Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
200/10.5TYVNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: LISTA DE CREDORES
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP20180411200/10.5TYVNG-C.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º129, FLS.64-72)
Área Temática: .
Sumário: No caso de o administrador juntar uma primeira lista de credores para lá dos 15 dias concedidos pela lei o prazo para a impugnação dos interessados apenas se iniciará na data da respectiva junção e na hipótese dessa lista de credores ser substituída por uma outra, a pretexto da correcção de um lapso, impõe-se a concessão de prazo autónomo, a contar da respectiva apresentação, para a dedução de impugnações, sendo que, o entendimento de apenas conceder novo prazo de impugnação aos credores cujos créditos traduzem a alteração à lista anterior, porque mais diretamente afetado pela modificação, sem que os demais possam usar de idêntica prerrogativa, não pode ser aqui acolhido, porquanto, tal colidiria frontalmente com o principio da igualdade substancial das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.nº 200/10.5TYVNG-C
(Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1)
Síntese Conclusiva:
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório.
Por apenso aos autos de insolvência n.º 200/10.5TYVNG no qual, o pedido de insolvência foi apresentado pela sociedade comercial “B…, S.A.” e em que é insolvente a sociedade comercial “C…, Lda.”, veio o Sr. Administrador da Insolvência, a 14 de Julho de 2010, apresentar a lista dos credores reconhecidos, nos seguintes termos:
1. D… e E… – no montante de 155.433,62 euros, garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “AA” e “AV” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629;
2. “F…”:
- No montante de 541.198,33 euros, garantido por hipoteca voluntária constituída sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “I”, “J”, “Q”, “S”, “T”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AC”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS”, “AX”, “AV” e “AZ” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629;
- No montante de 955.210,57 euros, garantido por hipoteca voluntária constituída sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “T”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AC”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS”, “AX”, “AV” e “AZ” do mesmo prédio urbano;
3. “G…” – no montante de 10.278,05 euros, de natureza comum;
4. “H…, Lda.” – no montante de 3.246,12 euros, de natureza comum;
5. I… e J… – no montante de 214.484,00 euros, garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “I” e “AC” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629;
6. “K…, S.A.” – no montante de 390.690,28 euros, garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “J”, “T”, “V”, “Z”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS” e “AX” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629;
7. Instituto da Segurança Social, I.P. – no montante de 7.971,17 euros, de natureza comum, e no montante de 98,39 euros, de natureza subordinada;
8. L… e M… – no montante de 269.398,94 euros, garantido por direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629 [a referência à fracção autónoma designada pelas letras “AL” parece dever-se a lapso, uma vez que não foi apreendida a favor da massa insolvente].
A credora “F… – Sucursal em Portugal” não impugnou tal lista no prazo de 10 dias seguintes subsequentes à data daquela apresentação.
Por despacho proferido a 30 de Setembro de 2010, foi o Sr. Administrador da Insolvência notificado para informar e comprovar se tinha dado cumprimento ao disposto no art. 129º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. – ver fls 173 dos autos.
Na sequência de tal despacho, a 15-10-2010, o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos a fls 210 e ss uma outra lista de credores reconhecidos, denominada de “ substituição”,a qual, no essencial reproduza a anterior, adita um novo crédito, com o n.º 13, titulado pela sociedade comercial “N…, Lda.”, no valor de 13.922,68 euros, de natureza comum, e corrigiu o valor do crédito antes reconhecido a favor da sociedade comercial “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”), por ter existido um erro de registo, passando do montante de 390.690,28 euros para o montante de 408.190,28 euros, igualmente garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “J”, “T”, “V”, “Z”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS” e “AX” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079/20040629.
Foi cumprido o disposto no art. 129º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, relativamente à credora “N…, Lda
De seguida, após a rectificação da lista de credores reconhecidos, junta aos autos a 15 de Outubro de 2015, foram apresentadas a 26-10-2010 impugnações à lista de créditos reconhecidos por “F… – Sucursal em Portugal”, agora “Banco O…, S.A. – Sucursal em Portugal”, sendo que esta última veio impugnar os créditos reconhecidos a favor da sociedade comercial “P…, Lda.”, Q…, “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”), I… e J…, S…, L… e M… e D… e E….
Os créditos que foram impugnados pela impugnante Banco O…, S.A. – Sucursal em Portugal”, são apenas aqueles que foram reconhecidos pelo Sr Administrador na lista que foi apresentada anteriormente e que foi substituída.
Os credores impugnados responderam, pugnando pela improcedência da impugnação em causa.
Foi cumprido o disposto no art. 135º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Teve lugar a tentativa de conciliação a que se refere o art. 136º, n.º 1, do mesmo Código.
Dentro do prazo previsto no art. 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi reclamado o seguinte crédito, com sentença já proferida e transitada em julgado:
1. Pelo Ministério Público – no montante de 16.673,61 euros, relativo a custas.
Por sentença proferida a 30 de Setembro de 2010, transitada em julgado, a sociedade comercial “T…, Lda.” foi declarada habilitada para prosseguir a causa no lugar da cedente “K…, S.A.” (cfr. apenso B).
Por sentença proferida a 7 de Abril de 2014, transitada em julgado, U… e mulher, V…, foram declarados habilitados para prosseguirem a causa no lugar da cedente “T…, Lda.” relativamente a uma parte do crédito desta, identificada no apenso K.
Posteriormente, o tribunal recorrido, considerando que a verificação dos créditos e a sua graduação não depende da produção de qualquer outra prova que não constasse já do processo, proferiu no dia 29-05-2017 sentença que:
- julgou improcedente a impugnação apresentada por W… que não é credor no âmbito dos presentes autos ,
- julgou improcedente a impugnação apresentada pela credora “F… – Sucursal em Portugal”;
C) Considerou reconhecidos os créditos descriminados nos pontos I), II) e IV);
D) Graduou os créditos para serem pagos da seguinte forma:
• Pelo produto da venda do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, freguesia de …, com o número 2839/20020402:
1.º Os créditos comuns;
2.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
• Pelo produto da venda das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, J, Q, S, T, V, X, Z, AA, AE, AJ, AP, AQ, AS, AX, AZ, AC, AV, I e U do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, freguesia de …, com o número 3079/20040629:
- Fracções autónomas designadas pelas letras A, B e J:
1.º O crédito da credora “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”);
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”, no montante de 541.198,33 euros;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracções autónomas designadas pelas letras T, V, Z, AE, AJ, AP, AQ, AS e AX:
1.º O crédito da credora “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”);
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracções autónomas designadas pelas letras AA e AV:
1.º O crédito dos credores D… e E…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra I:
1.º O crédito dos credores I… e J…; Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1 Av. …, …. - … Vila Nova de Gaia Telef: ……… Fax: ……… Mail: vngaia.comercio@tribunais.org.pt Proc.Nº 200/10.5TYVNG-C
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”, no montante de 541.198,33 euros;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra AC:
1.º O crédito dos credores I… e J…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra Q:
1.º O crédito dos credores L… e M…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”, no montante de 541.198,33 euros;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra X:
1.º O crédito dos credores Q… e X…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra U:
1.º O crédito da credora “P…, Lda.”; 2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pela letra S:
1.º O crédito do credor S…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”, no montante de 541.198,33 euros;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”;
- Fracção autónoma designada pelas letras AZ:
1.º O crédito do credor S…;
2.º O crédito da credora “F… – Sucursal em Portugal”;
3.º Os créditos comuns;
4.º O crédito subordinado do “Instituto da Segurança Social, I.P.”.
Posteriormente, a 29-06-2017, a credora, ora reclamante pediu ao tribunal a rectificação da sentença na parte relativa ao crédito por si reclamado pedindo que o crédito respectivo seja rectificado para o valor de €1.376.408,91 por referencia a data de declaração de insolvência.
Inconformada com o segmento da sentença que julgou improcedente a respectiva impugnação de créditos a credora “F… – Sucursal em Portugal” interpôs no dia 4-07-2017 recurso e formulou as seguintes Conclusões:
1ª - Surgem as presentes alegações no âmbito da sentença de verificação e graduação de créditos de fls. que julgou extemporâneas as impugnações de créditos apresentadas pelo ora Recorrente contra os credores K…, SA, D… e E…, I… e J…, L… e M…, Q… e X…, P…, Lda. e S… e, em consequência, reconheceu os créditos por estes reclamados, graduando-os para efeitos de pagamento, com referência a cada uma das frações envolvidas, com prioridade em relação aos créditos por si detidos, garantidos por hipoteca, e com a qual o Recorrente não se pode conformar, serve o presente recurso para submeter o presente pleito a reapreciação e reanálise de V. Exas. para decisão em última instância.
2ª - A C… foi declarada insolvente por sentença proferida em 26.04.2010, sendo o respectivo anúncio publicado no portal citius em 27 de abril de 2010, sendo a referida sentença notificada, via postal registada, aos cinco maiores credores, onde se inclui o ora Recorrente, em 18.05.2010 que as receberam;
3ª - O Recorrente apresentou a sua reclamação de créditos, em 07.06.2010, no valor total de 1.496.408,90€, sendo que o crédito de 541.198,33€, se encontra garantido por hipotecas, em 1º grau, constituídas sobre 21 frações autónomas do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Paredes, freguesia de …, sob o número 3079 – A, B, I, J, Q, S, T, U, V, X, Z, AA, AC, AE, AJ, AP, AQ, AS, AX, AV e AZ – e o crédito de 955.210,57€ estava também ele garantido por hipotecas, em 2º grau, constituídas sobre 15 frações autónomas do mesmo prédio urbano – T, U, V, X, Z, AA, AC, AE, AJ, AP, AQ, AS, AX, AV e AZ, realizando-se a Assembleia de Credores no dia 14.06.2010, aí se determinando a liquidação do ativo composto, entre outros, pelos imóveis identificados no artigo antecedente;
4ª - A Comissão de Credores foi nomeada pelo douto Tribunal na Assembleia de Credores, assumindo o Recorrente a presidência e a lista da relação de créditos reconhecidos foi apresentada nos autos, pelo Sr. Administrador de Insolvência, em 14 de julho de 2010, após notificação do Tribunal, datada de 08.07.2010 para o efeito, e era composta por doze créditos reconhecidos, aí se identificando o nome de cada credor, natureza do crédito, montante de capital e juros, garantias reais e taxa de juros moratórios
aplicável;
5ª - O Sr. Administrador de Insolvência não deu conhecimento da junção aos autos da relação de créditos prevista no 129º do CIRE, nem de tal facto notificou o Recorrente e/ou a Comissão de Credores, juntando aos autos, em 15 de outubro de 2010, nova lista de credores reconhecidos, de substituição, a qual é composta por treze créditos, nela incluindo um novo credor (N…) e modificando o valor do crédito reconhecido à K….
6ª - Na carta que a acompanha a junção da nova lista o Sr. Administrador de Insolvência refere o seguinte:
«1. A relação de créditos a que alude o artigo 129º do CIRE, junto aos autos não contempla os credores não reclamantes.
2. Os elementos da contabilidade apreendidos pelo signatário não estão actualizados relativamente ao processamento dos respectivos documentos e para dar cumprimento ao n.º4 do artº 129.º do C.I.R.E. procedeu-se a uma análise direcionada para o efeito.
3. Tal procedimento foi desenvolvido por técnico oficial de contas que concluiu existir um credor da sociedade que não reclamou créditos e a quem foi atribuído o n.º 13.
4. Trata-se da empresa N…, Lda. com um crédito de 13.922,68€.
5. Por sua vez, constatou-se um erro de registo do montante do crédito da K… na lista junta aos autos, agora corrigido, passando a figurar como um crédito de €408.190,28 como consta da petição inicial.
6. Neste contexto remetem-se os seguintes documentos: Relação de Créditos Reconhecidos, de substituição (…)»
7ª - O Sr. Administrador de Insolvência enviou, por email, a referida lista de credores à Comissão de Credores, em 15.10.2010, impugnando o Recorrente, em 26 de outubro de 2010, os créditos reclamados pelos credores K…, SA, D… e E…, I… e J…, L… e M…, Q… e X…, P…., Lda. e S…, reconhecidos como créditos privilegiados por alegada existência de direito de retenção sobre as frações que lhe foram dadas de hipoteca pela insolvente;
8ª – Na sequência do despacho proferido em 08.11.2010, ordenando a notificação das impugnações de créditos aos credores impugnados, foram apresentadas as respetivas respostas e o processo prosseguiu os seus trâmites, determinando o Tribunal, por despacho datado de 28.09.2011, a realização da tentativa de conciliação prevista no artigo 136º do CIRE, que teve lugar em 27.10.2011 e que se frustrou, uma vez que os credores mantiveram as posições assumidas, determinando o Tribunal a prossecução dos autos;
9ª - Por despacho de 10.03.2017, o Tribunal ordena a notificação do Recorrente para juntar aos autos comprovativo de notificação realizada pelo Sr. Administrador de Insolvência nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 129º CIRE, afirmando que não foi apresentada qualquer impugnação relativamente à lista de credores reconhecidos apresentada a 14 de julho de 2010 e que se afigura ao Tribunal que tal direito não poderá ser exercido relativamente à lista de credores reconhecidos apresentada em 15 de Outubro de 2010 por se tratar de uma lista retificada, juntando o Recorrente, a comunicação do Sr. Administrador de Insolvência, dessa mesma data;
10ª E em 19 de junho de 2017, o Recorrente é notificado da douta sentença de verificação e graduação de créditos, que nesta sede se impugna, que julga extemporâneas as impugnações de créditos deduzidas pelo Recorrente e gradua os créditos impugnados à frente do seu crédito.
11ª - Tendo em consideração a factualidade supra referenciada, o douto Tribunal a quo considerou intempestivas as impugnações de créditos apresentadas, decisão que o Recorrente rejeita veemente por entender que, de acordo com as regras processuais vigentes, o ato poderia ser praticado, submetendo - se, assim, à reapreciação e reanálise de V. Exas. a questão de saber se tais impugnações, apresentadas pelo Recorrente no dia 26 de outubro de 2010, devem ser consideradas tempestivas e, consequentemente, atendidas no apenso de reclamação de créditos.
12ª - A matéria da apresentação e impugnação da lista de credores reconhecidos que aqui se convoca encontra o seu regime legal nos artigos 129º e 130º do CIRE, dispondo o n.º 1 o artigo 129º que «Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador de insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos de contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento
13ª – Lendo-se no n.º 1 do artigo 130º que «Nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo fixado no n.º1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos
14ª - Da análise dos citados preceitos legais, decorre uma articulação evidente entre o prazo previsto para a apresentação da lista de créditos reconhecidos pelo administrador e o prazo determinado para qualquer interessado, onde se incluem obviamente todos os credores da insolvente, poder impugnar os créditos aí reconhecidos, tratando-se de uma relação de estrita dependência, de tal forma que a não apresentação da lista de créditos reconhecidos invalida tout court o exercício da faculdade impugnatória.
15ª – Sendo que a questão vertente não se consubstancia num mero preciosismo, mas é verdadeiramente essencial à aplicação do regime instituído, porquanto, reconduz-se à possibilidade de um qualquer interessado provocar o controlo e fiscalização judicial sobre a relação de créditos elaborada pelo administrador de insolvência, que tem necessariamente subjacente uma decisão sobre diversas temáticas de direito substantivo, sendo fundamental para apurar o início e termo do prazo de impugnação que o administrador de insolvência cumpra o prazo estabelecido na lei para a apresentação da lista de créditos por si reconhecidos.
16ª - Atenta a sequência de prazos estabelecida nos artigos 129º, n.º 1 e 130º, n.º 1 do CIRE, o Recorrente no dia imediatamente subsequente ao termo do prazo de apresentação da lista definitiva de créditos reconhecidos consultou, presencialmente, os autos, verificando que a mesma ainda não se encontrava junta, sendo que a mesma apenas veio a ser apresentada em 14 de julho de 2010, no seguimento da notificação do despacho datado de 08.07.2010 ao Sr. Administrador de Insolvência, que ordena a sua junção no prazo de 10 dias.
17ª - Não desconhece o Recorrente o ónus que sobre os interessados impende de fiscalizar e controlar a marcha do processo e sequência de prazos legalmente estabelecida, designadamente, o momento de apresentação da relação de créditos junto da secretaria, por não lhes ser aquela, em condições normais, notificada, encontrando a dispensa de notificação pessoal da referida lista aos interessados a sua justificação na natureza urgente do processo de insolvência e na economia de tempo que acarreta face ao normal regime de notificação de todos os trâmites processuais.
18ª - Contudo o legislador, mesmo nesta situação, não deixou de acautelar, como constitucionalmente exigido, o exercício do contraditório mediante a definição de prazos precisos para o exercício do direito de impugnação, não se aceitando que tal dever de diligência e acompanhamento do processo se imponha sem mais e a todo o custo aos interessados, que sejam estes a ter de arcar com a onerosidade da falta de cumprimento dos deveres e prazos por parte de outros agentes judiciários, no caso em concreto, o Sr. Administrador de Insolvência.
19ª - Na verdade, a norma que impõe aos interessados o dever de diligência e atenção na consulta dos autos, assume como ponto de partida igual dever de diligência e atenção no cumprimento das obrigações por parte de todos os outros intervenientes processuais e a partir do momento em que esta cadeia de atos é quebrada, por violação do dever de zelo e diligência de um dos intervenientes processuais, e ainda que não haja uma cominação direta para tal atuação, anula-se necessariamente a ratio inerente ao ónus imposto aos demais, no caso em concreto, a não notificação da lista definitiva de créditos reconhecidos aos interessados.
20ª – Não podendo seguramente legitimar-se a interpretação daquele preceito legal no sentido de a atuação de um determinado interveniente processual, que porventura até é fundamental à normal tramitação dos autos, transferir exclusivamente para os outros um ónus ainda mais gravoso que o inicialmente estabelecido na lei: uma obrigação acrescida de controlo do processo e dos atos nele praticados por tempo indeterminado e com os inerentes aumentos de custos e perdas de tempo.
21ª - Tal traduzir-se-ia num verdadeiro desequilíbrio das posições dos intervenientes processuais, num processo que se quer, ou melhor se impõe, respeitador do princípio da igualdade de tratamento, formal e substantiva, sendo de notar que, assumindo-se a referida interpretação, nem sequer a consulta diária do portal citius seria eficaz para cumprir o ónus “extra” que lhe incumbiria, pois, por se tratar de um processo de insolvência, os atos dos administradores não são praticados naquela plataforma, nem o acesso às peças processuais por este praticados estão digitalizados ou disponíveis para consulta.
22ª - Acresce que, também os princípios da proporcionalidade e do direito a um processo equitativo (artigo 20º, n.º 4 da CRP) sairiam beliscados com este entendimento, pois, não pode deixar de considerar-se excessiva e desapropriada uma exigência de vastíssima abrangência como a que se aprecie nesta sede e cuja constituição acrescida resulta não do ato do credor mas de outro interveniente.
23ª - Impunha-se, pois, que o Sr. Administrador da Insolvência, simultaneamente com a junção aos autos da lista de credores prevista no artigo 129º do CIRE cumprisse a notificação da mesma a todos os credores nela inscritos, na medida em que o incumprimento do prazo previsto naquele preceito legal prejudica o regime legal dos prazos sucessivos previsto pelos artigos 128º e seguintes (o prazo seguinte inicia no dia imediatamente seguinte ao termo do prazo que o precede, sem intermediação de notificações aos interessados).
24ª - O principio do direito a um processo equitativo, de que constituem subprincípios o direito de defesa e o direito ao contraditório, é fundamental num Estado de Direito e consagra «a possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de fato e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio.» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 434/2011), sendo que o não cumprimento do prazo previsto no 129º, n.º 1 e, consequentemente, o incumprimento do prazo do 130º, n.º1 do CIRE constitui uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 201º do CPC, por preterição de um prazo legal que a lei prescreve e, daí decorrente, a preclusão de um direito e prazo que a lei igualmente prescreve, que influi diretamente no exame e decisão da causa.
25ª – Da mesma forma que a não notificação da relação de créditos reconhecidos aos credores Reconhecidos, consubstancia, em última análise, a preterição de uma formalidade essencial, apta a influir de modo determinante no exercício do contraditório e, assim, na defesa dos interesses das partes e, finalmente, no exame/decisão da causa, tanto mais grave se considerarmos os efeitos (relativamente) cominatórios legalmente estabelecidos para a ausência de impugnação à lista de credores e para a ausência de resposta à impugnação.
26ª - Deveria, pois, o Sr. Administrador de Insolvência, porque incumpriu o prazo estipulado no artigo 129º, n.º1 do CIRE para apresentação da relação definitiva de créditos, ter notificado todos os interessados, ou pelo menos os credores relacionados, e se é certo que o Sr. Administrador de Insolvência não comunicou ao Recorrente a lista de créditos reconhecidos disponibilizada nos autos em 14.07.2010, não é menos certo que tal nulidade (preterição de prazo que a lei prescreve e preclusão do direito de impugnação) ficou suprida com a notificação da junção da lista de créditos de substituição, em 15.10.2010, que constitui a primeira notificação ao Recorrente realizada após o termo do prazo para apresentação da lista do 129º, n.º 1 do CIRE.
27ª - Sanando-se a nulidade com a prática deste ato, dúvidas não tem o Recorrente de que a contagem do prazo para impugnação dos créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência se inicia a partir da notificação da lista de créditos de substituição, consumada em 15.10.2010, e considerando que os sete requerimentos de impugnações de créditos apresentadas pelo Recorrente deram entrada nos autos em 26 de outubro de 2010 e que o prazo de 10 dias, atenta a norma legal em vigor, apenas se iniciou no dia 18 de outubro de 2010, dúvidas não há, no entendimento do Recorrente, da tempestividade da sua apresentação.
28ª - De notar ainda que o douto Tribunal por despacho de 08.11.2010, ordenou a notificação aos credores impugnados das impugnações de créditos deduzidas para o exercício do contraditório, quando nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 131º do CIRE tal prazo de 10 dias correria subsequentemente ao prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 130º e, por conseguinte, sem necessidade de qualquer notificação.
29ª - Ora, admitir a extemporaneidade das impugnações de créditos deduzidas porque a contagem do prazo para o efeito se iniciaria no dia imediatamente posterior à junção aos autos da lista de créditos definitiva por parte do Sr. Administrador de Insolvência e permitir a resposta por parte dos credores impugnados, no prazo de 10 dias, contados da notificação realizada pelo douto Tribunal, quando tal não está legalmente previsto, consubstanciaria um tratamento desigual das partes quando sujeitas aos mesmos ónus e uma violação de um princípio constitucional, o que configura igualmente uma nulidade processual.
30ª – Na verdade, todo o desenrolar subsequente do processo, reforçou no Credor Impugnante e aqui Recorrente a convicção que a nulidade supra referida estava sanada e que as impugnações por si deduzidas eram tempestivas, vindo o douto tribunal a quo, na sentença objeto de recurso, no que se considera um verdadeiro volte face, e fazendo tábua rasa do processado, considerar que as impugnações deduzidas não eram efetivamente tempestivas, o que implica que o Recorrente tenha agora que arguir, para o caso daquela tese vingar, a nulidade por falta de notificação da lista do artigo 129º.
31ª - É que os despachos proferidos em 08.11.2010 e 28.09.2011 e a própria realização da tentativa de conciliação legitimam a arguição da referida nulidade nesta sede porque de forma implícita adotam uma posição contrária à que se impugna, uma vez que por despacho proferido em 08.11.2010, o douto Tribunal ordenou a notificação dos credores e do Sr. Administrador de Insolvência para, querendo,responderem às impugnações deduzias pelo Recorrente, sob pena de as mesmas serem julgadas procedentes, seguindo-se, em 03.10.2011, o despacho que ordena a notificação das partes para a realização de uma tentativa de conciliação no dia 27.10.2011, a qual tinha como único objeto as impugnações deduzidas pelo Recorrente e se destinava ao reconhecimento dos créditos que merecessem a aprovação de todos os presentes.
32ª - Considerando que a extemporaneidade da prática de um ato processual obsta ao seu conhecimento e que o ordenamento jurídico português repudia a prática de atos inúteis, não se vislumbra outro sentido para as referidas decisões judiciais que não seja o da admissão das impugnações de créditos deduzidas.
33ª – Acresce que, não tendo o douto Tribunal proferido decisão de indeferimento liminar, mas outra na qual se ordenou o prosseguimento do processo com a notificação dos credores impugnados para responder, querendo, às impugnações e se deu seguimento à tramitação processual subsequente ao realizar a tentativa de conciliação, não pode o tribunal a quo proferir sentença que na prática se traduz numa decisão inversa, em momento extemporâneo.
34ª - Sendo a falta de notificação da junção da lista de créditos definitiva obviamente prévia ao despacho que ordenou a notificação dos credores impugnados e a realização da tentativa de conciliação, testando estes inseridos na mesma cadeia de atos que conduzem à decisão tomada na douta sentença é, pois, em sede de recurso que tal nulidade deve ser suscitada.
35ª – Considera ainda o Recorrente inconstitucionais, por violação do direito a um processo equitativo, estabelecido no artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República, os n.ºs 1 e 4 do artigo 129º e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 130º do CIRE, na interpretação segundo a qual, em caso de incumprimento, pelo Administrador da Insolvência, do prazo estatuído no n.º 1 do art.º 129º do referido diploma, não deve a insolvente ser notificada aquando da junção, pelo mesmo Administrador, da listagem definitiva de credores reconhecidos.
36ª - Tanto mais que nos presentes autos foram os credores impugnados notificados pelo Tribunal das impugnações deduzidas para, querendo, responder e o Recorrente não teve direito a idêntico tratamento quando se encontrava em situação análoga.
37ª - A violação do princípio da igualdade das partes constitui uma nulidade suscetível de influir no exame da causa, porquanto o Recorrente tendo sido notificado pelo Tribunal da apresentação da lista de créditos definitiva não se veria seguramente confrontado com a questão da extemporaneidade objeto do presente recurso, por ser certo e seguro o momento em que o prazo de impugnação começaria a correr, razão porque, desde já, se argui a referida nulidade, com as legais consequências de anulação do processado posterior à apresentação da lista de créditos definitiva por parte do Administrador de Insolvência e notificação do Recorrente da sua junção aos autos.
38ª - Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, a verdade é que entende o Recorrente que mesmo assim, as circunstâncias do caso concreto cuja análise se submete a V.Exas. impunham uma decisão contrária à implícita na douta sentença de verificação e graduação de créditos já que o douto Tribunal a quo considera que não tendo a lista de 14 de julho de 2010 sido objeto de impugnação por parte do Recorrente, não poderia o referido direito ser exercido na sequência da apresentação da lista de 15 de outubro de 2010, por esta se tratar de uma retificação da primeira.
39ª - Salvo o devido respeito, a lista de créditos reconhecidos disponibilizada pelo Sr. Administrador de Insolvência, em 15 de outubro de 2010 não pode ser qualificada como lista retificada, devendo ao invés ser qualificada como uma lista de substituição, como aliás bem refere o Sr. Administrador de Insolvência no requerimento que acompanha a sua junção.
40ª - Segundo as definições constantes do dicionário português da Priberam, retificar significa «fazer uma correção; corrigir; emendar» e, por sua vez, substituir significa «pôr uma pessoa ou coisa em lugar de outra; mudar; estar em vez de outra coisa» e, no caso que nos ocupa, entende o Tribunal que existe apenas uma retificação da lista porque os créditos constantes da primitiva lista definitiva de credores não foram objeto de alteração, com exceção da alteração do montante do crédito reconhecido à credora K…, SA, que passou de 390.690,28€ para 408.190,28€, igualmente garantido por direito de retenção, e da inclusão de um novo crédito, titulado pela sociedade N…, Lda., no valor de 13.922,68€.
41ª - A verdade, porém, é que a lista primitiva não é coincidente com a lista alterada, o que nos parece fundamental para que a posição do Tribunal pudesse vingar, sendo que o Sr. Administrador ao enviar a lista definitiva remete-a com a inclusão de todos os credores, não se limitando aos novos credores/créditos considerados.
42ª - A correção de erros ou lapsos relevante, nos termos do Código Civil, restringe-se ao «erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita» e da análise da relação de créditos definitiva apresentada em 14 de julho de 2010, verifica-se de facto que o crédito da credora K… já era indicado, como credor privilegiado por invocação do direito de retenção, sendo o seu valor de 390.690,28€ e que este crédito, na lista de 15 de outubro foi alterado para 408.190,28€.
43ª - O aumento deste crédito não é, porém, inócuo no processo, devendo ser considerado uma alteração de fundo, porquanto, o reconhecimento do seu valor e natureza implica, por um lado, um aumento da dimensão do crédito reconhecido como dotado de garantia real por via do direito de retenção alegado e, consequentemente, a diminuição do valor disponível para pagamento aos demais credores, designadamente, o credor hipotecário, graduado após o direito de retenção, não sendo o mesmo ter um crédito reconhecido no valor de 390.690,28€ ou um crédito reconhecido no valor de 408.190,28€, até porque daí decorrem consequências jurídico-substantivas distintas.
44ª - Da mesma forma que a inclusão de um novo crédito na lista do 129º, apresentada em 15 de outubro, não pode ser entendida como uma mera retificação, já ao mesmo não foi feita qualquer menção na lista apresentada em 14 de julho de 2010.
45ª - Em bom rigor, e se atendermos ao conteúdo do requerimento que acompanha a junção da segunda lista, constata-se que na situação em apreço não houve sequer qualquer erro ou engano, pois, a inclusão deste novo crédito resulta da conclusão da análise dos elementos contabilísticos da C… por parte de um técnico oficial de contas contratado para o efeito, trazendo-se ao processo, com esta segunda lista de créditos definitivos, elementos novos, que dele não constavam, e que consubstanciam alterações jurídico-substantivas.
46ª - Do que se trata aqui, como o próprio Administrador de Insolvência reconhece, é de uma substituição da lista definitiva de credores reconhecidos, ou seja, a troca de uma lista por outra, invalidando-se a primeira e dando a segunda como boa, sendo o elemento literal um dos fatores a considerar na interpretação da declaração, não sendo legítimo dela retirar outro sentido que não encontre o mínimo de correspondência no requerimento em causa.
47ª - Até porque o Sr. Administrador de Insolvência é um órgão da insolvência e os atos por si praticados no exercício das suas competências geram, obviamente, legitimas expetativas nos demais intervenientes processuais, onde se incluem os credores da insolvente, não podendo (nem devendo-se), decorridos 7 anos sobre a prática dos atos em causa, vir-se defender, sem mais, que afinal o que Sr. Administrador de Insolvência disse - «lista de substituição» - é outra coisa diferente e com implicações distintas.
48ª - Não é admissível que uma segunda lista de créditos reconhecidos, com consequências substantivas, não possa ser impugnada, da mesma forma que não se concebe que apenas um credor possa vir a gozar de tal faculdade, porque mais diretamente afetado pela modificação, sem que os demais possam usar de idêntica prerrogativa, porquanto, tal colidiria frontalmente com o principio da igualdade substancial das partes.
49ª - Concluindo-se, assim, que a apresentação da lista pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação» sendo, por conseguinte, tempestivos os requerimentos de impugnação dos créditos apresentados pelo Recorrente em 26 de outubro de 2010.
50ª - Por último, e quanto à impugnação do crédito da K… sempre se diga que, independentemente do valor em divida reconhecido na douta sentença proferido no processo n.º 2362/08.2TBGDM, nunca o direito de retenção posto em crise pelo Recorrente foi nela objeto de apreciação ou decisão, motivo pelo qual não se alcança o sentido da conclusão da douta sentença recorrida, quando configura a conduta da credora contraditória e subsumível no abuso de direito.
51ª - Violou, deste modo, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 201º, 205º, 265º e 265ºA do CPC vigente à data da prática dos factos e nos artigos 129º e 130º do CIRE, interpretados à luz do artigo 20º, n.º 4 da CRP e o artigo 334º do CC.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença em crise e substituindo-a por outra que admita as impugnações deduzidas, seguindo-se os demais termos ou, caso assim se não entenda sempre deverá ser atendida a nulidade invocada e, consequentemente anulado todo o processado após a junção aos autos da lista de créditos definitivos, seguindo-se os demais termos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

No dia 7-12-2017 o Sr Administrador da Insolvência, após ser notificado para o efeito, veio declarar que é de admitir a requerida rectificação.

Foram apresentadas respostas ao recurso pelo credor S…, T…, Lda.

Foram apresentadas contra-alegações por I… e mulher J….
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II-DELIMITAÇÃO DO RECURSO.
Porque o objeto do presente recurso está delimitado pela decisão recorrida e pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), o objecto deste recurso restringe-se apenas à questão de saber se a apresentação de outra lista de credores pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação»,
III- FUNDAMENTAÇÃO.
3.1- Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
3.2 – Do Mérito da Decisão Recorrida que julgou improcedente as impugnações de créditos apresentadas pela credora – recorrente “F… – Sucursal em Portugal” nos dias 26 de Outubro de 2010.
Desde já se assinala que o segmento da decisão que é objecto de recurso é o seguinte:
“Impugnação apresentada pela credora “F… – Sucursal em Portugal”, agora “Banco O…, S.A. – Sucursal em Portugal”.
É de considerar que:
a) O Sr. Administrador da Insolvência, a 14 de Julho de 2010, apresentou a lista dos credores reconhecidos;
b) A credora “F… – Sucursal em Portugal” não impugnou tal lista;
c) Por despacho proferido a 30 de Setembro de 2010, foi o Sr. Administrador da Insolvência notificado para informar e comprovar se tinha dado cumprimento ao disposto no art. 129º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
d) Na sequência de tal despacho, o Sr. Administrador da Insolvência, a 15 de Outubro de 2010, juntou aos autos uma rectificação à lista de credores reconhecidos, incluindo um novo crédito, com o n.º 13, titulado pela sociedade comercial “N…, Lda.”, no valor de 13.922,68 euros, de natureza comum, e corrigindo o valor do crédito antes reconhecido a favor da sociedade comercial “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”), passando do montante de 390.690,28 euros para o montante de 408.190,28 euros, igualmente garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “J”, “T”, “V”, “Z”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS” e “AX” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079;
e) A credora veio impugnar pugnar os créditos reconhecidos a favor da sociedade comercial “P…, Lda.”, Q…, “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”), I… e J…, S…, L… e M… e D… e E…. através de requerimentos apresentados em juízo entre 26 e 27 de Outubro de 2010.
Não resulta dos autos que a credora “F… – Sucursal em Portugal” tenha sido notificada nos termos do disposto no art. 129º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No que concerne a este último facto, temos que a credora não juntou aos autos o comprovativo da alegada notificação (cfr. requerimentos iniciais relativos às impugnações apresentadas). De facto, os documentos juntos com o requerimento de 20 de Abril de 2017 (cfr. fls. 791 a 795), nada dizem a tal respeito, tratando-se de uma comunicação entre um responsável da credora e o respectivo mandatário e de uma comunicação do Sr. Administrador da Insolvência fazendo alusão ao envio de “reclamação de créditos e embargos à insolvência”.
A questão que se coloca é a de saber se as impugnações da lista de credores reconhecidos apresentadas pela credora “F… – Sucursal em Portugal” são tempestivas e devem ser apreciadas.
Nos termos do disposto no art. 130º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos”.
Os credores avisados dispõem de um prazo, de 10 dias, a contar do 3º dia útil posterior ao da expedição da carta (art. 130º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Os que o não forem, de um prazo, também de 10 dias, com início após o termo fixado no art. 129º, n.º 1, para elaboração pelo administrador da insolvência da lista dos credores reconhecidos e da dos não reconhecidos. Para estes, a contagem do prazo terá início automaticamente, após o termo do antes concedido ao administrador da insolvência.
As listas apresentadas pelo administrador da insolvência não são notificadas aos credores reclamantes e inteiramente reconhecidos.
Se o administrador da insolvência não entrega as listas no prazo previsto no art. 129º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o prazo para a impugnação dos interessados apenas se inicia na data da respectiva junção.
No caso em apreço, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a lista dos credores reconhecidos a 14 de Julho de 2010, sendo certo que, na sequência do despacho proferido a 30 de Setembro de 2010, juntou aos autos, a 15 de Outubro de 2010, uma rectificação à lista de credores reconhecidos, incluindo um novo crédito, com o n.º 13, titulado pela sociedade comercial “N…, Lda.”, no valor de 13.922,68 euros, de natureza comum, e corrigindo o valor do crédito antes reconhecido a favor da sociedade comercial “K…, S.A.” (agora com a firma “B…, S.A.”), passando do montante de 390.690,28 euros para o montante de 408.190,28 euros, igualmente garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “J”, “T”, “V”, “Z”, “AE”, “AJ”, “AP”, “AQ”, “AS” e “AX” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes com o número 3079.
A lista apresentada a 14 de Julho de 2010 não foi objecto de impugnação por parte da credora.
Contudo, após a descrita rectificação, a credora impugnou a lista, nos termos referidos, o que foi objecto de resposta por parte dos credores impugnados.
Ora, não tendo a devedora impugnado os créditos em causa aquando da apresentação da lista de credores reconhecidos de 14 de Julho de 2010, não cremos que possa agora, na sequência da sua rectificação, impugnar tais créditos, sendo certo que aqueles créditos não foram objecto de alteração, com excepção da alteração do montante do crédito reconhecido à credora “K…, S.A.”.
Relativamente à credora “K…, S.A.”, cumpre, ainda, referir que, na acção intentada pela insolvente contra a credora “F… – Sucursal em Portugal”, que correu termos com o número 2362/08.2TBGDM, pelo extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, foi dado como provado, para além do mais, que:
“19. A autora celebrou com a firma “K…, S.A.” dois contratos de empreitada para a construção dos referidos blocos habitacionais (…);
20. A autora deve à firma “K…, S.A.”, pela prestação dos seus serviços, a quantia de €307.375,96 (…)”.
A conduta da credora não pode deixar de ser considerada contraditória, o que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
Concluímos, pois, que a impugnação deve ser julgada improcedente.”
Assim, importa em primeiro lugar, apreciar e decidir se a segunda lista de créditos apresentada pelo Sr Administrador da Insolvência no dia 15 de Outubro de 2010 constitui uma nova lista ou uma mera rectificação da lista apresentada no dia 14 de Julho de 2010.
E como antecedente lógico importa afirmar delimitar o conceito de “ rectificação”.
Conforme decorre do artigo 249º do C.Civil, a rectificação pode ter lugar no caso de existir um erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio texto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
A propósito do regime processual civil para a Retificação de erros materiais da sentença dispõe o «Artigo 614.º»-Retificação de erros materiais:
1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.»
Decorre da disciplina estabelecida neste artigo que a sentença pode ser corrigida por simples despacho, oficiosamente ou a requerimento das partes e que, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes do processo subir, podendo as partes alegar no tribunal superior o que entenderem relativamente à retificação.
A retificação, seja ela oficiosa ou a requerimento das partes, não tem deste modo, qualquer reflexo sobre o decurso do prazo de interposição do recurso, estando assegurado às partes o direito de se pronunciarem sobre a mesma no tribunal superior.
O regime da retificação de meros erros materiais da sentença, que resulta do dispositivo acima citado, incide sobre as desconformidades da decisão mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, no caso em que a sentença «omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto».
Trata-se de elementos complementares à decisão, que não incidem na sua substância e é isso que justifica que possam ser retificados nestes termos.
Assegurada como fica a possibilidade de as partes se pronunciarem sobre a retificação, em caso de recurso perante o tribunal superior, pode considerar-se que a retificação não colide com o direito ao recurso, ou com as outras manifestações do direito a um processo justo e equitativo, nomeadamente, o direito ao contraditório e à defesa que são invocadas pelas reclamantes.
Também por isso, tendo em conta as componentes da decisão sobre que incidem e a possibilidade do contraditório assegurado em sede de recurso, não há lugar à extensão do prazo de recurso.
Importa em segundo lugar, atentar que os presentes autos de verificação dos créditos constituem, sob o ponto de vista adjectivo, um apenso declarativo do processo de insolvência, cujo fim é declarar e graduar as obrigações do devedor insolvente.[1] Para tanto, devem os credores reclamar os seus créditos, no prazo estabelecido pela sentença declaratória da insolvência (artigo 36º, alínea j), do CIRE); o que devem fazer através de requerimento directamente endereçado ao administrador da insolvência (artigo 128º, nº 2, do CIRE). Trata-se de um procedimento algo informal, sob escopo de simplificação, celeridade e desjudicialização.[2]
Assim, cabe ao administrador da insolvência, e não ao tribunal, receber, apreciar e catalogar todo o acervo informativo pertinente; como ainda, e logo que expirado o prazo para reclamar, a proferir decisão reconhecendo ou não reconhecendo cada um dos créditos reclamados. É, como nota Salvador da Costa, verdadeiro julgamento por uma entidade administrativa, não obstante o litígio latente num quadro, em regra, de certa complexidade jurídica.[3]
É o seguinte, a este respeito, o normativo do artigo 129º, nº 1, do CIRE:
«Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ...» A decisão do administrador materializa-se nestas duas listas: em uma delas apõe os credores por si reconhecidos, na outra apõe aqueles por si não reconhecidos.
Ao administrador compete avisar, por carta registada, os credores não reconhecidos, os reconhecidos sem reclamação e aqueles que o foram diversamente do reclamado (artigo 129º, nº 4, do CIRE). Mas já aqueles credores que hajam reclamado e cujos créditos se achem reconhecidos, exactamente como tal na respectiva lista, de nada são notificados.[4]
E a propósito, acolhemos o entendimento sufragado no Ac. do STJ de 18-09-2007, no sentido de que “II) Na justa ponderação de interesses, que demanda o regime urgente do processo de insolvência, a estatuição do prazo de 10 dias - art. 130º, nº1, do CIRE - para impugnação da lista de credores, e a não notificação pessoal dessas listas, a que alude o seu art. 129º, nº1, não se mostram desnecessários, desadequados, irrazoáveis ou arbitrários, nem contendem com a extensão e o alcance do conteúdo do direito fundamental de acesso aos tribunais que se encontra consagrado no artigo 20° da Constituição, pelo que não são inconstitucionais”
O administrador da insolvência tem uma relevante tarefa no escrutínio dos créditos,que culmina como antes dissemos com uma real decisão, que não mera proposta, a respeito daqueles que devam ser aceites e, bem assim, dos que hajam de ser rejeitados. É o que podemos designar por momento administrativo na selecção dos créditos a graduar posteriormente, a cargo do administrador, e no âmbito da sua significativa competência no processo insolvencial.
Estabelece a lei que o prazo de 15 dias, de que o administrador dispõe, comece a correr logo que termine o prazo de apresentação dos requerimentos de reclamação pelos credores.[5]
Por isso é de grande importância a contagem deste prazo – ao menos em tese – na sua articulação com aquele outro que, estalececido no artigo 130º, nº 1, concede a qualquer interessado a faculdade de poder impugnar a lista dos credores reconhecidos, mas agora através de requerimento dirigido ao juiz, desencadeando o momento judicial para a selecção dos créditos.
Seja como for; segue-se uma fase de impugnação das listas.
Como refere o Ac. Relação de Lisboa citado:
“ Os credores avisados dispõem de um prazo, de 10 dias, a contar do 3º dia útil posterior ao da expedição da carta (artigo 130º, nº 2, do CIRE). Os que o não foram, de um prazo, também de 10 dias, com início após o termo fixado no artigo 129º, nº 1, para elaboração pelo administrador da lista dos credores reconhecidos e da dos não reconhecidos. O que parece significar, para estes, que a contagem do prazo terá então início automaticamente, após o termo do antes concedido ao administrador; e que não há, portanto, outra qualquer dependência, no desencadeamento dessa contagem, que não seja, e apenas, a do expirar deste outro e precedente prazo.
Em qualquer dos casos, tratar-se-á de prazos que correm continuamente, não se suspendem em férias judiciais (artigos 9º, nº 1, do CIRE, e 144º, nº 1, do CPC); e com a natureza de prazos peremptórios, com o gravoso efeito de o seu decurso extinguir o direito à prática do acto (artigo 145º, nº 3, do CPC).
Sendo, por outro lado, inequívoco – rememoramos – que as listas apresentadas pelo administrador não são notificadas aos credores, reclamantes e inteiramente reconhecidos.”
Este regime, que a natureza urgente do processo de insolvência justifica, impõe assim aos interessados um particular ónus no acompanhamento da marcha do processo; certo que só a sua especial diligência e atenção lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, os tempos próprios dos actos e, por conseguinte, situar nos momentos ajustados e tempestivos o exercício das faculdades processuais que lhes sejam concedidas.
***
Feitas estas considerações, e, revertendo ao caso dos autos, afigura-se-nos que a segunda lista de credores apresentada pelo Sr Administrador da Insolvência no dia 15 de Outubro de 2010 não traduz uma mera rectificação daquela lista de credores apresentada no dia 14 de Julho de 2010.
Efectivamente, a segunda lista apresentada repete aquela que foi apresentada no dia 14-07-2010, no que concerne aos créditos reclamados pelos seguintes reclamantes:
1. D… e E…
2. “F…”:
3. “G…” – no montante de 10.278,05 euros, de natureza comum;
4. “H…, Lda.” – no montante de 3.246,12 euros, de natureza comum;
5. I… e J…
6. “K…, S.A.” – no montante de 390.690,28 euros.
7. Instituto da Segurança Social, I.P. – no montante de 7.971,17 euros, de natureza comum, e no montante de 98,39 euros, de natureza subordinada;
8. L… e M…
E procede às seguintes alterações :
- aumento do valor do crédito da credora K… (agora com a firma “B…, S.A.”), passando do montante de 390.690,28 euros para o montante de 408.190,28 euros, igualmente garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “J”, “T”, “V”, “Z”, “AE”, “AJ”, “AP”.
- aditamento de um novo crédito com o n.º 13, titulado pela sociedade comercial “N…, Lda.”, no valor de 13.922,68 euros, de natureza comum.
Da análise da relação de créditos definitiva apresentada em 14 de julho de 2010 e daquela apresentada a 15 de Outubro de 2010 verificamos que o crédito da credora K…. já era indicado na primeira, como credor privilegiado por invocação do direito de retenção, sendo o seu valor de 390.690,28€ e que este crédito, na lista de 15 de outubro foi alterado para 408.190,28€.
Acresce que o aumento deste crédito não é, porém, inócuo no processo, devendo ser considerado uma alteração de fundo, porquanto, o reconhecimento do seu valor e natureza implica, por um lado, um aumento da dimensão do crédito reconhecido como dotado de garantia real por via do direito de retenção alegado e, consequentemente, a diminuição do valor disponível para pagamento aos demais credores, designadamente, o credor hipotecário, graduado após o direito de retenção, não sendo o mesmo ter um crédito reconhecido no valor de 390.690,28€ ou um crédito reconhecido no valor de 408.190,28€, até porque daí decorrem consequências jurídico-substantivas distintas.
Da mesma forma que a inclusão de um novo crédito na lista do artigo 129º do CIRE, apresentada em 15 de outubro, não pode ser entendida como uma mera retificação, porquanto, ao mesmo não foi feita qualquer menção na lista apresentada em 14 de julho de 2010.
De resto, se atendermos ao conteúdo do requerimento que acompanha a junção da segunda lista, constata-se que na situação em apreço não houve sequer qualquer erro ou engano, pois, a inclusão deste novo crédito resulta da conclusão da análise dos elementos contabilísticos da C… por parte de um técnico oficial de contas contratado para o efeito, trazendo-se ao processo, com esta segunda lista de créditos definitivos, elementos novos, que dele não constavam, e que consubstanciam alterações jurídico - substantivas.
Do que se trata aqui, como o próprio Administrador de Insolvência reconhece, é de uma substituição da lista definitiva de credores reconhecidos, ou seja, a troca de uma lista por outra, invalidando-se a primeira e dando a segunda como boa, sendo o elemento literal um dos fatores a considerar na interpretação da declaração, não sendo legítimo dela retirar outro sentido que não encontre o mínimo de correspondência no requerimento em causa, conforme resulta da análise do requerimento apresentado pelo Administrador de Insolvência de fls 210-211 o qual antecede a segunda lista de credores apresentada.
Até porque, como refere a recorrente, “ o Sr. Administrador de Insolvência é um órgão da insolvência e os atos por si praticados no exercício das suas competências geram, obviamente, legitimas expetativas nos demais intervenientes processuais, onde se incluem os credores da insolvente, não podendo (nem devendo-se), decorridos 3 meses sobre a apresentação da primeira lista, vir-se defender, sem mais, que afinal o que Sr. Administrador de Insolvência disse - «lista de substituição» - é outra coisa diferente e com implicações distintas.
Posto isto, no que concerne ao caso dos autos, entendemos que a lista de credores apresentada a 18-10-2010 não constituiu uma mera rectificação daquela lista de credores apresentada a 14 de julho de 2010.
Prosseguindo.
A questão que se coloca agora é de apreciar e decidir se a lista de credores apresentada a 18-10-2010, não sendo uma mera rectificação da lista de credores anteriormente apresentada, traduz uma alteração da lista anterior que confere aos interessados novo prazo para impugnação dos créditos reconhecidos, incluindo aqueles que já eram contemplados na anterior lista de credores e que foram de novo reconhecidos sem qualquer alteração ou se confere apenas aos interessados novo prazo para impugnação da alteração introduzida na lista de credores.
Ora, nesta parte, ponderadas as razões aportadas pela recorrente e pelos recorridos e ponderando ainda que no caso se trata de um processo de insolvência, acolhemos as razões vertidas no recurso da recorrente, entendimento este que de resto foi também sufragado num caso semelhante no AC. Relação de Lisboa, de 15-02-2011, in proc nº 083/10.1T2SNT-C.L1-7; Relator: Luís Lameiras.
Assim, tendemos para a opinião de que no caso de o administrador juntar uma primeira lista de credores para lá dos 15 dias concedidos pela lei o prazo para a impugnação dos interessados apenas se iniciará na data da respectiva junção e que na hipótese dessa lista de credores ser substituída por uma outra, a pretexto da correcção de um lapso, impõe-se a concessão de prazo autónomo, a contar da respectiva apresentação, para a dedução de impugnações, sendo que, o entendimento de apenas conceder novo prazo de impugnação aos credores cujos créditos traduzem a alteração à lista anterior, porque mais diretamente afetado pela modificação, sem que os demais possam usar de idêntica prerrogativa,não pode ser aqui acolhido, porquanto, tal colidiria frontalmente com o principio da igualdade substancial das partes.
Mais. Não é inédito e até facilmente concebível, em tese, uma segunda listagem de credores, apresentada pelo administrador, por exemplo, a convite judicialmente formulado. E nesta hipótese seguramente que não existe controvérsia relativamente à concessão de um novo prazo para impugnação dos créditos reconhecidos na segunda lista. A propósito, consultar o Ac. do STJ de 25 de Novembro de 2008, proc.º nº 08A3102, in www.dgsi.pt[6], citado no Ac Rel Lisboa de 15-02-2011 e também Salvador da Costa, texto citado in Revista do CEJ, página 108
Concluímos, assim, que a apresentação da lista pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação».
Posto isto, afirmado que está que a apresentação da lista pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação», importa revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedentes as impugnações de crédito apresentadas pela ora recorrente a 26-10-2010 com fundamento na afirmada impossibilidade de impugnar os créditos reconhecidos que não foram objecto de alteração na lista de créditos apresentada a 15-10-2015, devendo o tribunal recorrido apreciar as impugnações apresentadas, nomeadamente, decidir sobre o momento que constitui o termo inicial do prazo de impugnação, sendo que, a apreciação e decisão pela 1ª instância dessa questão, precede, forçosamente a apreciação do outro fundamento invocado na sentença para julgar improcedente a impugnação do crédito da titularidade da credora “K…, S.A.”, concretamente a afirmação de que a conduta da credora não pode deixar de ser considerada contraditória, o que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
E conforme resulta da análise do segmento da decisão que constitui objecto de recurso o tribunal recorrido apenas afirmou que à ora recorrente não assiste o direito de impugnar os créditos que não foram impugnados após a apresentação da lista de credores em 14 de julho de 2010, não se tendo sequer pronunciado sobre as questões agora suscitadas no recurso pela recorrente, a saber:
- se incumprido o prazo estabelecido no artigo 129º, nº1, do CIRE para o Administrador da Insolvência apresentar a lista definitiva de créditos, é obrigatório que posteriormente à apresentação da lista de credores sejam notificados todos os interessados, ou, pelo menos, os relacionados, neles incluindo todos os credores- reclamantes reconhecidos;
- se a omissão dessa notificação consubstancia, como alega a recorrente “ a preterição de uma formalidade legal apta a influir no exercício do contraditório, na defesa das partes e na decisão da causa”,
Nem tão pouco se pronunciou sobre
- se a existir essa nulidade a eventual notificação da recorrente da lista de créditos de substituição, em 15-10-2010, é susceptível de sanar a alegada verificação de nulidade;
Nem por último,
- se pronunciou sobre se a falta de notificação ao recorrente da lista de credores apresentada a 14-07-2010 não estava sanada.
Assim, da leitura atenta da argumentação extensa da recorrente resulta que esta aproveitando o recurso interposto desenvolve argumentação sobre questões que não foram objecto de apreciação na decisão recorrida.
De resto, como é sabido, na hipótese de ter ocorrido qualquer preterição de notificação obrigatória à recorrente da apresentação da lista de credores de 14-07-2010, essa irregularidade já deveria ter sido suscitada aquando da apresentação no tribunal pela recorrente em 26-10-2010 das impugnações da lista de créditos, porquanto, resulta das impugnações apresentadas que nessa data a ora recorrente tomou conhecimento que o Sr Administrador da Insolvência não tinha notificado a ora recorrente-credora cujo crédito fora reconhecido da lista apresentada a 14-07-2010.
Logo, porque a ora recorrente aquando da apresentação em 26-10-2010 das impugnações de créditos não arguiu a invocada irregularidade, consubstanciada na omissão de notificação aos credores reclamantes reconhecidos da lista de credores de 14-07-2010, concluímos que nessa data a ora recorrente renunciou à sua arguição, devendo ser considerada sanada essa invocada irregularidade, nos termos dos artigos 197º, nº2 e 199º, nº1, do CPC, estando vedado à ora recorrente aproveitar o presente recurso para arguir uma alegada nulidade processual que por falta de arguição tempestiva- artigo 149º do NCPC, correspondente ao Artigo 153º do CPCV – se considera sanada.
Por último, no que concerne às conclusões recursórias nºs 35º a 37º na parte em que a recorrente considera inconstitucionais, por violação do direito a um processo equitativo, estabelecido no artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República, os n.ºs 1 e 4 do artigo 129º e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 130º do CIRE, na interpretação segundo a qual, em caso de incumprimento, pelo Administrador da Insolvência, do prazo estatuído no n.º 1 do art.º 129º do referido diploma, não deve a insolvente ser notificada aquando da junção, pelo mesmo Administrador, da listagem definitiva de credores reconhecidos, diremos o seguinte:
Conforme decorre das considerações expostas o tribunal recorrido não apreciou nem decidiu, a questão colocada neste recurso e por isso naturalmente não afirmou qualquer interpretação do artigo 129º nº1, do CIRE, tendo – se limitado a afirmar que “não tendo a devedora impugnado os créditos em causa aquando da apresentação da lista de credores reconhecidos de 14 de Julho de 2010, não cremos que possa agora, na sequência da sua rectificação, impugnar tais créditos, sendo certo que aqueles créditos não foram objecto de alteração, com excepção da alteração do montante do crédito reconhecido à credora “K…, S.A.”.
Efectivamente, lida a sentença recorrida, concluímos que o tribunal recorrido não afirmou expressa ou implicitamente que “ Da conjugação dos artigos 129º e 130 do CIRE resulta que as listas apresentadas pelo administrador não são notificadas aos credores - reclamantes cujos créditos sejam inteiramente reconhecidos”.
Essa questão não foi sequer aflorada na sentença.
Consequentemente, não pode agora a recorrente em sede de recurso suscitar questões que em abstracto poderiam contender com o litígio, mas que no caso concreto, porque não foram suscitadas pelas partes nem apreciadas na decisão recorrida, não podem ser objecto de apreciação por este Tribunal da Relação.
De resto, afirmado que está que a apresentação da lista pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação», e porque, importa revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedentes as impugnações de crédito apresentadas pela ora recorrente com fundamento na invocada impossibilidade de impugnar os créditos reconhecidos que não foram objecto de alteração na lista de créditos apresentada a 15-10-2015, a apreciação da alegada inconstitucionalidade sempre estaria prejudicada.
Concluímos assim, pela procedência do presente recurso e consequentemente revogamos a decisão recorrida, determinando que a apresentação da lista de credores pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação», devendo o tribunal de primeira instância prosseguir com a apreciação e discussão das impugnações apresentadas pela recorrente, de modo a contemplar as questões que a propósito se colocam, nomeadamente, decidir sobre o momento que constitui o termo inicial e o termo final do prazo de impugnação, sendo que, a apreciação e decisão pela 1ª instância dessa questão, precede, forçosamente a apreciação do outro fundamento invocado na sentença para julgar improcedente a impugnação do crédito da titularidade da credora “K…, S.A.”, concretamente a afirmação de que a conduta da credora não pode deixar de ser considerada contraditória, o que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
IV - DECISÃO:
Face ao exposto, revoga-se a decisão recorrida que julgou improcedentes as impugnações de créditos apresentadas a 26-10-2010 pela credora- recorrente, determinando que a apresentação da lista de credores pelo administrador em 15 de outubro de 2010, «abriu um novo prazo para a respectiva impugnação», devendo o tribunal de primeira instância prosseguir com a apreciação e discussão das impugnações apresentadas pela recorrente nos termos referidos.
Custas pelos recorridos.
Registe e notifique.

Porto, 11-04-2018
Francisca da Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Teles de Menezes
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[1] Mariana França Gouveia, “Verificação do passivo” in Themis, Novo Direito da Insolvência (edição es-pecial, 2005), página 151.
[2] Salvador da Costa, “O concurso de credores”, 4ª edição, página 323.
[3] Veja-se “O concurso …”, citado, página 328.
[4] A respeito da não notificação das listas aos credores reclamantes e reconhecidos, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2007, proc.º nº 07A2235, e da Relação do Porto de 8 de Setembro de 2009, proc.º nº 348/08.6TBVCD-A.P1, ambos in www.dgsi.pt., ambos citados no AC. Relação de Lisboa que citamos.
[5] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado”, 2009, página 452.
[6] Cujo sumário se reproduz:
I – Perante a lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, e mesmo que dela não haja impugnações, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessa lista, nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva.
II – Detectando a existência, nessa lista, de erro manifesto, se este for de natureza meramente formal, sendo a sua rectificação insusceptível de influir nos direitos das partes, nada se vê que obste a que desde logo proceda a tal rectificação e a que elabore logo de seguida sentença de homologação e graduação.
III - Mas, se se tratar de erro de natureza substancial, cuja rectificação implique ficarem afectados direitos das partes, os princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, uma vez que a alteração que, com o fim de rectificação desse erro, seja efectuada, origina que a lista de credores passe a ser distinta.
IV – Nessa hipótese, deve o Juiz determinar a elaboração de nova lista de credores, rectificada nos termos que indique, pelo administrador de insolvência, abrindo-se novo prazo para impugnações.
V – A falta de elaboração dessa nova lista constitui nulidade essencial.