Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
463/15.0PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: ADMOESTAÇÃO
CRIME DE DANO
REPARAÇÃO
Nº do Documento: RP20180207463/15.0PJPRT.P1
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 748, FLS 125-130)
Área Temática: .
Sumário: I - A reparação do dano é um dos requisitos exigidos pelo artº 60º CP para que possa ser aplicada em substituição da pena de multa a admoestação.
II - O requisito em causa afere-se pelo comportamento do beneficiário dessa pena (praticamente simbólica) e não pela actuação do ofendido, sendo independente de haver deduzido ou não pedido de indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 463/15.0PJPRT.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
a) No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia-J3, da Comarca do Porto, por sentença proferida a 27 de Junho de 2017, foi o arguido B..., com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de 1 (um) crime de dano, previsto e punível pelo art. 212º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de admoestação.
b) Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1. Foi o arguido condenado pela prática de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, substituída por uma pena de admoestação;
2. Ora, desde logo discorda-se da concreta pena fixada (80 dias de multa), pois que, para além de, como muito bem se refere na sentença ora colocada em crise, as exigências de prevenção geral serem significativas, o dolo manifestado é directo. Com efeito, se é certo que o arguido confessou os factos e que não tem antecedentes criminais, também não deixa de ser verdade que este tipo de condutas, de destruição "pura e dura", revela uma especial intenção de causar um "dano" em coisa alheia - pelo que nos parece que a ilicitude ultrapassa a mediania referida na decisão ora colocada em crise.
3. Entendemos, por isso, que a pena adequada e justa ao caso concreto é a de 160 dias de multa, ou seja, muito próximo de metade da moldura penal abstractamente fixada;
4. Acresce que não podemos de todo concordar com a substituição da pena de multa por admoestação, pois que não se encontram preenchidos os seus requisitos.
5. Na verdade, o dano causado pelo arguido não se encontra reparado; e não é pelo facto de o assistente não ter deduzido pedido de indemnização civil (pelos motivos que constam dos autos) que se pode considerar que não existe dano a reparar, como sustenta a sentença proferida;
6. Com efeito, a lei não fala em indemnização ressarcida e/ou reparada; a lei exige, para a aplicação de uma admoestação, que o dano causado pela conduta criminosa esteja reparado - o que não é, de todo, o caso (como, aliás, facilmente se conclui, pela análise, quer da leitura da fundamentação da sentença proferida, quer das declarações do arguido);
7. O dano causado pela conduta criminosa é o concreto prejuízo verificado - e a sua reparação, para efeitos do disposto no n.º 2, do artigo 60º, do Código Penal, não se pode confundir, de todo, com a dedução, ou não, de pedido de indemnização civil.
8. A admoestação, pese embora consubstancie uma pena e, portanto, uma censura jurídico-penal ao agente por ter agido de determinada forma, traduz-se numa sanção menos gravosa, precisamente porque se conclui, perante as circunstâncias do caso concreto, que, estando os prejuízos causados ressarcidos e/ou compensados, por um lado, e não sendo exigido o cumprimento da pena principal, por outro, em face das reduzidas exigências de prevenção que se fazem sentir, tal pena de substituição é a mais adequada e ajustada à situação.
9. Ora, não é esse o caso dos autos, estando os prejuízos por reparar, na íntegra.
10. Acresce, e ainda que assim não se entendesse, que as finalidades da punição, nomeadamente as exigências de prevenção geral, não ficam, de todo, salvaguardadas com a mera aplicação, ao arguido, de uma pena de admoestação.
11. É que a frequência com este tipo legal de crime é cometido quer na área desta comarca quer por todo o país é muito elevada — existindo uma sensação generalizada de impunidade, face a tais comportamentos;
12. Com efeito, torna-se necessário demonstrar à comunidade em geral que, comportamentos como os descritos nos autos, não são tolerados pela Ordem Jurídica e que, perante a sua prática, os agentes sofrem sanções com eles condizentes;
13. Não deve, por isso, a pena de multa por nós supra proposta ser substituída por pena de admoestação, devendo a arguida ser condenada na pena de 160 dias multa.
14. Ao não decidir do modo descrito, violou o Tribunal a quo as disposições legais previstas nos artigos 40º, n.º 1, 60º, n.ºs 1 e 2 e 212º, n.º 1, todos do Código Penal.
c) Admitido o recurso por despacho de fls. 245, não foi oferecida qualquer resposta.
d) Neste Tribunal da Relação a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, louvando-se nos fundamentos do mesmo.
e) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada foi aduzido.
f) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[1] que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas resumem-se inadequação da pena escolhida e escassez dos dias de multa fixados.
*
2. Com interesse para o caso, considerou o tribunal a quo os seguintes factos provados: (transcrição)
1. No dia 25 de Janeiro de 2015, pelas 14.00 horas, gerou-se uma discussão entre o arguido e o assistente C..., na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia.
2. Na sequência de tal, o arguido, munido que estava com um pau, e fazendo uso do mesmo, desferiu várias pancadas no veículo do assistente, da marca Ford, modelo ..., matriculado com o n.º ..-..-BS, fazendo estilhaçar o vidro frontal do mesmo.
3. Como consequência da actuação do arguido, o aludido "pára-brisas" ficou completamente partido, dano este que demandou ao assistente para a sua reparação um dispêndio monetário e prejuízo económico no valor de € 200,00 (duzentos euros).
4. O arguido actuou da forma descrita, com o intuito, concretizado, de danificar o veículo do assistente, apesar de saber que este não lhe pertencia e que contrariava, com tal conduta, a vontade do seu legítimo proprietário.
5. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, apesar de bem saber os seus comportamentos contrários à lei.
6. O arguido aufere cerca de € 100,00 mensais. Vive com a esposa, que aufere reforma no valor de € 300,00 mensais.
7. O arguido confessou os factos e demonstrou arrependimento.
8. Nunca antes foi condenado pela prática de qualquer infracção criminal.
*
3. Por seu turno, da apreciação jurídica interessa ponderar o seguinte: (transcrição)
“(…)
Importa, a este passo, determinar a medida da pena que, em concreto, e relativamente ao crime praticado, se adequa ao comportamento do arguido.
Nos termos do artigo 71º, n.º 1 do Código Penal, "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de determinação concreta da pena.
(…)
A aplicação de penas visa, como resulta do artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração social do agente, sendo certo que, face ao preceituado no n.º 2 do mesmo artigo, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, isto é, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
Ou seja, e em suma, elege-se como comando da medida da pena a ideia de prevenção geral positiva ou de integração, com a qual hão-de inter-relacionar-se objectivos de prevenção especial de ressocialização e considerações de culpa; esta, desde logo, enquanto limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, aqueles enquanto caminho para a concretização da reintegração do agente na sociedade.
O n.º 2 do artigo 71º manda, todavia, atender ainda, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: "o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".
O crime de dano previsto no artigo 212º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
No caso em apreço:
• As exigências de prevenção geral são significativas, atendendo à frequência com que este tipo de crime se verifica nesta comarca e à insegurança que sempre induz;
• O grau de ilicitude, reflectido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, é mediano;
• O dolo é directo, porquanto o arguido representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objectivo primeiro e final da sua conduta;
• As exigências de prevenção especial são reduzidas, face à ausência de antecedentes criminais do arguido;
• O arguido confessou os factos e demonstrou arrependimento.
O artigo 47º do Código Penal manda fixar a pena de multa de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71º - já analisados -, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360. O n.º 2 do mesmo preceito, por seu lado, dispõe que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, a fixar em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Nesta conformidade, e tomando em consideração todos os elementos concretos do caso atrás enunciados, entendemos ser justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 5,00, tendo em atenção a sua situação económica.
Tendo presente a factualidade dada como provada cumpre ponderar o disposto no artigo 60° do Código Penal, nos termos do qual "se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação", sendo que "a admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal considerar que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição". Sendo que "(...) em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluindo a de admoestação".
Como escreve Maia Gonçalves (in "Código Penal Português", 15ª edição, Almedina, 2002, pág. 219), "a admoestação é uma censura solene feita em audiência pública pelo tribunal, aplicável a delinquentes culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende, por serem delinquentes primários, por ser neles mais vivo o sentimento da própria dignidade, ou por quaisquer outras razões ponderosas, que não há, numa visão preventiva, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais mais gravosas".
(…)
Como se disse o crime de dano é punido no caso, em alternativa, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (até 360 dias), tendo o Tribunal considerado adequada uma pena de 80 dias de multa. Tudo aconteceu no contexto de uma discussão entre arguido e assistente. O assistente não deduziu pedido de indemnização civil, pelo que não há qualquer dano a reparar (com efeito, ainda que seja ressarcível o prejuízo sofrido pelo assistente, se este não peticionou qualquer indemnização não pode estabelecer-se como condição de aplicação da pena de admoestação a reparação de tal prejuízo, dada a sua não obrigatoriedade legal). O arguido, com 60 anos de idade, é primário e demonstrou arrependimento.
No caso vertente, por conseguinte, e dadas as circunstâncias acabadas de explanar, entende o Tribunal que a admoestação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, motivo pelo qual, estando reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 60° do Código Penal, decide aplicar esta pena.
(…)”
*
4. Apreciando do mérito
4.1 Da dosimetria da pena pecuniária
Com base na factualidade supra descrita, considerou o tribunal a quo que se mostrava verificado o crime de dano, previsto e punível pelo art. 212º, n.º 1, do Cód. Penal, qualificação jurídica que não foi impugnada e à qual nada há que apontar.
Em consequência, à conduta perpetrada pelo arguido corresponde a pena abstracta de prisão até 3 (três) anos ou multa, sendo esta de 10 a 360 dias, de harmonia com a previsão do art. 47º, n.º 1, do Cód. Penal.
E, o tribunal a quo optou pela imposição de pena pecuniária, a título principal, decisão que também não foi objecto de contestação.
Ora, como evidencia o disposto nos n.ºs 1 (1ª parte) e 2, do citado art. 47º, a aplicação da pena pecuniária desdobra-se em dois momentos:
- A determinação do número de dias de multa [em função da culpa e das exigências de prevenção]; e
- A determinação do quantitativo diário da multa [através da ponderação da situação económico-financeira e encargos do arguido].
O Digno recorrente entende que, na primeira vertente, a pena aplicada ao arguido é insuficiente e desadequada devendo ser agravada para 160 dias, uma vez que «este tipo de condutas, de destruição “pura e dura”, revela uma especial intenção de causar um “dano” em coisa alheia».
Salvo o devido respeito, não vislumbramos o alcance da censura, já que a destruição total ou parcial de coisa alheia, constituindo elemento objectivo do tipo legal, não pode ser invocado para efeitos de determinação da pena concreta, consoante resulta do estatuído no n.º 2, do art. 71º, do Cód. Penal.
Depois, não estando a conduta devidamente contextualizada – sabe-se apenas que ocorre na sequência de uma discussão e com recurso a um pau, sem que se perceba se havia desentendimentos anteriores entre as partes ou se tratou de acontecimento fortuito, desconhecendo-se igualmente a respectiva motivação (circunstâncias essenciais para aferição do risco de reiteração criminosa) e se o arguido tinha consigo o pau por razões alheias à prática do ilícito ou se dele se muniu para tal fim - nem tendo sido questionada a matéria de facto dada como provada[2], é impossível extrapolar qualquer gravidade acrescida da ilicitude, já que a utilização de objectos na danificação/inutilização da coisa constitui modus operandi habitual.
Neste conspecto, sendo consabido que para graduar concretamente a pena há que respeitar o critério fornecido pelo art. 71º, n.º 2, do Cód. Penal, tendo o legislador concretizado parâmetros estruturantes daquele, exemplificativamente, nas diversas alíneas do citado preceito legal, resta concluir que temos por integralmente observados, na dosimetria dessa pena concretamente fixada, os vectores normativamente densificados em tal preceito, não tendo sido fundadamente invocado - nem se vislumbrando - nessa matéria erro ou desproporção patente que possibilite sindicar o quantum exacto da pena, que o tribunal a quo, assim, justificada e legitimamente, considerou equilibrado[3].
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4.2 Da pena de admoestação
Sustenta o Digno recorrente que não se verificam os requisitos de aplicação da pena de admoestação aplicada ao arguido, seja por não ter sido reparado o dano, seja ainda por tal pena não acautelar suficientemente as exigências de prevenção geral.
Desde já se adiantará que lhe assiste inteira razão.
Com efeito, a admoestação é a pena mais leve que o nosso ordenamento jurídico-criminal comporta, subsistindo como pena de substituição de multas de pequena gravidade, tal como já preconizava Figueiredo Dias[4] ainda no domínio do Código Penal de 1982, aprovado pelo Dec. Lei n.º 400/82, de 23/09, em cujo anexo, mais propriamente no seu ponto 12, se inscreveu, a propósito, o seguinte: “trata-se de uma censura solene, feita em audiência pelo tribunal, aplicável a indivíduos culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende (ou por serem delinquentes primários ou por neles ser mais vivo um sentimento da própria dignidade, por exemplo) não haver, de um ponto de vista preventivo, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais que importem a imposição de uma sanção substancial”.
Assim, dispõe o art. 60º, do Cód. Penal:
1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.
Deste modo, a pena de admoestação não se basta com a verificação do requisito formal previsto no n.º 1, pressupondo também a emissão de um juízo de prognose positiva sobre a sua adequação e eficácia à ressocialização do agente de facto criminoso e ainda de que “não porá em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico”[5].
In casu, sendo incontroverso que se mostra verificado o requisito objectivo, pois que a concreta pena pecuniária a substituir é muito inferior a 240 dias, parece-nos igualmente patente que nenhum dos requisitos substanciais se verifica.
A circunstância da consumação do crime ocorrer no decurso de discussão, só por si e sem outro contexto adjuvante, não permite afirmar que o grau de culpa seja reduzido.
Não houve reparação do dano - nem mesmo por via de satisfação moral ao ofendido - sendo indiferente que, nos autos, não tenha sido formulado pedido de indemnização civil.
O requisito em causa afere-se pelo comportamento do presumível beneficiário desta pena, praticamente simbólica, e não pela actuação de qualquer terceiro, designadamente do ofendido, até porque indissociavelmente ligado às exigências de prevenção.
Depois, estando em causa prejuízo que fica longe de ser diminuto, na definição do art. 202º, al. c), do Cód. Penal, e reconhecendo o tribunal a quo que “as exigências de prevenção geral são significativas, atendendo à frequência com que este tipo de crime se verifica nesta comarca e à insegurança que sempre induz”, é óbvio que uma pena desta natureza não acautela minimamente as exigências de prevenção, potenciando sentimentos de impunidade por não salvaguardar os patamares mínimos das expectativas comunitárias.
Consequentemente, resta concluir pela procedência da pretensão recursiva nesta sede não podendo manter-se a operada substituição da multa por admoestação.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal da Relação do Porto conceder parcial provimento ao recurso do Ministério Público e, mantendo a condenação do arguido B... em 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), revogam a pena de admoestação que a substituía.
Sem tributação - art. 513º n.º 1, a contrario, e 522º, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[6]]

Porto, 7 de Fevereiro de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
___________
[1] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[2] Sendo impossível sindicar, por exemplo, o arrependimento dado como provado e que mal se compagina com a inexistência de reparação do prejuízo causado, não havendo qualquer referência a acto de real e efectiva contrição.
[3] V., entre muitos outros a este propósito, Acs. STJ, de 14/5/2009, Proc. 19/08.3PSPRT; de 9/4/2008, Proc. n.º 1491/07 - 5ª; de 3/9/2008, Proc. n.º 3982/07-3ª e de 8/10/2008, Proc. n.º 3174/08 - 3ª, todos in dgsi.pt.
[4] Cfr., Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-1993, pág. 389
[5] Idem, pág. 387, §605, parte final.
[6] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por vontade da relatora.