Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1344/12.4TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECONHECIMENTO DE CRÉDITO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP201410201344/12.4TTGMR.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A pendência de um processo especial de revitalização e o reconhecimento, ainda que parcial, do crédito do Autor em ação emergente de contrato de trabalho não implica a extinção desta instância, por inutilidade superveniente da lide.
II – Na pendência do processo de revitalização só a aprovação e homologação do plano de recuperação determina a extinção da ação por inutilidade superveniente da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º1344/12.4TTGMR.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1239
Adjuntos: Dra. Paula Leal de Carvalho
Dr. Rui Penha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I

B… instaurou, em 26.11.2012, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, acção emergente de contrato de trabalho contra C…, Lda., pedindo dever ser declarado ilícito o despedimento do Autor e a Ré condenada a pagar-lhe a) As retribuições vencidas e vincendas, desde 30 dias antes da propositura da acção até decisão final; b) A compensação por despedimento no valor de € 9.422,22; c) A quantia de € 716,38 referente a salário e subsídio de alimentação relativo ao mês de Junho de 2012; d) A quantia de € 2.200,00, a título de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2012; e) A quantia de € 1.527,93, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal relativo ao trabalho prestado no ano da cessação; f) Os juros de mora vencidos sobre as peticionadas quantias, desde a data da citação e até integral pagamento.
Alega o Autor que a Ré o admitiu ao serviço em Janeiro de 2007, para exercer as funções de montador 1ª, mediante retribuição mensal que ultimamente era de € 1.100,00, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 5,12 por cada dia de trabalho. Em 18.06.2012 a Ré comunicou verbalmente ao Autor que prescindia dos seus serviços, assim o despedindo sem procedência de procedimento disciplinar e sem justa causa.
Na audiência de partes a Mmª. Juiz a quo determinou que se solicitasse informação do estado do processo de revitalização – a correr termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães – com o nº4676/12.8TBGMR, sendo devedora a aqui Ré.
Em 21.03.2013 o Autor juntou cópia da decisão proferida, em 13.03.2013, nos autos de processo especial de revitalização com o nº4676/12.8TBGMR, onde foi reconhecido o seu crédito pelo valor de € 5.612,14.
O Tribunal Judicial de Guimarães, em 11.04.213, informou que “os autos de processo especial de revitalização (CIRE) nº4676/12.8TBGMR se encontram a aguardar nos termos do disposto no artigo 17º-D/5 do CIRE” e que “a decisão proferida nos termos do disposto no artigo 17º-D/3 (N/Refª10054880) transitou em julgado em 2.04.2013”.
A Mmª. Juiz a quo, em 07.11.2013, proferiu o seguinte despacho: “Atendendo à decisão proferida no âmbito do processo de revitalização em relação ao crédito do Autor e a posição por ele assumida após a notificação que lhe foi efectuada no dia 17.04.2013, ao abrigo do disposto na al. e) do artigo 277º do CPC, ex vi al. a) do nº2 do artigo 1º do CPT, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide” [da consulta do histórico do processo não encontrámos «a posição assumida pelo Autor após a notificação que lhe foi efectuada no dia 17.04.2013» e referida no despacho recorrido].
O Autor, inconformado, veio recorrer pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos, concluindo do seguinte modo:
1. No caso em apreço não se verifica qualquer inutilidade no prosseguimento da lide, quer por ser possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, quer porque o fim visado com o presente processo não foi atingido por meio do processo de revitalização da entidade devedora.
2. O recorrente reclamou nos presentes autos um crédito laboral no valor global de € 13.866,53.
3. No processo de revitalização da devedora, aqui Ré, foi reconhecido parcialmente o crédito reclamado pelo aqui recorrente, pelo valor de € 5.612,14.
4. Do supra identificado processo de revitalização o credor, aqui recorrente, não recebeu, até hoje, nenhuma outra notificação além da decisão de reconhecimento parcial do crédito que reclamou.
5. Desta notificação deu o recorrente conhecimento aos autos no dia 21.03.2013, juntando a respectiva decisão proferida.
6. O PER da devedora ainda se encontra em curso, não tendo ainda sido proferida qualquer decisão de encerramento do mesmo, pelo que pode ainda vir a acontecer uma das seguintes hipóteses: ser aprovado e homologado um plano de recuperação da devedora – o que levará à extinção das acções para cobrança de dívidas contra o devedor, salvo quando este preveja a sua continuação, nos termos do artigo 17º-E, nº1 do CIRE; não existir acordo quanto a um plano de recuperação e o devedor já se encontrar em situação de insolvência, sendo que o encerramento do processo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada nos termos do artigo 17º-G, nº3 e 4 do CIRE; não existir acordo quanto a um plano de recuperação e o devedor ainda não se encontrar em situação de insolvência, sendo que o encerramento do processo acarreta a extinção de todos os seus efeitos nos termos do artigo 17º-G, nº2 do CIRE.
7. Não existe nenhuma norma do CIRE que determine a extinção desta instância, nem resulta destes autos elementos que permitiam concluir a inutilidade superveniente da lide.
8. No âmbito do PER apenas foi parcialmente reconhecido o crédito reclamado, decisão que se baseou na documentação dos recibos de vencimento. Porém, tal como alegado nos autos, apesar de mensalmente serem emitidos recibos de vencimento no montante de € 590,00, o Autor recebia de facto um vencimento mensal de € 1.100,00. Ora, só esgotando todas as provas, nomeadamente a testemunhal, poderá decidir-se sobre a questão. Acresce o facto da elevada ilicitude ser melhor apurada perante os meios de prova a realizar numa audiência de julgamento, com consequências quanto ao montante indemnizatório por antiguidade.
9. Por isso, uma sentença da acção declarativa pendente poderá servir para fazer prova do seu crédito no montante total reclamado.
10. Somente em caso de inutilidade patente e absoluta da instância, o que não é o caso, é que deve ser declarada a sua extinção, sob pena de negar-se o direito constitucional a uma decisão judicial do mérito sobre a pretensão deduzida em juízo.
11. A decisão recorrida violou o disposto na al. e) do artigo 277º do CPC e o disposto nos artigos 17º-D nº3 e nº4, 17º-E, nº1, 17º-G, nº1, nº2, nº3, nº4 e nº7, todos do CIRE.
O Tribunal Judicial de Guimarães enviou ao Tribunal a quo oficio, datado de 09.12.2013, referente ao processo 4676/12.8TBGMR, contendo certidão da qual consta despacho judicial proferido em 18.06.2013, e com o seguinte teor: “Atenta a comunicação efectuada, declaro encerado o processo negocial (artigo 17º-G/1 CIRE) devendo tal facto ser publicado no portal CITIUS. Custas pela devedora. Notifique. Notifique o Exmo. Sr. AJP para, nos termos do disposto no artigo 17º-G/4 CIRE, apresentar requerimento de declaração de insolvência da devedora” (…).
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Nenhuma outra factualidade importa aqui referir.
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III
Questão em apreciação.
Se em face da pendência do processo especial de revitalização e do reconhecimento, ainda que parcial, do crédito do Autor a instância dos presentes autos se extinguiu por inutilidade superveniente da lide.
O artigo 1º do CIRE [na redacção dada pela Lei nº16/2012, a qual procedeu à sexta alteração ao CIRE, em vigor desde 20.05.2012] determina o seguinte: “1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”.
Sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” estipula o artigo 17º-A do CIRE, no seu nº1, que “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
O artigo 17º-C do CIRE determina que “1. O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação. 2. A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura. 3. Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos: a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações” (…)
O artigo 17º-E, nº1 do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
E finalmente o artigo 17º-G do CIRE preceitua que “1. Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no nº3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal CITIUS. 2. No caso em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos” (…).
Do confronto das citadas disposições legais não resulta que pelo facto de ter sido proferido despacho a reconhecer parcialmente o crédito do aqui Autor, a presente acção se tornou inútil. Quanto muito, e estando pendente processo especial de revitalização, a presente acção teria de ser suspensa tendo em conta o disposto no artigo 17º-E nº1 do CIRE [o Tribunal a quo, antes de ter proferido o despacho objecto do presente recurso, tinha a informação de que o processo especial de revitalização aguardava o decurso do prazo das negociações – artigo 17º-D, nº5 do CIRE].
Por outro lado, na pendência do processo especial de revitalização só a aprovação e homologação do plano de recuperação determina a extinção da presente acção por inutilidade superveniente da lide – artigo 17º-E, nº1, parte final, do CIRE.
Assim sendo, e tendo em conta os elementos conhecidos pelo Tribunal a quo – na data da prolação do despacho recorrido – relativamente ao processo especial de revitalização da devedora/aqui Ré, não poderia ter sido julgada extinta a instância, por naquela data se desconhecer se das conclusões das negociações resultaria a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor [artigo 17º-F do CIRE] ou se antes não se alcançaria a aprovação de qualquer plano [artigo 17º-G do CIRE].
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Termos em que se julga a apelação procedente se revoga o despacho recorrido e se ordena o prosseguimento dos autos, sem prejuízo da consideração de outros elementos, nomeadamente do ofício remetido ao Tribunal a quo em 09.12.2013.
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Custas a cargo da apelada/Ré.
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Porto, 20-10-2014
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha