Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7618/19.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: NOTA DE CULPA
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS
INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA REINTEGRAÇÃO
FIXAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP202105177618/19.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS IMPROCEDENTES; CONFIRMADA A DECISÃO E A SENTENÇA RECORRIDAS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação.
II - Resultando da sentença sob recurso que o Tribunal a quo não determinou que se procedessem a quaisquer deduções concretas, antes deixando bem claro que poderá haver lugar “às deduções previstas nas alíneas a) e c) do artigo 390º do Código do Trabalho, caso as mesmas, em sede própria, venham a ser invocadas e demonstradas” e constituindo a caução uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente, a qual que se traduz na “importância em que foi condenado”, para respeitar essa regra o valor tem que ter inteira correspondência com os termos da sentença condenatória.
III - A exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador visa permitir-lhe o conhecimento em concreto desses factos, de modo a que este possa defender-se adequadamente, isto é, de modo a que possa exercer na sua plenitude o direito do contraditório.
IV - Justamente por isso, a falta de observância dessa imposição legal importa consequências severas, mais precisamente, o despedimento é ilícito, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar [art.º 382.º 1 e 2, al.a), do CT].
V - Não cumpre a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao autor a nota de culpa que se limita a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a mínima narrativa com o propósito de concretizar em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.
VI - Para que se possa dizer que o arguido compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados, pelo que sempre se teriam por sanadas eventuais deficiências da nota de culpa, era necessário que da defesa do autor resultassem perceptíveis quais os eventuais factos concretos que este teria percebido serem-lhe imputados e relativamente aos quais se estaria a defender.
VII - Para a fixação judicial do valor da indemnização em substituição da reintegração, prevista no nº1, do art.º 391.º, do CT, a norma manda atender a três factores: ao valor da retribuição auferida pelo trabalhador; ao grau de ilicitude com referência à ordenação estabelecida no art.º 381.º; ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 7618/19.6T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, B… deu início à presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através da apresentação do requerimento em formulário próprio a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D do Código de Processo do Trabalho, demandando “C…, LDA”, com o propósito de impugnar o despedimento que por esta lhe foi comunicado por escrito na sequência de procedimento disciplinar.
Pede que se condene a Ré a ver declarada a ilicitude ou a irregularidade de tal despedimento, com as legais consequências.
Juntou cópia da decisão de despedimento.
Foi designado dia para a audiência de partes a que alude o art.º 98º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a qual veio a ser realizada, mas sem que se tenha logrado alcançar a resolução do litígio por acordo.
A Ré, notificada para o efeito, apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o processo disciplinar, pugnando pela declaração de licitude do despedimento e, consequentemente, pela sua absolvição.
O autor apresentou contestação àquele articulado e, conjuntamente deduziu reconvenção.
Defendendo-se por excepção, invoca a nulidade do procedimento disciplinar com fundamento na violação pela Empregadora do dever de proceder à descrição circunstanciada (em termos de tempo, de modo e de lugar) dos factos imputados na nota de culpa, estribando-se no disposto na al. a) do art.º 382º/2 e 353º/1, do CT.
No mais, impugnou genericamente as alegações da no seu articulado, por falsas, opinativas, conclusivas ou matéria de direito.
Conclui pedindo a declaração da ilicitude do despedimento, sendo a Ré condenada a pagar-lhe indemnização em substituição da integração., bem assim as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento
Na reconvenção pede a condenação da Empregadora a pagar-lhe a quantia global de 1 465,62€, a título de diversos créditos emergentes do contrato de trabalho de que a Ré lhe é devedora.
A Empregadora respondeu, pugnando, para além do mais, pela improcedência da excepção de nulidade do procedimento disciplinar, invocada pelo Trabalhador.
I.2 Finda a fase dos articulados, na consideração de que o processo continha todos os elementos que permitiam conhecer de imediato do mérito da causa relativamente à apreciação da licitude do despedimento, o Tribunal a quo passou a apreciar e decidir essa vertente da causa, proferindo sentença, nos termos do artigo 61º nº 2 do Código de Processo do Trabalho, encerrada com o dispositivo seguinte:
- «4. Nestes termos e com tais fundamentos, declaro desde já ilícito o despedimento do Trabalhador; e, em consequência, condeno a Empregadora a pagar a esta:
a) Uma indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho, que na presente data ascende ao valor de 3.600,00€;
b) Todas as retribuições que o Trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho.
Custas nesta parte pela Empregadora.
Registe e notifique.
*
O processo seguirá os seus termos, já sem natureza urgente, para apreciação do pedido reconvencional formulado pelo Trabalhador, para o que deverá ser concluso oportunamente.
Notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré empregadora apresentou recurso de apelação, requerendo que lhe fosse fixado efeito suspensivo, mediante prestação de caução.
As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
1º. A Nota de culpa está devidamente circunstanciada, em termos de tempo, modo e lugar, sendo, consequentemente, válido o procedimento, em observância do disposto no n.º 2 do art. 382 do C.T.
2º. Sem prejuízo, da defesa apresentada pelo A., decorre que o mesmo compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados, pelo que sempre se teriam por sanadas eventuais deficiências, que s.d.r. só se concebem por mera hipótese de raciocínio.
3º. Por outro lado, conforme tem defendido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a obrigatoriedade de uma fase de defesa no procedimento disciplinar para garantir o seu direito de defesa e permitir uma melhor ponderação da decisão do empregador de proceder ao despedimento, o trabalhador deverá proceder de boa-fé na resposta à nota de culpa e nos atos posteriores, não reservando argumentos ou “trunfos” para momento posterior, nem procurando obstáculos formais ou expedientes dilatórios sem qualquer intuito de contribuir para a apreciação sobre a existência da justa causa, sob pena de agir em abuso do direito de defesa, o que se verifica in casu.
4º. Sem prescindir, a considerar-se a ilicitude do despedimento, o que só se concebe por mera hipótese de raciocínio, o valor da indemnização fixada pelo Tribunal “a quo” é manifestamente excessivo, considerando que o caso em apreço, está no topo inferior da escala de gravidade na ordem considerada pelo art.º 381º.do CT;
Concluiu pedindo a procedência do recurso, em consequência sendo integralmente revogada a sentença recorrida.
I.4 O autor não apresentou contra-alegações.
I.5 O Tribunal a quo proferiu despacho admitindo o recurso e apreciando o requerimento para fixação de efeito suspensivo, pronunciou-se como segue:
Vem a entidade patronal pedir que seja fixado efeito suspensivo ao recurso nos termos do artigo 83º, nº 4 do CPT mediante a prestação de caução.
O trabalhador no prazo da contra-alegação nada disse.
Entendo que o valor da caução deverá corresponder ao valor das quantias liquidadas e suscetíveis de liquidação por mero cálculo aritmético em que a entidade patronal foi condenada até à data da decisão. O valor ascende a € 10.124,64 (€3600 de indemnização + retribuições intercalares desde a data dos despedimento até à data da decisão, incluindo duodécimos de subsidio de natal e de férias e subsidio de alimentação)
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 83º, nº 2 do CPT notifique-se a Ré para, no prazo de 10 dias, prestar a caução no valor de € 10.124.64, sob pena de possibilidade de execução imediata da sentença.
-
Para efeitos de recurso fixo à causa o valor de € 10.124.64».
I.6 Discordando também desta decisão, a recorrente Ré dela veio interpor recurso, requerendo igualmente que lhe fosse atribuído efeito suspensivo, para tanto oferecendo-se para prestar caução no valor de 6 000,00€.
Encerrou as alegações com as conclusões seguintes:
1.º I – Normas Jurídico-Civis que a Recorrente considera incorrectamente aplicadas:
a) art. 83 n.º 2, CPT;
b) art.º 915, CPC.
2.º O Tribunal “a quo”, não cuidou de apurar se o Autor auferiu quaisquer quantias a que alude o art.º 390º nº2 do CT, bem como os respectivos montantes, a fim de ser determinado o montante da caução a prestar.
3.º Devendo prosseguir o incidente de prestação de caução, realizando-se as diligências probatórias necessárias, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova.
Concluiu pugnando pela procedência do recurso, sendo revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a realização de diligências probatórias, com o objectivo de apurar se o Autor auferiu quaisquer quantias a que alude o art. 390º nº2 do CT, bem como os respectivos montantes, a fim de ser determinado o montante da caução a prestar.
I.7 O Tribunal a quo proferiu despacho admitindo o recurso e pronunciando-se quanto ao valor da caução oferecida, determinando que a fixação do efeito suspensivo ao recurso ficava dependente da prestação pela Empregadora de uma caução no valor de 10 124,64€, no prazo de 10 dias.
I.7.1 A recorrente cumpriu o determinado e o Tribunal a quo fixou o efeito suspensivo ao recurso.
I.8 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido de que os recursos devem ser julgados improcedentes, referindo no essencial, que ao contrário do que alega a recorrente, não resulta da defesa do trabalhador que o mesmo tenha entendido o circunstancialismo concreto das infrações que lhe estavam imputadas, bem assim que a indemnização fixada observa os critérios a que alude o art.º 391º do Código do Trabalho.
I.9.1 A Recorrente respondeu, no essencial, reiterando a argumentação dos recursos.
I.10 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões a apreciar, por ordem de precedência lógica, consistem em saber se o Tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
i) Na fixação do valor da caução a ser prestada pela recorrente para obter o efeito suspensivo no recurso dirigido à sentença;
ii) Ao julgar o despedimento ilícito por invalidade do procedimento disciplinar;
iii) Na fixação do valor da indemnização em substituição da reintegração.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo, na sentença que concluiu pela ilicitude do despedimento, fixou o elenco factual que se passa a transcrever:
2.1 - Factos a considerar:
a) O Trabalhador foi admitido ao serviço da Empregadora no dia 19 de Maio de 2015.
b) Em 2019 o Trabalhador auferia o vencimento base mensal de 600,00€, acrescido de subsídio de alimentação, no valor diário de 5,25€; bem como dos proporcionais de subsídio de natal e de férias, no montante unitário de 50,04€.
c) No dia 04 de Setembro de 2019 a Empregadora remeteu ao Trabalhador uma nota de culpa, junta de fls. 65 verso a 67 verso do processo em suporte físico e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através do qual, entre outras coisas, lhe imputou os seguintes comportamentos:
“(…)

Continuadamente, e pelo menos nos últimos seis meses, o arguido não alcançou nenhum dos objectivos que lhe são propostos,

Objectivos esses que o mesmo aceitou e reconheceu como acessíveis.

E, não obstante todas as acções de formação que lhe são ministradas,

E abordagens de natureza comercial e marketing,

O mesmo não apenas recusa qualquer actuação para tal,

Como reiterada e nomeadamente referencia que, “se não quiserem ter-me assim despeçam-me e paguem-me”, “façam o que quiserem, tenho contrato, sou efectivo”, “não faço mais do que isto, não estou para me cansar”, “ide chatear outro”, “quero é o meu salário o resto resolvam não tenho que cumprir objectivos”

Mais, por diversas vezes, associado a desrespeito pela arguente,
10º
Não cumprindo diversas ordens que lhe são determinadas no sentido de alcançar os objectivos fixados,
11º
O arguido em pleno horário de trabalho, é visto a aceder por largos períodos temporais a conteúdos, via internet, sem qualquer relação com a actividade laboral, (e assim sem qualquer produtividade efectiva)
12º
E sem autorização da arguente,
13º
Cuja ordem para que tal não prossiga, desrespeita reiteradamente
(…)”.
d) No dia 25 de Setembro de 2019 a Trabalhadora remeteu ao Trabalhador a decisão final de despedimento, que foi por este recebida no dia 26 de Setembro de 2019.
II.2 Recurso sobre a decisão que fixou o valor da caução para obtenção do efeito suspensivo no recurso da sentença
Na decisão que fixou o valor da caução para a ser prestada pela recorrente para obter o efeito suspensivo no recurso dirigido à sentença, o Tribunal quo pronunciou-se nos termos transcritos no relatório, relevando para a apreciação a parte seguinte:
-«(..) Entendo que o valor da caução deverá corresponder ao valor das quantias liquidadas e suscetíveis de liquidação por mero cálculo aritmético em que a entidade patronal foi condenada até à data da decisão. O valor ascende a € 10.124,64 (€3600 de indemnização + retribuições intercalares desde a data dos despedimento até à data da decisão, incluindo duodécimos de subsidio de natal e de férias e subsidio de alimentação)
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 83º, nº 2 do CPT notifique-se a Ré para, no prazo de 10 dias, prestar a caução no valor de € 10.124.64, sob pena de possibilidade de execução imediata da sentença».
Insurge-se a recorrente, referindo que “[O] Tribunal “a quo”, não cuidou de apurar se o Autor auferiu quaisquer quantias a que alude o art.º 390º nº2 do CT, bem como os respectivos montantes, a fim de ser determinado o montante da caução a prestar”, defendendo que o incidente de prestação de caução deve prosseguir, realizando-se as diligências probatórias necessárias.
O artigo 83.º, com a epígrafe “Efeito dos recursos”, do CPT, dispõe o seguinte:
1 - A apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração.
2 - O recorrente pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado.
3 - A apelação tem ainda efeito suspensivo da decisão nos casos previstos nas alíneas b) a e) do n.º 3 do artigo 647.º do Código de Processo Civil e nos demais casos previstos na lei.
4 - O juiz fixa prazo, não excedente a 10 dias, para a prestação de caução e se esta não for prestada no prazo fixado, a sentença pode ser desde logo executada.
5 - O incidente de prestação de caução referido no n.º 2 é processado nos próprios autos.
O n.º1 estabelece, como regra, que no processo do trabalho, o efeito da apelação é meramente devolutivo. Porém, essa regra comporta excepções.
Assim acontece nos termos enunciados no n.º 3, por via da remissão para os casos “previstos nas alíneas b) a e) do n.º 3 do artigo 647.º do Código de Processo Civil”, bem como “nos demais casos previstos na lei”, nos quais a apelação tem efeito suspensivo.
Para além desses casos, esse mesmo efeito pode ainda ser obtido mediante prestação de caução pelo recorrente (n.º2), embora seja de assinalar que essa possibilidade “[..] não é extensiva à generalidade dos recursos de apelação, mas apenas aos que se reportarem a decisões (sentenças ou outros despachos com semelhante valor) que tenham condenado o recorrente no pagamento de determinada importância” [Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 84].
Outra interpretação irá para além do estatuído no n.º2, do art.º 83.º. Com efeito, se bem atentarmos na norma, retira-se que permite ao recorrente obter o efeito suspensivo, desde que requeira a prestação de caução, mas restringindo essa possibilidade a determinados casos, quando diz “da importância em que foi condenado”.
A prestação de caução constitui uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente, obrigação que se traduz na “importância em que foi condenado”.
O incidente de prestação de caução corre nos próprios autos e é desencadeado por requerimento do recorrente, formulado nas alegações de recurso (n.ºs 2 e 5).
Tratando-se de incidente de prestação espontânea de caução, a esse requerimento aplica-se o disposto no n.º1, do art.º 913.º do CPC, ex vi art.º 1.º. n.º2, al. a), do CPT, dai resultando que cabe ao requerente motivá-lo, isto é, deve justificar o motivo por que a oferece, neste caso, por pretender obter efeito suspensivo do recurso de apelação, bem assim oferecer o valor a caucionar e, ainda, indicar o modo pelo qual pretende prestar a caução.
Essas indicações são indispensáveis, dado destinarem-se a fornecer os elementos necessários para que a parte contrária se possa pronunciar exercendo o contraditório, mas também para colocar fundadamente as questões a decidir pelo juiz.
O recorrido é ouvido (n.º2, do mesmo art.º 913º, do CPC), podendo pronunciar-se juntamente com a apresentação das contra-alegações.
Só depois o juiz se pronunciará para apreciar e decidir, nomeadamente, o seguinte: i) se a decisão admite aprestação de caução; ii) se o valor que o recorrente se propõe caucionar garante toda a quantia em que foi condenado; iii) se o meio pelo qual o recorrente se propõe prestar caução é um dos indicados na lei.
Feitas estas considerações sobre o essencial do regime a considerar, importa agora relembrar o Acórdão do STJ de 6/2006, de 13.09.2006 [Conselheiro Sousa Grandão, D.R. n.º 205, 1 Série, de 24.10.2006], que embora reportado ao art.º 79.º/1 do anterior C.P.T., mantém inteira actualidade, dado o teor da norma ser coincidente com o do actual art.º 83.º/1, o qual procedeu à uniformização da jurisprudência, nos seguintes termos:
O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação”.
Na sua fundamentação, com relevo para o caso, elucida-se ainda o seguinte:
-«[..] a prestação da caução visa uma dupla finalidade:
Por um lado, permitir que à apelação seja atribuído o efeito suspensivo - contra o regime regra plasmado nos sobreditos preceitos -, assim se evitando que o apelado, enquanto credor, possa dar imediata execução ao segmento condenatório vertido na decisão impugnada (como lhe seria facultado pelo artigo 47.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
Por outro, garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido na sentença apelada, se e na medida em que sobrevive decisão ulterior confirmatória do julgado.
É dizer, em suma, que a caução se destina a garantir o cumprimento, por banda do apelante, de uma obrigação que, não sendo ainda definitiva, já foi reconhecida e afirmada por uma sentença judicial.
Sendo essa a função, no caso, da garantia em análise, compreende-se que o seu correcto processamento imponha:
A necessidade de um juízo judicial de reconhecimento da sua idoneidade (que, no domínio laboral, se circunscreve à suficiência da caução)».
Revertendo ao caso, na sentença recorrida o tribunal a quo declarou o despedimento do autor ilícito e, em consequência, condenou a Empregadora a pagar-lhe o seguinte:
-[..]
a) Uma indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho, que na presente data ascende ao valor de3 600,00€;
b) Todas as retribuições que o Trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho.
[…]».
O segmento contante da alínea b), do dispositivo constitui uma condenação ilíquida, na medida em que o valor global das retribuições intercalares a pagar pela ré empregadora ao trabalhador autor só será apurado com o trânsito em julgado da sentença.
E, pelas razões que se deixaram enunciadas, como bem entendeu o Tribunal a quo, na fixação do montante da caução deve incluir-se não só a parte líquida, mas também a parte ilíquida da condenação respeitante às retribuições intercalares.
A recorrente não põe isso em causa, vem é dizer que ““[O] Tribunal “a quo”, não cuidou de apurar se o Autor auferiu quaisquer quantias a que alude o art.º 390º nº2 do CT, bem como os respectivos montantes, a fim de ser determinado o montante da caução a prestar”.
Porém, sem qualquer razão. Com efeito, quer no articulado motivador do despedimento quer na resposta à contestação e pedido reconvencional apresentado pelo autor, a recorrente não formulou qualquer requerimento com o propósito de assegurar que às retribuições intercalares sejam feitas as deduções referidas nas alíneas a) e c), do n.º2, do art.º 390.º do CT, nomeadamente, “[A]s importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento” e/ou “[O] subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”.
Justamente por isso, na fundamentação da sentença condenatória, após afirmar o direito do autor «(..) por força do disposto no artigo 390º nº 1 do Código do Trabalho, a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (26 de Setembro de 2020) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal (nelas se incluindo tantos os vencimentos mensais actualizados a partir de Janeiro de 2020; como os duodécimos de subsídios de férias e de natal; como ainda o subsídio de alimentação).», o Tribunal a quo, logo de seguida, consignou o que segue:
-«Contudo, tais quantias poderão ser objecto das deduções previstas nas alíneas a) e c) do artigo 390º do Código do Trabalho, caso as mesmas, em sede própria, venham a ser invocadas e demonstradas.».
Como resulta bem da sentença sob recurso, o Tribunal a quo não determinou que se procedessem a quaisquer deduções concretas, antes deixando bem claro que poderá haver lugar “às deduções previstas nas alíneas a) e c) do artigo 390º do Código do Trabalho, caso as mesmas, em sede própria, venham a ser invocadas e demonstradas”.
Constituindo a caução uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente, a qual que se traduz na “importância em que foi condenado”, para respeitar essa regra o valor da caução tem que ter inteira correspondência com os termos da sentença condenatória.
Cabendo ao Tribunal a quo verificar a suficiência da caução, ou seja, de formular um juízo sobre se o valor que a recorrente se propunha caucionar para obter o efeito suspensivo no recurso garantia toda a quantia em que foi condenada, constatando que assim não acontecia cumpria-lhe proceder à fixação do valor adequado e determinar a notificação da recorrente para proceder prestação de caução nesse valor.
Foi esse o procedimento observado pelo Tribunal a quo, cumprindo correctamente o disposto no n.º2, do art.º 83.º do CPT.
Concluindo, não se reconhece razão à recorrente, improcedendo este recurso.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO [Recurso da sentença]
Numa primeira linha de argumentação vem a recorrente insurgir-se contra a sentença, em razão do Tribunal a quo ter julgado o despedimento ilícito por invalidade do procedimento disciplinar.
Na fundamentação da sentença, sobre esta questão, no essencial, lê-se o seguinte:
3.1 - De acordo com o disposto no artigo 353º nº 1 do Código do Trabalho, a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador.
Como escreve Diogo Vaz Marecos, in “Código do Trabalho Anotado”, 2010, página 852, “este dever de circunstanciar os factos tem sido entendido como a necessidade de o empregador estruturar a nota de culpa particularizando o lugar, o tempo e o modo dos comportamentos atribuídos ao trabalhador e susceptíveis de constituírem infracção disciplinar”.
Por outro lado, o artigo 382º nº 2 alínea a) do Código do Trabalho prescreve que o procedimento disciplinar é inválido, entre outros casos, se a nota de culpa não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
[..]
Ou seja, nos casos em que a nota de culpa for toda ela constituída por factualidade não descrita circunstanciadamente, então a consequência será a invalidade “tout court” do procedimento disciplinar.
Já nos casos em que coexistam na nota de culpa factos descritos circunstanciadamente com factos que não o sejam, então a consequência será a de o tribunal não atender aos factos que sofram de tal vício e que estiveram na origem da decisão de despedimento.
[…]
Com efeito, importa não olvidar o disposto nos artigos 357º nº 3 e 387º nº 3 do Código do Trabalho.
Assim, a primeira destas normas dispõe que na decisão final do procedimento disciplinar não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade deste.
Já segunda preceitua expressamente que nesta acção de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
Da conjugação destas duas normas resulta claro que no articulado de motivação do despedimento apenas podem ser alegados factos constantes da nota de culpa (salvo se forem novos factos mais favoráveis ao trabalhador).
Logo, e reiterando aquilo que comecei por frisar, nos casos em que se verifique a existência na nota de culpa de factos indevidamente circunstanciados, não pode o tribunal diligenciar pela sanação de tal irregularidade.
3.2 - Aqui chegados, cumpre então analisar em concreto a factualidade que a Empregadora imputou ao Trabalhador na nota de culpa, a fim de aferir se a mesma dá ou não cumprimento àquela exigência prevista no artigo 353º nº1 do Código do Trabalho.
Neste âmbito, e liminarmente, desde logo é possível afirmar que a totalidade da matéria constante da nota de culpa se encontra descrita de forma absolutamente genérica, vaga e indeterminada, por não se encontrar devidamente circunstanciada, designadamente em termos de tempo e de modo.
Senão vejamos.
Analisada a mencionada nota de culpa, facilmente se conclui que, através da mesma, a Empregadora imputa ao Trabalhador a prática de três diferentes tipos de condutas, a saber:
1) Insucesso no alcance dos objectivos propostos pela empresa e recusa em actuar de forma a cumprir os mesmos (artigos 3º a 8º);
2) Desrespeito pelas ordens que lhe são dadas (artigos 9º, 10º e 13º);
3) Comportamentos incorrectos durante o horário de trabalho (artigos 11º e 12º).
Ora, no primeiro caso, a Empregadora limitou-se a afirmar, de forma totalmente conclusiva, que o Trabalhador “não alcançou nenhum dos objectivos que lhe são propostos”, sem que tenha cuidado de especificar minimamente quais eram esses objectivos; quando é que os mesmos lhe foram propostos; e quais os resultados concretos por ele alcançados.
Do mesmo modo, a Empregadora apenas alegou que o Trabalhador “aceitou e reconheceu como possíveis” os referidos objectivos, ficando assim o Tribunal impossibilitado de saber quando é que o Autor assim agiu em qual a forma pela qual o fez.
Além disso, nos artigos 5º e 6º da nota de culpa, a Empregadora não concretizou minimamente quais “as acções de formação” e as “abordagens de natureza comercial e marketing” que ministrou ao Trabalhador, nem as datas em que as mesmas tiveram lugar.
Por último, no artigo 7º a Empregadora não circunstanciou o modo nem o tempo em que o Trabalhador “recusa qualquer actuação para tal”; do mesmo modo que não concretizou as datas em que o mesmo terá proferido cada uma das afirmações descritas no artigo 8º.
Ou seja, é de concluir que toda esta matéria padece do vício de não se encontrar devidamente circunstanciada em termos de tempo e de modo.
Já no segundo caso, a Empregadora não concretizou “o desrespeito” pela empresa, mencionado no artigo 9º, nem as “diversas vezes” em que o mesmo terá ocorrido.
Por sua vez, no que concerne ao artigo 10º ficaram por mencionar não só as datas em que o Trabalhador “não cumpriu as ordens que lhe são determinadas no sentido de alcançar os objectivos fixados”, como ainda quais foram essas ordens e por quem e como as mesmas foram dadas.
Igual omissão ocorreu também na alegação constante do artigo 13º. Ou seja, também aqui estamos perante o mesmo vício supra mencionado.
Finalmente, a Empregadora também não concretizou nenhuma data em que o Trabalhador tenha “acedido por largos períodos temporais a conteúdos, via internet”; do mesmo modo que não especificou quais foram esses conteúdos, de forma a que o tribunal possa concluir, como ela fez, que os mesmos não têm “qualquer relação com a actividade laboral”.
Logo, também aqui se encontra a nota de culpa indevidamente circunstanciada em termos de tempo e de modo.
Ou seja, em todos estes casos - que correspondem à totalidade dos comportamentos ilícitos imputados ao Trabalhador - é manifesto e gritante que a Empregadora não cuidou de circunstanciar devidamente os factos, ao arrepio do disposto no artigo 353º nº 1 do Código do Trabalho.
Assim sendo, e em conformidade com aquilo que comecei por deixar expresso supra, é meu entendimento firme que o procedimento disciplinar é nulo, o que acarreta necessariamente a ilicitude de despedimento, por força do disposto no artigo 382º nº 2 alínea do Código do Trabalho.
Em consequência, nada obsta a que o tribunal decrete desde já tal ilicitude (sem prejuízo de o processo prosseguir os seus termos para apreciação da reconvenção deduzida pela Trabalhadora).
[..]».
Alega a recorrente que a nota de culpa está devidamente circunstanciada, em termos de tempo, modo e lugar, sendo, consequentemente, válido o procedimento, em observância do disposto no n.º 2 do art.º 382 do C.T. Mais refere, que da defesa apresentada pelo A., decorre que o mesmo compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados, pelo que sempre se teriam por sanadas eventuais deficiências, bem assim que o trabalhador deverá proceder de boa-fé na resposta à nota de culpa, não reservando argumentos ou “trunfos” para momento posterior, nem procurando obstáculos formais ou expedientes dilatórios sem qualquer intuito de contribuir para a apreciação sobre a existência da justa causa, sob pena de agir em abuso do direito de defesa, o que se verifica in casu.
II.3.1 Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho um dos princípios que norteia o poder disciplinar, na sua vertente sancionatória, é o princípio da processualidade. “De acordo com este princípio, a aplicação de qualquer sanção disciplinar deve ser precedida de um processo destinado a averiguar a gravidade da infracção e o grau de culpa do trabalhador e a decidir a sanção a aplicar”. Prevê a nossa lei dois tipos de processo: o processo comum, para aplicação das sanções conservatórias, menos formal e menos moroso, regulado no art.º 329.º; e o processo disciplinar para aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, este mais formal e moroso, porque mais exigente do ponto de vista dos requisitos de qualificação da infracção disciplinar, oferecendo mais garantias de defesa ao trabalhador, regulado nos art.ºs 353.º e sgts. Estas garantias “evidenciam-se na necessidade de emissão de uma nota de culpa, na exigência de forma escrita e de comunicação das várias fases do processo às estruturas sindicais e à comissão de trabalhadores, e na necessidade de fundamentação escrita da decisão de despedimento” [Direito do trabalho, Parte II, 3.º Edição, Almedina, Coimbra, pp. 731/732].
Sobre a nota de culpa, rege o artigo 353º, cujo n.º1 dispõe o seguinte:
[1] “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
A exigência legal da “descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador visa permitir-lhe o conhecimento em concreto desses factos, de modo a que este possa defender-se adequadamente, isto é, de modo a que possa exercer na sua plenitude o direito do contraditório.
Justamente por isso, a falta de observância dessa imposição legal importa consequências severas, mais precisamente, o despedimento é ilícito, sendo a ilicitude fundada na invalidade do processo disciplinar. Assim decorre do art.º 382.º do CT, onde se dispõe o seguinte:
«[1] O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329º, ou se o respectivo procedimento for inválido.
[2] O procedimento é inválido se:
[a] Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
(..)».
Nas palavras de Pedro Furtado Martins, a exigência de uma «descrição circunstanciada dos factos» de cuja prática o trabalhador é acusado, significa “(..) que não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram”, para mais adiante concluir “Trata-se de uma exigência de óbvia justificação: o trabalhador só tem possibilidade de se defender perante acusações concretas e minimamente identificadas” [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Princípia, Cascais, 2012, pp. 211].
No entanto, como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, caso o trabalhador tenha entendido suficientemente aquilo que lhe é imputado e não tiver sido prejudicado nos seus direitos de defesa, a falta de descrição circunstanciada dos factos não significa imediatamente a invalidade do procedimento disciplinar. Por outras palavras, se o trabalhador tiver respondido à nota de culpa sem manifestar qualquer desconhecimento ou incompreensão quanto à imputação que lhe é feita, não se verifica a falta de fundamentação da nota de culpa, já que não lhe foi impedido o exercício do contraditório.
Nesse sentido, Pedro Furtado Martins, citando jurisprudência a propósito, escreve que «A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação. Assim, pode suceder que, apesar de a nota de culpa não indicar claramente qual a ordem que o trabalhador é acusado de ter desrespeitado, este demonstre na sua defesa ter perfeita consciência do ato de desobediência que lhe é imputado» [Op. cit., pp. 212].

Na jurisprudência, ilustram os entendimentos acima afirmados, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se passam a indicar:
i) de 27-02-2008 [Processo n.º 07S3523, Conselheiro Vasques Dinis, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj], lendo-se o no respectivo sumário:
I- Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa – artigo 441.º do Código do Trabalho.
II – Se a resposta à nota de culpa revelar que o arguido compreendeu a acusação e exercitou o seu direito de defesa, mostrando pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar e opondo argumentos idóneos a contrariar a inculpação, a finalidade da referida exigência legal apresenta-se cumprida e a nota de culpa não enferma do vício de insuficiência que, a existir, determinaria a invalidade do processo disciplinar
ii) de 14-11-2018 [proc.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardos, disponível em www.dgsi.pt], sintetizando-se no sumário:
I - A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.
E, referindo-se na respectiva fundamentação, para além do mais, o seguinte:
«[..]
Tem este Supremo Tribunal entendido que “[a] nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador” ([5]). “Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa” ([6]).
[..]
Contudo, importa não sobrevalorizar esta exigência, sob pena de a mesma se poder tornar inultrapassável, a ponto de ser mais difícil elaborar uma nota de culpa do que deduzir uma a acusação em processo penal.
A razão que fundamenta as exigências quanto ao conteúdo da nota de culpa justifica igualmente que as deficiências da nota de culpa se tenham por sanadas sempre que o trabalhador demonstre ter compreendido a acusação. (…) Prevalece o que Monteiro Fernandes designa por “critério de adequação formal” da nota de culpa.

Decidiu esta secção no acórdão referenciado na nota 5: “Se a resposta à nota de culpa revelar que o arguido compreendeu a acusação e exercitou o seu direito de defesa, mostrando pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar e opondo argumentos idóneos a contrariar a inculpação, a finalidade da referida exigência legal apresenta-se cumprida e a nota de culpa não enferma do vício de insuficiência que, a existir, determinaria a invalidade do processo disciplinar”.
[..]».
II.3.2 Como se retira da fundamentação da sentença acima transcrita, o Tribunal a quo apreciou e decidiu a questão sob recurso afirmando posição conforme com os entendimentos que acabámos de enunciar.
A questão que se coloca para apreciação passa, pois, por saber se o Tribunal a quo fez uma correcta aplicação dos mesmos aos factos.
Diremos, desde já, por não suscitar qualquer dúvida, que concordamos com o decidido, acompanhando-se em toda a extensão os juízos críticos feitos pelo Tribunal a quo a propósito do conteúdo da nota de culpa.
No essencial, como bem enunciou o Tribunal a quo, a recorrente empregadora imputou ao trabalhador a prática de três tipos de condutas, nomeadamente:
- De “pelo menos nos últimos seis meses, [..] não alcança[r] nenhum dos objectivos que lhe são propostos” (artigos 3.º a 8.º );-
- De “desrespeito pela arguente” e incumprimento de “diversas ordens que lhe são determinadas no sentido de alcançar os objectivos fixados (artigos 9º, 10º e 13º);
- De comportamentos incorrectos durante o horário de trabalho, designadamente, “é visto a aceder por largos períodos temporais a conteúdos, via internet, sem qualquer relação com a actividade laboral, (e assim sem qualquer produtividade efectiva).E sem autorização da arguente, (artigos 11º e 12º).
Não tem a recorrente qualquer razão ao pretender defender que a nota de culpa “está devidamente circunstanciada, em termos de tempo, modo e lugar”, numa afirmação meramente conclusiva e opinativa.
Com o devido respeito, é por demais evidente que ocorre justamente o contrário. A recorrente limitou-se a fazer imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a mínima narrativa com o propósito de concretizar em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias.
Por conseguinte, as afirmações conclusivas que depois constam dos artigos 18.º e 19.º da nota de culpa quando não têm qualquer sustento factual, nomeadamente, as seguintes:
[18.º] As atitudes, e comportamentos correspondentes aos factos objectivamente imputados ao arguida são manifestamente censuráveis, abalando de forma absoluta o respeito, a confiança, a lealdade e urbanidade, que são sustentáculo nas relações entre entidade patronal e o trabalhador, arguido.
[19] O comportamento, do arguido viola os seus deveres profissionais de lealdade e respeito, com que se deve pautar a sua conduta, com manifesto desprezo e falta de respeito para com colegas, a entidade patronal e superiores pondo em causa a autoridade e honorabilidade destes e ferindo as regras de respeito e disciplina que, dentro de uma empresa, devem reger o comportamento dos trabalhadores em relação aos seus superiores hierárquicos, bem como violação dos deveres de zelo, diligência no trabalho e execução das respetivas tarefas tendentes a produtividade da arguente, consagrados nas alíneas a), c), e), e h.) do art. 128° do Código do Trabalha, constituindo justa causa para aplicação da sanção de despedimento, prevista, nomeadamente, no art. 351.º n.º 1 e nas alíneas a), b), d) e m) do nº.2 do predito dispositivo legal.
Em consequência, como bem entendeu o Tribunal a quo é forçoso concluir que a nota de culpa não cumpre a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao autor.
Procurando contornar essa realidade objectiva, vem a recorrente dizer que da defesa apresentada pelo A., decorre que o mesmo compreendeu perfeitamente os factos que lhe eram imputados, pelo que sempre se teriam por sanadas eventuais deficiências.
Sempre com o devido respeito, a afirmação é de todo infundada e insustentável. Para que assim fosse, era necessário que da defesa do autor resultassem perceptíveis quais os eventuais factos concretos que este teria percebido serem-lhe imputados e relativamente aos quais se estaria a defender. E, nesse caso, então teria a recorrente uma base para os passar a enunciar, designadamente, invocando-os aqui no recurso.
Ora, tal não acontece e a razão é óbvia: o autor arguiu a invalidade do procedimento disciplinar e, para o caso de não ser declarada, limitou-se a impugnar genericamente os artigos da nota de culpa transcritos no articulado motivador do despedimento, dizendo que [art.º 44.º] “São falsos os artigos nºs 5 a 19” e que [art.º 45.º] “São opinativos, conclusivos ou matéria de direito, os artigos nºs 20 a 24”.
Por último, defende a recorrente que o trabalhador deverá proceder de boa-fé na resposta à nota de culpa, não reservando argumentos ou “trunfos” para momento posterior, nem procurando obstáculos formais ou expedientes dilatórios, sob pena de agir em abuso do direito de defesa, o que se verifica in casu.
Pois bem, mais uma vez sem qualquer razão. A aceitar-se a posição da recorrente, no caso concreto tal equivaleria a inverter os ónus que recai sobre cada uma das partes, ou seja, passaria a recair sobre o autor o dever de se substituir à entidade empregadora, num autêntico processo de adivinhação sobre eventuais factos que aquela tivesse em mira imputar-lhe, mas que não o fez.
De resto, pese embora o Tribunal a quo lhe tenha feito referência na sua fundamentação, a recorrente esquece outro aspecto que sempre teria que ser equacionado a jusante, em concreto, que na decisão de despedimento “não pod[em] ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade” e “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” [art.ºs 357.º n.º4 e 387.º n.º3 do CT].
Concluindo, inexistindo qualquer fundamento válido, não se reconhece razão à recorrente e, logo, quanto a este ponto improcede o recurso.
II.3.3 Para a hipótese de se confirmar a ilicitude do despedimento, vem a recorrente insurgir-se quanto ao valor da indemnização fixada pelo Tribunal a quo, dizendo que “(..) é manifestamente excessivo, considerando que o caso em apreço, está no topo inferior da escala de gravidade na ordem considerada pelo art.º 381º.do CT”.
Na fixação do valor da indemnização em substituição da reintegração, o Tribunal quo pronunciou-se como segue:
-«3.3 - Em consequência do que fica dito, e ao abrigo do disposto nos artigos 389º nº 1 alínea b) e 391º do Código do Trabalho, pode o Trabalhador optar pela reintegração ou pela indemnização prevista em substituição desta.
No caso presente, o Trabalhador formulou pedido expresso no sentido de pretender optar pela indemnização em substituição da reintegração.
Como tal, cumpre em primeiro lugar proceder à determinação do respectivo montante.
O supra mencionado artigo 391º nº 1 do Código do Trabalho permite ao trabalhador, em substituição da reintegração, optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar a mesma entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381º; indemnização essa que, contudo, não pode ser inferior a 3 meses de retribuição base e diuturnidades - nº 3 da norma citada.
Por outro lado, de acordo com o nº 2 dessa mesma norma, na fixação da indemnização deve o tribunal atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
No caso presente, ponderando todas estas circunstâncias e recorrendo a critérios de equidade, entendo que a indemnização em causa deverá ser calculada com base em 30 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade».
O art.º 391.º do CT, com a epígrafe “Indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador”, dispõe no seu n.º1, que “ Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º”. Mas dispõe ainda o n.º2, que “Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial”.
Por seu turno, o art.º 381.º “Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento”, estabelece o seguinte:
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres».
Em suma, como vem sendo entendimento da doutrina e jurisprudência, para a fixação judicial do valor da indemnização a norma manda atender a três factores: ao valor da retribuição auferida pelo trabalhador; ao grau de ilicitude com referência à ordenação estabelecida no art.º 381.º; ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Nesse sentido, no Acórdão do STJ de 11-04-2018 [proc.º 354/16.7T8PTM.E1.S1; Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], observa-se o seguinte:
-«[..]
Quanto ao valor da retribuição como refere João Leal Amado (Contrato de Trabalho, noções básicas, 2016, Almedina, pág. 363) “para um trabalhador que aufira uma remuneração elevada, o tribunal tenderá a graduar a indemnização em baixa, para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal tenderá a modulá-la em alta”.
No que diz respeito à ilicitude a lei remete para as situações enunciadas nas três alíneas do art.º 381.º, devendo ainda atender-se como refere Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2017, 8.ª edição, Almedina, pág. 1057) “ao grau de culpa do empregador, nomeadamente na apreciação do motivo justificativo invocado.”
Finalmente a lei manda ainda atender na fixação do valor da indemnização ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, o que leva Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª Edição, revista e atualizada, Principia, pág. 555) a afirmar “... a indemnização será menor ou maior consoante o tempo decorrido até ao termo da ação. E, na verdade, o valor final que o trabalhador tem direito a receber depende em grande medida do tempo que a ação levar a ser julgada, dada a condenação do empregador no pagamento dos salários intercalares. Esse valor é tendencialmente muito mais elevado do que o da indemnização substitutiva da reintegração. Neste quadro, é razoável que o montante desta indemnização seja tanto menor quanto maior for o dos salários intercalares”.».
Consta provado o seguinte:
a) O Trabalhador foi admitido ao serviço da Empregadora no dia 19 de Maio de 2015.
b) Em 2019 o Trabalhador auferia o vencimento base mensal de 600,00 € (..).
d) No dia 25 de Setembro de 2019 a Trabalhadora remeteu ao Trabalhador a decisão final de despedimento, que foi por este recebida no dia 26 de Setembro de 2019.
O valor da retribuição mínima mensal garantida, vulgo salário mínimo, foi fixado pelo Decreto-Lei n.º 117/2018, de 27 de dezembro, para entrar em vigor a 1 de Janeiro, no montante de € 600,00 (cfr. art.ºs 1, 2 e 4).
Portanto, à data do despedimento o autor auferia a retribuição mínima mensal garantida, o que vale por dizer que a retribuição é baixa.
Por outro lado, como refere a recorrente, é certo que na graduação do art.º 381.º, a ilicitude do despedimento decorrente da falta do respectivo procedimento, noção que abrange os casos de invalidade do despedimento, surge em penúltimo lugar, o que vale por dizer, atribuindo-lhe o legislador um grau de ilicitude próximo do médio, mas abaixo deste.
Finalmente, há que ponderar o tempo decorrido desde o despedimento – concretizado a 26 de Setembro de 2019 - até ao trânsito da sentença, com a sua repercussão no valor das retribuições intercalares. Contudo, note-se, no que concerne ao momento do trânsito em julgado da sentença, essa valoração deve reconduzir-se ao juízo se previsibilidade formulado pelo Tribunal a quo ao fixar a indemnização e não ao presente.
Ponderando todos esses factores e fazendo um balanceamento, afigura-se-nos que o valor fixado pelo Tribunal a quo como base para o cálculo da indemnização, ou seja, 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, o que se traduz num valor intermédio entre os limites mínimo de 15 dias e máximo de 45 dias fixados na lei, se mostra ajustado.
Contrariamente ao que parece sugerir a recorrente, o valor da indemnização em substituição da reintegração não é fixado atendendo apenas ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, nem tão pouco esse é o factor preponderante.
Concluindo, também quanto a este ponto improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos improcedentes, em consequência confirmando a decisão e a sentença recorrida.
Custas dos recursos a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 17 de Maio de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira