Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
293/20.7PAVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: PROVA PROIBIDA
INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
MENSAGENS ENTRE O ARGUIDO E A OFENDIDA
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
Nº do Documento: RP20220608293/20.7PAVFR.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIEMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Mensagens, vídeos, fotos e áudios trocadas/os via WhatsApp entre o arguido e a assistente e enviadas/os livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional.
Valem, pois, como prova, não sendo ilícitos, nem constituído prova proibida.
II - Dar ou não dar crédito ao que diz uma testemunha é uma questão de convicção. Quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC.º 293/20.7PAVFR.P1


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, por acórdão de 18.02.2022, julgadas improcedentes, por não provadas, as acusações pública e particular, e julgado improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante, foi o arguido AA absolvido da prática do crime de violência doméstica, p.e p. pelos artigos 14.º e 152.º, n.º 1, al. a), e n.ºs 2 e 5, do Código Penal, e do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, pelo quais vinha acusado, e do pedido de indemnização contra ele formulado.
Mais foi julgada improcedente a requerida declaração como prova proibida e nula dos documentos juntos pelo arguido, com a sua contestação, sob documentos n.ºs 3 a 21, bem como o requerido desentranhamento e devolução desses documentos ao arguido.
*
Inconformada, recorreu a assistente/demandante BB.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:
A. Veio o Tribunal a quo absolver o arguido da prática do crime de crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo art.º 14.º e 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) do Código Penal, e do crime de injúria, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 181.º do Código Penal, bem como do pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente.
B. Porém, verifica-se que o acórdão absolutório teve em conta prova proibida, em relação à qual a Recorrente se manifestou – e se opôs cfr. requerimento ref.ª 39961708, de 27/09/2021 – sendo que não é permitida a utilização ou valoração da prova proibida, uma vez que é inexistente – cfr. art.º 126.º e 167.º, ambos do Código de Processo Penal.
C. Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que: “Assim, e em conclusão, na hipótese legal do n.º 3 do artigo 126º, as provas obtidas fora dos casos admitidos pela lei e sem o consentimento do respectivo titular, mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, não podem ser utilizadas, e o seu conhecimento é oficioso, porque afronta directamente a Constituição”[1].
D. A propósito da prova proibida, veja-se o que refere a jurisprudência: “A prova proibida contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova (artigo 122.º, n.º 1, do CCP, lido à luz da jurisprudência do acórdão do TC n.º 198/2004)”.[2]
E. Ainda que assim não se considere, o que é certo é que a prova proibida terá sempre como consequência a nulidade do acórdão proferido, atento que a junção dos vídeos e áudios não foi utilizada no sentido de demonstrar qualquer crime, nem tão pouco foi autorizada pela Recorrente a sua divulgação, muito menos foi ordenada a sua obtenção por via judicial.
F. Mas não pode concordar-se com a posição do Tribunal a quo quando refere que a prova é lícita e que contribuiu para a boa descoberta da verdade, na medida em que a prova junta aos autos é inócua para demonstrar a prática do crime de violência doméstica ou do crime de injúria, pelos quais vinha acusado o arguido!
G. Em consequência, tal prova junta na contestação apresentada pelo arguido deve ser considerada inexistente, por proibida, não podendo ser valorada na decisão proferida pelo Tribunal a quo, redundando sempre na nulidade do acórdão proferido, por força do disposto nos art.º 126.º e 167.º do Código de Processo Penal, com afectação de direitos pertencentes ao núcleo eleito no art.º 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito à privacidade e o direito à imagem.
H. Quanto à prática do crime de violência doméstica, o Tribunal a quo dá como factos não provados um conjunto de factos que, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, impunham decisão diversa da que foi proferida, nomeadamente que foi praticado o crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo art.º 14.º e 152.º do Código Penal.
I. Por tal, verifica-se, in casu, um erro de julgamento e de apreciação da prova – cfr. n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal.
J. O Tribunal a quo também errou ao não considerar aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 152.º do Código Penal face aos factos declarados pelo arguido, os quais foram confirmados pela Recorrente e pela sua testemunha, em audiência de julgamento, nomeadamente quanto ao facto de o arguido retirar e aceder ao telemóvel da Recorrente, sem o seu consentimento, para saber com quem aquela comunicava.
K. É que, ainda que se considerassem que os factos remontavam a 2012, o que é certo é que nessa altura já a Recorrente e o arguido tinham uma relação de namoro, a qual veio a redundar em casamento.
L. Já no que se refere ao crime de injúria, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 181.º, verifica-se que houve um erro notório na apreciação da prova – cfr. alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal.
M. Isto porque o arguido confirmou em Tribunal as declarações que proferiu contra a Recorrente e que constam da acusação pública do Ministério Público e da acusação particular deduzida pela Recorrente.
N. Além de que a expressão proferida pelo arguido consta dos factos dados como provados pelo Tribunal no acórdão absolutório proferido, bem como foi confirmada pelas declarações da Recorrente e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
O. Expressão essa que, tendo sido dada como provada, implicava a condenação do arguido pela prática do crime de injúria, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 181.º do Código Penal, na medida em que a prova produzida em audiência de julgamento e os factos dados como provados vão no sentido de confirmar a actuação do arguido, que o próprio espontaneamente admitiu.
P. Ainda que não se considere que houve erro notório na apreciação da prova, então sempre terá de se considerar que ocorreu erro de julgamento – cfr. n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal – aplicável quanto ao crime de injúria, pelos quais vinha acusado o arguido, face às suas declarações prestadas em audiência de julgamento – cfr. ponto D do presente Recurso.
Q. Assim, o Tribunal a quo violou a norma jurídica ínsita nos artigos 126.º e 167.º do Código Penal, quanto à prova proibida junta com a contestação - cfr. ponto A do presente Recurso – e ainda que houve violação da norma jurídica ínsita no n.º 1 do art.º 152.º do Código Penal, quanto ao crime de violência doméstica, bem como a norma jurídica ínsita no n.º 1 do art.º 181.º do Código Penal, quanto ao crime de injúria - cfr. ponto D do presente Recurso.
R. E nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, devem considerar-se que foram incorrectamente julgados como não provados os factos constantes no ponto C e D do presente Recurso e que, perante o que ficou demonstrado, devem ser alterados tais factos dados como não provados e, em consequência, passarem a ser dados como provados os seguintes factos:
O arguido disse a expressão aludida em 3 da factualidade provada em frente a terceiros, o que muito envergonhava e entristecia a assistente;
• O arguido pressionava a assistente para ter um filho com ela;
• Sabia o arguido que praticava parte dos factos no interior do domicílio comum;
• O arguido acedia ao conteúdo do telemóvel da assistente, contra a sua vontade, de forma a confirmar se a mesma contactava outros homens;
• O arguido injuriou, humilhou, nem procurou humilhar, fosse de que forma fosse a assistente;
• A demandante sentiu-se vexada, desgostosa, angustiada, envergonhada, diminuída e humilhada, na sua condição de mulher e esposa, na sequência de qualquer facto ilícito praticado pelo demandado;
• O arguido controlou o telemóvel da assistente;
• O arguido vasculhava todo o conteúdo do telemóvel da assistente;
• O arguido teve comportamentos enciumados para com a assistente;
• As datas que a assistente viajou e os motivos dessas viagens;

S. Posto isto, e dando-se como provados os factos que acabam de se referir, então deve o acórdão proferido ser revogado e, em consequência, ser o arguido condenado quanto aos crimes de que vinha acusado, por provados, e em consequência ser condenado também no pedido de indemnização cível formulado.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:
i. ser declarada inexistente a prova junta pelo arguido com a sua contestação, na medida em que é proibida e inexistente – cfr. art.º 126.º e 167.º do Código de Processo Penal –, a qual contaminou o acórdão absolutório proferido, que deve ser declarado nulo, determinando-se que o Tribunal “a quo” profira nova sentença, expurgada dos vícios relativos à prova proibida;
ii. caso assim não se entenda, deve ser revogado o acórdão recorrido, sendo substituído por outra que confirme a condenação do arguido, ora recorrido, pelos crimes de violência doméstica agravado e de injúria, previstos e punidos pelos art.º 14.º, 152.º e 181.º do Código Penal , bem como no pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente, na medida em que ocorreu um erro de julgamento – cfr. alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º e n.º 2 e n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal;
iii. caso também assim não se entenda, sempre deve ser revogado o acórdão recorrido, sendo substituído por outro que condene o arguido pela prática do crime de injúria, previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 181.º do Código Penal, bem como no pedido de indemnização cível formulado pela Recorrente – cfr. alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º e n.º 2 e n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal.
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O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se o acórdão recorrido.
Remata com as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O Tribunal a quo apreciou e valorou correctamente a matéria de facto submetida a julgamento, através de um exame crítico, objectivo, imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência, à luz do princípio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127.º, do Código de Processo Penal;
2. Os considerandos explanados pela Recorrente sobre o que deveria ou não ter sido dado como provado, fundam-se na sua própria e compreensivelmente interessada valoração das provas produzidas, não podendo proceder em detrimento da convicção crítica, isenta, imparcial e objectiva que entendemos ter presidido à apreciação e valoração da prova feita pelo Tribunal;
3. O presente recurso ataca de forma frontal e directa um dos princípios basilares do nosso Código do Processo Penal: o princípio da livre apreciação da prova produzida.
4. É certo que ao julgador se impõe que, nos seus juízos, proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, pois o livre convencimento não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceite pelo moderno processo penal.
5. Acontece, que entendemos que os juízes basearam e fundamentaram a sua convicção nas provas que se produziram em audiência de julgamento, de forma lógica e de acordo com as regras da experiência.
6. Assim, o julgador da análise das declarações do arguido e depoimentos das testemunhas, da observação dos seus comportamentos, da sua postura, e da conjugação destes elementos com as regras da experiência e da lógica, e da análise dos documentos e dos elementos clínicos juntos aos autos, chegou à conclusão que uma versão merecia mais credibilidade que a outra e que por essa razão se aproximava mais da verdade dos factos.
7. Na verdade, e apesar de ter havido documentação da audiência, a recorrente não se socorreu de qualquer depoimento, de qualquer declaração prestada e que contrariasse aquilo que o Mmo. Juiz deu como provado. O que de facto demonstra que a sua tese não tem sustentabilidade a esse nível.
8. Não existe, igualmente, qualquer erro notório, vicio previsto na alínea c) do nº2 do art. 410º do C.P.P., uma vez que este é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, isto é, as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível – o que não se verifica na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
9. Da leitura do acórdão, verifica-se que no espírito do julgador não ficou qualquer dúvida razoável que permitisse absolver o arguido;
10. O acórdão está bem fundamentado, tendo os Mmos. Juízes exposto os motivos que os levaram a dar como provados e não provados os factos.
11. Por último, e atento tudo o que foi exposto, não violou o acórdão recorrido qualquer disposição legal, nem tão pouco o princípio da livre apreciação da prova.
12. Inexiste qualquer dos vícios invocados, não tendo o Tribunal a quo violado os invocados preceitos legais, ou quaisquer outros.
13. Os mencionados documentos (juntos pelo arguido) constituem prova válida, motivo pelo qual podem e devem ser apreciados pelo tribunal, ao abrigo do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
*
Atento tudo o que se deixou exposto é nosso entendimento que o Acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal, mostrando-se devidamente fundamentado, justo e adequado, e, em consequência, deve o recurso interposto ser declarado improcedente, por infundado, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.
**
O arguido também apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido.
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O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer.
Acompanhando a resposta da 1.ª Instancia, pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
OBJETO DO RECURSO
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, as questões suscitadas pela recorrente que importa decidir são as seguintes:
- se o Tribunal a quo decidiu com base em prova proibida porque não autorizada [mensagens, vídeos e áudios juntos pelo arguido na contestação e enviados através do Whatsapp];
- se se verifica o vício decisório de erro notório de apreciação da prova [al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP] e se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e fez uma errada apreciação da prova;
- se se mostram preenchidos os elementos típicos do crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, do Código Penal, e do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do Código Penal; e
- se se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.
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Factos provados no acórdão recorrido [transcrição]:
Da acusação pública e particular:
1. O arguido AA e a assistente BB iniciaram uma relação de namoro no ano de 2010, contraindo casamento em 07/07/2013.
2. O casal fixou residência, até meados de 2011, na Rua ..., na freguesia ..., município de Santa Maria da Feira e, a partir de meados de 2011, na Rua ..., Urbanização ..., na freguesia ..., município de Santa Maria da Feira.
3. Pelo menos por duas vezes, o arguido dirigiu a BB a seguinte expressão: “MULHER SÓ É MULHER QUANDO MIJAR OSSOS”. 4. Em data não concretamente apurada do mês de janeiro de 2020, mas anterior ao dia 19 desse mês, BB disse ao arguido que queria divorciar-se.
5. Então, desde essa altura, o arguido e BB deixaram de viver na mesma casa.
6. No entanto, o arguido e a assistente mantiveram contacto, designadamente telefónico, por mensagens e através das redes sociais.
7. Em dia não concretamente apurado do mês de maio de 2020, mas seguramente não anterior ao dia 07 desse mês, a assistente bloqueou os contactos do arguido.
Da acusação particular:
8. A assistente não conseguiu engravidar do arguido, pese embora tenha realizado diversos tratamentos de infertilidade.
9. Em setembro/outubro de 2020 a assistente já trabalhava no Hospital ..., sito em Santa Maria da Feira.
10. Pese embora o arguido tenha residência em Viseu, a dado momento, passou a ser seguido em consultas no Hospital ..., sito em Santa Maria da Feira.
Da contestação:
11. A assistente apresentou as queixas que deram origem aos autos apensos e aos presentes autos principais, respetivamente a 16-10-2020 e 05-11-2020.
12. No âmbito do processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com o nº 1831/20.0T8VFR, proposto pela assistente contra o arguido e que correu termos no Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira – Juiz 1, a tentativa de conciliação foi efetuada em 29-09-2020.
13. Nessa diligência o arguido declarou que não se pretendia divorciar.
14. Depois de ter sido citado para contestar, na referida ação de divórcio, o arguido não apresentou contestação.
15. A referida ação de divórcio veio a ser julgada improcedente, por não provada [designadamente quanto à ali alegada violação do dever conjugal de respeito, e no que concerne ao fundamento objetivo da separação do casal] e, em consequência, o ali réu, ora arguido, foi absolvido do pedido.
16. Durante o período em que viveram juntos, a assistente fez diversas viagens, designadamente para o Brasil, para Londres e para Luxemburgo.
17. Em face do desejo de ambos de terem um filho em comum - o que ainda não havia sido concretizado porque se constataram problemas de gestação por parte da assistente - o arguido e a assistente decidiram recorrer a uma clínica especializada em Vigo, não tendo, porém, a assistente conseguido engravidar.
18. Depois de o arguido e a assistente se terem separado mantiveram o contacto, pelo menos até ao dia 06 de maio de 2020.
19. Em 19 de janeiro de 2020, o arguido e a assistente almoçaram juntos.
20. Em abril de 2020, o arguido partiu uma perna, quando se encontrava em França.
21. Pelo menos entre os dias 04-08-2020 e 15-07-2021, o arguido efetuou consultas, exames e foi operado por duas vezes no Hospital ... sito em Santa Maria da Feira.
22. Em algumas dessas deslocações, o arguido foi conduzido até esta cidade de Santa Maria da Feira pela sua ex-mulher.
23. Em 29-02-2020, 13-03-2020 e 08-04-2020, arguido partilhou, na sua página de Facebook, um anúncio de arrendamento que abrangia o mencionado imóvel sito na Urbanização ... e um imóvel do arguido sito em Valpaços, anúncio esse que havia sido criado pela assistente e publicado na página do Facebook desta - ... - .
Da situação pessoal do arguido:
24. AA é natural de ..., no concelho de Viseu, localidade onde cresceu inserido no agregado familiar de origem, constituído pelos pais, já falecidos, ele trabalhador da construção civil e ela doméstica durante a vida ativa, e mais seis irmãos, sendo ele o segundo mais velho da fratria.
25. Frequentou a escolaridade até concluir a 4ª classe do então designado ensino primário.
26. Com 12 anos de idade já trabalhava numa quinta, em ..., no concelho do Montijo, levado por um capataz que na altura angariava pessoal para ali trabalhar.
27. Durante a fase adolescencial, mantém-se inserido no mercado de trabalho, alternando entre o exercício de atividades agrícolas e de construção civil, remuneradas.
28. Aos 17 anos de idade emigra para França, país onde fixa residência, passando a vir a Portugal apenas nos períodos de férias. Ali trabalha na construção civil, primeiro por conta de outrem e depois, a partir dos 24 anos de idade, por conta própria, realidade profissional que mantém até se reformar, em 2014.
29. Com 21 anos de idade contraiu matrimónio com a sua primeira mulher, com quem esteve casado até 2012. Tem um filho e uma filha, de maioridade, nascidos na pendência deste primeiro matrimónio, residentes em França, com quem afirma ter sempre mantido uma relação de proximidade afetiva.
30. Para além destes filhos o arguido tem mais uma filha fruto de um relacionamento extraconjugal, atualmente com 15 anos de idade, que reside com a progenitora em Viseu e a quem presta alimentos no valor de €140,00 (cento e quarenta euros).
31. Em 2009 conhece a assistente, com quem veio a namorar e a casar.
32. Tanto o arguido como a assistente eram casados, embora esta já estivesse separada do marido.
33. A relação conheceu vários momentos de rutura ao longo do período de vivência comum.
34. Desde maio de 2020, arguido e assistente não mais estabeleceram contactos entre si.
35. Em abril de 2020 o arguido partiu a perna esquerda, na sequência de um acidente sofrido em França e após ali ter sido intervencionado cirurgicamente, voltou a sê-lo no Hospital ..., alegadamente para corrigir o resultado da primeira intervenção cirúrgica.
36. Ao nível da saúde verbaliza ainda que irá sujeitar-se a nova intervenção cirúrgica, desta vez devido a problemas num rim, com intervenção cirúrgica, em Toulouse, França.
37. Atualmente reparte o seu tempo entre Portugal (...) e França. Sempre que se desloca para aquele país fixa residência na localidade de ..., na região de Toulouse, em espaço habitacional que ali construiu, no qual residem também os filhos do primeiro casamento e a sua primeira mulher, com os quais verbaliza manter atualmente bom relacionamento.
38. O seu rendimento disponível, provirá atualmente de reformas e seguros que lhe estão atribuídos em França, e situar-se-á na ordem dos €1500,00 (mil e quinhentos euros) mensais, rendimento suficiente para fazer frente aos encargos mensalmente assumidos e para satisfazer as suas necessidades básicas.
39. A assistente continua a residir no espaço habitacional que antes partilhava com o arguido, sito na freguesia ..., e trabalha desde julho/agosto de 2020, como auxiliar de ação médica no Hospital ..., exercício profissional que conjuga com o exercício da atividade de esteticista.
40. O arguido não tem antecedentes criminais.
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Factos não provados no acórdão recorrido [transcrição]:
- No decurso do ano de 2019, o arguido começou a adotar comportamentos enciumados para com a assistente, pretendendo manter relações sexuais diárias com esta, de forma de perceber se a mesma tinha outros relacionamentos;
- Quando a assistente se recusava, pelo menos uma vez por semana, o arguido dizia-lhe que “SE NÃO DAVA COM ELE É PORQUE DAVA COM OUTROS, É PORQUE TINHA COM OUTROS HOMENS”, assim a humilhando;
- Nessas ocasiões, o arguido acedia ao conteúdo do telemóvel da assistente, contra a sua vontade, de forma a confirmar se a mesma contactava outros homens;
- O arguido tenha usado a expressão aludida em 3. da factualidade provada quando e porque BB se recusava a manter relações sexuais consigo;
- Aquando do facto aludido em 4. da factualidade provada, o arguido tenha dito a BB que isso não iria acontecer e que não lhe iria facilitar a vida;
- Tenha sido o arguido a abandonar o domicílio comum;
- Os contactos mencionados em 6. da factualidade provada eram diários;
- O motivo que levou BB a bloquear os contactos do arguido seja o indicado na acusação;
- Nos meses de setembro e outubro de 2020, o arguido passou a deslocar-se para os locais frequentados pela assistente, procurando chegar ao seu contacto;
- Com frequência pelo menos semanal, o arguido dirigiu-se para junto da residência da assistente, para junto do seu local de trabalho, na Rua ..., na freguesia ..., município de Santa Maria da Feira; ou dos estabelecimentos por si habitualmente frequentados, aí permanecendo e intimidando a assistente;
- Ainda como forma de a importunar, em data não concretamente apurada do mês de julho de 2020, o arguido publicou na rede social “Facebook” o anúncio de venda e arrendamento do apartamento onde residia a assistente, no qual fez constar, como contacto, o n.º de telefone e o endereço de correio eletrónico da desta;
- Nesse anúncio, publicou ainda imagens do interior do apartamento, nas quais eram visíveis os objetos pessoais da assistente;
- E replicou a publicação do anúncio, por várias vezes, entre os meses de julho e outubro de 2020;
- Como pretendido pelo arguido, pelo menos entre julho e outubro de 2020, a assistente recebeu vários contactos diários de terceiros manifestando interesse no aparente arrendamento, assim perturbando a sua vida, bem-estar e sossego;
- O arguido agiu com o propósito, concretizado, de intimidar, amedrontar e importunar a assistente, a quem sabia dever uma especial obrigação de respeito, bem como com o intuito de a atingir na sua integridade psíquica, honra e consideração, causando-lhe humilhação e inquietação, o que conseguiu;
- Sabia o arguido que praticava parte dos factos no interior do domicílio comum;
- Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Da acusação particular, não se provou, ainda que:
- No decurso do ano de 2017, e face à postura do arguido, a assistente tentou divorciar-se daquele;
- Quando a assistente se recusava a manter relações sexuais com o arguido, pelo menos uma vez por semana, este dizia-lhe “MULHER SÓ É MULHER QUANDO TEM UM FILHO”, assim a humilhando, devido ao facto de a assistente não conseguir engravidar do arguido;
- O arguido tenha dito a expressão aludida em 3 da factualidade provada em frente a terceiros, o que muito envergonhava e entristecia a assistente;
- O arguido pressionava a assistente para ter um filho com ela;
- O arguido pretendia uma vida sexual ativa, sexo de forma constante, mesmo quando a assistente estava a realizar tratamentos de infertilidade;
- O arguido tenha dito à assistente que “pelo menos a ex-mulher deu dois filhos”, com isso a menosprezando e diminuindo;
- A partir do momento em que se verificou o insucesso da inseminação ocorrida para obter uma gravidez o arguido praticamente deixou de mostrar interesse pela assistente;
- O arguido apenas procurava a assistente pelo sexo, em detrimento da preocupação com o seu estado de saúde;
- Situação que provocava um profundo desgosto na assistente e que a fazia sentir-se diminuída pelo arguido;
- O arguido vasculhava todo o conteúdo do telemóvel da assistente;
- Quando a assistente bloqueou o contacto do arguido o fez após este ter reagido mal ao facto da mesma pretender o divórcio;
- O arguido tenha voltado para a sua ex-mulher;
- Nos meses de setembro e outubro de 2020, o arguido rondava o Hospital ..., sito em Santa Maria da Feira;
- O arguido se deslocava à referida entidade hospitalar e ali tenha vindo a ser seguido em consultas para poder intimidar a assistente e fazer notar a sua presença;
- O arguido tenha sido avistado no estacionamento do local de trabalho da assistente na presença da sua ex-mulher, colocando a assistente numa posição constrangedora;
- O arguido se dirigia para junto da residência da assistente e para junto do seu espaço comercial, ou para qualquer outro local frequentado por esta, aparecendo de surpresa, sem aviso, e tirando fotografias desses locais;
- O arguido vigiava a assistente, nomeadamente quando esta se deslocava de uns locais para outros, ou mesmo quando ia à padaria;
- O arguido rondava os locais frequentados pela assistente e observava a assistente, com isso a intimidando e constrangendo;
- Após a assistente ter participado criminalmente do arguido devido à referida perseguição, começou a receber contactos de terceiros manifestando interesse em arrendar a casa onde aquela vivia;
- No mês de julho de 2020, o arguido tenha publicado no seu perfil de Facebook o referido anúncio de venda e arrendamento da casa da assistente, e que o fez com o intuito de importunar a assistente, por saber que esta vivia ali sozinha.
Do pedido de indemnização civil:
- A demandante sentiu-se vexada, desgostosa, angustiada, envergonhada, diminuída e humilhada, na sua condição de mulher e esposa, na sequência de qualquer facto ilícito praticado pelo demandado;
- O demandado tenha perseguido a demandante no seu local de trabalho, na sua casa e no seu espaço comercial, tenha procedido à vigilância e rondas junto deste último, provocando-lhe sentimentos de insegurança e medo;
- O demandado já foi detentor de arma de fogo;
- A demandante passou a ficar hipervigilante a tudo o que a rodeava, nomeadamente quando saia do seu local de trabalho, de sua casa ou do seu estabelecimento comercial;
- O demandado referiu que não ia aceitar o divórcio facilmente, provocando medo na demandante por desconhecer se aquele tinha intenção de praticar algum ato que a ofendesse;
- O demandado tenha praticado qualquer ato causador de perturbação do sossego, receio e incómodo da demandante;
- A demandante é pessoa de bem, sendo estimada no seu local de trabalho e de residência, integrada na comunidade, sociável, educada, de forte sensibilidade e de conduta irrepreensível.
Da contestação:
- As queixas tenham sido apresentadas pela assistente com vista a pressionar o arguido a aceitar o divórcio;
- O motivo pelo qual o arguido declarou que não se pretendia divorciar, designadamente, que o fez para não ter de suportar o pagamento de quaisquer custas;
- Tenha sido até 2016 que o então casal viveu no referido apartamento sito na Urbanização ... e que foi a partir dessa data que passaram a viver em Viseu;
- O então casal se separou em 2012;
- Quando o casal passou a viver em Viseu o referido apartamento sito na Urbanização ... foi arrendado;
- As datas em que a assistente viajou e os motivos dessas viagens;
- Entre 2 de setembro e 2 de dezembro de 2018, arguido e assistente estiveram juntos no Brasil, onde, no entretanto, tinham iniciado a construção de duas casas, chegando a residir numa delas durante 15 dias;
- O arguido e a assistente se tenham deslocado à referida clínica sita em Vigo por 14 vezes e que souberam do resultado no início de novembro de 2019;
- Na sequência de não ter conseguido engravidar, após o recurso à referida clínica sita em Vigo, a assistente manifestou ao arguido a vontade de se mudar novamente para Santa Maria da Feira, a fim de aí receber apoio psicológico, o que fez, tendo o arguido permanecido em Viseu;
- O arguido deslocava-se com frequência a Santa Maria da Feira para estar com a assistente;
- Arguido e assistente passaram juntos a passagem de ano de 2019/2020; → A separação do casal em janeiro de 2020, tenha ocorrido no dia 18;
- Em fevereiro de 2020, a assistente devolveu ao arguido o carro que este lhe tinha emprestado em novembro de 2019;
- Nunca o arguido teve comportamentos enciumados para com a assistente;
- Nunca o arguido injuriou, humilhou, nem procurou humilhar, fosse de que forma fosse a assistente;
- Nunca o arguido controlou o telemóvel da assistente;
- A partir do dia 07-05-2020, não mais o arguido contactou, ou procurou contactar, ou intimidar a assistente.
- Qual tenha sido o motivo que levou o arguido a efetuar tais cirurgias no Hospital ....
*
Quando à motivação, no acórdão recorrido consta o seguinte [transcrição]:
A apreciação da prova produzida em audiência, suscetível de contribuir para a formação da convicção do tribunal, rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, acolhido expressamente no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal coletivo baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, confrontando-se a prova documental e oral e aferindo-se do conhecimento de causa, da isenção dos depoimentos prestados, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
Nos crimes de violência doméstica coloca-se sempre com particular ênfase o relevo a atribuir às declarações prestadas pela vítima, sendo certo que normalmente os factos que consubstanciam os crimes deste tipo, não são praticados de molde a serem presenciados por outras pessoas, sendo da experiência comum que os agentes se inibem da prática de condutas suscetíveis de o integrar quando há risco de serem observados por terceiros, não havendo, em regra, testemunhas presenciais dos factos, pelo que as declarações da vítima terão de ser complementadas por elementos circunstanciais que permitirão aferir ou não da credibilidade do declarado.
Aqui chegados e antes do mais, cumpre apreciar o seguinte:
A fls. 325 e ss. vem a assistente requerer que sejam declarados como prova proibida e nula os documentos juntos pelo arguido, com a contestação, sob documentos 3 a 21, atendendo ao disposto nos artigos 126.º e 167.º do Código de Processo Penal e face ao não consentimento da assistente na sua junção/divulgação e, bem assim, por os mesmos não se revelarem fundamentais à boa descoberta da verdade, já que nada contendem com a acusação do Ministério Público constante dos autos, além de que nos mesmos são exibidos menores, devendo os ditos documentos ser desentranhados e devolvidos ao arguido.
Garantido que foi o contraditório, relegou-se a apreciação do requerido para o momento da prolação do presente acórdão, pois a própria assistente/requerente relegou para discussão em sede de audiência de julgamento factos atinentes à alegada proibição/nulidade de prova.
Ora, conforme decorre do invocado artigo 126.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe,
“Métodos proibidos de prova”:
1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.”.
Por sua vez, decorre do, também invocado, artigo 167.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “valor probatório das reproduções mecânicas”, que:
“1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 125.º, do Código de Processo Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”
Daqui decorre que não foi estabelecido o princípio da tipicidade dos meios probatórios mas antes o da legalidade.
Os métodos proibidos de prova foram consignados no invocado artigo 126.º, do Código Processo Penal, e estão intimamente associados às garantias constitucionais de defesa consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, a consagração do n.º 8 desse artigo 32º de que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, no que se reporta, desde logo à intromissão na vida privada, na correspondência ou nas telecomunicações, aparece legalmente transposta no n.º 3, do citado artigo 126º, que estatui, como vimos, além do mais, que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na via privada (…) na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Da análise da mencionada disposição legal constata-se que aos métodos de prova proibidos em termos absolutos [n.°s 1 e 2 do artigo 126.º do Código de Processo Penal], vêm a seguir os métodos proibidos sem o consentimento dos respetivos titulares, consagrados no n.° 3 da sobredita norma. Isto é, aqui já não há uma proibição absoluta, mas meramente relativa, já que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios aí referidos se houver consentimento válido para tal. [3]
Ora, in casu, sustenta a assistente a nulidade na obtenção dos documentos n.ºs 3 a 21, juntos aos autos pelo arguido, em sua defesa.
Tais documentos encontram-se juntos a fls. 271 e ss., e correspondem a mensagens, vídeos, fotos e áudios, enviados via WhatsApp, do arguido à assistente e da assistente ao arguido, e a mais elementar experiência de vida em sociedade possibilita saber que, sempre que é enviada uma mensagem escrita, um vídeo, um áudio, uma foto, via telemóvel, ou através das redes sociais, os mesmos ficam gravados no equipamento do recetor. Assim, quem remete uma mensagem, um vídeo, uma foto, um áudio, de um telemóvel para outro mais do que consentir na gravação do texto, do vídeo, do áudio da foto, quer efetuar uma gravação, quer que aquilo que envia fique gravado, por forma a ser visualizado/ouvido mais tarde.
No caso, inexistem dúvidas de que o arguido não só obteve as referidas mensagens, fotos, vídeos e áudios de forma lícita, com estes lhe foram enviados por iniciativa e expressa vontade da própria assistente, que desencadeou todo o mecanismo de gravação das mesmas, os enviando ao arguido [mesmo, diga-se, os vídeos em que é possível visionar a assistente a dançar com uma menor, bem como a menor sozinha, pois, segundo a própria assistente enviou esses vídeos ao arguido uma vez que se tratava de sua afilhada, de quem gostava muito, e, dessa forma poderia acompanhar o seu crescimento], não se verificando, ao contrário do alegado pela assistente, qualquer violação da sua vida privada, qualquer violação do seu direito à imagem, qualquer violação na correspondência ou nas telecomunicações, e, muito menos, a necessidade de obter qualquer autorização sua para os apresentar perante o tribunal ou sequer a necessidade de despacho judicial para autorizar ou ordenar tais gravações, pois nenhum terceiro se intrometeu ou teve interferência na obtenção das comunicações feitas pela própria assistente ao arguido e, como a assistente bem sabe, foi a própria que as enviou ao arguido.
Acresce que estamos perante meros documentos que não gozam de aplicação do regime de proteção da reserva da correspondência e das comunicações.[4]
Daí que, ao contrário do que sustenta a assistente, as referidas mensagens escritas, fotos, vídeos e áudios que a assistente remeteu ao arguido via WhatsApp, cujo conteúdo foi copiado pelo arguido e remetido aos autos aquando da sua contestação, constituem um meio de prova lícito e não configuram, de forma alguma, um caso de intromissão na vida privada da assistente ou de intromissão na correspondência ou nas telecomunicações.
Acresce que, ao contrário do invocado pela assistente, os referidos elementos de prova são relevantes para a descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, face ao objeto da acusação, demonstrando, desde logo, um relacionamento existente entre o arguido e a assistente após a separação, que coloca em causa os factos vertidos em 6 [parte final] 8 e 9 da acusação pública, com o intuito que ali se imputa ao arguido [veja-se, a titulo de exemplo o áudio datado de 20-02-2020, junto como doc. n.º4 (doc. 44 no citius) - em que a assistente comunica ao arguido que se ele precisar de ir lá em casa tem de entrar pela garagem porque a porta de entrada está avariada, tendo havido necessidade de trocar o canhão – ou o áudio datado de 07-04-2020, junto como doc. n.º 6 (doc. 66 no citius) – em que a assistente diz ao arguido: “Estás enganado quando dizes que não foste capaz de me fazer feliz”, “eu fui feliz com você”, “fomos os dois muito felizes”, “nesse preciso momento eu continuo feliz”, “não me desejes mal, eu sei que não desejas…”].
Por todo o exposto, sem necessidade de mais desenvolvimentos, e amparados pela jurisprudência que é vasta nesse sentido[5], mais nada resta senão concluir que não se mostra violado o consagrado nos artigos 126.º e 167.º do Código de Processo Penal e, consequentemente, cumpre considerar que os mencionados documentos constituem prova válida, motivo pelo qual podem e devem ser aqui apreciadas pelo tribunal, ao abrigo do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
O tribunal atendeu, assim, aos seguintes documentos:
- Auto de notícia de fls. 4-6 dos presentes autos e de fls. 4 do inquérito n.º 593/20.6GAVFR apenso [quanto à data em que os factos foram denunciados, respetivamente a 05-nov-2020 e 16-10-2020];
Prints extraídos da rede social Facebook de fls. 19-22/46-49 do inquérito n.º 593/20.6GAVFR apenso;
- Caderneta predial urbana, fls. 52-53 do inquérito n.º 593/20.6GAVFR apenso;
- Certidão permanente, fls. 54-60 do inquérito n.º 593/20.6GAVFR apenso;
- Caderneta predial urbana, fls. 52-53 do inquérito n.º 593/20.6GAVFR apenso;
- Print da identificação civil da assistente de fls. 16;
- Assento de nascimento da assistente de fls. 17-18 [de onde decorre averbado o seu casamento com o arguido a 07-07-2013];
- Print da identificação civil do arguido de fls. 19;
- Assento de nascimento do arguido de fls. 20-21;
- Despacho final proferido no NUIPC 409/12.7PAVFR, a 07-12-2012, que determinou o arquivamento do inquérito por insuficiência dos indícios recolhidos para submeter o arguido a julgamento, por denunciado crime de violência doméstica;
- Ata da tentativa de conciliação realizada no mencionado processo de divórcio - Processo nº 1831/20.0T8VFR de fls. 267;
- Sentença proferida no referido processo nº 1831/20.0T8VFR de fls.268 e ss.;
- Mensagens de texto, áudios e fotos, trocadas entre o arguido e a assistente na rede social WhatsApp constantes de fls. 271 e ss.;
- Mensagens de voz enviadas pela assistente ao arguido através da rede social WhatsApp mencionadas a fls. 271 e ss. e juntas em suporte áudio com a contestação;
- Vídeos enviados pela assistente ao arguido através da rede social WhatsApp mencionadas a fls. 271 e ss. e juntas também em suporte eletrónico com a contestação;
- Documentação clínica/hospitalar de fls. 311 verso e ss.;
- Documentos juntos em audiência de julgamento, de fls. 340 e ss.
Tais documentos foram concatenados com as declarações do arguido e da assistente, bem como com os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento.
Vejamos:
O arguido prestou declarações em audiência de julgamento.
Admitiu o facto vertido em 1 da acusação pública, com a retificação do ano em que casou com a assistente [2013 e não 2003, como ali se refere].
Admitiu que o casal teve a sua residência nas moradas indicadas em 2 da acusação pública, embora não tenha conseguido precisar as respetivas datas.
Negou veementemente a prática dos factos que lhe são imputados, quer na acusação pública, quer na acusação particular.
Admitiu, apenas, que, no máximo por duas vezes, dirigiu à assistente a seguinte expressão: “Mulher só é mulher quando mijar ossos”, o que fez quando esta criticava os próprios filhos das amigas, explicando que com isso apenas pretendia dizer-lhe que ela não tinha filhos, logo não podia julgar os dos outros.
Admitiu que a assistente lhe comunicou que queria o divórcio, no início do ano de 2020. Reagiu bem, pois tinha a noção que o casamento tinha chegado ao fim.
A assistente disse-lhe que precisava de consultas de psiquiatria e que por isso teria que vir para Santa Maria da Feira, o que fez, negando, consequentemente, o facto vertido em 7 da acusação pública, referindo que a assistente é que saiu da residência comum e não ele.
Nessa altura, emprestou-lhe um carro e deu-lhe um cartão de crédito, para ela ter dinheiro, almoçaram juntos nesse dia e foram ao Banco para ela sair das suas contas.
Nega o facto vertido em 8 da acusação pública, referindo que a assistente contactava-o, por telemóvel, mensagens telefónicas e através do Facebook.
Admitiu que a assistente bloqueou os seus contactos após a sua operação, a 07 de maio de 2020 [e, de facto, das mensagens trocadas entre o arguido e a assistente, através de WhatsApp juntas a fls. 271 e ss., resulta que as conversas mantidas entre eles deixaram de ser afáveis por volta dessa data]. Desde então, nunca mais manteve qualquer contacto com esta, nem por esse meio, nem por qualquer outro, negando, designadamente, os factos vertidos em 10 e 11 da acusação pública.
Negou os factos vertidos em 12 e 13 da acusação pública, aludindo que quem fez esse anúncio foi a assistente BB, que publicou na sua própria página de estética [...]; tal anúncio reportava-se a arrendamento e não a venda; dizia respeito a dois imóveis: ao apartamento que o casal possuía em ... e à casa de habitação, de turismo rural, que o arguido possuía em ... e que era explorado por BB; os objetos visíveis nas imagens constantes desse anúncio respeitavam a bens do casal, existentes no apartamento de ... onde habitaram, e não a objetos pessoais da assistente.
Referiu ter replicado a publicação desse anúncio, em fevereiro e março de 2020, mas diz que o fez com o acordo de BB, pois pretendiam ter mais visualizações.
Referiu desconhecer se BB recebeu, ou não, contactos de terceiros manifestando interesse no arrendamento.
No que respeita à acusação particular, e no que aqui releva, o arguido manteve a mesma conduta de negação dos factos que ali lhe vêm imputados, negando, designadamente, ter dirigido a BB qualquer outra expressão, além daquela que foi dada como provada; que a pressionasse a ter um filho seu; que quisesse ter sexo com ela de forma constante; que tenha deixado de mostrar interesse por ela a partir do momento em que se verificou o insucesso na inseminação e que tenha voltado para junto da ex-mulher, com quem, aliás, diz ter sempre mantido bom relacionamento.
Nega alguma vez ter perseguido BB ou a abordado, tal como lhe vem imputado na acusação.
Mais aludiu que as suas deslocações a Santa Maria da Feira se prendiam com o facto de desde fins de julho de 2020, ser seguido no Hospital ..., de Santa Maria da Feira, para onde foi encaminhado pelo seu médico de família. Em setembro de 2020 foi operado a uma vista e em novembro de 2020 a uma perna.
Da primeira vez que foi ali operado, nem sequer sabia que BB trabalhava naquele Hospital.
Desde julho de 2020, tem sido a sua ex-mulher que o tem acompanhado às consultas naquele Hospital.
BB só começou a queixar-se de si, a partir do dia em que não obteve o divórcio.
Nunca foi contra o divórcio, nem o contestou, pois não queria ter despesas com ele. Durante o seu relacionamento com BB esta saiu várias vezes de casa, designadamente para o Brasil, Luxemburgo e Londres. A pedido dela, porque os amigos lhe haviam virado as costas, deslocou-se a Londres e regressaram juntos a Portugal.
Em 2012, ainda não estavam casados, BB apresentou queixa contra si, acusando-o de lhe ter tirado o telemóvel, para saber o que ela lá tinha.
Nega alguma vez ter trocado as fechaduras da sua residência.
Sofreu um acidente na vista, em janeiro de 2020 e foi BB quem o aconselhou a ir ao Hospital ..., pois nas urgências do Hospital ... disseram-lhe que tinha que ir para Coimbra. Foi, até, a BB quem lhe arranjou a 1.ª consulta. Com vista a obter outra opinião médica, deslocou-se a França, mas no dia 17 de março de 2020 fecharam as fronteiras, pelo que acabou por ter de permanecer naquele país, até finais de julho e 2020. Ainda se encontrava em França quando, a 25 de abril de 2020, partiu uma perna.
Confrontado com os vídeos e mensagens juntos aos autos a fls. 271 e ss. esclareceu que a criança que aparece nos vídeos é a afilhada de BB, filha da testemunha CC, vídeos esses que lhe foram enviados pela própria BB.
Todos esses vídeos e mensagens foram-lhe enviados pela BB, quando o declarante estava em França [tinha partido a perna].
Esclareceu que as fotos constantes de fls. 271 e ss., reportadas a 19 de janeiro de 2020, respeitam ao almoço do dia em que se separaram. Foram tiradas pela BB e foi esta que as enviou a si. Foi nesse dia que BB se deslocou a Viseu para ir buscar as roupas dela. Nesse dia, deu-lhe o dedo para BB lhe tirar a aliança e tirou a aliança do dedo dela.
Depois desse dia, voltaram a almoçar juntos, a 21-02-2020, altura em que lhe ofereceu as flores retratadas a fls. 278 verso.
BB situou temporalmente o início do namoro, a data do casamento e as residências onde viveram, nos termos em que se deu como provado.
Começou por relatar um início de vida de casal marcado negativamente, durante o qual foi sujeita a tratamentos de quimioterapia e sofreu um aborto espontâneo.
A simpatia com que era tratada por parte dos enfermeiros, durante a sua permanência constante no Hospital ..., geraram ciúmes ao arguido e desentendimentos entre o casal, acabando a declarante por ter saído de casa em finais do ano de 2011, vivendo afastada do arguido durante 8 meses.
Em 2012 apresentou queixa contra o arguido, pois este queria falar consigo, e, com vista a fazê-la parar, embateu na traseira do seu veículo automóvel. Teve necessidade de ir ao Hospital. Desde então, não apresentou mais queixas contra o arguido, com exceção da que deu origem a este processo. Acabou por desistir daquela queixa e o processo foi arquivado [facto contrariado pelo despacho final proferido no NUIPC 409/12.7PAVFR, a 07-12-2012, que determinou o arquivamento do inquérito por insuficiência dos indícios recolhidos para submeter o arguido a julgamento, por denunciado crime de violência doméstica].
Reataram o relacionamento, acabando por casar em 2013.
No ano de 2014 deslocaram-se por diversas vezes a França.
Começou a aperceber-se que as deslocações do arguido àquele país prendiam-se com a sua família e filhos. Decidiu, então, pedir o divórcio, em 2015, altura em que emigrou para Inglaterra. Passados cerca de 4 meses reataram o relacionamento, após a deslocação do arguido a Londres, regressando juntos a Portugal.
Ainda no decurso do ano de 2015, tentou, novamente, engravidar, através de tratamentos de fertilização.
Foi um período difícil, pois o arguido dizia que “mulheres para serem mulheres têm de mijar ossos”, “só perceberia o que ele fazia em relação à família anterior quando fosse mãe”. Sentia-se humilhada, com essas expressões.
Tentou, novamente, o divórcio, em 2016. A declarante saiu de casa e o arguido trancou o apartamento, não a deixou tirar os seus pertences. Foi, então, viver para casa da testemunha CC. Apenas tinha na sua posse a roupa que trazia vestida, a sua carteira, o telemóvel e um veículo automóvel da marca Nissan.
Nessa altura, andava envergonhada, porque as pessoas achavam a vida do casal perfeita e diziam que a declarante o fazia por interesse.
O arguido dizia que o veículo automóvel era dele e que se o encontrasse o incendiava. Tentou esconder o veículo automóvel, tendo arranjado uma garagem para o fazer.
Depois disso, foi para o estrangeiro, para local que não foi capaz de precisar [Brasil ou Inglaterra], por se tratar de uma altura em que viajou muito. Vendeu o Nissan para ter dinheiro para viajar.
Estiveram separados mais de meio ano.
Tinha pendente um processo de fertilização para engravidar do arguido. Quando este se apercebeu que era dele, e não de outra pessoa, pediu-lhe desculpa e retomaram o relacionamento. Foi em finais de 2016 ou inícios de 2017, quando foram viver para Viseu.
Viveram em Viseu, nos anos 2017/2018. Foi a pior coisa que fez na vida. Sofreu muitas injúrias: “dizia que eu tinha que aceitar a família dele, pois sabia que eles existiam”, “quando vinham de férias, tínhamos de sair da casa para eles a ocuparem” (sic).
Quando ainda vivia em Viseu, iniciou tratamento de fertilidade em Espanha. Precisava de repouso, de descanso, mas tinha de ajudar o arguido, que lhe dizia que estava a dramatizar. Queria sexo constantemente. Dia sim, dia não ou todos os dias. O arguido duvidava da sua lealdade. Apanhava-o a mexer no seu telemóvel. O arguido dizia que a declarante apagava os conteúdos das mensagens e as chamadas e dizia-lhe que se não tinha apetite sexual para ele é porque tinha para outras pessoas.
No verão de 2018, já tinha feito a segunda cirurgia para fazer a implantação do filho, quando pediu ao arguido para dizer à família, que vive em França, para não vir para Portugal, pois era um momento importante para o casal e queria descanso. Mas isso não aconteceu. O arguido permitiu que a ex-mulher, os filhos, a nora e o neto viessem para cá.
Em novembro de 2018, estava frágil, de uma terceira cirurgia, quando tiveram uma discussão muito grande, por causa da família do arguido. A sogra havia falecido. A família veio a Portugal e na reunião de família esteve a ex-mulher, e não a declarante, tendo o arguido lhe dito que estava a ex-mulher e não ela pois não tinha filhos.
No dia em que foram à clínica, em novembro de 2008, o arguido disparatou consigo, mas já não se recordava o que foi. Pediu à sua médica para ter uma conversa com ele, para explicar-lhe a sua fragilidade emocional e física, pois o arguido estava exaltado e queria sexo. Fez a fertilização. Regressaram a casa. O arguido fazia uma condução violenta. Quando chegaram a casa [a de Viseu], a declarante queria ir deitar-se, então o arguido disse-lhe que estava a ser fresca, que estava a dramatizar e que se fosse para iniciar uma gravidez dessa maneira não estava para isso.
Quando pedia o divórcio o arguido dizia que não lhe ia facilitar a vida.
Foi ele que abandonou o lar conjugal. Estavam a viver em ..., Santa Maria da Feira, pois após 2016/2017 e até finais de 2019 viveram nos anexos da ex-mulher dele, em Viseu, mas depois vieram para Santa Maria da Feira e logo em janeiro do ano seguinte ocorreu a separação do casal.
Há móveis e roupas suas em Viseu.
Após a separação, o arguido continuou a contactá-la através de telefone, videochamada, WhatsApp, Facebook. Fê-lo durante 5 meses: de janeiro a maio de 2020. Esses contactos não a incomodavam, não era nada que a chateasse, até porque estavam em confinamento e decidiram que o divórcio era para avançar. Bloqueou os seus contactos em maio de 2020, porque, entretanto, conversaram, por telefone, sobre o divórcio e, nessa sequência, o arguido começou a mandar-lhe imagens do seu veículo automóvel e da sua cadela, o que lhe fazia lembrar coisas más, porque tinha a ver com o casamento.
O arguido até a apelidou de ladra, dizendo que a declarante tinha entrado na vida dele para o roubar, para lhe extorquir as coisas todas, mas isso não era verdade, pois ele tinha passado tudo para a família dele antes de ter casado consigo, facto que soube na véspera do casamento.
O arguido emprestou-lhe um veículo automóvel.
Depois de julho de 2020, o arguido passou a vir aos médicos de Santa Maria da Feira.
Chegou a tentar fazer-lhe chegar dinheiro, através de outras pessoas, mas não queria que elas dissessem que era ele que o estava a dar.
Os vizinhos diziam-lhe que o tinham visto junto da sua residência, de ..., e de uma padaria que a declarante e o então casal costumavam frequentar, mas a declarante não o viu. Só o viu duas vezes, no Hospital ..., onde este efetuava consultas.
Relativamente ao referido anúncio aludiu que se intitulava “Pátio ...” criado por si, através de um perfil seu, numa página sua. Destinava-se a anunciar o arrendamento e incluía imagens da casa rural de Valpaços, do apartamento sito em ..., que na altura também estava desocupado, mas que é aí que agora mora, e outro de Viseu.
Retirou esse anúncio da internet, talvez em março/abril de 2020, mas depois apareceram réplicas das publicações de arrendamento, só com fotos do apartamento que a declarante ocupa. As pessoas ligavam-lhe, insultando-a de burlona, pois anunciava que queria arrendar, mas, na realidade, não queria nada arrendar, pois ocupava o apartamento.
Na data em que apareceram as réplicas no Facebook a declarante já vivia no referido apartamento sito em ... e o arguido sabia disso.
Em junho de 2020, só viu a foto do quarto anunciada.
Esse apartamento agora é seu.
Não se recordava das datas em que viu essas partilhas na internet, mas ocorreram após a tentativa de conciliação.
Era as mesmas fotos da página do Facebook.
Nunca proibiu o arguido de mexer no seu telemóvel.
Mantem interesse em divorciar-se do arguido.
Aquando da separação o arguido exigiu que saísse das contas bancárias de que era cotitular e não ficou com qualquer cartão de crédito. Ficou, apenas, com uma carrinha de trabalho, da marca ..., cor cinza, de dois lugares, durante dois meses.
Durante o período em que se relacionou com o arguido, esteve uma vez no Brasil, durante 3 meses, pois o seu pai estava doente. Fê-lo com a ajuda da testemunha CC.
Confrontada com as fotos juntas a fls. 47 e ss. do apenso, referiu serem respeitantes ao apartamento onde reside em ..., aludindo que os bens ali retratados são da sua propriedade.
Confrontada com os documentos juntos a fls. 340 e ss., referiu que “...” é o seu espaço e as fotos ali constantes retratam a casa de turismo rural de Valpaços. Também viu essa publicação, em junho, mas nessa data esse alojamento já não existia. Na altura da partilha já não tinha nada a ver com a gestão desse alojamento e no entanto continuaram a usar o seu contacto.
Em julho de 2020 enviou uma carta ao arguido a dizer que tinha cessado a gestão do alojamento local e pediu o livro de reclamações.
Confrontada com os ficheiros áudio juntos com a contestação, referiu ter sido a declarante a enviá-los ao arguido, tal como os enviou para outras pessoas.
Confrontada com as mensagens juntas aos autos a fls. 271 e ss., tal como o arguido havia referido, esclareceu que as fotos reportadas a 19 de janeiro de 2020, respeitam ao almoço, em Viseu, quando ali se deslocou para ir buscar as suas roupas e que as flores retratadas a fls. 278 verso foi o arguido que lhas ofereceu quando almoçou pela última vez com ele em fevereiro de 2020.
Quanto aos demais vídeos e mensagens ali constantes, confrontada com eles, começou por dizer que “em momento algum” tinha enviado esses vídeos e mensagens ao arguido, com exceção do vídeo em que a sua afilhada DD está a dançar, referindo que esse foi por si enviado ao arguido, pois a menina também era afilhada dele, gostavam muito um do outro, e, dessa forma, o arguido poderia acompanhar a vida dela, pois estavam em isolamento.
Porém, analisadas uma a uma, no telemóvel, perante a evidência, já foi dizendo que afinal algumas dessas mensagens e vídeos tinham sido enviados por si ao arguido e que enviaram, um ao outro, vídeos de músicas românticas.
Temos, portanto, de um lado as declarações do arguido e do outro as declarações prestadas pela assistente, completamente antagónicas, entre si, e, refira-se, desde já, que as testemunhas inquiridas pouco ou nada contribuíram para a descoberta da verdade, com efeito nada de relevante presenciaram, limitando-se a referir factos marginais ou o que lhes foi contado pela assistente.
Com efeito:
A testemunha EE, amiga de BB há cerca de 10 /11 anos, no início do verão do ano de 2020, encontrava-se na confeitaria ..., sita em Santa Maria da Feira, onde BB também tinha estado, a tomar um café consigo.
A dado momento, a depoente vê o arguido a entrar para uma carrinha e a abandonar o local.
Não sabe de onde vinha, pois na confeitaria ele não estava.
Comentou o que viu com a BB, depois dela ter saído do trabalho, e esta não acreditava.
Numa outra altura, em data que não conseguiu precisar, mas situada no período temporal em que o arguido andava a fazer exames ao pé, com vista a ser operado, no Hospital ..., já a BB ali trabalhava, deslocou-se ao mesmo para ir levantar um relatório médico, quando, no parque de estacionamento do Hospital, deparou-se com a mesma carrinha, de matrícula francesa, ali estacionada.
Comentou com BB que se mostrou incrédula.
Não viu o arguido. Dentro da carrinha, apenas estava uma senhora.
Numa outra altura, do final do verão de 2020, estava a fazer as unhas no estabelecimento da BB, quando viu a mesma carrinha a passar.
Não viu quem conduzia a carrinha.
Tem convivido bastante com a BB neste último ano e esta encontra-se desmotivada, destroçada, está sempre a chorar.
A testemunha FF, disse conhecer BB desde 2010/2011, e ter conhecido o arguido através dela.
Uma vez, em Viseu, era verão, a caminho de outono, talvez setembro, talvez há 5/6 anos, a depoente e o ex-marido iam sair juntos com o arguido e a BB, para jantar e estes tiveram uma discussão mais acesa. A BB ia a entrar para o carro e o arguido começou a andar, com ela metade dentro e metade fora.
Não se recordava do motivo da discussão.
Ela ficou envergonhada.
Uma outra vez, num aniversário, no restaurante O..., o arguido foi agressivo com o empregado de mesa. Não foi ciúme. Não tinha a ver com a BB. Talvez porque o empregado demorou a servir.
Confrontada com a fotografia constante a fls. 309, reconheceu-se na mesma, aludindo que na ocasião em que essa foto foi tirada o arguido não estava presente.
Mantém contacto com a BB. Esta encontra-se desanimada.
O casal queria ter filhos, mas nunca assistiu o casal a discutir sobre isso.
A testemunha CC, médica de clínica geral, conhece o arguido por ser o marido da sua amiga BB. Conhece-o desde 2010. Foi madrinha de casamento do casal e aludiu manter uma relação muito próxima de BB.
Conheceu a BB no Hospital, aquando de um episódio de urgência, quando esta ali se deslocou, com um hematoma, por ter sido agredida pelo arguido.
Frequentava o gabinete de estética dela.
Ficaram amigas e a frequentar a casa uma da outra.
Descreveu a relação do casal como uma “relação de amor e conflito”. Pareciam gostar um do outro.
Não sabia precisar, mas o arguido era muito ciumento ou inseguro na relação.
Sempre que o casal tinha desavenças a BB ia ter consigo a pedir-lhe ajuda.
Quando o arguido fechava a porta de casa, trocava a fechadura, a BB ficava em casa da depoente e usava as roupas desta.
Tentavam voltar, designadamente com base em ameaças.
Há cerca de 5 anos e meio, deixou o arguido entrar em sua casa, para poder falar com a BB, ela não queria a reconciliação e ele tentava, apelidando-a de sua puta, sua porca, sua prostituta. A filha da depoente, com um ano e meio, até ficou assustada.
Acompanhou o processo de tratamentos a que a BB foi submetida [gravidez/quimioterapia], logo no início de 2010, pois sempre foi a médica de família e amiga dos dois.
O arguido estava sensibilizado com essa situação da BB.
O arguido sempre insistiu em ter um filho dela.
O arguido dizia “mulher que é mulher tem de cuspir ossos”. Dizia-o em qualquer momento, em qualquer convívio [posteriormente a depoente corrigiu “mijar ossos”].
Nunca viu o arguido a controlar o telemóvel da BB.
BB chegou a ter um Nissan. O arguido queria “sumir” o Nissan, então a depoente e BB esconderam-no.
BB fez diversas viagens. Fazia-o para sair daqui, porque quando a BB tentava afastar-se do arguido ele começava a agredi-la, física e psicologicamente.
Era uma maneira para tentar trabalhar para sobreviver.
Manteve uma relação com o GG, mas nunca comentaram a diferença de idades do casal. Nunca foi contra isso, tanto é assim que já manteve um relacionamento com um indivíduo mais velho.
Costumava passar férias com o casal. Ás vezes havia conflitos, discussões e mau tratamento.
O arguido era “uma pessoa com pavio curto, explosivo”.
Depois que foram viver para Viseu as coisas pioraram, pois BB deixou o gabinete de estética e esteve sempre com o arguido, a fazer o que ele precisava. BB foi uma esposa dedicada.
Nas festas, também havia quase sempre a necessidade de dizer ao arguido para ter calma [pedido à depoente para concretizar o motivo dessa afirmação, respondeu apenas: “era ciúmes”, por pensar, por exemplo, que o empregado do restaurante estava a fazer-se à BB].
Por último, foi a inseminação artificial que não resultou. Do seu ponto de vista, porque o arguido não queria respeitar o jejum do ato sexual. Queria sexo todos os dias.
Por isso perdeu o dinheiro e o embrião. Como correu mal, essa situação foi a gota de água.
Após o almoço em que o arguido lhe ofereceu flores, foi cada um para seu lado, tendo a BB vindo viver para Santa Maria da Feira. A depoente até ajudou nas mudanças. O arguido ficou a viver em Viseu e depois foi para França.
Desconhece o motivo pelo qual o arguido veio tratar-se no Hospital ..., pois sempre o criticou.
O arguido comparou a BB com a ex-mulher no sentido da fertilidade ou seja que a mulher deu filhos e a BB não mija ossos.
Quando a BB ficou em sua casa, porque o arguido tinha trocado a fechadura, a depoente foi a casa dele, pois o arguido estava com febre e pediu que ali se dirigisse. Foi então a casa dele, para buscar roupas e cremes de BB e o arguido atirou as roupas pela janela. A depoente entrou, tendo sido o arguido que lhe abriu a porta, que estava trancada com outras chaves [questionada como sabia que não era a mesma fechadura referiu ter sido o arguido que lhe contou].
Com exceção do hematoma que viu em 2010 [nos pulsos], quando a BB foi ao Hospital, nunca viu qualquer sinal de agressões físicas na BB. Tudo o resto foi a BB que lhe contou.
Nunca ouviu a BB a criticar os filhos de outras pessoas.
O arguido apertava-lhe o pescoço e os pulsos, depois dessa situação de 2010 [note-se que nem a assistente BB se queixou disso].
Por outro lado, segundo as testemunhas de defesa:
HH, ex-mulher do arguido, com quem esteve casada durante 35 anos, referiu ter sido ela quem acompanhou o arguido, na altura em que foi operado à vista e ao pé, no Hospital ..., no decurso do ano de 2020.
Deslocavam-se de Viseu até Santa Maria da Feira, num veículo automóvel, vermelho, de matrícula francesa.
Quando as consultas terminavam perto do meio dia, almoçavam em restaurantes de Santa Maria da Feira.
Nunca viu a BB aquando dessas deslocações a Santa Maria da Feira, nem mesmo no hospital.
Como não a deixavam entrar, por causa da COVID, por vezes aguardava dentro do veículo automóvel, no estacionamento.
É emigrante, em França, e quando vinha de férias a Portugal, ficava na sua casa em Viseu. A casa habitada pelo arguido e BB ficava no mesmo terreno da sua.
Nunca lhe disse que não queria que ela lá estivesse a morar. Aliás, não falava com ela. Evitava o contacto.
A BB chegou a usar a sua piscina.
Sempre teve um bom relacionamento com o arguido. Este nunca a ofendeu.
A testemunha GG, amigo do arguido há cerca de 10 anos e padrinho de casamento, referiu que durante o tempo em que conviveu com o casal pareceu-lhe que relacionamento entre eles era bom. Nunca assisti a qualquer problema, nem discussão.
Faziam festas temáticas, grandes, jantares, viagens.
Nunca viu a BB triste.
Falava-se que o relacionamento entre o casal poderia não dar certo devido à diferença de idade dos dois. O depoente chegou a comentar isso com a sua ex-namorada e com a sua irmã e a testemunha Dr.ª CC também tinha essa opinião.
A testemunha II, conhece o arguido e o casal há 11 anos.
Foi ao casamento deles.
Sempre privou com eles.
Tinham um ótimo relacionamento, festas de alto gabarito, pagas por ele. Pensa que o arguido as fazia por amor à BB.
Nunca assistiu a qualquer atrito entre eles.
Deixou de manter contacto com o casal, desde que mudaram a sua residência para Viseu.
A depoente trabalha no Hospital .... O arguido tem lá ido a consultas, na companhia da testemunha HH, por causa de uma lesão no pé e de uma operação à vista.
A testemunha JJ, amiga do arguido há cerca de 20 anos, referiu que:
O casal chegou a viver em Viseu, num anexo junto da casa da família do arguido.
O arguido tratava a BB por “amor”, “minha vida”.
Chegou a estar com o casal em cerca de 10 jantares.
Nunca assistiu a qualquer discussão entre os dois.
O 30.º aniversário da BB foi festejado no restaurante O.... Não houve qualquer discussão.
O arguido tinha uma boa situação financeira e fazia tudo para agradar a BB, que, na data, não trabalhava.
Ora, aqui chegados, analisados e concatenados tais meios de prova, constata-se que no presente caso, as declarações prestadas pela assistente BB não só entram em frontal contradição com a versão do arguido, como também com alguma prova documental junta aos autos [designadamente com as referidas mensagens trocadas com o arguido via WahtsApp de fls. 271 e ss.], de onde transparece, claramente, que também a assistente estabelecia o contacto com o arguido, contrariando a imagem que quis tentar passar ao tribunal de que era perseguida por este.
Com efeito, as suas declarações não foram sequer corroboradas pelo depoimento de qualquer uma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento.
A assistente BB prestou um depoimento incongruente, contraditório e até começou por negar [note-se, de forma veemente], a própria evidência que decorre das mensagens trocadas entre si e o arguido, constantes a fls. 271 e ss.
E não se diga, relativamente à alegada perseguição, que o depoimento da testemunha EE foi sequer esclarecedor a esse respeito, pois, pese embora esta tenha visto a sua carrinha em Santa Maria da Feira, e numa das vezes ter visto o arguido a entrar na mesma, por si só não nos permite concluir no sentido de que o arguido se deslocava a Santa Maria da Feira com o intuito de chegar ao contacto com BB e, muito menos, que permanecia junto da residência, do local de trabalho ou dos estabelecimentos por esta frequentados e que o fazia com o intuito de a intimidar. Note-se que em nenhuma das referidas três vezes a assistente viu sequer o arguido; das referidas três vezes nem sequer a própria testemunha o viu em duas delas e da vez em que viu a carrinha no parque de estacionamento do Hospital, com uma senhora lá dentro, numa altura em que o arguido andava ali a ser tratado, concatenado com o depoimento da sua ex-mulher, leva-nos, antes, a admitir que o arguido se dirigia a Santa Maria da Feira em virtude de estar a ser tratado naquela entidade hospitalar, e não com o intuito de perseguir e intimidar a assistente.
O depoimento das testemunhas FF e CC também se revelaram inócuos para a apreciação dos factos objeto desta ação, pois invocam situações que nem sequer a própria assistente referiu, sendo de realçar, quanto a esta última, que o seu depoimento mostrou-se contraditório, incoerente entre si e, em alguns momentos, até com as regras da experiência de vida, e revelou-se tendencioso, numa ânsia de fazer crer ao tribunal que a sua amiga tinha sido agredida física e psicologicamente pelo arguido, indo, inclusive, além das queixas/declarações da própria assistente, pelo que não nos mereceu qualquer credibilidade [note-se, a título de exemplo, que esta testemunha refere que a assistente era agredida fisicamente pelo arguido, no entanto nenhum facto é relatado nos autos a esse respeito, nem na acusação pública, nem sequer na acusação particular, já para não falar que nem a própria assistente o referiu].
No que respeita ao aludido anúncio, basta atentarmos nos documentos de fls. 46 e seguintes [mais legível a fls. 19 e ss.] juntos aos autos apensos pela assistente para se constatar que não consta qualquer data na republicação do anúncio na página de Facebook do arguido, mas sim e apenas na página da assistente [...] pelo que não se pode concluir que respeite ao período em que arguido e assistente se encontravam desavindos.
De qualquer forma, do mesmo também decorre que a publicação em causa não se reporta apenas ao apartamento sito em ..., mas também a uma moradia sita em Valpaços, pelo que não se pode concluir, de todo, que o arguido tenha procedido àquela republicação do anúncio com vista a, de alguma forma, perturbar/ofender a assistente.
Não foram, portanto, as declarações da assistente sustentadas por qualquer outro meio de prova, tendo, mesmo, em alguns casos sido contraditadas por estes, pelo que suscitando-se dúvidas no espírito do julgador [veja-se, a título de exemplo, que a assistente foi confrontada com mensagens e vídeos enviados via WhatsApp, de fls. 271 e ss. e, inicialmente, afirmou, veementemente, que nada tinha enviado ao arguido, só o assumindo quando o tribunal permitiu que essas mesmas mensagens fossem visionados em audiência de julgamento no próprio telemóvel e se confrontou a assistente com a realidade que era incontornável - não só o arguido contactava a assistente, como também esta o contactava, enviando-lhe músicas românticas, mensagens, áudios e fotos, no período em que, alegadamente, era perseguida por aquele], em obediência ao princípio in dubio pro reo, o tribunal só poderia dar os factos supra indicados como não provados da forma como o fez.
Uma última palavra para dizer, quanto à expressão dirigida pelo arguido à assistente - “MULHER SÓ É MULHER QUANDO MIJAR OSSOS”, - que não resultou provado que o arguido a tenha dito com a intenção de humilhar a assistente ou, de alguma forma, de a ofender, designadamente na sua honra e consideração, além de que o arguido contextualizou o momento em que o disse e o que pretendia dizer com essa expressão, e o tribunal não dispõe de qualquer elemento de prova que o possa corroborar, mas também não dispõe de qualquer elemento de prova suscetível de o infirmar, pelo que, mais uma vez, atento o princípio in dubio pro reo, o tribunal só poderia dar o referido facto [intenção] como não provado da forma como o fez.
Ainda assim, será de realçar que se reconhece que a expressão usada pelo arguido é, sem dúvida, deselegante e infeliz, mas insuscetível de integrar qualquer ilícito criminal, designadamente os imputados crimes de violência doméstica ou mesmo de injúria.
Todos estes elementos de prova foram atendidos, não só quanto aos factos constantes das acusações (pública e particular), como, ainda, quanto ao pedido de indemnização civil, atendendo a que não se podem autonomizar.
Quanto à ausência de antecedentes criminais, o tribunal teve em atenção o respetivo Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Teve-se, ainda, em conta, quanto à situação social, profissional, económica e modos de vida do arguido, o respetivo relatório social junto aos autos.
*
DECIDINDO AS QUESTÕES OBJETO DO RECURSO
Nos termos do disposto no art.º 428.º do CPP, este Tribunal conhece de facto e de direito. Considerando as questões suscitadas no recurso, haverá que conhecer de facto e de direito.
Quanto à primeira questão [se o Tribunal a quo decidiu com base em prova nula porque não autorizada].
A recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo na parte em que decidiu que os documentos juntos pelo arguido na contestação são relevantes para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa e constituem prova válida e licita, não configurando intromissão na vida privada da assistente ou intromissão na correspondência ou nas telecomunicações.
Em síntese, refere que se trata de prova proibida e que não pode ser valorada; que não foi utilizada no sentido de demonstrar qualquer crime; e que a sua divulgação não foi por ela autorizada nem ordenada a sua obtenção por via judicial.
Vejamos.
Em primeiro lugar, importa anotar que nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 124.º do CPP, para além do mais, constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido. Carece, pois, de sentido a alegação de que aquela prova não podia ser junta porque não foi utilizada no sentido de demonstrar a prática de qualquer crime. Não tinha que ser. Desde logo porque, como resulta da lei, o alcance e finalidade da prova vai para além disso. Não se resume a provar a prática de um tipo legal de crime. Acresce que, como é evidente, ao arguido não cabe juntar prova para provar os factos que lhe são imputados, e não pode ser coartado o seu direito de defesa, impedindo-o de juntar prova que infirme a acusação, como parece defender a assistente. Acresce ainda que o Tribunal a quo justificou devidamente a relevância dos referidos elementos de prova, que, aliás, resulta evidente tendo em conta o objeto do processo e os factos imputados ao arguido. Com efeito, os mesmos provam o tipo de relacionamento existente entre o arguido e a assistente após a separação, o que coloca em causa os factos vertidos em 6 (parte final), 8 e 9 da acusação pública, como é referido no acórdão recorrido.
Falecem, também, todos os demais argumentos invocados pela recorrente.
Com efeito, como dispõe o art.º 125.º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Decorre que referida norma que foi estabelecido o princípio da legalidade dos meios probatórios e não o principio da tipicidade.
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do art.º 126.º do mesmo diploma que, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, estabelecendo o seu n.º 3 que ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. Tudo em conformidade com o estatuído no n.º 8 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, que determina a nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
No caso em apreço, os elementos probatórios cuja legalidade a assistente questiona encontram-se juntos a fls. 271 a 311. Trata-se de mensagens, vídeos, fotos e áudios trocadas/os via WhatsApp entre o arguido e a assistente. Tendo sido enviadas/os livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional. Efetivamente, como refere o Ac. TRP de 22.05.2013[6], em nada se distinguem de uma carta remetida por correio físico. Tendo sido já recebidas, se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador ou no telemóvel, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo, visto o disposto no art. 194º, n.º 1 do C. Penal.
A Jurisprudência nacional é pacifica nesse sentido[7].
A assistente não tinha, assim, que autorizar a sua utilização para efeitos probatórios.
Nestes termos, aqueles documentos valem como prova, não sendo ilícitos, nem constituído prova proibida. Não se verifica, pois, a alegada violação de qualquer norma ou direito constitucional, designadamente os art.ºs 126.º e 167.º do CPP e o disposto no n.º 8 do art.º 32.º da CRP.
Improcede, pois, o recurso, quanto à primeira questão.
*
Quanto à impugnação da matéria de facto.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias.
Através da chamada revista alargada, de âmbito mais restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
Ou através da impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP.
No primeiro caso, como resulta expressamente do preceito, a existência dos vícios decisórios elencados no n.º 2 do referido art.º 410.º do CPP, que são de conhecimento oficioso[8], tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Significa que não é admissível recorrer a elementos estranhos à decisão em si, ainda que existentes nos autos e provenientes do próprio julgamento[9]. Ou seja, o Tribunal de Recurso não pode examinar nem consultar quaisquer outros elementos do processo. Por exemplo, não pode socorrer-se de depoimentos prestados em julgamento. Constituem, pois, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei[10].
Quanto ao segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs. 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.
Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada[11].
A impugnação ampla da matéria de facto visa, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[12].
Porque não se trata de um novo julgamento, não cabe à Relação reapreciar toda a matéria factual dada como provada ou não provada na primeira instância, nem analisar toda a prova ali produzida e documentada nos autos.
A reapreciação é segmentada e parcelar[13]. Circunscreve-se, apenas e tão só, aos pontos de facto que o recorrente individualiza obrigatoriamente no recurso como estando, em seu entender, incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Daí que não lhe baste formular genericamente a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e apontar o sentido que deve ser dado à prova[14].
Como estabelece o art.º 412.º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP, sobre ele recai o ónus de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Realça o Ac. TRL de 21.05.2015[15], que a especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
Que a especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
E que a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artº 412º, do CPP).
Também porque não se trata de um novo julgamento, e constitui apenas um “remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”, faltando-lhe a imediação e a oralidade da prova, a reapreciação deve ser particularmente cuidadosa, não pode o Tribunal da Relação fazer “tábua rasa da livre apreciação da prova” em que assentou o juízo do tribunal recorrido[16]. Com efeito, como é sublinhado no Ac. STJ de 12.06.2008[17], a natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações, constitui uma importante limitação a considerar na sindicância da matéria de facto no âmbito da impugnação ampla. Face a essa limitação, o tribunal de recurso, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, só pode alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem[18]. Por exemplo, imporão decisão diversa, com a consequente alteração do decidido, sempre que a convicção do julgador da primeira instância mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos[19]. Em suma, quando tiver na sua base erros de tal modo evidentes e óbvios que tornem a decisão inaceitável.
No caso concreto, a recorrente começa por censurar o Tribunal a quo por não ter credibilidade à testemunha CC, discordando do seguinte segmento da motivação do acórdão recorrido:
(...) o seu depoimento mostrou-se contraditório, incoerente entre si e, em alguns momentos, até com as regras da experiência de vida, e revelou-se tendencioso, numa ânsia de fazer crer ao tribunal que a sua amiga tinha sido agredida física e psicologicamente pelo arguido, indo, inclusive, além das queixas/declarações da própria assistente, pelo que não nos mereceu qualquer credibilidade [note-se, a título de exemplo, que esta testemunha refere que a assistente era agredida fisicamente pelo arguido, no entanto nenhum facto é relatado nos autos a esse respeito, nem na acusação pública, nem sequer na acusação particular, já para não falar que nem a própria assistente o referiu]”.
Transcreve alguns excertos do depoimento da referida testemunha e remata no sentido de que da audição integral do seu depoimento não se vislumbra qualquer contradição entre o que foi dizendo, que se tratou de um depoimento espontâneo, claro, conciso e consistente, seja em termos de factos, seja em termos de datas, tendo a própria esclarecido que apenas veio contar aquilo que sabia e que assistiu.
Vejamos.
Na motivação da decisão de facto o Tribunal a quo explicou porque não deu crédito ao declarado pela testemunha, sendo possível compreender as razões em que assentou essa convicção de falta de credibilidade. Considerando os fundamentos que indica para o efeito e a clareza do raciocínio expendido, não é passível do mais mínimo reparo. Aliás, ouvida integralmente a gravação do depoimento da referida testemunha, não poderia ser outra a conclusão do Tribunal a quo.
É certo que a recorrente tem uma perspetiva diferente da do Tribunal. Todavia, o quadro argumentativo que desenvolve resume-se a uma mera tentativa de sobrepor a sua própria convicção à do julgador, pretensão que não pode proceder. Com efeito, dar ou não dar crédito ao que diz uma testemunha é uma questão de convicção. Ora, quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum[20]. Não é, porém, o que acontece no caso dos autos, não se verificando qualquer erro de julgamento.
Assim sendo, não existem motivos para se alterar o juízo valorativo feito pelo Tribunal a quo no que concerne ao depoimento da testemunha CC, nos termos pretendidos pela recorrente.
*
A recorrente considera ter havido erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento (art.ºs 410.º, n.º 2, e 412.º, n.º 3, do CPP) quanto ao seguinte factualismo dado como não provado relativo ao crime de violência doméstica:
- O arguido tenha dito a expressão aludida em 3 da factualidade provada em frente a terceiros, o que muito envergonhava e entristecia a assistente;
- O arguido pressionava a assistente para ter um filho com ela;
- Sabia o arguido que praticava parte dos factos no interior do domicilio comum;
- Nessas ocasiões, o arguido acedia ao conteúdo do telemóvel da assistente, contra a sua vontade, de forma a confirmar se a mesma contactava outros homens;
- Nunca o arguido injuriou, humilhou, nem procurou humilhar, fosse de que forma fosse a assistente;
- A demandante sentiu-se vexada, desgostosa, angustiada, envergonhada, diminuída e humilhada, na sua condição de mulher e esposa, na sequência de qualquer facto ilícito praticado pelo demandante;
- Nunca o arguido controlou o telemóvel da assistente;
- O arguido vasculhava todo o conteúdo do telemóvel da assistente;
- Nunca o arguido teve comportamentos enciumados para com a assistente;
- As datas que a assistente viajou e os motivos dessas viagens.
Entende que deverão ser alterados os referidos factos não provados, passando a dar-se como provados tais factos na seguinte medida:
- O arguido disse a expressão aludida em 3 da factualidade provada em frente a terceiros, o que muito envergonhava e entristecia a assistente;
- O arguido pressionava a assistente para ter um filho com ela;
- Sabia o arguido que praticava parte dos factos no interior do domicílio comum;
- O arguido acedia ao conteúdo do telemóvel da assistente, contra a sua vontade, de forma a confirmar se a mesma contactava outros homens;
- O arguido injuriou, humilhou, nem procurou humilhar, fosse de que forma fosse a assistente;
- A demandante sentiu-se vexada, desgostosa, angustiada, envergonhada, diminuída e humilhada, na sua condição de mulher e esposa, na sequência de qualquer facto ilícito praticado pelo demandado;
- O arguido controlou o telemóvel da assistente;
- O arguido vasculhava todo o conteúdo do telemóvel da assistente;
- O arguido teve comportamentos enciumados para com a assistente;
- As datas que a assistente viajou e os motivos dessas viagens;
Como resulta da motivação da decisão de facto, no caso em apreço o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão relativamente ao factualismo que a recorrente coloca em crise com base na prova produzida em audiência. Explicou de forma exaustiva e clara as razões que o levaram a decidir no sentido que decidiu, sendo possível conhecer o processo de formação da sua convicção, obtida com o benefício da imediação e da oralidade, que falta a este Tribunal de recurso. Acompanhando as lições do Professor Figueiredo Dias[21], importa sublinhar que a apreciação que o Juiz do julgamento faz da prova não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela ( deve ser) uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.”.
É certo que a recorrente tem uma perspetiva diferente da do Tribunal a quo relativamente à leitura que deve ser feita das mesmas provas. Porém, como é referido no Ac. TRE de 19.05.2015[22], se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela.
Ora, considerando os fundamentos do recurso, é precisamente isso que a recorrente mais uma vez pretende: que a sua própria convicção se sobreponha à do Tribunal a quo.
Tal pretensão não pode, porém, proceder.
Desde logo porque, como se anotou, a diferente avaliação ou ponderação da prova feita pela recorrente não seria suficiente para modificar o decidido. Admiti-lo, seria sobrepor a subjetiva e interessada interpretação da assistente à do Tribunal a quo sobre os meios de prova, fazendo tábua rasa da convicção formada pelo julgador e do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código Processo Penal, nos termos do qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.
Em todo o caso, os excertos das declarações e dos depoimentos transcritos pela recorrente não permitem alterar a decisão relativamente à factualidade que questiona.
Senão vejamos.
Quanto ao primeiro facto não provado [O arguido tenha dito a expressão aludida em 3 da factualidade provada em frente a terceiros, o que muito envergonhava e entristecia a assistente], a recorrente convoca as declarações do arguido, referindo que confirmou ter proferido a expressão referida no ponto 3 da factualidade dada como provada, pelo menos, duas vezes. Convoca também as suas próprias declarações e ainda o depoimento da testemunha CC.
Porém, as declarações do arguido transcritas não permitem dar como provado mais do que o que consta no ponto 3. da matéria de facto provada. Efetivamente, o arguido reconheceu que uma ou duas vezes utilizou essa expressão, mas não refere que o tenha feito frente a terceiros. Quanto ao depoimento da testemunha CC, como vimos, não mereceu credibilidade por parte do Tribunal a quo. No que concerne às declarações da recorrente, muito embora tenha afirmado que se sentia humilhada e ofendida quando o arguido proferiu a expressão em causa, tal não impõe, por si só, que se dê como provado o que disse. Importa ter também em conta o referido Tribunal a quo na motivação, que é particularmente clara e afasta qualquer tipo de dúvida: Uma última palavra para dizer, quanto à expressão dirigida pelo arguido à assistente - “MULHER SÓ É MULHER QUANDO MIJAR OSSOS”, - que não resultou provado que o arguido a tenha dito com a intenção de humilhar a assistente ou, de alguma forma, de a ofender, designadamente na sua honra e consideração, além de que o arguido contextualizou o momento em que o disse e o que pretendia dizer com essa expressão, e o tribunal não dispõe de qualquer elemento de prova que o possa corroborar, mas também não dispõe de qualquer elemento de prova suscetível de o infirmar, pelo que, mais uma vez, atento o princípio in dubio pro reo, o tribunal só poderia dar o referido facto [intenção] como não provado da forma como o fez.
Ainda assim, será de realçar que se reconhece que a expressão usada pelo arguido é, sem dúvida, deselegante e infeliz, mas insuscetível de integrar qualquer ilícito criminal, designadamente os imputados crimes de violência doméstica ou mesmo de injúria.
Quanto ao segundo facto não provado [O arguido pressionava a assistente para ter um filho com ela], entende a recorrente que dúvidas não restam de que o arguido a pressionava no sentido de ter filhos, fazendo disso depender a relação de ambos.
Para o efeito, convoca o depoimento da testemunha CC.
No que concerne a esta testemunha, já vimos que não mereceu credibilidade por parte do Tribunal a quo. De todo o modo, o que a mesma referiu no seu depoimento não consubstancia qualquer tipo de pressão ilegítima. Com efeito, limitou-se a dizer que o arguido queria ter um filho com a recorrente para ter um futuro com ela.
Quanto ao terceiro facto não provado [Sabia o arguido que praticava parte dos factos no interior do domicilio comum], a recorrente convoca as declarações do arguido.
Em primeiro lugar, importa anotar que se desconhece a que concretos factos, que teriam de ser necessariamente ilícitos, poderia reportar-se o referido ponto e onde teriam sido praticados. Por outro lado, a circunstância de o arguido ter fixado residência com a assistente nas moradas referidas em 2. da matéria de facto provada, o que aquele confirma em parte nas declarações transcritas no recurso, não significa que ali tenha praticado quaisquer factos ilícitos, aliás, não provados. Acresce não fazer o mais mínimo sentido a alegação de que o facto de o casal ter fixado residência naquelas moradas, permite deduzir que pelo menos parte dos factos praticados tenham sido no interior do domicílio comum. Com todo o respeito, não se compreende como.
Quanto ao quarto facto não provado [As datas que a assistente viajou e os motivos dessas viagens], a recorrente convoca as declarações do arguido, as suas próprias declarações e o depoimento da testemunha CC. Importa antes de mais referir que se desconhece a que viagens se reporta em concreto o referido ponto. A contestação do arguido refere muitas viagens, algumas feitas pelo casal, pelo que não dirá respeito a essas. O facto de a recorrente se referir a algumas viagens nas declarações transcritas, não significa que tivesse que ser dado como provado o que afirmou, pois, como vimos, as suas declarações são apreciadas livremente pelo Tribunal, nos termos do disposto no art.º 127.º do CPP. Quanto ao depoimento da testemunha CC, como referido supra não mereceu credibilidade por parte do Tribunal a quo. De todo o modo, apenas referiu uma viagem ao Brasil, desconhecendo-se se será alguma das viagens a que se reporta o ponto em causa. Importa também referir que dar-se como provado As datas que a assistente viajou e os motivos dessas viagens seria completamente inócuo para o objeto do processo e para o preenchimento de qualquer dos elementos típicos do crime de violência doméstica.
Quanto ao quinto grupo de factos não provados [Nessas ocasiões, o arguido acedia ao conteúdo do telemóvel da assistente, contra a sua vontade, de forma a confirmar se a mesma contactava outros homens; Nunca o arguido injuriou, humilhou, nem procurou humilhar, fosse de que forma fosse a assistente; Nunca o arguido controlou o telemóvel da assistente; O arguido vasculhava todo o conteúdo do telemóvel da assistente], a recorrente convoca as declarações do arguido, as suas próprias declarações e o depoimento das testemunhas CC e FF. Importa desde já referir que a assistente faz uma leitura errada do que significa o “nunca” utilizado nos pontos em causa. Com efeito, tratando-se de factos não provados, não pode raciocinar como se fosse factualidade provada, o que faz. No que concerne às declarações do arguido, bem sabe a recorrente que nas declarações transcritas o mesmo se reportou a uma situação ocorrida em 2012, quando a factualidade que questiona diz respeito a 2019. Resulta evidente dos pontos 4 e 5 da acusação, pelo que a alegação da assistente no que concerne ao primeiro facto se situa na fronteira do processualmente admissível para não ser sancionada em taxa sancionatória excecional. Quanto ao declarado pela assistente, as suas declarações foram apreciadas livremente pelo Tribunal, nos termos do disposto no art.º 127.º do CPP. De qualquer forma, considerando o que se mostra transcrito, nada autoriza a que se reverta a decisão no que concerne ao factualismo em causa. Quanto ao depoimento da testemunha CC, como referido supra não mereceu credibilidade por parte do Tribunal a quo. De todo o modo, não confirma qualquer injúria, insulto ou humilhação. Basta ler a transcrição do seu depoimento feita pela recorrente. O mesmo se diga no que concerne ao depoimento da testemunha FF, sendo que nada nos permite concluir que o episódio que relatou foi intencional e o arguido procurou humilhar a recorrente.
No que diz respeito a este grupo de factos, nenhuma prova ou circunstância foi invocada pela recorrente quanto à seguinte factualidade não provada: A demandante sentiu-se vexada, desgostosa, angustiada, envergonhada, diminuída e humilhada, na sua condição de mulher e esposa, na sequência de qualquer facto ilícito praticado pelo demandado. Assim, porque nem sequer é impugnada em concreto, mantem-se como não provada.
Quanto ao sexto facto não provado [Nunca o arguido teve comportamentos enciumados para com a assistente] a recorrente convoca as suas próprias declarações e o depoimento da testemunha CC. No que diz respeito ao depoimento da referida testemunha, volta a anotar-se que não mereceu credibilidade por parte do Tribunal a quo. Em todo o caso, no depoimento transcrito não concretiza uma única situação. Quando às declarações da assistente, para além não concretizar um único comportamento do arguido decorrente de ciúmes, foram devidamente apreciadas pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 127.º do CPP, não se descortinando qualquer erro de julgamento.
Assim sendo, considerando todo o exposto, não existem motivos para se alterar a matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente no que concerne à factualidade supra referida, não se verificando qualquer vício decisório ou erro de julgamento.
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Insurgindo-se contra a absolvição do arguido da prática do crime de injúria, alega a recorrente que deveria ter sido condenado, face aos factos dados como provados, às declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento e às suas próprias declarações. Considerando o alegado e o raciocínio que desenvolve, se bem percebemos, entende que o tipo se mostra preenchido por estar provado que, pelo menos por duas vezes, o arguido lhe dirigiu a seguinte expressão “Mulher só é mulher quando mijar ossos.”. Convoca inutilmente as declarações do arguido para sustentar tal factualidade, pois já está provada. Convoca também um excerto das suas declarações com vista, segundo ela, a explicar quando foi proferida a expressão e em que circunstâncias. Socorre-se ainda da factualidade dada como provada nos pontos 8. e 17. da matéria de facto provada, para daí retirar a conclusão, quanto a nós de todo impossível, de que, conjugando ainda as suas declarações, nomeadamente quanto à sua vontade em ter filhos e os tratamentos a que se sujeitava – factos que foram dados como provados pelo Tribunal a quo – dúvidas não restam que a expressão “mulher só é mulher se mijar ossos” foi dita pelo arguido com o objectivo de humilhar e ofender a Recorrente, uma vez que aquele bem sabia que, apesar dos tratamentos de infertilidade realizados, a assistente não conseguia engravidar, tendo a perfeita noção de que toda a situação de não conseguir gerar um filho era, em termos psicológicos e físicos, avassaladora para a Recorrente. Diz que não restam dúvidas que, de facto, o arguido pretendeu atingi-la, humilhando-a e culpando-a pelo facto de não conseguirem ter filhos, fazendo-o conscientemente e com intenção dolosa, o que deveria ter conduzido à sua condenação pela prática do crime de injúria e não à sua absolvição. Conclui existir um erro notório na apreciação da prova, na medida em que se impunha decisão diversa do douto Tribunal a quo face ao que foi dado como provado, às declarações do arguido e da Recorrente, aliada à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – cfr. alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal. Isto porque, atenta a matéria dada como provada, as declarações do arguido, a prova testemunhal e as declarações da assistente, não poderia decidir no sentido de absolver o arguido da prática do crime de injúria, previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 181.º do Código Penal – como fez – devendo, ao invés, o douto Tribunal a quo tê-lo condenado pela prática desse crime. Sustenta que ao não condenar o arguido pela prática do crime de injúria, o tribunal violou a obrigatoriedade de cumprir a Lei, a que está adstrito, na medida em que estão preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do dito crime. E remata, sustentando que, caso assim não se entendesse, então sempre estaríamos perante um erro de julgamento, previsto pelo art.º 412.º do Código de Processo Penal, nomeadamente pelo n.º 3, na medida em que as provas produzidas impunham decisão diversa, em particular a confirmação pelo arguido quanto à expressão “uma mulher só é mulher quando mijava ossos”.
Com todo o respeito, temos muita dificuldade em acompanhar a argumentação desenvolvida pela recorrente, sendo evidente que confunde por completo o que sejam o alegado vício de erro notório da apreciação da prova e o alegado erro de julgamento, que manifestamente não se verificam. Aliás, a recorrente nem sequer pugna por qualquer alteração da matéria de facto, questionando apenas e tão só a absolvição do arguido.
Improcede, pois, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
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Quanto à terceira questão [se se mostram preenchidos os elementos típicos do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), do Código Penal, e do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do Código Penal].
A recorrente não se conforma com a absolvição do arguido da prática dos crimes de violência doméstica e de injúria, decidida pelo Tribunal a quo.
Não lhe assiste, porém, mais uma vez, qualquer razão.
Com efeito, como bem refere o Tribunal a quo, da factualidade provada não decorre a prática pelo arguido de qualquer facto suscetível de integrar os elementos objetivos e subjetivos de qualquer um dos tipos de crime de que vem acusado de ter praticado, ou de qualquer outro, pelo que mais não resta do que proceder à sua absolvição.
É de tal forma evidente que dispensa qualquer tipo de apreciação.
Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido no que concerne à subsunção jurídica dos factos e à absolvição do arguido.
Assim, improcede também quanto a este aspeto o recurso.
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Quanto à quarta questão [se se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil].
A recorrente também não se conforma relativamente à absolvição do arguido do pedido de indemnização contra ele formulado.
Também quanto a esta questão não lhe assiste qualquer razão.
Senão vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 129.º, do C.Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (art.ºs 483.º e ss do C.Civil)[23], nos termos da qual a obrigação de indemnizar apenas se verifica quando estejam preenchidos determinados requisitos para o efeito, nomeadamente a existência de um facto ilícito culposo que tenha causado prejuízo a alguém[24]. É o que resulta expressamente, como esclarece o Prof. Antunes Varela[25], da simples leitura do art.º 483.º, n.º 1, do C.Civil, onde se encontra fixado o princípio geral sobre esta matéria (aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação). Seguindo a terminologia técnica, diremos, pois, que a responsabilidade civil extracontratual, como fonte de obrigação de indemnizar, tem, como pressupostos o facto, a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, esclarecendo, todavia, que o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -, pois só quanto a factos desta índole têm cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei o impõe[26].
Nos presentes autos, tendo em conta o factualismo dado como provado, não se verificam aqueles pressupostos da responsabilidade civil, designadamente a existência de um facto ilícito e voluntário imputável ao arguido, que seja consequência direta e adequada da produção de danos no lesado.
Improcede, pois, também o recurso quanto à última questão suscitada no recurso.
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Considerando todo o exposto, improcede integralmente o recurso.
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Sumário [da responsabilidade do relator]:
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.
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Porto, 8 de junho de 2022
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman
Borges Martins
_________________________________
[1] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18/06/2014, processo n.º 35/08.5JAPRT.P1, Relatora Juíza Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa.
[2] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 4.ª Edição, pág. 334 e seguintes.
[3] Cfr. M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 2a Edição - 1999, Pág. 663 e segs.
[4] A título de exemplo refere-se neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2006, in www.dgsi.pt.
[5] E que por isso apenas se indicou um acórdão a título de exemplo.
[6] Relatado pelo então Desembargador, atualmente Conselheiro, Melo Lima, in www.dgsi.pt.
[7] Cf., entre outros, Ac. STJ de 24.10.2019, relatado pela Conselheira Isabel São Marcos; Ac. TRP de 03.12.2013, relatado pelo Desembargador José Igreja Matos; Ac. TRL de 24.09.2013, relatado pelo Desembargador Vieira Lamim; Ac. TRP de 13.09.2017, relatado pelo Desembargador Luis Coimbra; Ac. TRP de 03.04.2013, relatado pelo Desembargador Artur Oliveira, todos, in www.dgsi.pt.
[8] Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10, publicado no Diário da República n.º 298/1995, Série I-A de 28.12.1995.
[9] Vide, Maia Gonçalves, in «Código de Processo Penal Anotado», 16. ª ed., pág. 873; Simas Santos e Leal-Henriques, in «Recursos em Processo Penal», 6.ª ed., 2007, págs. 77 e ss..
[10] Ac. STJ de 12.03.2009, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, in www.dgsi.pt.
[11] Acs. TRL de 29.03.2011 e de 22.09.2020, relatados pelo Desembargador Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[12] Cf. Ac. STJ de 31.05.2007, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[13] Cf. Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência de 08.03.2012, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, in DR. I Série, n.º 77, de 18.04.2012: Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª primeira instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
[14] Cf. Ac. TRC de 08.02.2017, relatado pelo Desembargador Inácio Monteiro, in www.dgsi.pt.
[15] Relatado pelo Desembargador Francisco Caramelo, in www.dgsi.pt.
[16] Cf. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, maio de 1999, e Damião Cunha, in «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37.
[17] Relatado pelo Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt. A essa limitação, o referido aresto acrescenta ainda mais três: i) a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; ii) a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita á indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso; iii) a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
[18] Ac. TRL de 29.03.2011, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e Ac. TRG de 23.03.2015, relatado pelo Desembargador João Lee Ferreira, ambos in www.dgsi.pt. Como é referido no último dos referidos acórdãos, tem-se entendido que impor decisão diferente quanto à matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
[19] Ac. TRP de 04.02.2004, relatado pelo Desembargador Ângelo Morais, in www.dgsi.pt. Idem, Prof. Cavaleiro Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1º volume, pág. 211. Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, mas essa apreciação é vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza cientifica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
[20] Ac. TRC de 13.09.2017, relatado pelo Desembargador Inácio Monteiro; Ac. TRE de 21.04.2015, relatado pelo Desembargador Martinho Cardoso; Ac. TRC de 09.01.2012, relatado pelo Desembargador Brízida Martins, todos in www.dgsi.pt.
[21] In “Direito Processual Penal”, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205).
[22] Relatado pela Desembargadora Filomena Soares, in www.dgsi.pt.
[23] Com refere o Ac. STJ de 04.02.2010, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, in www.dgsi.pt., A indemnização por perdas e danos emergentes de crime deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC).
[24] Vide, Ac STJ de 21.11.78, proc. nº 67305; Ac. da RL de 17/1/1991, in Col. Jur., Ano XVI, Tomo I, pag. 132.
[25] In, Das Obrigações em Geral, 5ª Ed., Vol. I, pag. 477.
[26] vide, Antunes Varela, loc. Cit..