Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
584/17.4T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: COMPRA E VENDA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20190308584/17.4T8FLG.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 878, FLS 96-117)
Área Temática: .
Sumário: I - No cumprimento defeituoso de uma obrigação o devedor até pode realizar a totalidade da prestação mas fá-lo mal, ao arrepio das condições devidas.
II - No caso da garantia de bom funcionamento, quando prevista contratualmente, o vendedor assegura, por certo período de tempo um determinado resultado: a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa.
III - Este facto tem óbvias consequências no campo probatório: assim, ao comprador basta provar o mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia; para o vendedor fica a prova mais difícil, ou seja, demonstrar que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa.
IV - De tal modo, que a responsabilidade só será afastada se o garante demonstrar e provar que o mau funcionamento ou a existência dos defeitos denunciados se ficaram a dever ao mau uso feito da coisa vendida por acção dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 584/17.4T8FLG.P1

I – Relatório
Recorrente(s): B....
Recorrido(s): C..., Lda.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Felgueiras.
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B..., residente na Rua ..., r/c – B – ..., Felgueiras, intentou a presente acção, com a forma de processo comum, contra C..., Ldª, com sede na ..., n.º ..., ..., .... – .. ..., ..., concelho de Sintra, onde termina peticionando a condenação da ré no pagamento da quantia de 8.760,32 € acrescida de juros vincendos à taxa legal, contados desde a citação até total e efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que é mecânico de profissão e, no âmbito desta, adquiriu à ré um motor automóvel reconstruído que colocou num veículo de um cliente. Tal motor tinha a garantia de 2 anos, sem limite de km. Durante este período o motor avariou tendo sido substituído por outro, para onde a garantia foi transferida, e que teve o mesmo destino. A ré procedeu à reparação do motor e exigiu o pagamento de tal reparação, alegando que a garantia havia caducado na sequência da abertura que o autor fez do motor. Em face da pressão que sofria dos clientes, o autor aceitou pagar à ré o valor por esta exigido pela reparação do motor.
Pede agora a devolução do valor pago, alegando que a avaria estava coberta pela garantia. Mais pede que a ré seja condenada a pagar outros danos patrimoniais e morais.
A ré, contestou, alegando, que vendeu ao autor um primeiro motor que teve uma avaria e foi substituído, no âmbito da garantia que presta, por outro que acabou por dar também problemas. Nega que tenha autorizado o autor a proceder à desmontagem e montagem do motor, porquanto a garantia que presta caduca com tais actuações. Adianta que o autor aceitou que a garantia caducou pelo facto de ter mexido no motor, tendo o autor pago o valor resultante daquela reparação.
Termina por pedir absolvição do pedido.
Tramitada a causa, procedendo-se à realização de audiência e discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença a qual ora se transcreve na sua parte dispositiva:
Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo a ré “C..., Ldª” do pedido.
Custas processuais a cargo do autor– art.º 527.º, n.º1 e 2 do CPC.
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Inconformado o autor deduziu o presente recurso relativamente a tal decisão onde formula as seguintes conclusões:
1- No entender do Recorrente o ponto 37 dos factos provados foi erradamente julgado, na medida em que do conjunto da prova produzida, designadamente das declarações de parte do Recorrente e do depoimento da testemunha D... tal matéria deve ser julgada por não provada.
2- O Tribunal Recorrido considerou que a prova desta matéria resultou do depoimento prestado pelas testemunhas E... e F..., “que são possuidores de conhecimentos técnicos inquestionáveis. Considerou ainda que o seu depoimento é corroborado pelo facto do Recorrente ter admitido em juízo que apenas viu a fissura do motor quando o desmontou pela segunda vez, porquanto se a fissura já existisse, o Recorrente tê-la-ia visto aquando da primeira desmontagem que fez do motor, o que não ocorreu.” O Tribunal Recorrido entendeu que “o autor não atuou como as legis artis lhe exigiam e com isso provocou a fissura do motor, e esta atuação fez caducar a garantia que o motor beneficiava.” O Tribunal Recorrido entendeu ainda que: “esta conclusão não é posta em causa pelas declarações da testemunha D..., que afirmou que tal fissuração se deve a deficiente fundição do motor. Com efeito, ainda que o depoimento desta testemunha tenha merecido credibilidade, a verdade é que a sua afirmação foi colocada em causa por duas testemunhas com níveis de conhecimento técnico muito superior ao seu, pelo que terá de lhes conferir relevância.”
3- O Recorrente entende que do depoimento das referidas testemunhas E... e F... não resulta a prova da referida matéria, o primeiro porque, de uma maneira geral, apenas referiu que receberam o motor já com a cabeça desmontada e que a determinação do problema foi feita em Portugal pela Recorrida e que eles se limitaram a confirmar. Mais referiu que declinaram a responsabilidade da reparação do motor pelo facto da cabeça ter sido desmontada sem autorização e a garantia não o permitir. Por outro lado, o conhecimento da referida testemunha baseou-se principalmente nos documentos e fotografias que lhe haviam sido enviadas pela Recorrida, como facilmente se alcança do seu depoimento na parte que supra se transcreveu (inquirição gravada das10:12:16 horas às 11:26:08 (00:13:45 a 00:14:35).
4- Quanto à testemunha F..., o mesmo é funcionário da Recorrida há apenas 8 meses, pelo que o seu conhecimento é posterior à ocorrência dos factos, como facilmente se alcança do seu depoimento na parte que supra se transcreveu (inquirição gravada das 12:51:42 horas às 13:11:41 horas (00:01:51 a 00:02:42). Por outro lado, o depoimento prestado por esta testemunha não permitia ao Tribunal Recorrido concluir que a fissura entre o buraco do parafuso e a parede do cilindro foi causada pela desmontagem da cabeça e remontagem feita pelo Autor sem observância das condições de limpeza adequadas, porquanto esta testemunha referiu que a fissura no motor foi provocada posteriormente e a causa da avaria do veículo tinha a ver com a passagem da água para o sistema de refrigeração, ou seja, uma causa que é externa ao motor, como facilmente se alcança do seu depoimento na parte que supra se transcreveu (inquirição gravada das 00:07:24 a 00:07:47 e das 00:09:45 às 00:13:26).
5- Porém, a tese defendida por esta testemunha de que a avaria do veículo não tinha a ver com o motor, não merece credibilidade, porquanto, a ser verdade que os selos do motor se encontravam danificados/queimados – facto que sempre fora do conhecimento da Recorrida – não se encontra qualquer explicação lógica ou plausível para a Recorrida ter autorizado o Recorrente a levar a cabo uma série de testes no motor, quando afirma vivamente que o problema lhe era exterior. Em boa verdade, a considerar-se a assim ter sido, seria atentar contra todas as regras da experiência!
6- No entender do Recorrente, a Recorrida deu autorização ao Recorrente para intervencionar o motor com o intuito de detetar alguma anomalia naquele equipamento, porquanto sabia que era aí que estava a causa da avaria do veículo, como, aliás, resulta da matéria de facto provada, designadamente no ponto 11, onde o Tribunal Recorrido considerou provado que: “A Ré deu autorização ao Autor para que este desmontasse a cabeça do motor (ou colaça) e fizesse os devidos testes – facear e testar a colaça, a fim de tentar resolver a avaria do motor”.
7- Por outro lado, o referido testemunho, inclusive, está em contradição com o testemunho do Senhor G..., funcionário da Recorrida que acompanhou todo o processo desde a venda do motor até à problemática em causa nos autos, como facilmente se alcança do seu depoimento na parte que supra se transcreveu (inquirição gravada das 12:15:59 horas às 12:47:17 horas (00:30:26 a 00:30:50).
8- Atento o exposto, é forçoso concluir-se que a Recorrida era do entendimento que o problema do veículo estava efetivamente relacionado com o motor e não com um periférico, como defende a referida testemunha.
9-Por outro lado, no entender do Recorrente, das declarações de parte prestadas pelo próprio Recorrente em Audiência de Julgamento e do depoimento prestado pela testemunha D... resulta precisamente a prova do contrário ou, pelo menos, a dúvida, quanto à causa da fissura existente no motor, sendo que a sua existência foi dada como provada no ponto 15 da matéria de facto provada.
10- Desde logo, das declarações prestadas pelo Recorrente, que é mecânico há 25 anos, na parte que supra se transcreveram (inquirição gravada das 11:28:04 horas às 12:07:47 horas (00:05:24 a 00:08:15), (inquirição gravada das 11:28:04 horas às 12:07:47 horas (00:32:05 a 00:32:20), inquirição gravada das 11:28:04 horas às 12:07:47 horas (00:14:19 a 00:14:49), inquirição gravada das 11:28:04 horas às 12:07:47 horas (00:34:07 a 00:34:29) em confronto com os documentos n.º 5 e 13 juntos com a petição inicial, resulta, sem margem para qualquer dúvida, que o Recorrente não visualizou a fissura da primeira vez que desmontou a colaça do motor, porque não limpou essa parte do motor, e não porque a fissura não existia ainda. Do seu depoimento resulta ainda que a fissura não só existia, mas também fora provocada por ter ocorrido uma falha na fundição do motor e que foi esta fissura a causa da avaria do veículo.
10- As mesmas conclusões resultam do depoimento prestado em Audiência de Julgamento em 27/09/2018, pela testemunha D..., que também é mecânico há pelo menos 25 anos, e acompanhou bem de perto o Recorrente em todas as intervenções que este logrou fazer no motor, conforme se pode verificar da análise do seu depoimento, designadamente nas partes que supra se transcreveram (inquirição gravada das 15:06:58 horas às 15:46:01 horas (00:02:58 a 00:03:12), inquirição gravada das 15:06:58 horas às 15:46:01 horas (00:05:39 a 00:08:08), e inquirição registada das 15:06:58 horas às 15:46:01 horas (00:08:48 a 00:11:55).
11- Por outro lado ainda, o Recorrente entende que a experiência profissional de 25 anos que o Recorrente e a referida testemunha possuem lhes confere o mesmo grau de relevância e credibilidade que mereceram ao Tribunal Recorrido o depoimento prestado pelas referidas testemunhas em que se baseou para fundamentar a sua convicção.
12- Do confronto das declarações prestadas pelo Recorrente e do depoimento prestado pela testemunha D..., ambos mecânicos há 25 anos, o Tribunal Recorrido deveria ter concluído que o motor tinha o bloco do motor partido, que tal devia-se ao facto de ter havido um problema na sua fundição e que foi esta fissura que provocou a avaria do veículo.
13- Acresce que, dos referidos depoimentos resulta que, quer antes da intervenção do Recorrente no motor, quer após esta intervenção, o veículo apresentava exatamente as mesmas anomalias, pelo que, e conforme resulta das regras da lógica e da experiência, não se pode inferir que tenha sido o Recorrente a causar a fissura no bloco do motor.
14- Do conjunto da prova produzida era forçoso concluir-se que a referida fissura no motor não só é anterior à intervenção do Recorrente no equipamento, bem como a única e verdadeira causa da avaria do motor.
15- Repare-se que a testemunha G..., cujo depoimento, em parte, supra se transcreveu, esclareceu que foi esta a única reparação efetuada no motor. Repare-se ainda que do depoimento de todas as testemunhas ouvidas em sede de julgamento resulta que o motor, ou melhor a fissura existente no motor, foi reparada pela Recorrida e o problema do veículo ficou resolvido.
16- Ora, se a fissura no motor não fosse a causa da avaria do veículo automóvel, não se percebe a razão pela qual a sua reparação resolveu o problema do veículo. Por outro lado, se assim não fosse, e se concluísse que a fissura foi provocada pelo Recorrente, num momento posterior à avaria do veículo, tal como fez o Tribunal Recorrido, então urge perguntar-se qual foi a causa da avaria do veículo? Porque razão é que a Recorrida mandou desmontar o motor e o enviou para o seu fabricante para reparação? Como se explica que a reparação da fissura existente no motor tenha resolvido a avaria do veículo?
17- Acresce que, caso assim se não entenda, mesmo assim a Recorrida deve ser condenada a pagar ao Recorrente a indemnização decorrente do incumprimento da obrigação de reparação do veículo, atenta a restante matéria dada como provada, designadamente, nos pontos 5, 9, 10 e 11 da matéria de facto provada.
18- Com efeito, atentos os factos provados e o disposto no artigo 921º do C.C, impunha-se à Recorrida a obrigação de reparação do motor, porquanto a mesma não logrou demonstrar que a garantia tinha caducado, tal como havia alegado para excepcionar o direito do Recorrente.
19- Assim sendo, mesmo que se considere que foi por culpa do Recorrente que o motor ficou fissurado, nos termos constantes no ponto 37 dos factos provados, este facto não afasta a obrigação de reparação que impendia sobre a Recorrente, na medida em que este facto ocorreu em momento posterior à avaria do motor, pelo que a causa da avaria do motor ficaria por apurar, não afastando, assim, de acordo com o regime legal aplicável, a obrigação de reparação que recaía sobre a Recorrida.
20- Ao considerar como não provada a referida matéria, a Recorrida deve ser condenada a pagar ao Recorrente a indemnização decorrente do incumprimento da obrigação de reparação do veículo a que estava obrigada por força da garantia prestada ao Recorrente aquando da venda do motor.
21- O Tribunal Recorrido também julgou erradamente as alíneas a) a d) da matéria de facto não provada, porquanto da prova testemunhal ouvida em sede de julgamento, resulta a prova de tais factos, pelo que tais factos deveriam ser julgados como provados.
22- Com efeito, quanto à matéria de facto em causa nas referidas alíneas depuseram em Audiência de Julgamento de 27/09/2018 o Recorrente, B..., (inquirição gravada das 11:28:04 horas às 12:07:47 horas), e a Testemunha D..., (inquirição gravada das 15:06:58 horas às 15:46:01 horas).
23- Se analisarmos o depoimento das referidas testemunhas nas partes que supra se transcreveram, designadamente o Recorrente (encontrando-se as transcrições entre os minutos 00:15:38 a 00:20:30) e a testemunha D..., (encontrando-se as transcrições entre os minutos 00:18:24 a 00:24:48), verificamos que ficou demonstrado o tempo despendido na montagem e desmontagem do motor, bem como o valor despendido na aplicação dos materiais necessários à execução deste trabalho.
24- O Tribunal Recorrido também fez uma errada interpretação e aplicação do direito, designadamente dos artigos 339.º, 342º, 798.º, 799.º, 913.º, 914º, 921.º e 1207.º e seguintes do C.C.
25- Com efeito, considerando a matéria de facto provada verifica-se que entre o Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato de compra e venda, tendo sido convencionada uma garantia de bom funcionamento da coisa, pelo que tal contrato está sujeito à disciplina do artigo 921º do C.C.
26- Atento o regime legal aplicável, o comportamento da Recorrida consubstancia a recusa em proceder à reparação do motor, contrariando a obrigação emanada da garantia convencionada. Ou seja, o comportamento da Recorrida configura uma situação de incumprimento contratual, porquanto a mesma não cumpriu a obrigação de reparação decorrente do contrato que celebrou com o Recorrente.
27- Em consequência do incumprimento contratual da Recorrida, “O Autor deu ordem de reparação à Ré por exigência da sua cliente que precisava do veículo para assegurar o cumprimento do contrato de transporte de pessoas que tinha celebrado e estava a ter um prejuízo muito elevado com a sua paralisação, sob pena de avançar com uma ação judicial.” – ponto 22 dos factos provados.
28- O Tribunal Recorrido, partilhando do mesmo entendimento do Recorrente, considerou que, em virtude da convenção de garantia de bom funcionamento, ao Recorrente bastava fazer prova do mau funcionamento da coisa, o que logrou provar. Por sua vez, à Recorrida cabia excecionar aquele direito, o que não logrou provar, porquanto da matéria de facto provada resulta que a Recorrida autorizou que o Recorrente desmontasse o motor, pelo que o seu direito não caducou.
29- Porém, o Tribunal Recorrido considerou que “após aceitar aquele acordo de reparação, o autor não só prescinde, ainda que de forma tácita, dos direitos eventualmente conferidos pela convenção de garantia de bom funcionamento, como esta demanda poderá também consubstanciar abuso de direito da sua parte, uma vez que levou a ré a reparar, em face do acordo de que tal reparação seria paga, efetuou o pagamento e agora faz um volta atrás no acordo.”
30- Salvo o devido respeito, é desprovida de qualquer sentido a argumentação do Tribunal Recorrido que se transcreveu. Se se aceita, por responder à verdade, que o Recorrente mandou reparar o motor, também como verdade deverá ser dito que o fez em virtude da recusa da Recorrida em reparar o equipamento e em consequência da pressão exercida pela sua cliente, conforme ficou provado.
31- Neste sentido, não se pode anuir com o decidido pelo Tribunal Recorrido ao afirmar que “ainda que o autor não concordasse com o facto de ter de pagar, certo é que o fez e os factos invocados para justificar tal atitude não consubstanciam fundamento para os pedidos que faz.”
32- Impunha-se, de direito e de justiça, que aquela instância interpretasse e concluísse que o Recorrente agiu em Estado de Necessidade, nos termos consagrados no art.º 339.º do C.C, pois a sua atuação visou dar cumprimento ao compromisso assumido com a sua cliente e, essencialmente, tentar evitar a ação judicial que esta estava na eminência de intentar contra si, onde a condenação do ora Recorrente e demais custos seria, por certo, muito superior à da reparação do equipamento.
33- O comportamento da Recorrida consubstancia ainda uma situação de incumprimento da obrigação de reparação a que estava vinculada, o que possibilita ao comprador a possibilidade de pedir uma indemnização nos termos gerais, conforme decorre do estatuído no artigo 798.º do C.C., acompanhado da presunção de culpa - 799.º do mesmo diploma – que, atenta a alteração da matéria de facto requerida, se julga que a Recorrida não logrou afastar.
34- Motivo pelo qual, também por esta razão deve a ação ser julgada procedente e condenada a Recorrida no pagamento da indemnização peticionada pelo Recorrente, no valor de 8.760,32€, acrescida do respetivo IVA e juros moratórios que se vencerem a contar da citação e até integral pagamento.
35- Com efeito, no pedido que formulou, o Recorrente não peticionou o pagamento do IVA de parte dos danos patrimoniais, designadamente no que diz respeito à montagem e desmontagem do motor e materiais aplicados, porém, tratou-se de um mero erro de escrita, pois tal facto foi alegado em sede de petição inicial, como facilmente se verifica pela leitura deste articulado. Pelo que, se requer que, em sede de recurso, seja corrigido o referido erro, condenando-se a Recorrida no pagamento do referido IVA.
Termina o apelante requerendo que seja dado provimento ao presente Recurso, alterando-se a matéria de facto provada e não provada nos termos supra alegados e, bem assim, revogada a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, acórdão que conde a Ré a pagar ao Autor a quantia de 8.760,63€, acrescida do respectivo IVA, e acrescida ainda dos respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, a contar da citação até integral pagamento.
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II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
No caso, está em causa:
I) Impugnação da matéria de facto;
II) Erro na interpretação e aplicação do Direito.

III) Factos Provados
Foram dados como provados os seguintes factos pelo tribunal recorrido:
1- O Autor é um empresário em nome individual, que se dedica à reparação de veículos automóveis, no âmbito da mecânica.
2-A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de comércio, importação e exportação de peças novas, usadas e reconstruídas de veículos automóveis, motociclos e outros veículos motorizados; manutenção e reparação de automóveis, motociclos e outros veículos motorizados; compra, venda, importação e exportação de veículos automóveis, motociclos e outros veículos motorizados.
3- No exercício da atividade profissional de ambos, no dia 17 de Junho de 2016, o Autor adquiriu à Ré um motor reconstruído sem injecção.
4- O motor referido em 3) destinava-se a ser montado pelo Autor no veículo ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen e matrícula ..-QG-.., que é propriedade de H....
5- Aquando da venda do referido motor ao Autor, a Ré emitiu um certificado de garantia do motor, com o n.º .........., pelo período de 24 meses e sem limite de quilometragem.
6- Após a montagem do referido motor, o Autor apercebeu-se que o mesmo tinha falta de pressão de óleo, facto que denunciou à Ré.
7- A Ré assumiu o defeito e em Agosto de 2016, substituiu-o por um outro motor, também reconstruído, que o Autor montou no identificado veículo.
8- A garantia do primeiro motor referida em 5) transmitiu-se para o motor substituído.
9- Em dia que o Autor não consegue precisar, mas no final do mês de Dezembro de 2016, o identificado veículo avariou novamente, quando se encontrava em Espanha, junto à fronteira com França.
10- O Autor comunicou a avaria à Ré.
11- A Ré deu autorização ao Autor para que este desmontasse a cabeça do motor (ou colaça) e fizesse os devidos testes – facear e testar a colaça, a fim de tentar resolver a avaria do motor.
12- O Autor faceou e testou a colaça sem detectar qualquer problema e voltou a montar o motor.
13- Após a montagem o motor não funcionava.
14- Por indicação da Ré, o Autor desmontou novamente o motor.
15- Aquando da operação referida em 14) (a menção a 16) será um mero lapso) o Autor verificou que o bloco do motor estava partido.
16- O Autor enviou o motor para a Ré no dia 17 de Fevereiro de 2017.
17- Em inícios de Março de 2017, a Ré comunicou ao Autor que não assumia a reparação do motor e que teria de ser este a suportar o custo da reparação do motor, no valor de 2.500,00€, acrescido do IVA à taxa legal.
18-O Autor deu ordem de reparação do motor à Ré, no dia 13 de Março de 2017, pelo preço de 2.300,00€, acrescido de IVA à taxa legal.
19- Com a ordem de reparação, o Autor pagou de imediato 30% do preço, no valor de 848,70€, por transferência bancária.
20- A Ré entregou ao Autor o motor reparado no dia 3 de Abril de 2017.
21- Aquando da entrega referida em 20) o Autor pagou à Ré o preço restante no valor 1.980,30€, através do cheque bancário n.º .........., sacado sob o I..., a que corresponde a factura recibo n.º17/..., emitida em 31 de Março de 2017 pela Ré.
22- O Autor deu ordem de reparação à Ré por exigência da sua cliente que precisava do veículo para assegurar o cumprimento do contrato de transporte de pessoas que tinha celebrado e estava a ter um prejuízo muito elevado com a sua paralisação, sob pena de avançar com uma acção judicial.
23- Da garantia prestada pela ré consta: “este certificado não cobre reparações e/ou intervenções ao produto sem o conhecimento ou autorização”.
24- Após a entrega do motor pela Ré, o Autor montou-o novamente no supra identificado veículo automóvel e entregou-o ao seu proprietário no dia 9 de Abril de 2017.
25- Nos termos da garantia oferecida pela Ré ao Autor, havendo necessidade de substituição ou reparação de motor avariado, aquela comprometeu-se a reembolsá-lo do custo da mão-de-obra, no valor de 23,00€ à hora, acrescida do respectivo imposto de IVA, bem como do valor das peças substituídas.
26- O Autor despendeu mão-de-obra na desmontagem da cabeça do motor e posterior montagem, aquando da avaria e depois do mesmo ser reparado pela Ré
27- Para testar e facear a colaça o Autor teve gastos.
28- Aquando da desmontagem e montagem do motor, o Autor teve de aplicar os seguintes materiais:
a) Uma carga de ar condicionado;
b) óleo de motor
c) liquido no radiador
d) filtros de óleo
e) Líquido de limpeza;
f) Óleo de direcção assistida; e
g) 5 arringues de injectores;
29- Desde o final do mês de Dezembro de 2016 até ao dia 9 de Abril de 2017, a proprietária do veículo esteve privada do mesmo.
30- O veículo automóvel referido em 4) é utilizado pela sua proprietária, como táxi, no transporte de pessoas, para o qual a mesma possui uma licença.
31- Durante o período de tempo referido em 29), a proprietária do veículo teve de recorrer ao aluguer de um outro veículo automóvel junto da empresa J..., com sede na Rua ..., no edifício ..., ., n.º .., na ..., para assegurar o cumprimento dos contratos de transporte de pessoas que tinham assumido no referido período.
32-No aluguer do referido veículo automóvel, a identificada proprietária do veículo e o seu companheiro despenderam a quantia de 3.434,80€, quantia que exigem ao Autor o reembolso.
33- Durante o período referido em 29), a proprietária do veículo e o seu companheiro insistiram e pressionaram o Autor para que procedesse à reparação do veículo automóvel.
34-Esta situação provocou no Autor muita ansiedade e stress, deixando-o profundamente nervoso, ao ponto de não conseguir dormir.
35- O que o deixou profundamente revoltado, tendo vivido momentos de grande tensão e ansiedade.
36- A R. dedica-se à atividade de comércio, importação e exportação de peças novas, usadas e reconstruídas de veículos automóveis, motociclos e outros veículos motorizados, manutenção e reparação de automóveis, motociclos e outros veículos motorizados; compra e venda, importação e exportação de veículos automóveis, motociclos e outros veículos motorizados.
37- A fissura entre o buraco do parafuso e a parede do cilindro, foi causada pela desmontagem da cabeça e remontagem feita pelo Autor sem observância das condições de limpeza adequadas.

IV – Direito Aplicável
I) Cumprido o ónus alegatório decorrente do artigo 640º do CPC, cumprirá proceder à reapreciação da matéria de facto alvo de impugnação.
Alega a recorrente que deveria ter sido dado como não provado o seguinte facto:
37- A fissura entre o buraco do parafuso e a parede do cilindro, foi causada pela desmontagem da cabeça e remontagem feita pelo Autor sem observância das condições de limpeza adequadas.
Mais entende impor-se dar como provados os seguintes factos julgados indemonstrados pela primeira instância:
a)Na desmontagem da cabeça do motor e posterior montagem o Autor despendeu cerca de 14 horas de serviço.
b) Na desmontagem de todo o motor e montagem do motor, depois de o mesmo ser reparado pela Ré, o Autor despendeu cerca de 22 horas de serviço.
c) Para testar e facear a colaça o Autor despendeu a quantia de 50,00€.
d) Aquando da montagem da cabeça do motor e montagem do motor reparado pela Ré no veículo, o Autor teve de aplicar os seguintes materiais, no valor global de 368,83€,acrescido do respectivo IVA, à taxa legal:
- Uma carga de ar condicionado, no valor de 45,00€;
- 18 litros de óleo de motor 5 W 30, com a referência 507.00, no valor de 216,00€;
- 9 litros de liquido no radiador, no valor de 40,50€;
- Dois filtros de óleo no valor de 24,00€;
- Líquido de limpeza, no valor de 10,00€;
- Óleo de direcção assistida, no valor de 18,00€; e
- 5 arringues de injectores, no valor de 15,33€.
Pois bem. Procedeu-se à audição dos depoimentos prestados além da análise dos documentos juntos. No que concerne ao facto 37. que ora que se pretende dar como não provado, entendemos não existirem motivos para alterar o mesmo à luz dos depoimentos de parte e testemunhais, da prova documental, e ainda através do sopesamento da fundamentação do tribunal da primeira instância.
Na verdade, como se afirma na sentença, a prova testemunhal produzida assenta em dois vértices distintos: uma indicada pela ré que imputa a fissura do motor se deveu ao facto do autor o ter desmontado e procedido de forma defeituosa à sua montagem e outra veiculada pelo autor que o autor sustenta que assim não foi. Não iremos repetir o que resulta dos depoimentos de E... e F..., de um lado, e do próprio autor e D... já evidenciado na sentença recorrida; apenas sublinhamos duas situações que nos parecem de relevo.
Por um lado, o facto de ter sido referido que, mesmo antes da desmontagem do motor pelo autor, a garantia já estaria posta de parte na medida em que o motor apresentava os selos queimados e que este facto não poderia resultar nunca de um problema do motor mas necessariamente dos periféricos.
A outra prende-se com a análise do relatório da ré, presente a fls. 40 a 43 dos autos. No documento em causa resulta claro, desde logo, que os selos da temperatura estavam derretidos; além disso é reiterada a situação que se pretende demonstrar por fotografias juntas ao próprio relatório segundo a qual houve uma falha do autor que não limpou os buracos dos parafusos acumulando líquido de refrigeração sendo que, ao apertar, o líquido não comprime com a decorrente fissura entre o buraco do parafuso e a parede do cilindro. Note-se ainda que por K..., funcionário da ré que sempre contactou com o autor, foi dito que logo no início da análise do motor e quando se constatou que os selos estavam queimados, ficou praticamente arredado o uso da garantia pois sempre o dano seria imputável ao autor; depois, a causa última foi a dada como demonstrada no ponto 37 e que é uma decorrência do esforço do autor, perante a situação difícil em que logo se encontrava, com a garantia posta em causa pelo estado dos selos, em remediar o ocorrido tendo, tanto quanto é possível saber-se, acabado por estar essa actividade do apelante na origem da fissura.
Entende o recorrente que o tribunal teria que forçosamente concluir que a fissura no motor era anterior à intervenção do Recorrente no equipamento; pois bem, já procuramos explicar que não será assim no quadro lógico que o tribunal “a quo” deu como assente.
Houve uma primeira avaria não imputável ao motor de “per si” mas sim aos periféricos – com excesso de calor que queimou os selos – e só depois surge a fissura decorrente de uma intervenção desadequada do autor.
Em suma perante as versões conflituantes trazidas aos autos, nada permite a esta instância de recurso rebater as decisões da primeira instância, encontrando-se as opções tomadas devidamente fundamentadas e alicerçadas em prova documental e testemunhal efectivamente produzida e que não foi validamente contrariada nesta sede.
Resta apurar das horas e dos montantes alegadamente gastos pelo autor na operação de montagem da cabeça do motor e do motor em causa nos autos.
Importa começar por referir que o tribunal recorrido considerou que o recorrente efectivamente utilizou os materiais que alegou na sua Petição Inicial (artigos 49.º a 53.º), discordando, porém, pelo que dá como não provado, os quantitativos e respectivos preços por si indicados.
Assim, leia-se que foi dado como provado que:
“Nos termos da garantia oferecida pela Ré ao Autor, havendo necessidade de substituição ou reparação do motor avariado, aquela comprometeu-se a reembolsá-lo do custo da mão-de-obra, no valor de 23,00€ à hora, acrescida do pagamento do respectivo imposto de IVA, bem como do valor das peças substituídas.” – facto provado 25; “O Autor despendeu mão-de-obra na desmontagem da cabeça do motor e posterior montagem, aquando da avaria e depois do mesmo ser reparado pela Ré.” - facto provado 26; “Para testar e facear a colaça o Autor teve gastos.” – facto provado 27; “Aquando da desmontagem e montagem do motor, o Autor teve de aplicar os seguintes materiais: a. Uma carga de ar condicionado; b. Óleo de motor; c. Líquido no radiador; d. Filtros de óleo; e. Líquido de limpeza; f. Óleo de direcção assistida; e g. 5 arringues de injectores.” – facto provado 28.
O tribunal não indica porque aceita dar como provados todos os factos atinentes a essas actividades do autor com a reparação do motor e decorrente gasto com materiais e mão-de-obra mas depois não aceita os valores indicados e que concretizam, em termos patrimoniais, aquela actividade de reparação. Os valores indicados surgem como equilibrados e razoáveis à luz do que foi realizado, em termos de trabalho de mecânica automóvel, pelo autor; foram tais valores (em euros e em horas de trabalho) explicados, com conhecimento de causa, pela testemunha D....
Comungamos da asserção expressa na sentença apelada segundo a qual esta testemunha “esclareceu de forma minuciosa e credível” nomeadamente a intervenção da ré no processo tendo ficado claro que ajudou o autor “a mexer no motor”. Ora, escutado tal depoimento – cuja transcrição nesta parte consta, aliás, das alegações de recurso –, e não olvidando que não foi produzida qualquer prova em contrário, resulta, para nós, suficientemente demonstrado que a tais actividades correspondem gastos e que esses gastos são aqueles que, razoavelmente, surgem no petitório; não haverá razão para permitir que reste indeterminada a contabilização de uma despesa que, comprovadamente, ocorreu.
Conclui-se que o recorrente provou o tempo despendido com as desmontagens e montagens (quer da cabeça do motor, quer, posteriormente, do equipamento), com os preços e quantitativos por si indicado.
Deste modo, irá alterar-se a factologia nesta parte dando-se como provado que:
a)Na desmontagem da cabeça do motor e posterior montagem o Autor despendeu cerca de 14 horas de serviço.
b) Na desmontagem de todo o motor e montagem do motor, depois de o mesmo ser reparado pela Ré, o Autor despendeu cerca de 22 horas de serviço.
c) Para testar e facear a colaça o Autor despendeu a quantia de 50,00€.
d) Aquando da montagem da cabeça do motor e montagem do motor reparado pela Ré no veículo, o Autor teve de aplicar os seguintes materiais, no valor global de 368,83€,acrescido do respectivo IVA, à taxa legal:
- Uma carga de ar condicionado, no valor de 45,00€;
- 18 litros de óleo de motor 5 W 30, com a referência 507.00, no valor de 216,00€;
- 9 litros de liquido no radiador, no valor de 40,50€;
- Dois filtros de óleo no valor de 24,00€;
- Líquido de limpeza, no valor de 10,00€;
- Óleo de direcção assistida, no valor de 18,00€; e
- 5 arringues de injectores, no valor de 15,33€.

II) Entende ainda a apelante que, independentemente de se manter, ou não, como provado o facto 37 sempre a ré teria que ser condenada nos montantes peticionados.
Radica tal afirmação nos factos provados 5, 9, 10 e 11. Assim, a ré “emitiu um certificado de garantia do motor, com o n.º .........., pelo período de 24 meses e sem limite de quilometragem.” Sabe-se que o veículo que tinha o dito motor avariou e que o Autor comunicou a avaria à Ré. E provou-se no facto 11 que: “A Ré deu autorização ao Autor para que este desmontasse a cabeça do motor (ou colaça) e fizesse os devidos testes – facear e testar a colaça, a fim de tentar resolver a avaria do motor”.
Juridicamente, está em causa um contrato de compra e venda celebrado entre Recorrente e Recorrida e sujeito à disciplina do artigo 921º do C.C.
Ora, de acordo com o disposto neste normativo, “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la ou substituí-la, quando a sua substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.”
Deste modo, no entendimento da apelante, atentos os factos provados e o regime legal aplicável impunha-se à Recorrida a obrigação de reparação do motor, porquanto a mesma não logrou demonstrar que a garantia tinha caducado na medida em que a ré deu autorização ao recorrente para que este desmontasse a cabeça do motor, afastando a caducidade da garantia.
Por outro lado, mesmo que se considere que foi por culpa do Recorrente que o motor ficou fissurado, nos termos constantes no ponto 37 dos factos provados, este facto teria ocorrido em momento posterior à avaria do motor, que o Recorrente comunicou à Recorrida.
Assim sendo, tendo ficado provado que o motor avariou durante o período da garantia, recaía sobre a Recorrida a obrigação de proceder à sua reparação.
“Quid iuris”?
Não vem posto em crise pelas instâncias a tipicidade ou a qualificação jurídica do contrato que será, indubitavelmente, de compra e venda.
Nos termos do artigo 874.º do Código Civil: “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” e tem como efeitos essenciais: a) a transmissão da propriedade da coisa...; b) a obrigação de entregar a coisa; c) a obrigação de pagar o preço. (artigo 879º)
O devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (art. 406.º, n.º 1 do Código Civil).
Como categoria própria de incumprimento – entre a mora e o incumprimento definitivo – a doutrina tem procurado definir ou desenhar os contornos da figura do cumprimento defeituoso (chamada na doutrina alemã “violação contratual positiva”), afirmando que “na execução defeituosa o devedor realiza a totalidade da prestação (ou parte dela) mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas” (Brandão Proença, José Carlos, em “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pág. 137/138).
Perante um incumprimento defeituoso nomeadamente de quem vende a coisa, a lei civil consagra, no artigo 913º, nº 1, do Código Civil, uma obrigação de reparação: “se a coisa vendida sofrer de vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim”.
Porém, a par desta garantia, prevê o mesmo diploma legal a possibilidade de as partes convencionarem, no clausulado, a chamada “garantia de bom funcionamento”. Assim, o artigo 921º, nº 1 prescreve, como já citado acima, que “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou erro do comprador”.
Está, pois, em causa como nos explica Baptista Machado “um direito fundado directamente no contrato”, o que tem como natural consequência que “não pode de forma alguma ser um direito fundado no erro”, o que acarreta que, “os quadros da teoria do erro e os princípios específicos do regime de anulação por erro não podem ter aplicação aos problemas da venda de coisas defeituosas” (Obra Dispersa, Vol. I, Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, página 104).
No caso da garantia de bom funcionamento, prevista contratualmente, o vendedor assegura, por certo período de tempo (no caso dois anos), um determinado resultado: a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa.
Este facto tem óbvias consequências no campo probatório: ao comprador cumpre apenas provar do mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia; para o vendedor fica a prova mais difícil, ou seja, demonstrar que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa, ilidindo assim a presunção da anterioridade ou contemporaneidade do defeito que caracteriza a garantia convencional (neste sentido, desenvolvidamente, Acórdão do STJ de 2 de Março de 2010, processo nº 323/05.2TBTBU.C1.S1, em dgsi.pt).
A garantia de bom funcionamento dada pelo vendedor ao comprador no contrato ente ambos surge, portanto, como um “algo mais” que acresce à protecção consagrada no artigo 913º e seguintes. Tal garantia impõe um dever objectivo de responsabilização do vendedor da coisa garantida. De tal modo, que a responsabilidade só será afastada se o garante demonstrar e provar que o mau funcionamento ou a existência dos defeitos denunciados se ficaram a dever ao mau uso feito da coisa vendida por acção dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções.
Vejamos o caso concreto. Sabe-se que a vendedora, por força do contrato celebrado com o comprador, se responsabilizou pelo bom funcionamento do motor, pelo prazo de dois anos, após a venda do veículo, sem limite de quilometragem.
Ficou igualmente provado que, durante o prazo de garantia referido, o motor avariou.
Donde, o A. cumpriu a sua missão no processo: alegou e provou o defeito no período da garantia.
Perante isto, sobre a R./vendedora impendia o ónus de alegar e provar que a causa da referida avaria tinha sido posterior à venda e imputável ao comprador para poder eximir-se da obrigação indemnizatória.
Vejamos se o fez.
Sabe-se que “a fissura entre o buraco do parafuso e a parede do cilindro, foi causada pela desmontagem da cabeça e remontagem feita pelo Autor sem observância das condições de limpeza adequadas”; ou seja, culpa negligente do comprador que esteve na origem desta avaria.
Dir-se-á, porém, objectando, que, aquando da desmontagem da cabeça e remontagem feita pelo autor, o motor já teria problemas os quais estiveram na origem precisamente da actividade encetada pelo autor.
Aventou-se, como ficou expresso aquando da impugnação da matéria de facto, que o motor teria os selos queimados o que, igualmente, afastaria a garantia prestada pela vendedora na medida em que tal situação resulta necessariamente de acção indevida do comprador (ou de quem este confiou a coisa); não consta, contudo, da decisão esse concreto facto.
Para chegar a uma conclusão válida perante a factologia apurada, teremos, a nosso ver, que nos ater ao que igualmente decorre dos factos apurados 14 e 15 e que consubstancia o momento em que o autor se apercebe, e comunica definitivamente, a avaria do motor.
Leia-se:
14- Por indicação da Ré, o Autor desmontou novamente o motor. 15- Aquando da operação, o Autor verificou que o bloco do motor estava partido. Note-se que imediatamente antes o autor não detectara qualquer problema no motor ao facear a colaça (Facto 12) ao invés do que comunicara, em data bem anterior, à compradora.
Donde, resulta demonstrado que o único momento em que objectivamente se poderá, à luz dos factos provados, concluir inequivocamente pela avaria do motor será o que coincide com a acção encetada pelo autor e que determinou a fissura do motor.
Anteriormente, embora se comunicasse uma avaria – possivelmente devida à acção de terceiros e que sempre isentaria a ré – a mesma acabou por não ser dada como assente tanto mais que o próprio autor informou posteriormente a compradora que não detectava, afinal, qualquer problema no motor.
A fundamentação do tribunal apelado envereda por outra solução atinente com uma renúncia tácita do autor aos direitos conferidos pela garantia de bom funcionamento; salvo o devido respeito, não nos revemos na mesma.
Porém, à luz do facto provado 37 e demais prova produzida, julgamos ter a ré ilidido a presunção que sobre si impedia, materializada no dever objectivo de bom funcionamento da coisa, demonstrando que a causa da avaria tinha sido posterior à venda e apenas imputável ao comprador.
E, por isso, em síntese, confirma-se a sentença recorrida embora com fundamentos que dela dissentem.
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Resta proceder à sumariação prevista no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil:
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V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso deduzido, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelo recorrente.

Porto, 8 de Março de 2019
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues