proc. Penal, significa a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa, ou seja aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à sua apreciação e as que sejam de conhecimento oficioso.
Porém, as matérias que constituem o thema decidendum, não versam sobre os motivos e razões alegados antes se reportando ao complexo de problemas concretos sobre que o tribunal é chamado a pronunciar-se.
Assim, se o tribunal motivou a sua decisão, ainda que não relevando determinado meio probatório, não o fazendo no sentido pretendido pelo recorrente, ou mesmo sem abordar todas as hipóteses que o acervo probatório admitia, poderá suscitar-se a questão da insuficiência de fundamentação ou mesmo da existência de erro de julgamento, mas já não a da omissão de pronúncia, pois que não deixou por isso de conhecer de questão que devia apreciar.
Aliás, é consensual na jurisprudência dos tribunais superiores que não há omissão de pronúncia quando o julgador não deu aos meios probatórios invocados pelo recorrente a mesma relevância que este lhe atribuiu ou difere no modo de valoração das provas e no juízo daí resultante relativamente ao perspectivado pelos sujeitos processuais.
Deste modo, invocando de forma redundante a omissão de pronúncia, mais não faz o recorrente do que divergir da convicção e apreciação crítica do tribunal a quo relativamente à prova, situando-se a questão ainda no plano do erro de julgamento e não das nulidades da decisão.
§3º O recorrente invoca como norma violada, entre outras, o art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, preceito alusivo aos vícios da decisão.
A tal propósito apenas se vislumbra na motivação do recurso a afirmação de que existe “erro notório na produção de prova”[1], pois que o tribunal a quo não atribuiu relevo a um atestado médico que certifica que possui uma deficiência visual de 95%, o que o incapacitaria de se deslocar pela casa da ofendida.
Os vícios em causa constituem outra modalidade do recurso em matéria de facto que se distingue da impugnação antes referenciada pela circunstância de terem que patentear-se do texto da sentença, por si ou em conjugação com as regras de experiência, mas sempre sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, designadamente a análise de prova junta aos autos ou produzida em audiência.
Por consequência, na hipótese em apreço, a invocação da norma e do vício de erro notório na apreciação da prova, aparecem desenraizados de qualquer argumentação de suporte pois que o recorrente não aludiu na motivação e conclusões do seu recurso a qualquer matéria que possa subsumir-se a tal previsão, não destacando qualquer lacuna factual, ou concreta contradição da fundamentação ou desta com a decisão, bem como não caracteriza qualquer circunstância fáctica susceptível de traduzir “um erro supino, crasso, e inquestionável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida, que escapa à lógica das coisas, ou seja quando sendo usado um processo lógico racional se extrai de um facto uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.”[2]
Limita-se, mais uma vez e tão-só, a discordar de determinado aspecto da valoração probatória levada a cabo pelo tribunal a quo, matéria necessariamente dependente da análise do acervo probatório disponível, o que, mais uma vez, nos reconduz à impugnação por via da reapreciação da prova prevista no já citado art. 412º.
De todo o modo, sendo certo que os vícios que se destaquem do teor da decisão podem ser conhecidos oficiosamente, importa afirmar que, percorrido o texto decisório – nos precisos contornos definidos pelo tribunal a quo e não quaisquer outros que o recorrente tivesse por mais adequados - dele não evolam quaisquer anomalias susceptíveis de integrar a densificação normativa dos vícios em causa, aí não sendo patentes hiatos factuais que devessem ter sido colmatados [antes se dando como provados os factos necessários e suficientes ao raciocínio lógico-subsuntivo que integra o thema decidendum], contradições materiais insanáveis ou erros de lógica e inobservância do que aconselha o senso comum e normalidade do acontecer.
Ou seja e concluindo, não manifesta a decisão, qualquer dos vícios previstos no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, carecidos de declaração oficiosa no âmbito dos poderes de “revista alargada” que a este tribunal ad quem assistem.
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3.2 Dos erros de julgamento
Como decorre da síntese recursiva apresentada e do já supra exposto, o recorrente questiona a sua incriminação e responsabilização criminal por assentar, essencialmente, nas declarações da ofendida/assistente D…, prova que considera, além de contraditória, insuficiente para o efeito, razão para, pelo menos e em seu entender, chamar à colação o princípio in dubio pro reo.
Vejamos.
Sendo certo que a ofendida não logrou reproduzir em audiência determinados pormenores quanto ao desenrolar dos acontecimentos (v.g. a agressão com ferro/pé de cabra), tal não é de estranhar dado o lapso temporal decorrido e a situação de tensão que necessariamente os rodeou [recorde-se que a vítima vive em local sem vizinhos próximos e foi surpreendida, durante a noite, pela entrada forçada na sua residência de duas pessoas encapuzadas que a maltrataram com vista a obter objectos valiosos ou dinheiro].
Todavia e no que ao cerne da questão importa, ouvida a prova gravada e cotejadas as declarações do ofendida D… prestadas em inquérito (lidas na audiência), impõe-se, desde já, afirmar sem rebuços que a identificação dos autores dos factos é consistente e de uma credibilidade a toda a prova.
Assim:
Os factos não se passam “de noite e sem luz”, mas antes de noite e com a luz eléctrica de que estava fornecida a casa da ofendida. Mais fraca no quarto onde a mesma dormia mas com maior intensidade “no quarto dos fundos”, onde esta guardava o dinheiro, e que possibilitou o reconhecimento dos arguidos, pese embora a circunstância destes ocultarem o rosto com meias, pois que a utilizada pelo arguido B… era “muito fininha” e tinha buracos na zona dos olhos e boca e a do C… embora mais tapada também permitiu a identificação na mesma ocasião. Aliás, a ofendida é bem clara quando refere que até se deslocarem para esse quarto não conseguiu saber quem eram, nem mesmo quando deitou a mão à meia de um deles (C…), pois que a iluminação era, aí, muito fraca. Todavia, no outro quarto, acendeu a luz que era mais forte e quando se encontrava junto da cómoda e um deles andou mais para a zona da porta, logo o reconheceu e disse: “Eu conheço-te, és o B…”. E acrescenta que foi também aí que reconheceu o C… mas nada disse porque temeu pela vida (“não quis dizer porque senão não estava cá”). Não é um reconhecimento pela voz ou pelas roupas é uma identificação de pessoas que a ofendida conhece e de cuja fisionomia (cara) se apercebeu, apesar do “disfarce” utilizado – v. segmentos da gravação das suas declarações (1ª parte) de 06:09 a 06:25; 08:35 a 09:10; 10:02 a 10:20; 18:57 a 19:30; 20:52 a 21:26; 21:40 a 22:09; 28:08 a 28:42; 30:38 a 31:43; 32:05 a 32:18; 34:08 a 34:31; 37:00 a 37:12 e (2ª parte) 13:12 a 13:58.
Depois, também não é certo que a ofendida D… não veja nada sem óculos, pois que a própria diz que estes são “mais para ler” e que tem uma catarata no olho esquerdo mas “…ainda vejo, graças a Deus… Eu vejo o Sr. Doutor. Eu vejo toda a gente…” – v. segmento da gravação das suas declarações (1ª parte) 34:35 a 34:51.
E, quanto ao sotaque espanhol dos assaltantes tudo não passa de um sofisma. É mais um disfarce dos arguidos a acrescer à utilização das meias. Sendo conhecidos da ofendida engendraram um ardil para a tentarem enganar e não serem reconhecidos. Porém, a ofendida não teve qualquer dúvida sobre a identidade dos assaltantes, nomeou-os logo em seguida ao acto à GNR e ao vizinho que se deslocou a sua casa.
Veja-se que, segundo a versão da D…, quando disse ao arguido B… que sabia quem ele era, o arguido C… tentou confundi-la dizendo-lhe “não, ele fala espanhol…” – segmento 08:35 a 09:05, das declarações gravadas.
E, a propósito, relatando o que a ofendida sua vizinha lhe contou, diz a testemunha E…: “Eles foram lá e reconheceu-os… tentaram falar espanhol mas que os conheceu bem…” – v. registo gravado deste depoimento nos segmentos 03:50 a 04:08 e 05:12 a 05:19.
Por consequência, nenhuma incoerência da ofendida se vislumbra e muito menos subsiste qualquer dúvida sobre a validade da identificação, pois que nunca aquela disse que os assaltantes falavam espanhol (no sentido de não serem portugueses ou desconhecidos), antes resultando que estes, quando a abordaram, tentaram disfarçar a voz utilizando sotaque espanhol, mas sem sucesso já que, ainda assim, foram reconhecidos.
Finalmente, quanto às calças de camuflado e de ganga que cada um dos assaltantes vestia, havendo confusão da ofendida ou lapso de escrita no registo das suas declarações em inquérito, uma coisa é certa: Nunca a D… referiu que foi o B… quem a arrastou. Pois que, nas declarações prestadas em inquérito (fls. 23/24) ficou a constar que quem a arrastou foi o indivíduo que tinha calças de camuflado tipo caçador e que o B… trazia umas calças de ganga escuras. E, em julgamento, afirma que quem a arrastou foi o C…, embora referindo que este é que tinha as calças azuis (ganga) e o B… vestia as de camuflado – v. registo gravado das suas declarações nos segmentos 10:10 a 10:34 e 12:11 a 12:58.
Nenhuma confusão na matéria essencial, portanto.
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A questão do sangue
Criticando a investigação por não ter feito a despistagem dos vestígios hemáticos encontrados no local do crime relativamente à pessoa da ofendida e fazendo apelo às declarações desta e ao resultado da análise que excluiu os arguidos e concluiu que o sangue tinha origem feminina, sufraga o recorrente que esse vestígio só poderia ser dos assaltantes e, por consequência, um deles teria que ser mulher.
Salvo o devido respeito, a tese é fantasiosa já que deturpa e excede as necessárias premissas.
Com efeito:
i) Não existe qualquer prova ou sequer indício de que algum dos assaltantes tivesse sofrido qualquer ferimento ou sangrasse;
ii) Não é verdade que a ofendida afirmasse que não esteve junto da janela e não verteu sangue. Ainda que fosse atacada logo à porta do seu quarto, como referiu, é preciso não esquecer que esta ficou na sua residência, por onde, certamente, deambulou até à chegada das autoridades e a quem indicou o que se passara, tanto assim que, nas fotografias dos vestígios se refere “vestígios biológicos (sangue) … deixado no local pela vítima” (fotos n.ºs 12, de fls. 27, e 14 de fls. 22);
iii) A ofendida refere ter sangrado do nariz (não sabe porquê, talvez de tanto a apertarem) e a testemunha F… diz que ela tinha sangue no pé – segmentos da gravação das declarações da ofendida (2ª parte) de 15:25 a 15:48 e do depoimento da testemunha de 03:07 a 03:09;
iv) O tribunal a quo não deu como não provado que a ofendida sangrou mas antes considerou não provado que foi em consequência do C… lhe ter agarrado o pescoço que a D… sofreu hemorragia nasal [alíneas e) e f) dos factos não provados], o que é bem distinto;
v) Ambos os assaltantes falaram, tendo a ofendida oportunidade de ouvir a sua voz, não havendo qualquer referência a um registo feminino.
Cai, pois, pela base a construção do recorrente que, tendo tido oportunidade de suprir as insuficiências que imputa à investigação, designadamente requerendo a produção da prova cuja falta invoca, nada fez.
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A questão da incapacidade visual do recorrente
Estribando-se no atestado de fls. 406, sufraga o recorrente que a sua acuidade visual não lhe permitiria deslocar-se, de noite e sem luz, pela habitação da ofendida. Como bem referiu o tribunal a quo, a declaração médica não especifica a situação do arguido, aqui recorrente, no preciso momento da ocorrência.
Depois, além da testemunha E… afirmar que conhece o recorrente e o vê a conduzir automóvel ou em Vila Pouca a fazer a vida normal (v. segmento da prova gravada de 07:40 a 07:48 e 07:52 a 08:04), acresce a circunstância deste ter sido condenado por crimes que implicam a condução de veículo automóvel, ocorridos em Dezembro de 2009 e Outubro de 2013, o que contraria frontalmente a sua pretensa impossibilidade de movimentação por falta de acuidade visual.
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Resumindo e concluindo:
A versão da ofendida D…, ao contrário do afirmado pelo recorrente, é consistente, clara e extremamente credível.
O recorrente não especifica qualquer prova - nem existe - que impusesse decisão diversa da factualidade sindicada.
O princípio in dubio pro reo não tem aqui qualquer cabimento visto que os julgadores não se confrontaram com qualquer dúvida insuperável na apreciação probatória, designadamente em matéria de identificação dos autores dos factos delituosos, que determinasse um non liquet que tivesse que ser dirimido em benefício dos arguidos.
Termos em que, por manifesta falta de fundamento, se julga improcedente a pretensão de modificação da matéria de facto de molde a excluir a participação do recorrente no facto delituoso.
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3.3 Da nulidade prevista no art. 379º n.º 1 b), do Cód. Proc. Penal
Consoante se apura do já anteriormente exposto, sustenta o recorrente que a decisão recorrida se mostra inquinada de nulidade uma vez que teve em consideração factos que não constavam na acusação, nomeadamente ao considerar provado que foi ele - e não o co-arguido B… - quem agarrou a ofendida D… por um braço e puxou pelo mesmo, arrastando-a dessa forma até outro quarto, sem observância dos procedimentos consagrados para o efeito no art. 358º, do Cód. Proc. Penal, não lhe permitindo, assim, preparar a sua defesa para tais circunstâncias.
A este segmento do recurso apenas respondeu a assistente D… sustentando que a matéria em causa não implica a alteração do tipo de crime, da culpa dos arguidos ou dos danos que lhe foram causados, só havendo alteração dos factos nos termos do art. 1º, do Cód. Proc. Penal, quando se acrescentam novos factos ou se substituem os iniciais por outros, o que não aconteceu pois que apenas se procedeu a simples precisão, concretização ou esclarecimento de factos constantes da acusação, sem repercussão nas garantias de defesa do arguido.
Por seu turno, no parecer a que alude o art. 417º, do Cód. Proc. Penal, sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação que a falta de preparação de defesa é aqui uma falsa questão pois que quem está acusado de:
- Desferir murros e pancadas na ofendida com um pé de cabra;
- Atar uma camisola à cabeça da ofendida, tapando-lhe a boca, para evitar que pedisse ajuda;
- Espancar violentamente a assistente, fazendo-a cair;
- Agarrar a ofendida violentamente pelo pescoço, provocando-lhe hemorragia nasal, ao mesmo tempo que repetia “eu mato-a”, “eu mato-a”,
Tem necessariamente que estar preparado para se defender da conduta (bem menos gravosa) de agarrar a ofendida por um dos braços e a arrastar.
Vejamos, então.
É inegável que a ponderação de factos diversos dos que constam da acusação para além das concretas hipóteses consagradas nos arts. 358º e 359º, do Cód. Proc. Penal, é cominada com a nulidade da sentença, porquanto o legislador, ponderando o especial dever de fundamentação e o estrito regime imposto aos actos que revistam a forma de sentença, entendeu autonomizar o regime das invalidades que a podem inquinar, relativamente àquele outro previsto nos arts. 118º e segs., do Cód. Proc. Penal, consagrando no seu art. 379º, que:
“1 – É nula a sentença:
A) ….
b) Que conhecer de factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358º e 359º;
c) …”.
Sabendo-se que, nos termos do art. 1º f), do Cód. Proc. Penal, a “alteração substancial dos factos” é unicamente aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, in casu apenas poderá configurar-se a hipótese prevista no citado art. 358º que, relativamente à alteração não substancial, dispõe o seguinte:
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter resultado de factos alegados pela defesa.
3 – O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
Em conformidade, facilmente se compreende que a ratio do mecanismo previsto neste normativo legal tem a ver com a identidade do processo penal fixada na acusação, visando que ninguém seja condenado por factos ou incriminações com que não podia razoavelmente contar e dos quais não teve oportunidade de se defender.
Por seu turno, o conceito de factos relevantes é o que resulta da conjugação dos arts. 124º, 339º n.º 4, 368º e 369º, do Cód. Proc. Penal, cujo núcleo essencial se reporta ao das questões da culpabilidade e determinação da sanção.
No caso em apreço, é ponto assente que os arguidos foram acusados, além do mais, da prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punível pelos arts. 210º n.ºs 1 e 2 b), 204º n.º 2 e) e 202º, d) e e), do Cód. Penal.
Existe também sintonia quanto ao facto de já constar na acusação que a ofendida foi agarrada por um braço e arrastada para outro quarto. Todavia, enquanto aí se referia que o executor material do acto fora o arguido B… na decisão recorrida ficou assente que foi o ora recorrente C….
É consabido que, na comparticipação a título de co-autoria, cada um dos agentes responde pela totalidade do delito e respectivo resultado, independentemente da divisão de tarefas que possa ter existido.
Assim, constando já da acusação os moldes em que o roubo fora concretizado, designadamente que a vítima fora agarrada por um dos braços e arrastada, competia a ambos os arguidos exercitarem o seu direito de defesa quanto a tal factualidade, caso o pretendessem e, por consequência, a alteração operada não belisca, aqui, minimamente, qualquer direito de defesa.
Mas, sabendo-se que cada co-autor responde segundo a sua culpa, importa ainda constatar se a modificação introduzida à factualidade não será relevante nessa perspectiva.
Como é óbvio, o modus operandi do desígnio criminoso não é inócuo e, por consequência, a matéria a ele relativa é relevante, designadamente para efeitos de determinação da sanção.
No entanto, tendo presentes as concretas circunstâncias apuradas e descritas na decisão recorrida, a resposta tem aqui que ser negativa.
Na verdade, a única matéria que pode ser conexionada com a controvertida factualidade é a consideração feita em sede de apreciação jurídica de que “o arguido cometeu os actos mais ofensivos sobre a vítima”.
Ocorre, porém, que para chegar a tal conclusão o mero agarrar e arrastar a ofendida por um braço, no conjunto dos factos, não assume relevo especial. Tal desfecho sempre seria idêntico face à circunstância de se ter provado que foi o arguido C… quem:
i) Deitou as mãos à arma que a ofendida trazia, atirando-a ao chão (ponto 7);
ii) Chamou a ofendida de “puta” e “vaca” (ponto 8);
iii) Atou uma camisola na cabeça da D…, tapando-lhe a boca para a impedir de pedir ajuda (ponto 9);
iv) Provocou na ofendida uma equimose de coloração avermelhada de 5x3 cm na hemiface esquerda, que demandou 5 dias de doença (ponto 15).
Assim sendo, como é, resta concluir que a singela modificação operada, na globalidade do comportamento imputado e provado, não assume relevo porque incapaz de interferir na dinâmica da ocorrência verificada.
E, nessa perspectiva é perfeitamente inócuo que tenha sido um ou outro dos arguidos a agarrar e arrastar a ofendida pelo braço. Tanto assim que, provando-se que tinha sido o B… a executar tal acto, ou nem sequer se conseguindo apurar qual deles o fizera, o resultado seria idêntico, permanecendo incólume o juízo formulado em sede de culpa atenta a globalidade da conduta que o recorrente C… perpetrou.
Resumindo e concluindo:
A alteração da “paternidade” de um único acto do complexo que integrava o modus operandi descrito na acusação, relativamente a um delito praticado em co-autoria material e nas concretas circunstâncias apuradas, não atinge a densificação normativa de alteração não substancial com relevo bastante para ter que ser comunicada.
Termos em que resta concluir pela improcedência da pretensão do recorrente nesta sede.
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3.4 Da violação do princípio da igualdade
Destacando que a factos idênticos o tribunal a quo aplicou penas diversas, conclui o recorrente pela violação do princípio da igualdade.
Recorde-se que, relativamente ao crime de roubo, praticado em co-autoria, o arguido B… foi condenado na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova, e o arguido C… foi condenado na pena de 5 anos de prisão (efectiva).
Importa ainda anotar, com interesse para a questão que ora nos ocupa, que os fins das penas reconduzem-se à “protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade”, de harmonia com a estatuição do art. 40º n.º 1, do Cód. Penal.
Depois e no que concerne à determinação da medida da pena é pacificamente aceite que esta há-de ser dada pela ponderação da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, visando a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma infringida.
Daí que, como ensinava Figueiredo Dias, “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.”[3]
Assim, o mínimo da pena deve corresponder às exigências de prevenção geral e o máximo não deve exceder a medida da culpa e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, harmonizando-se por tal via as expectativas contrafácticas na validade da norma punitiva e a necessidade de assegurar a dignidade humana, primordial nos quadros do pensamento próprio do Estado de Direito.
Para o efeito de determinação da medida concreta o juiz serve-se do critério global contido no art. 71.º do Cód. Penal, estando vinculado aos módulos de escolha constantes deste preceito, os quais devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.[4]
Acresce que a pena privativa da liberdade deve constituir a ultima ratio da política criminal, devendo ser substituída, sempre que possível, por penas não institucionais.[5]
Por outro lado, na opinião abalizada de Robalo Cordeiro, determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas ou não detentivas. Pelo que, em última instância, competirá aos tribunais a selecção rigorosa dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a umas e outras.[6]
Deste modo, a redutora associação da escolha e medida das penas à identidade dos factos, é manifestamente infundada e imprestável para o fim em vista, ou seja o pretenso atropelo do princípio da igualdade.
Na verdade, dispõe o art. 13º, da Constituição da República Portuguesa, que:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
A propósito deste princípio exarou-se o seguinte no acórdão do Tribunal nº. 223/95, in DR, II Série, de 27/6/95:
"O princípio da igualdade (...) apenas proíbe que as situações da vida semelhantes recebam tratamento diferenciado que se não justifique nas diferenças existentes entre elas. Ou seja, proíbe o arbítrio ou o capricho do legislador, pois que este, no exercício da sua liberdade de conformação, há-de orientar-se sempre por critérios racionais – há-de agir racionalmente, editando normas razoáveis, pois que a lei será Direito se for uma racionalidade".
Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que o princípio da igualdade abrange a proibição de arbítrio, a proibição de discriminações e a obrigação de diferenciação.
Assim, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.
A proibição de discriminações (n.º 2 do citado art. 13º) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento.
Na verdade, tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional que o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio.
As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando:
- Se baseiem numa distinção objectiva de situações;
- Não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2;
- Tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo;
- Se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo.[7]
Ora, a propósito da escolha e determinação da medida da pena dos co-arguidos, exarou-se na decisão recorrida o seguinte:
“O crime de roubo agravado cometido pelo arguido é punível com pena de 3 a 15 anos de prisão (cfr. art. 210º, n.º2, al. b), do CP).
(…)
Nos termos do art. 70º do C.P., o Tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que se traduzem, nos termos do art. 40º, n.º1, do mesmo código, na protecção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade.
Tal como ensina Figueiredo Dias, “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (…) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do facto, 1993, Editorial Noticias, p. 333). As exigências de tutela do bem jurídico violado e de reafirmação do mesmo na Comunidade devem funcionar como patamar mínimo face às exigências de socialização do arguido (veja-se autor, obra e página citados).
No que respeita ao arguido B…, importa atentar em que o mesmo, à data dos factos, contava com uma condenação em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir pela comissão de um delito rodoviário, tendo as mesmas sido declaradas extintas pelo cumprimento (cfr. ponto 24 da matéria de facto provada).
A ausência de comissão de delitos graves bem como de punição em pena de prisão privativa da liberdade permite, com segurança, entender que a aplicação, no que ao crime de detenção de munições proibida, respeita, da pena de multa se mostra suficiente para o convencer o arguido do desvalor de tal comportamento e da necessidade de não voltar a delinquir, sendo certo que as exigências de prevenção geral se mostram asseguradas minimamente com tal.
Opta-se, por isso, pela aplicação ao arguido B… da pena de multa, no que concerne ao crime de detenção de munições proibida.
Para a determinação da medida da pena a aplicar aos arguidos, há que atentar em que é dentro da medida da culpa do mesmo que devem funcionar as exigências de reiteração dos valores ofendidos pela prática dos factos nas necessidades de interiorização por cada um do respeito de tais valores, de forma a não delinquir no futuro.
“A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas - sejam de prevenção geral positiva, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, segurança ou de neutralização.” (obra citada, p. 230). Por outro lado, as exigências de prevenção geral definem os parâmetros onde se irá determinar, de acordo com as exigências de socialização, a medida da pena a aplicar (obra e página citadas).
Cumpre, ainda, reter, no que às penas referentes ao crime de roubo respeita, que cada arguido, co-autor, deve ser punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa do outro comparticipante (art. 29º do CP).
Assim, nos termos do art. 71º, nºs.1, e 2, do C.P., quanto ao crime de roubo, encontram-se, como factores agravantes respeitantes ao arguido B…:
- o modo de execução do delito, que se revela fortemente desvalioso, atenta a ofensividade para com a vítima e a vulnerabilidade que a mesma apresentava perante os agentes (atenta a inferioridade numérica e física e a circunstância de ter sido cometido durante a noite, em que a possibilidade de auxílio por terceiros se mostra reduzida);
- o elevado desígnio delituoso, tendo em conta a determinação que se mostrou necessária para a execução do crime;
- o sofrimento, mormente o receio e intranquilidade causados à vítima, que se mostra relevante;
- a personalidade do arguido plasmada nos factos, de forte alheamento da normatividade, o que, juntamente com os antecedentes criminais à data dos factos, agrava as exigências de prevenção especial;
- as exigências de prevenção geral que, no caso em apreço, considerando o comportamento ser apto a causar alarme social, demandam resposta firme e inequívoca perante a Comunidade no sentido da reprovação da conduta praticada.
Como elementos atenuantes, encontram-se:
- o valor total do dinheiro subtraído e do prejuízo comprovadamente causado à ofendida, que se mostra pouco relevante, o que mitiga o desvalor da conduta;
- a situação pessoal do arguido, que beneficia de algum acompanhamento familiar e de ocupação laboral, o que atenua, ainda que de modo bastante mitigado, as exigências de prevenção especial.
Tudo ponderado, entende-se ajustada a pena de 4 anos de prisão.
No que respeita ao crime de detenção de munições proibida cometido pelo mesmo arguido, ponderam-se os seguintes elementos:
- o número de munições detidas pelo arguido, que se mostra de reduzida relevância, o que reveste eficácia atenuante;
- a situação pessoal do arguido, que beneficia de algum acompanhamento familiar e de ocupação laboral, o que atenua, ainda que de modo bastante mitigado, as exigências de prevenção especial.
- as necessidades de prevenção geral que, neste tipo de crime, atenta a frequência com que é cometido no nosso país, se fazem sentir com intensidade, o que tem eficácia agravante.
Tudo ponderado, entende-se adequada a pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (considerando a sua situação económica e o disposto no art. 47.º, n.º 2 do C.P.), no total de € 900,00 e, subsidiariamente, na pena de 120 dias de prisão (art. 49º, n.º1, do CP).
Como factores agravantes respeitantes ao arguido C… e ao crime de roubo, encontram-se:
- o modo de execução do delito, que se revela fortemente desvalioso, atenta a ofensividade para com a vítima e a vulnerabilidade que a mesma apresentava perante os agentes (atenta a inferioridade numérica e física e a circunstância de ter sido cometido durante a noite, em que a possibilidade de auxílio pro terceiros se mostra reduzida);
- o elevado desígnio delituoso, tendo em conta a determinação que se mostrou necessária para a execução do crime, sendo certo que o arguido cometeu os actos mais ofensivos sobre a vítima;
- o sofrimento, mormente o receio e intranquilidade causados à vítima, que se mostra relevante;
- a personalidade do arguido plasmada nos factos, de forte alheamento da normatividade, o que, juntamente com os antecedentes criminais à data dos factos, agrava sobremaneira as exigências de prevenção especial;
- as exigências de prevenção geral que, no caso em apreço, considerando o comportamento ser apto a causar alarme social, demandam resposta firme e inequívoca perante a Comunidade no sentido da reprovação da conduta praticada.
Como elementos atenuantes, encontram-se:
- o valor total do dinheiro subtraído e do prejuízo comprovadamente causado à ofendida, que se mostra pouco relevante, o que mitiga o desvalor da conduta;
- a situação pessoal do arguido, que beneficia de algum acompanhamento familiar, o que atenua, ainda que de modo bastante mitigado, as exigências de prevenção especial.
Tudo ponderado, entende-se ajustada a pena de 5 anos de prisão.
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Considerando a ausência de punição em pena privativa da liberdade por parte do arguido B… à data dos factos, entende-se que a simples ameaça de cumprimento da pena de prisão acima fixada, aliada à sua censura pública, a efectuar em audiência de julgamento, se mostra suficiente para o convencer da necessidade de não voltar a delinquir e do desvalor do seu comportamento.
Razão porque, considerando o disposto no art. 50º do CP, se decide suspender a execução da pena de prisão, com sujeição a regime de prova (art. 53º, n.º 3, do CP).
No que concerne ao arguido C…, importa reter que o mesmo, à data dos factos em apreço nos autos, contava já com a condenação em duas penas de prisão efectivas, sendo uma delas de extensão relevante, que cumpriu, além de outras tantas condenações em pena de multa.
Tal circunstancialismo legitima um juízo de séria reserva sobre a aptidão da suspensão do cumprimento da pena de prisão acima fixada e de necessidade do seu cumprimento para que o arguido interiorize o desvalor do seu comportamento e a necessidade de não voltar a delinquir.
Razão porque se afasta tal suspensão.”
Assim, é bem claro que são os condicionalismos próprios da vida de cada um dos arguidos que determinam a diversidade das penas, sobretudo em razão das diferentes exigências de prevenção, já que o aqui recorrente C… sofreu quatro condenações anteriores à data da prática dos factos, sendo duas delas em pena de prisão que cumpriu, mas voltou a delinquir pois não só cometeu os factos em apreço como também sofreu condenação por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no dia 4/10/2013, por factos cometidos no dia anterior, enquanto o seu co-arguido B…, manteve um percurso de observância normativa, apenas pontuada por um desvio, no ano de 2010, em que sofreu uma condenação, em pena pecuniária, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido no dia 3/3/2010. E, como é bom de ver a maior ou menor resistência à censura expressa nas condenações sempre ditaria um juízo de prognose necessariamente diverso.
Assim, o que ressalta da fundamentação da decisão recorrida é que o tribunal a quo ponderou não só os factos objectivos mas também, como lhe competia, os antecedentes, a personalidade e as condições de vida de cada um dos arguidos, assim observando os critérios que presidem à fixação da pena concreta, de harmonia com o disposto no art. 71º n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal.
Em conformidade, não há aqui qualquer dualidade de critérios mas tão-só uma escolha e determinação da medida da pena em perfeita conformidade com as regras e princípios que regem nesta sede. Tratar o que é diferente de modo igual é que motivaria a violação do princípio que o recorrente invoca sem fundamento para tal.
Improcede, assim, também esta pretensão do recorrente.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação negar provimento ao recurso interposto pelo arguido C… e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 3 de Junho de 2015
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio – Relatora
Maria Dolores da Silva e Sousa - Adjunta
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[1] Pretenderia dizer-se erro notório na apreciação da prova.
[2] V., entre outros, Ac. do STJ de 18/5/2011, Proc. 420/06.7GAPVZ.S1, in dgsi. pt.
[3] Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes
[4] Ac. do STJ de 28-09-2005, CJ-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173,
[5] V., a este propósito, Anabela Rodrigues, in “Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária”, Coimbra Editora, pág. 31.
[6] Jornadas de Direito Criminal, “Escolha e Medida da Pena”, CEJ, pág. 237 e segs.
[7] Ac. da 1ª Secção do TC, de 3/2/99, relator Artur Maurício, in dgsi.pt.