Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
548/17.8GBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: RP20180207548/17.8GBVFR.P1
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 748, FLS 314-330)
Área Temática: .
Sumário: I – Apesar de revogada pela Lei nº 94/2017 de 23/8 a pena de prisão por dias livres, deve ser aplicada se se mostrar mais favorável ao arguido (artº 4º2 CP), por crime que praticou anteriormente à sua revogação.
II – Tal não impede a aplicação subsequente do artº 12º nº1 als. a) e b) da Lei 94/2017 de 23/8.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 548/17.8GBVFR.P1
Data do acórdão: 7 de Fevereiro de 2018
Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira


Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;
I – RELATÓRIO
1. Em 5 de Setembro de 2017 foi proferida nos presentes autos uma sentença condenatória que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
" Nos termos e fundamentos expostos, decide-se condenar o arguido B...:
- na pena de na pena de 6 (seis) meses de prisão efectiva;
- na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. (…)"

2. Inconformado com a pena aplicada, o arguido interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões:
Na determinação da Medida das Penas, face aos factos provados, não se conforma o Recorrente com a pena concretamente aplicada ao crime, por ser exagerada e desajustada.
O Tribunal "a quo" não respeitou as disposições penais dos artigos 40º e 70º e ss do C.P.
E, tendo por base a pena que lhe foi concretamente aplicada extravasando a finalidade das penas, fez com que fosse aplicada a pena de 6 meses de pena de prisão.
Atendendo aos princípios gerais de direito e á tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa a medida da pena aplicada ao ora recorrente.
Tendo embora a Douta Sentença considerado como provado “os factos constantes da acusação, não valorizou devidamente a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste.
Considerando que o Recorrente apresentava uma TAS de 1,58 g/l, está inserido social e familiarmente, encontrando-se neste momento a trabalhar.
O Recorrente na Audiência de Discussão e Julgamento confessou, de forma integral e sem reservas, os factos de que estava acusado, tendo não só mostrado verdadeiramente o seu arrependimento, mas também demonstrado um sentido crítico face à sua conduta, o que desde logo evidencia que a simples ameaça de punição com pena de prisão efectiva será suficiente para que se cumpram as finalidades de prevenção especial da pena.
O Recorrente reconheceu em julgamento ter um problema com o consumo de bebidas e manifestou o consentimento para se submeter a um eventual tratamento da adição ao álcool. Esta conduta reflecte, no mínimo, um reconhecimento do desvalor da sua conduta e alguma capacidade de realizar autocritica.
O “Tribunal a Quo” ainda poderia fazer um juízo de prognose favorável no sentido de aplicação de uma pena não privativa da liberdade, uma vez que o Recorrente revelou a interiorização do desvalor da sua conduta.
Assim e apesar das anteriores condenações a pena aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo deveria ser manifestamente inferior.
A ponderação da aplicação de uma pena de substituição, o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição. Não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.
Na ponderação e fixação de uma pena de substituição, o tribunal deve aplicar a pena de substituição que melhor realiza as finalidades da punição (cfr. artigo 40º nº 1, do Código Penal), dando preferência a uma pena substitutiva não privativa da liberdade, considerando nomeadamente as circunstâncias da prevenção especial de ressocialização.
Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
As penas curtas de prisão introduzem o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que por obedecer a valores e princípios próprios, é capaz de corromper e perverter os objectivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente, afastando-o, ainda mais do comportamento que de si é esperado, ou seja o espaço prisional pode ser mais estigmatizante do que reabilitativo.
Face à natureza e circunstâncias do crime cometido, às suas circunstâncias pessoais actuais, às necessidades de protecção do bem jurídico violado mas também de reintegração daquele na sociedade, também não parece ter sido correctamente afastada a convicção de que a suspensão da pena se revela suficiente.
A suspensão da pena de prisão seria suficientemente enérgica e preventiva, para além de que se evitariam os efeitos perniciosos e estigmatizantes de uma curta detenção, ao mesmo tempo que permitiria a continuidade das relações familiares e profissionais do recorrente.
A suspensão da execução da pena de prisão enquanto medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico é um poder-dever que deverá ser decretado sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades das penas e se verifiquem os pressupostos do art. 50.º do Código Penal. Ou seja, um pressuposto formal (prisão não superior a 5 anos) e um pressuposto material (o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente).
Relativamente ao requisito formal não existem quaisquer dúvidas de que, no caso em apreço, este se verifica.
Quanto à verificação da existência do requisito material. Há que ponderar que “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco, prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja devem ser ponderadas todas as circunstâncias que possibilitem uma conclusão sobre a futura conduta do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial (Código Penal Anotado, Leal Henriques/Simas Santos).
Não foram devidamente tidos em conta no momento da criação do juízo desfavorável de prognose a personalidade do arguido, as suas condições de vida ou a sua conduta anterior e posterior ao facto punível.
Atendendo aos factos concretos, nomeadamente a postura assumida pelo arguido durante a audiência de discussão e julgamento, confessando integralmente e sem reservas os factos, o que revela a assunção do erro do seu procedimento e denota capacidade de autocensura, ainda que com alguma reserva, é de acreditar na capacidade do arguido para a Auto prevenção do cometimento de novos crimes, havendo a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, pelo que se justifica a formulação de juízo de prognose favorável com a consequente suspensão da execução da pena de prisão.
Foi com base no seu registo criminal que o tribunal a quo baseou a sua decisão de não suspensão da execução da pena de prisão. Mas se tivesse atendido à personalidade do arguido e à sua conduta habitual poderia a suspensão da execução da pena ter sido concedida na medida em que teria sido possível concluir por um prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastariam para satisfazer os fins de prevenção geral e especial.
Para que o Recorrente pudesse levar a cabo uma verdadeira mudança de vida ao mesmo tempo que interiorizaria o mal que praticou, o artigo 50º, nº 2 e 3, do Código Penal prevê a possibilidade de o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a execução da pena de prisão suspensa, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
O arguido já foi condenado pela prática de crimes de igual natureza. O Registo Criminal do arguido retracta uma vida marcada pela dependência do álcool. Tal foi reconhecido pelo próprio na audiência de discussão e julgamento, onde também deu o seu consentimento para se submeter a eventuais tratamentos a essa dependência.
Afigura-se imperioso que o Recorrente se submeta a tratamento especializado para a dependência de substâncias etílicas pois só desta forma se estará verdadeiramente a realizar a sua reabilitação e reinserção. Esta poderia ser uma das condições a impor para a eventual suspensão da execução da pena de prisão.
Contrariamente ao que é afirmado pela Douta Sentença, em bom rigor o Requerente não efectuou um verdadeiro tratamento especializado para a dependência de substâncias etílicas, uma vez que apenas fez terapia medicamentosa para interrupção de consumos.
Ora, como bem se sabe, este processo de tratamento especializado para a dependência de substâncias etílicas é muito mais complexo, abrangente e multidisciplinar.
Como resulta do relatório social, o arguido encontra-se a frequentar consultas no CRI para ajustamento da medicação e assume actualmente um padrão de consumo controlado, mas não podemos afirmar que este programa seja um verdadeiro tratamento especializado para a dependência de substâncias etílicas. Não há qualquer acompanhamento psicológico, o que nestes caso se pode revelar decisivo para o sucesso do tratamento.
Não é razoável acreditar na possibilidade de que a dependência grave do álcool, se consegue tratar apenas com a frequência num curso, numa formação, num workshop ou numa mera consulta de alcoologia sem mais. Assim como, também é pouco crível que o processo de reabilitação da dependência do álcool se possa concluir sem recaídas ou contratempos no processo.
O Serviço Nacional de Saúde disponibiliza Unidades de Alcoologia no Norte, no Centro e no Sul, onde os cidadãos afectados pelo alcoolismo, podem recorrer de forma a combater a doença. Estes são tratamentos especializados para a dependência de substâncias etílicas e que poderão ter uma componente de tratamento de Ambulatório ou inclusivamente levar ao internamento do doente por determinados períodos de tempo.
A Douta Sentença transmite a ideia de que tudo já foi feito para recuperar este homem, o que na realidade não corresponde à verdade. Existe ainda margem para uma última oportunidade ainda que possa ser muito condicionada.
Seria mais adequado e proporcional, se o Recorrente fosse sujeito a um plano severo de desintoxicação alcoólica e a um conjunto de regras de conduta que permitissem a fiscalização do seu cumprimento, de acordo com o artigo 54º do CP, estabelecendo-se um plano individual de readaptação social, assegurando-se deste modo a finalidade punitiva de reinserção social.
Recorrente tem 52 anos de idade, é casado, encontra-se inserido socialmente e profissionalmente, é parte integrante de um agregado familiar onde assume as suas responsabilidades. A sua esposa vive na dependência do arguido. Profissionalmente, o recorrente trabalha numa empresa de limpezas que presta serviços na superfície comercial C... em Santa Maria da Feira e é daí que retira o rendimento com que suporta o seu agregado familiar.
Desenraizamento Social e Profissional do recorrente para cumprimento de pena curta de prisão traria efeitos absolutamente devastadores para o seu agregado familiar, levando inevitavelmente à perda do seu trabalho e consequentemente prejudicando a reinserção que se pretende que aconteça.
O exercício da sua actividade profissional não pressupõe a exigência de conduzir veículo motorizado. Acresce a isto o facto de ninguém no agregado familiar do arguido ser proprietário de veículo automóvel, o que diminui consideravelmente a possibilidade de reincidência.
Atendendo à personalidade do arguido e à sua conduta habitual poderia a suspensão da execução da pena ter sido concedida na medida em que teria sido possível concluir por um prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastariam para satisfazer os fins de prevenção geral e especial.
Seria assim possível concluir pela prognose social favorável, ou seja uma esperança fundamentada quanto ao futuro bom comportamento do arguido.
Ainda que não seja de aplicar a suspensão da execução da pena, a luta contra as penas de curta duração impõe que mesmo perante alguém que teve várias condenações anteriores em matéria de condução ilegal se pondere que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva será sempre uma última “ratio” na política criminal.
O Regime de permanência na habitação é uma Pena substitutiva de prisão em sentido impróprio, assenta numa evidente reacção contra os inconvenientes das penas curtas de prisão, situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.
O regime de permanência na habitação é, como diz Germano Marques da Silva, “um desafio permanente à vontade do condenado” (…) “que não tem grades em casa…”. Deverá até (como defende o mesmo Autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social: só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.
Ora, é precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (art. 44 n.º 1-a) do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
Esta pena, a cumprir em residência, permitiria ao recorrente, mais uma vez, reflectir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso (a prática da condução de veículo em estado de embriaguez).
O Recorrente considera que o cumprimento da pena de prisão por via do regime de permanência na habitação realizaria de forma adequada, proporcional e suficiente as finalidades da punição, com claras vantagens para a sua reinserção social, para o que Recorrente dá aqui o seu expresso consentimento.
Esta forma de cumprimento de pena de prisão permite que não se quebrem os laços sociais do recorrente, permite que o recorrente não perca o seu trabalho e por fim impede a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração.
Se nenhumas das anteriores penas de substituição forem de aplicar ao caso concreto, restará ainda uma última possibilidade de substituição da pena de prisão que consiste na pena de prisão por dias livres prevista no art. 45.º do C. P.
Preceitua o artigo 45º do C.Penal que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano (o nosso caso pois entendeu-se, ser de aplicar uma pena de seis meses de prisão), que não seja substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres (…)
A prisão por dias livres consiste na privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, e não pode exceder 72 períodos (art. 45º, nº 2, do CP) – cada período equivale a 5 dias de prisão contínua, e tem a duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito horas (nº 3 do art. 45º, do CP), podendo os feriados que antecederem ou se seguirem a um fim-de-semana ser utilizados para a execução da prisão por dias livres, sem prejuízo da duração máxima estabelecida para cada período (nº 4 do mesmo artigo).
«(…) O que no fundo se pretende com a prisão por dias livres é adaptar a pena à vida familiar e profissional do condenado e criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o delinquente. É, antes de mais, indesejável que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, a ponto de se dizer que “une peine de prison cloclochodise la famille”, sendo ainda indesejável a ruptura prolongada com o meio profissional e social (...)» (Maia Gonçalves)
Na Sentença proferida o tribunal a quo limita-se a afirmar que não se lhe afigura viável a aplicação da pena de prisão por dias livres ou do regime de cumprimento na habitação sem fundamentar concretamente as razões. Apenas faz referência ao insucesso das penas anteriores.
“Por outro lado, a prisão por dias livres foi também já aplicada sem sucesso (o arguido voltou a praticar o crime cerca de ano e meio após a extinção dessa pena pelo cumprimento).”
Ainda que se entenda que a pena de prisão não deva ser suspensa, ou cumprida em regime de permanência na habitação, o Recorrente não compreende que em face da sua inserção social, familiar e profissional, não lhe tenha sido pelo menos concedida a possibilidade de cumprir a pena de prisão de seis meses em regime por dias livres.
O arguido tem neste momento uma situação profissional estável, caso venha a cumprir a pena sentenciada nos autos, será com toda a certeza despedido. Com 52 anos de idade o arguido sentirá muitas dificuldades em voltar a ser reintegrado no mercado de trabalho
Mas não será apenas o arguido a sofrer as consequências do cumprimento desta pena. A sua esposa é extremamente dependente, não só financeiramente como em relação a outros aspectos da sua vida. Na verdade, são 32 anos de casamento em que a esposa se habitou a que o marido resolvesse todo o tipo de situações.
A execução da pena de prisão por dias livres permitiria realizar a tutela do bem jurídico violado, assim se satisfazendo as exigências de prevenção geral e teria, de igual forma, potencialidades de facilitar a ressocialização do arguido, satisfazendo as exigências de prevenção especial, sem estender, de forma gravosa, as consequências da sua punição ao seu agregado familiar restrito, assim como às suas obrigações profissionais.
A prisão por dias livres permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activam nas penas de privação da liberdade de curta duração.
Nestes termos, e nos mais de direito que doutamente serão supridos, considerando os factos constantes dos autos deverá revogar-se a douta sentença recorrida e consequentemente:
Ser atenuada a pena a que o recorrente foi condenado;
Ser ordenada a suspensão da pena prisão fixada em seis meses na sua execução e, caso não assim não se entenda,
Seja ordenada a aplicação do regime de permanência na habitação ou do regime de prisão por dias livres na execução da pena de prisão aplicada."

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência, concluindo a resposta nos seguintes termos:
"Como reagiria a sociedade, em nome de quem a justiça é administrada – cfr. art. 202º/1 do Constituição da República Portuguesa – ao perceber que alguém ao praticar pela sexta vez o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo já cumprido pena de prisão por isso, fosse agora agraciado com uma pena de substituição.
Que sinal deu o arguido para se perspectivar que não irá incorrer no crime?
Aliás, os sinais são no sentido exactamente contrário, pois apesar das sucessivas condenações, persistiu a sua carreira delituosa, demonstrando inequivocamente a incapacidade de uma pena substitutiva servir as necessidades da punição.
Na verdade, se ontem o arguido, que experimentara a prisão, voltou ao ilícito, o que hoje de novo existe para crer na sua abstinência criminosa? Nada…
O seu passado criminal fere de morte a esperança da sua ressocialização em liberdade, esperança essa que o próprio anula à medida que vai cometendo crimes de natureza rodoviária, impondo-se a nosso ver, o encarceramento como a única medida possível para o fazer redescobrir os trilhos da licitude.
A prisão efectiva surge como necessária à ressocialização arguido; ademais e ainda que assim não fosse, a sociedade não se encontra preparada para suportar pena diversa, sob pena de falência total da validade e vigência da norma concretamente violada, sendo absolutamente indispensável para se lograr a estabilização da expectativas comunitárias, ordenar-se a reclusão do prevaricador.
Em suma, a medida de prisão aplicada não peca por excesso, sendo adequada e proporcional e a sua efectividade não merece censura, devendo ser confirmada a sentença.."

5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer com o seguinte teor:
"(…) o Ministério Público da 1ª instância, de forma cabal e proficiente, já respondeu a estas questões, em termos que sufragamos integralmente, pelo que entendemos que o recurso não merece provimento;
Assim, apenas diremos, muito brevemente, que, como é sabido, é pressuposto material da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão [art° 50° n° 1 – 2ª parte - do Código Penal] que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de substituição;
Porém, no caso concreto sob recurso, não nos parece que se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da execução da sanção seja adequada e suficiente para garantir as finalidades da punição, de prevenção geral e especial (de dissuasão e integração);
Com efeito, para além de serem elevadas as exigências de prevenção geral neste tipo de ilícitos, tendo a pena uma função de interpelação da sociedade para a relevância social e individual do bem jurídico tutelado pela norma - a segurança rodoviária;
As exigências de prevenção especial são, neste caso, também muito elevadas, uma vez que. como se refere na decisão recorrida e resulta da factualidade provada [ponto 11, dos factos provados] "(...) o arguido foi já anteriormente condenado, ao longo dos últimos 10 anos, por cinco vezes pelo crime de condução em estado de embriaguez, o primeiro deles punido com multa, os segundo e terceiro com prisão suspensa na execução, o quarto com prisão por dias livres e o último com 2 meses de prisão efectiva, que aquando da prática dos factos destes autos tinha cumprido havia cerca de 5 meses.
Pelo que. no caso concreto, só a condenação do arguido na pena de 6 [seis] meses prisão efectiva, sem ultrapassar a medida da culpa, satisfaz as finalidades das penas: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade [art° 40°, n° l e 2 do C. Penal];
Razão por que, subscrevendo-se. integralmente, a posição do Ministério Público da Ia instância, entendemos, igualmente, que o recurso não merece provimento, devendo, por isso, ser integralmente confirmada a sentença recorrida. "

6. O recorrente não apresentou resposta ao parecer.
Questão a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraíu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
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A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
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Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão substancial a seguir concretizada – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso – que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
Erro jurídico que resultou na:
a) excessividade da pena de prisão aplicada; e
b) não aplicação de pena de prisão suspensa; ou
c) não aplicação de pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância; ou
d) desaplicação de prisão por dias livres;
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Os factos processuais relevantes:
Considerando o objeto do recurso, tal como foi definido pelo recorrente, interessa recordar os factos provados, bem como a fundamentação jurídica da pena aplicada.
Extrato da sentença recorrida:
"II- Fundamentação de facto
Factos provados
1. No dia 13 de Agosto de 2017, pelas 18h02m, na Rua ..., ..., Santa Maria da Feira, o arguido conduzia um velocípede sem matrícula de marca Power Bike quando foi interceptado por uma acção de fiscalização de trânsito efectuada pela GNR de Santa Maria da Feira e submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue.
2. O arguido acusou então uma TAES de 1,587 g/l (correspondente a uma TAES de 1,67 g/l registada deduzido o erro máximo admissível).
3. O arguido agiu voluntaria, livre e conscientemente, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas suficientes para provocar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
4. Também estava ciente que, nessas condições, lhe era proibida a condução de quaisquer veículos na via pública, contudo foi sua intenção conduzir o seu veículo nesse estado, tal como veio a acontecer.
5. Sabia igualmente que a sua conduta era criminalmente punível.
6. O arguido trabalha nas limpezas, no C... de Santa Maria da Feira, auferindo vencimento nunca inferior ao salário mínimo nacional; é casado e reside com a esposa em habitação social, auferindo esta idêntico vencimento num camisaria de Santa Maria da Feira; têm despesas mensais com renda, água, gás e electricidade, de cerca de 100€ mensais. Conta com o apoio dos filhos emigrados na Suíça.
7. O arguido consolidou ao longo da vida hábitos de consumo excessivo de álcool, não assumindo esse comportamento como problemático.
8. Teve já acompanhamento da DGRSP no âmbito da suspensão da execução das penas de prisão aplicadas nessa modalidade, com início em 2013, com obrigação de efectuar tratamento ao alcoolismo, comparecendo a consultas no CRI de Santa Maria da Feira; padecerá ainda de epilepsia.
9. Fez terapêutica medicamentosa no período de 2 meses de prisão efectiva, Fevereiro e Março de 2017, mas teve dificuldade em manter-se abstinente uma vez em liberdade; passou a ser acompanhado no CRI, com consulta em 5/4/2017, sendo então medicado e passando a ter um padrão de consumo controlado de álcool; tem comparecido às consultas e tem nova consulta agendada para 22/9/2017.
10. O seu comportamento continua a ser marcado pela teimosia no que concerne aos consumos alcoólicos, apesar de os familiares tentarem contrariá-lo o que gera no mesmo irritabilidade.
11. O arguido foi já julgado e condenado anteriormente nas seguintes penas e pela prática dos seguintes crimes:
- 60 dias de multa e 3 meses de inibição da condução pela prática em 14/10/2007, do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292º/1 do Código Penal, sentença de 15/10/2007, no processo 458/07.7GTAVR, 2º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira;
- 5 meses de prisão suspensa na execução e um ano de inibição da condução pela prática em 18/1/2010, do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292º/1 do Código Penal, sentença de 9/2/2010, no processo 34/10.7GBVFR, 2º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira;
- 6 meses de prisão suspensa na execução e um ano de inibição da condução pela prática em 16/5/2012, do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292º/1 do Código Penal, sentença de 12/2/2013, no processo 271/12.0PAVFR, 1º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira;
- 42 períodos de prisão por dias livres e um ano de inibição da condução pela prática em 15/12/2013, do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292º/1 do Código Penal, sentença de 13/1/2014, no processo 862/13.1GBVFR, 2º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira;
- 150 dias de multa pela prática em 15/12/2013, do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo disposto no art. 353º do Código Penal, sentença de 21/5/2015, no processo 165/14.4TAVFR, Instância Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2;
- 2 meses de prisão efectiva e 15 meses de inibição da condução pela prática em 1/10/2016, do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292º/1 do Código Penal, sentença de 19/10/2016, no processo 598/16.1GBVFR, Instância Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 1, pena declarada extinta pelo cumprimento em 5/3/2017.
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Factos não provados
Não existem.
*
(…)
III- Fundamentação de Direito
A) da integração jurídica dos factos
Vem o arguido acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal.
Nos termos deste normativo, quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Ora, em face da factualidade que acima demos como provada, cremos não ser permitida a subsistência de quaisquer dúvidas no que respeita à prática pelo arguido do crime em referência.
Com efeito, é inequívoco que o arguido conduziu um veículo automóvel[3] numa via pública com uma T.A.S. de 1,587 g/l, tendo agido livre e conscientemente, bem sabendo que ao conduzir um veículo motorizado com uma T.A.S. de álcool superior a 1,2g/l actuava de forma proibida e punida por lei.
Conclui-se assim que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime por que vem acusado, tendo-o praticado com dolo directo, já que sabia que a sua conduta era criminosa e, não obstante, quis actuar com intenção de a realizar – art. 14º/1 e 3 do Código Penal.
Isto posto, forçados somos a concluir que o arguido praticou em autoria material, na forma consumada, um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal.
B) das consequências jurídicas do crime
1) da escolha da pena
Efectuado o enquadramento jurídico dos factos, cabe agora determinar a pena e sua medida concreta relativamente ao crime pelo qual vimos de condenar o arguido.
Para tanto, haverá que considerar que a moldura abstracta da pena prevista para o mesmo, tendo em atenção o preceituado nos arts. 41º/1e 47º/1do Código Penal, é de prisão de um mês até um ano ou multa de 10 até 120 dias.
Estatui o art. 70º do Código Penal que, se ao crime forem alternativamente aplicáveis uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no art. 40º do mesmo diploma.
Assim, o critério de determinação da pena concreta aplicável encontra-se condicionado pelo momento prévio de necessária escolha da pena, atendendo aos requisitos impostos pelo art. 70º do Código Penal, segundo os quais, prevendo os preceitos incriminadores da conduta do agente a possibilidade de aplicação e uma pena alternativa de multa, será esta aplicável se com tal se compatibilizarem as exigências de prevenção.
Na situação sob apreciação, parece-nos manifesto não ser a multa alternativa compatível com as elevadas exigências de prevenção, geral e especial verificadas.
Com efeito, o arguido foi já anteriormente condenado, ao longo dos últimos 10 anos, por cinco vezes pelo crime de condução em estado de embriaguez, o primeiro deles punido com multa, os segundo e terceiro com prisão suspensa na execução, o quarto com prisão por dias livres e o último com 2 meses de prisão efectiva, que quando da prática dos factos destes autos tinha cumprido havia cerca de 5 meses.
Todas estas penas não inibiram o arguido de voltar a cometer factos idênticos, cerca de 5 meses depois de ser declarada extinta pelo cumprimento pena efectiva de 2 meses de prisão.
O arguido revela assim uma clara e manifesta insensibilidade às penas.
Além disso, há que considerar o valor da taxa de álcool pesquisada no sangue quando conduzia na via pública, 1,587 g/l, revelador de uma ilicitude acentuada.
Podemos assim concluir que as condenações anteriores, em penas não detentivas e detentivas de muito curta duração não foram suficientes para dissuadir o arguido de voltar a conduzir um veículo na via pública em estado de embriaguez.
Sendo elevadas as exigências de prevenção geral positiva, atenta a forte incidência deste tipo de crimes e o factor de insegurança na circulação rodoviária que condutas como a do arguido introduzem, são especialmente prementes as exigências de prevenção especial atentas as condições pessoais do arguido que vimos de enunciar.
Ora, é em atenção à prevenção especial e ao intuito ressocializador, no sentido de eficácia da pena como dissuasora da prática de novos crimes, que a escolha da pena deve operar.
Por tudo o exposto, cremos apenas poderem ser satisfeitas com suficiência as aludidas exigências com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão.
*
2) da determinação da medida concreta da pena
Escolhida a pena a aplicar, caberá desta feita, e dentro da respectiva moldura abstracta já acima definida, encontrar a medida concreta dessa pena considerando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra ou favor do arguido.
Os critérios de determinação da medida concreta da pena encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal, aplicável à multa por força do art. 47º/ 1 do mesmo diploma[4], nele se definindo que a pena será delimitada pela inultrapassável medida da culpa do arguido, determinando-se o seu quantitativo tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.
A prevenção geral, no seu entendimento mais actual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida da pena, sendo que, no caso concreto, tais exigências são muito elevadas atento o aumento constante de infracções relacionadas com o trânsito rodoviário, infracções essas que geram sentimentos de insegurança na população em geral por força do perigo que delas resulta para terceiros.
Como circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, se associam directamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar ainda que:
- o arguido agiu com dolo na sua modalidade mais intensa, de dolo directo;
- o grau de álcool no sangue com que o arguido circulava é de ilicitude acentuada (1,587g/l);
- o facto de o arguido não se haver deixado inibir de repetir o comportamento criminoso pela sexta vez e passados cerca de 5 meses de ter sido declarada extinta a pena de prisão cumprida ainda no mesmo ano;
- conduzia um velocípede, o que, comparativamente com um veículo motorizado, tende a reduzir a perigosidade da condução no estado em que estava;
- confessou integralmente os factos, está empregado e tem apoio familiar da mulher e filhos;
- tem hábitos de consumo excessivo de álcool, para o que recebe tratamento e acompanhamento no CRI desde 2013, sem que consiga libertar-se desse consumos; não valoriza essa problemática e contraria os conselhos familiares, mantendo os consumos de álcool.
Face às circunstâncias descritas, uma vez que se revela intenso o grau de culpa, elevadas as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, julga-se justa a aplicação da pena de 6 (seis) meses de prisão.
3) da substituição da pena de prisão
tendendo ao percurso pregresso do arguido em matéria de condução de veículos sob a influência do álcool e as circunstâncias da prática do ilícito ora em julgamento, entendemos que se impõe a execução da pena prisão.
A insensibilidade manifestada pelo arguido em relação às penas que já lhe foram aplicadas acentua a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes e impede, para que se atinja tal desiderato, a substituição da pena de prisão por multa, nos termos do art. 44º do Código Penal.
Pelas mesmas razões, não é viável um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, de modo a poder esperar-se que a suspensão da execução da pena de prisão o demova da prática de futuros ilícitos, posto que ao arguido foi suspensa a execução da pena de prisão por duas vezes, após o que cometeu mais 3 crimes de condução em estado de embriaguez.
Não denotando o arguido vontade suficiente para deixar os consumos de álcool, mesmo com todos os apoios e acompanhamento de que tem vindo a beneficiar, também não seria viável a submissão do mesmo a tratamento adequado como regra de conduta a que se sujeitaria a suspensão.
Por outro lado, a prisão por dias livres foi também já aplicada sem sucesso (o arguido voltou a praticar o crime cerca de ano e meio após a extinção dessa pena pelo cumprimento).
Assim, tendo em conta a personalidade revelada pelo arguido de insensibilidade às reacções penais e de falta de motivação para se conformar com as regras de viola sistemática e sucessivamente, afigura-se-nos que as finalidades da punição apenas poderão ser integralmente satisfeitas mediante o cumprimento efectivo e contínuo da pena de prisão.
Deste modo se dará satisfação às necessidades de tutela do bem jurídico ameaçado, ao mesmo tempo que, assim esperamos, se poderá contribuir decisivamente para a interiorização pelo arguido do desvalor da sua conduta e consequências penais associadas.
Assim sendo, a pena de prisão fixada (seis meses) será cumprida em efectividade e de forma contínua.
B – Apreciando:
1ª questão
Do alegado erro jurídico que resultou na excessividade da pena de prisão aplicada:
Um recurso ordinário, versando matéria de direito, deve incluir nas conclusões da motivação de recurso:
- As normas jurídicas violadas;
- O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
- Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Tais exigências legais resultam do disposto no artigo 412º, nº 2, do Código de Processo Penal.
O recorrente não satisfez de forma regular tais exigências formais, mas este Tribunal compreendeu a motivação jurídica do recurso e, estando-se perante uma pena privativa da liberdade importa assegurar, até ao limite, as garantias judiciárias fundamentais do recorrente, independentemente da fragilidade técnica da sua defesa que, apesar de irregular, ainda é algo percetível em relação às suas bases jurídicas.
O recorrente manifesta a pretensão recursória de ser aplicada uma pena de prisão mais reduzida.
Porém, não concretiza a duração da pena de prisão que ambiciona.
Além do mais, para fundamentar a sua pretensão, não identifica a base legal concreta em que assenta a sua pretensão, nem formula qualquer silogismo digno desse nome, limitando-se a alegar que o tribunal a quo não valorizou devidamente:
a) a personalidade do arguido;
b) as suas condições de vida;
c) a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, encontrando-se inserido social, familiar e profissionalmente; e
d) às circunstâncias deste, considerando que o arguido apresentava uma TAS de 1,58 g/l;
e) a confissão em julgamento, de forma integral, livre e sem reservas, mostrando-se arrependido e demonstrando um sentido crítico face à sua conduta.
Cumpre apreciar.
De jure
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” - art. 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Segundo explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
Os fatores de ponderação da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, podem ser agrupados em três grupos fundamentais:
a) fatores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa, sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta};
b) fatores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e
c) fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto - alínea e) -.
A perigosidade do agente revela-se na gravidade do facto praticado.
A este propósito importa ter presente que uma taxa de alcoolemia de 1,20 g/l determina um aumento do risco de acidente em 16 vezes – e o arguido conduzia com uma taxa concreta de 1,587 grs./l, - 32,25% acima do limite mínimo a partir do qual a conduta constitui crime -, o que constitui um fator de ponderação da pena dotado de uma eficácia agravante elevada da pena (artigo 71º, 2, a), do Código Penal).
Importa ainda ter presente os cinco antecedentes criminais por crime idêntico, já tendo sido condenado em penas privativas e em penas não privativas da liberdade, o que aumenta de forma muito elevada as preocupações de prevenção especial, com elevada eficácia agravante da pena, tendo em especial consideração a circunstância de ter acabado de cumprir uma pena de dois meses de prisão apenas cinco meses e oito dias antes da prática do crime em causa nos presentes autos (artigo 71º, 2,e) e f), do Código Penal).
A sua inserção familiar, social e profissional, bem como a confissão do crime em julgamento – com a inerente expressão de um juízo público de autocensura pela prática do crime – e a circunstância do veículo conduzido pelo arguido ser um velocípede sem motor integram fatores de atenuação da pena, dotados, em conjunto, de média eficácia (artigo 71º, 1 e 2, als. d) e e), do Código Penal), com destaque para este último.
Pelo exposto, torna-se impossível satisfazer a primeira pretensão recursória do arguido (atenuar a pena, de modo a ficar situada num valor inferior aos seis meses de prisão), tendo em conta a prevalência dos fatores agravantes da pena acima identificados.

2ª questão
Do alegado erro jurídico que resultou na efetividade da pena de prisão aplicada;
O recorrente pugna pela suspensão da execução da pena de seis meses de prisão que lhe foi aplicada, com base no seguinte argumentário:
a) Não foram devidamente tidos em conta no momento da criação do juízo desfavorável de prognose a personalidade do arguido, as suas condições de vida ou a sua conduta anterior e posterior ao facto punível;
b) A postura assumida pelo arguido durante a audiência de discussão e julgamento, confessando integralmente e sem reservas os factos, revela a assunção do erro do seu procedimento e denota capacidade de autocensura;
Conclui, assim, que – embora com alguma reserva - é de acreditar na capacidade do arguido para a prevenção do cometimento de novos crimes, havendo a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, pelo que se justifica a formulação de juízo de prognose favorável com a consequente suspensão da execução da pena de prisão.
Apreciando e decidindo.
De jure
O artigo 50º nº 1 do Código Penal, que regula a possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão (o que constitui o cerne da pretensão recursória) estatui que o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição[5].
Esta norma fixa um pressuposto formal - o de que a pena seja de prisão em medida não superior a cinco anos – e um pressuposto material - o de que «o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...).»
Enquanto não oferece qualquer dúvida de que se verifica no caso concreto o pressuposto formal – sendo a pena concreta aplicada de seis meses de prisão, logo inferior a cinco anos de prisão -, importa aferir se o pressuposto material se encontra, ou não, preenchido no caso em apreço.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
Como salientado por Figueiredo Dias[6] "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo."
Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”[7]
No plano da evolução histórica da nossa lei criminal, já antes da revisão do Código Penal concretizada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, a suspensão da execução da prisão não seria decretada caso se opusessem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, afastando quaisquer considerações relativa à culpa[8] “mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. [9]
A atual redação da norma refere a realização das finalidades da punição de forma adequada e suficiente.
Houve um aperfeiçoamento de ordem legal de forma mais abrangente na dimensão da finalidade das penas, com repercussão nas penas concretas.
A socialização entronca num critério de exigências de prevenção especial.
É essa prevenção especial que perante um prognóstico favorável nos termos do artº 50º nº 1 do Código Penal, determina a socialização em liberdade do condenado, por ser adequada e suficiente às finalidades da punição. Como escreveu Eduardo Correia, «(…) averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva da condenação.»
Para que se alcance a finalidade de prevenção especial, é fundamental a atitude do condenado, sendo absolutamente essencial que ele tenha vontade de não voltar a delinquir e se empenhe em atingir esse objetivo.
Como se refere na Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, “o instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o delinquente enquanto cidadão, face à dimensão do delito cometido, satisfará o projecto da sua ressocialização”.
Compreende-se, assim, que a concessão do benefício da suspensão da execução da pena dependa da capacidade do arguido sentir essa ameaça da pena, de modo a que esta exerça sobre si o efeito inibidor de reincidência de práticas criminosas semelhantes e mobilize a sua capacidade de vencer a vontade de delinquir.
O tribunal a quo concluiu que a efetividade da pena de prisão era necessária para prevenir a prática de futuros crimes.
Em concreto:
A questão jurídica concreta é de uma manifesta simplicidade.
A simplicidade emerge da personalidade evidenciada pelo arguido, que insiste em reiterar a condução de veículos na via pública, encontrando-se embriagado, não obstante os seus (cinco) antecedentes criminais já significativos pela prática de tal crime – e tinha acabado de cumprir uma pena de dois meses de prisão efetiva apenas cinco meses e oito dias antes da prática do crime em causa nos presentes autos -.
Como é que o recorrente pretende convencer o tribunal em não reconhecer o óbvio, ou seja, que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência para não voltar a delinquir e que uma pena não privativa da liberdade seria suficiente para assegurar as finalidades da punição?
- Com a confissão do crime em julgamento?
- Com a sua integração social, familiar e profissional?
Não é suficiente.
O arguido já se encontrava integrado social, familiar e profissionalmente quando cometeu o crime in iudicium e existia nos autos prova documental e testemunhal suficiente para assegurar a sua condenação, caso não confessasse.
Em momento algum o arguido evidenciou uma mudança de atitude em relação à sua patologia que o conduz ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, não se inibindo de conduzir a seguir na via pública algum veículo.
Por conseguinte, este é daqueles casos em que o arguido demonstrou, por diversas vezes, não ter uma personalidade suficientemente forte para resistir ao consumo de bebidas alcoólicas e de conduzir algum veículo encontrando-se embriagado – mesmo já tendo cumprido uma pena de prisão efetiva, durante dois meses, por tal crime, bem como prisão por dias livres, entre outras penas -.
A finalidade de prevenção especial da pena resultaria completamente frustrada, se o arguido não fosse sujeito a prisão efetiva, sendo aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, uma vez que o arguido não revelou a necessária disponibilidade efetiva para alterar o seu padrão comportamental ilícito criminal e, por conseguinte, tal solução é afastada, por contrariar o disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
3ª questão
Do alegado erro jurídico que resultou na não aplicação de pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância;
O recorrente pretende, a título subsidiário, que a pena de prisão que lhe foi aplicada seja cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Invoca, para o efeito, o disposto no artigo 44º do Código Penal.
Porém, igualmente sem razão.
Tal possibilidade legal encontra-se prevista no artigo 43º, nº 1, al. a), do Código Penal:
"1. Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;"
Encontrando-se satisfeita a segunda condição formal – uma vez que a pena de prisão aplicada é de seis meses de prisão, sendo inferior a dois anos -, conclui-se, perante a leitura dos factos provados, que não se mostra preenchido o primeiro requisito formal – o consentimento do arguido para a execução da prisão em regime de permanência na habitação – o qual constitui um ato pessoal que teria de ser prestado antes do encerramento da discussão em sede de julgamento na primeira instância, para poder ser considerado na decisão final, incluindo a presente, que é proferida em sede de recurso.
A lei especial que regula a forma de prestação de tal consentimento concretiza que este é prestado por simples declaração pessoal deste (artigo 4º, números 2 e 3 da Lei nº 33/2010, de 2 de Setembro), apenas não tendo de prestá-lo, se não possuir o discernimento necessário para avaliar o sentido e o alcance do consentimento (nº 7 do mesmo artigo, na redação introduzida pelo artigo 8º da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto) – o que não é o caso do arguido em apreço -.
Além disso, esta lei especial também exige o consentimento das pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido, mas em relação a estas – e somente estas - o consentimento poderá ser prestado posteriormente, ex vi do artigo 4º, nº 5, in fine, do citado diploma.
Na instância de recurso não há lugar a um novo julgamento, mas apenas à apreciação do mérito da impugnação da decisão proferida na primeira instância.
Finalmente, os requisitos materiais também não se mostram preenchidos, tendo em conta a atitude constante de desrespeito das normas penais pelo arguido e à circunstância do mesmo ter cometido o crime in iudicium apenas cinco meses e oito dias após a sua restituição à liberdade na sequência do cumprimento de uma pena de dois meses de prisão por crime idêntico – o que leva a concluir pela elevada possibilidade do arguido desrespeitar a obrigação de permanência na habitação, embriagando-se e voltando a conduzir sob a influência de álcool -.
Deste modo, conclui-se que a personalidade evidenciada pelo arguido afasta a possibilidade de aplicação de regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância à luz do estatuído no corpo do artigo 43º do Código Penal, uma vez que a mesma não asseguraria, suficientemente, a proteção dos bens jurídicos que é um dos fins das penas enunciados no artigo 40º, nº 1, do Código Penal –.
Pelo exposto, a solução subsidiária pretendida pelo recorrente - de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação - não é viável, por não se verificar um dos requisitos formais, nem os requisitos materiais legais.

4ª questão
Do alegado erro jurídico que resultou na não aplicação de prisão por dias livres.
O recorrente ainda formula uma última pretensão recursória subsidiária: "Se nenhumas das anteriores penas de substituição forem de aplicar ao caso concreto, restará ainda uma última possibilidade de substituição da pena de prisão que consiste na pena de prisão por dias livres prevista no art. 45.º do C.P."
Para tanto alega que o tribunal a quo limita-se a afirmar que não se lhe afigura viável a aplicação da pena de prisão por dias livres ou do regime de cumprimento na habitação, sem fundamentar concretamente as razões, apenas fazendo referência ao insucesso das penas anteriores.
A favor da escolha da prisão por dias livres, o recorrente invoca a sua idade (52 anos de idade) e a inserção social, familiar (casado há 32 anos, dependendo a sua mulher da sua presença não só no plano financeiro) e profissional.
A execução da pena de prisão por dias livres permitiria realizar a tutela do bem jurídico violado, assim se satisfazendo as exigências de prevenção geral e teria, de igual forma, potencialidades de facilitar a ressocialização do arguido, satisfazendo as exigências de prevenção especial, sem estender, de forma gravosa, as consequências da sua punição ao seu agregado familiar restrito, assim como às suas obrigações profissionais.
Cumpre apreciar e decidir esta última pretensão do recorrente.
O recorrente pretende a substituição da pena de prisão efetiva por uma pena de prisão por dias livres.
Em primeiro lugar, importa assinalar que após a prática do crime pelo arguido, prolação da sentença recorrida pelo tribunal a quo e da própria interposição do recurso pelo arguido, entraram em vigor[10] os artigos 2º e 13º, al. a), da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, que alteraram o Código Penal, eliminando, designadamente, a pena de prisão por dias livres do catálogo de penas previstas no Código Penal, ao alterar completamente a redação do artigo 45º deste Código.
Por conseguinte, ocorre uma situação de sucessão de leis penais no tempo que deverá ser solucionada à luz do disposto no artigo 2º, nº 4, do Código Penal:
"Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; (…)."
Uma vez que já se chegou à conclusão de que à luz do novo regime penal introduzido pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto não seria admissível a aplicação da pena de prisão por dias livres, resta apurar se o regime penal em vigor à data da sentença - que admitia, em abstrato, tal possibilidade legal – se mostra concretamente mais favorável ao arguido, para os efeitos previstos no citado artigo 2º, nº 4, do Código Penal.
Como decorria da norma legal que a previa (artigo 45º do Código Penal), a pena de prisão por dias livres tinha como pressuposto formal a condenação do arguido em pena de prisão não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, e como pressuposto material que esta pena de substituição realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Verificado que está o referido pressuposto formal, uma vez que a pena concreta aplicada – e mantida pelo tribunal superior – é de seis meses de prisão, resta ponderar se o pressuposto material se verifica.
A pena de prisão por dias livres, ainda que não seja cumprida de forma contínua, determina o cumprimento institucional e uma efetiva privação da liberdade – essencial, in casu, para assegurar as finalidades da punição, como já referido -.
Não se ignora que já foi aplicada, sem sucesso, tal pena de substituição, que cumpriu, e nem isso o inibiu de voltar a cometer o mesmo crime. Porém, essa circunstância não permite que se desvalorize totalmente a sua eficácia preventiva, uma vez que a privação de liberdade, ainda que por dias livres, permitirá ao recorrente refletir seriamente sobre as graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso e, espera-se, contribuirá, finalmente, para a interiorização da necessidade de adequar as suas condutas aos valores sociais tutelados pelas normas penais.
Recorda-se que uma pena curta de prisão efetiva – como aquela que foi a opção do tribunal a quo – também não surgiu o necessário efeito.
Por outro lado, a prisão por dias livres terá a vantagem de permitir que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente, permitindo que continue a exercer a sua atividade profissional, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno – com um eventual recrudescimento do abuso de bebidas alcoólicas associadas à frustração por uma provável perda de emprego – emergente do cumprimento de uma pena curta de prisão.
Importa também salientar que o veículo conduzido pelo arguido no âmbito da prática criminosa é um velocípede sem motor, o qual apresenta uma capacidade menor de atingir com gravidade os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em causa, devendo aqui ter-se presente o princípio da proporcionalidade da reação penal.
A prisão por dias livres não impedirá o recorrente de manter o seu emprego, de apoiar a sua família e de prosseguir o tratamento ambulatório da sua patologia associada ao abuso de consumo de bebidas alcoólicas. Tudo dependerá – como sempre dependeu – dele mesmo. Com a solução em apreço, o arguido não poderá atribuir qualquer responsabilidade aos tribunais por qualquer eventual desaire na sua vida.
A prisão por dias livres terá a vantagem de se traduzir numa efetiva privação da liberdade, em meio prisional – sem os efeitos nefastos do seu cumprimento consecutivo, designadamente ao nível da possível perda de emprego -, tendo o arguido consciência de que se for novamente fiscalizado no exercício da condução, encontrando-se alcoolizado como já esteve no passado, será quase impossível de evitar a sua prisão efetiva, por um período bem mais longo, com efeitos significativos na sua vida pessoal e profissional.
Face a todo o circunstancialismo exposto, é de substituir a pena de seis meses de prisão pela pena de prisão por dias livres que consiste na privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 72 períodos (artigo 45.º, n.º 2, do Código Penal).
Cada período equivale a 5 dias de prisão contínua, e tem a duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito horas (n.º 3 do artigo 45º do Código Penal), podendo os feriados que antecederem ou se seguirem a um fim-de-semana ser utilizados para a execução da prisão por dias livres, sem prejuízo da duração máxima estabelecida para cada período (n.º 4 do mesmo artigo).
Aplicando esse regime legal ao caso concreto, o arguido terá de cumprir a prisão por dias livres durante trinta e seis períodos (36 períodos x 5 dias = 180 dias, ou seja, seis meses).
Cada período terá a duração de 36 horas e será cumprido entre as oito horas de sábado e as vinte horas do domingo seguinte, sem prejuízo do disposto no artigo 45.º, n.º 4, do Código Penal quanto a feriados.
Nestes termos, revelando-se concretamente mais favorável ao arguido esta solução jurídica (prisão por dias livres), encontrada à luz da lei em vigor à data do crime, do que aquela que resultaria da aplicação do regime penal atualmente em vigor (prisão efetiva), aplicar-se-á nesta decisão o regime penal mais antigo.
Contudo, importa assegurar ainda ao arguido a possibilidade legal prevista no artigo 12º, nº 1, als. a) e b), da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto[11].
*
O recurso é, assim, julgado parcialmente provido.
*
Das custas
Sendo o recurso julgado parcialmente provido, não há lugar ao pagamento de custas.
*
*
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes ora subscritores, do Tribunal da Relação do Porto, em conceder parcial provimento ao recurso do arguido B... e, em consequência, decidem:
- substituir a pena de seis meses de prisão por prisão por dias livres, consubstanciada na privação da liberdade por 36 (trinta e seis) períodos correspondentes a fim-de-semana, com a duração de 36 (trinta e seis) horas, sendo cumprido entre as oito horas de sábado e as vinte horas do domingo seguinte, sem prejuízo do disposto no artigo 45.º, n.º 4, do Código Penal (na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro) quanto a feriados e com início no terceiro fim-de-semana após o trânsito em julgado; e
- assegurar ao arguido, ainda, a possibilidade legal prevista no artigo 12º, nº 1, als. a) e b), da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 7 de Fevereiro de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] A sentença recorrida evidencia nesta passagem um manifesto lapso de escrita, uma vez que o veículo conduzido pelo arguido foi um velocípede – o que não afasta a qualificação jurídica dos factos -..
[4] Evidencia-se nesta passagem da fundamentação da sentença recorrida outro lapso de escrita, uma vez que o tribunal optou pela pena de prisão – e não de multa -, não fazendo sentido a referência a esta pena na concretização da pena concreta.
[5] Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Português. Anotado e comentado, 15ª edição, 2002, p. 197, notas 1 e 2, «Os pressupostos e a duração da suspensão da execução da pena constavam do artº 48º da versão originária do Código, o qual tivera por fontes, além do artº 88º do CP de 1886, os arts. 62º e 63º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, discutidos nas 22ª e 23ª sessões da Comissão Revisora, em 10 e 17 de Maio de 1964 e a Base VIII da Proposta de Lei nº 9/X. Este artigo foi discutido nas 4ª, 6ª, 15ª e 41ª sessões da CRCP, em 14 de Fevereiro, 13 de Abril e 12 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990. (...) Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos (…)»
[6] Ibidem, § 519.
[7] Anabela Rodrigues, A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade, Coimbra, 1982, pág. 78 e seguintes, Almeida Costa, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 65º, 1989, pág. 19 e seguintes e Miranda Pereira, "Ressocialização", Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, V, 1987.
[8] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2003, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -, tomo II, 2003, pág. 221: «Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.»
[9] Mantém-se parcialmente válida a ratio legis evidenciada no Relatório da Proposta (constante do Diário da Câmara dos Deputados de 26 de Maio de 1893), que está na base da Lei de 6 de Julho de 1893 - que introduziu em Portugal a suspensão condicional da pena -: «Fica ao prudente arbítrio dos magistrados e dos tribunais a apreciação do carácter moral do delinquente, os seus antecedentes e costumes, das circunstâncias do crime, das causas externas e internas que o determinaram, o exame escrupuloso de todos os factos que os autorizem a aplicar a disposição da lei com discernimento e seguras probabilidades de êxito.»
[10] A data da entrada em vigor deste diploma é de 21 de Novembro de 2017 - ou seja, noventa dias após a publicação do diploma que ocorreu em 23 de Agosto do mesmo ano -, por força do disposto no seu artigo 14º do seu texto legal.
[11] "1.O condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que:
a) A prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou
b) A prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei."