Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4211/16.9JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
AUDIÊNCIA
DIREITO AO SILÊNCIO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP201809124211/16.9JAPRT.P1
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 37/2018, FLS 144-162)
Área Temática: .
Sumário: I - As declarações prestadas em 1º interrogatório judicial ao abrigo do artº 141º 4 b) CPP do arguido que exerce o direito ao silêncio em audiência, e lidas ao abrigo do artº 357º 1b) CPP valem como prova também contra o co-arguido, a apreciar livremente pelo Tribunal.
II - O exercício do direito de defesa por parte do arguido não se resume ao direito ao contraditório a exercer em contra interrogatório do co-arguido, mas à possibilidade de as conhecer e as poder contraditar e oferecer outras provas de modo a infirmar aquelas declarações ou criar dúvida sobre a sua veracidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 4211/16.9JAPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal


Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. C. nº 4211/16.9JAPRT do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3 em que foram julgados os arguidos
- B...,
- C...,
- D..., e
- E...,

Após julgamento, por acórdão de 20/3/2018 foi decidido:
“Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar a acusação procedente, por provada, pelo que, consequentemente:
1. Condenam o arguido B..., pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, a qual substituem pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
2. Condenam o arguido C..., pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, a qual substituem pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
3. Condenam o arguido D..., pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, a qual substituem pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
4. Condenam o arguido E..., pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, a qual substituem pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
5. Condenam cada um dos arguidos no pagamento de 3 UCs a título de custas criminais do processo, ao abrigo do disposto nos arts. 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2 e 524º, todos do C.P.P., bem como nos termos dos arts. 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III).
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Registe e deposite.
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Após trânsito:
- Remeta boletins aos Serviços de Identificação Criminal;
- Solicite à DGRSP a elaboração de planos de trabalho a favor da comunidade.

Recorre o arguido C... o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
I – Foi aplicada ao arguido C..., pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, a pena única de 20 (vinte) meses de prisão, a qual foi substituída pela prestação de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
II - Salvo o devido respeito por Douta opinião em contrário, o Tribunal «a quo» não decidiu bem.
III - Foi dado como provado, quanto ao recorrente, o que consta do Douto Acórdão,
IV– Nomeadamente que,
1. Na noite de 27 de Dezembro de 2016, pelas 01H30, os arguidos seguiam no veiculo automóvel de matricula nº ..-..-DG, de marca “Opel”, modelo “...” e de cor cinzenta, conduzido pelo arguido B..., pela Avenida ..., em Santa Maria da Feira e ao avistarem F... e G..., que ali circulavam apeados, decidiram retirar-lhes o dinheiro e os objectos de valor que os mesmos possuíssem.
2. Os arguidos em conjugação de esforços e de acordo com tal decisão, pararam o veículo em que seguiam, saíram do mesmo, com as cabeças tapadas com capuzes e, abordaram F... e G....
3. Acto contínuo, o arguido E... empunhando uma arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, de calibre 5.5, da marca Norica, modelo 56, com o nº de série ......, com coronha de cor castanha e cano de cor preta, na direcção de F... e G... disse-lhes “Coloquem os casacos no chão e entreguem as carteiras e telemóveis” ao mesmo tempo que o arguido D... exibia um tubo de ferro com cerca de 20 centímetros de comprimento.
4. Os ofendidos, temendo pela sua vida e integridade física e que os arguidos os agredissem, retiraram, cada um, da sua carteira uma nota de €10,00 que entregaram aos arguidos e pediram para ficar com os telemóveis, ao que aqueles acederam.
5. Na posse da quantia de €20,00, os arguidos abandonaram o local no veículo supra identificado.
6. Os arguidos agiram deliberada livre e conscientemente, combinados e em conjugação de esforços, com o propósito que concretizaram de, ao fazerem uso da referida arma proferindo palavras ameaçadoras, inculcar medo nos ofendidos, fazendo-os temer pela sua integridade física e pela sua vida, permitindo que, dessa forma, se apropriassem das quantias monetárias de que o ofendidos eram portadores, integrando-as nos seus patrimónios e fazendo-as coisa sua, bem sabendo que lhes não pertenciam e agiam contra a vontade e sem o consentimento do seu dono.
7. Os arguidos sabiam que tais condutas para além de censuráveis eram proibidas por lei penal.
V - O douto acórdão em crise refere que … As declarações do co-arguido devem, antes, ser analisadas no âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125º do Cód. de Processo Penal são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados.»
VI - E, de facto, o artigo 125.º do CPP estabelece o princípio de que em processo penal são admissíveis quaisquer provas que não sejam proibidas por lei. Por outro lado, do elenco constante do artigo 126.º (métodos proibidos de prova), não fazem parte as declarações dos co-arguidos.
VII - Ora, não há qualquer impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova. Os arguidos podem prestar declarações no exercício do direito que lhes assiste de o fazerem em qualquer altura do processo, podendo as declarações ser prestadas sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova, sejam eles factos que só digam directamente respeito ao declarante sejam eles factos que respeitem a outros co-arguidos.
VIII - Não há, pois, qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos.
IX - No caso em apreço, três dos arguidos que não o recorrente prestaram declarações perante Magistrado, em primeiro interrogatório judicial, declarações essas que foram lidas em audiência de Julgamento.
X - Todavia, nenhum dos arguidos quis prestar declarações em audiência de julgamento, remetendo-se ao silêncio, como lhes assiste na lei.
XI - Tal significa que não foi possível exercer o contraditório.
XII - Nos termos do n.º 4 do artigo 345.º do CPP, não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio.
XIII - Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.
XIV - Como refere o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14 de Abril, “seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as declarações de co-arguido são meio de prova idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade”.
XV - Não deixando de acentuar que é decisivo que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório.
XVI - E é exatamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º4 do art.º 345º CPP, quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder ás perguntas que lhe forem feitas pelo Juiz a instâncias do ministério Publico ou Defensor.
XVII - Tal foi o que aconteceu no caso em apreço, pelo que o depoimento dos restantes co-arguidos não pode ser valorado quanto ao ora recorrente.
XVIII - Acresce que, inexiste qualquer prova contra o ora recorrente:
XIX - Com efeito, os ofendidos não reconheceram o C....
XX - Não lhe foi apreendido qualquer objeto susceptivel de fazer concluir pela sua participação nos factos em discussão.
XXI - Desta forma, não podendo o Dignissimo tribunal «a quo» valorar as declarações de co-arguido como meio de prova, nos termos já explanados e, inexistindo qualquer outra prova quanto ao C..., o mesmo deveria ter sido absolvido.
XXII – Em consequência, o Douto Acórdão recorrido, violou por errada interpretação o disposto nos art.s 125º, 345º n.º4 CPP e art.º 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
O arguido respondeu defendendo o seu recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do acórdão recorrido (transcrição):
II - Fundamentação de facto:
II.1 Factos provados:
1. Na noite de 27 de Dezembro de 2016, pelas 01H30, os arguidos seguiam no veiculo automóvel de matricula nº ..-..-DG, de marca “Opel”, modelo “...” e de cor cinzenta, conduzido pelo arguido B..., pela Avenida ..., em Santa Maria da Feira e ao avistarem F... e G..., que ali circulavam apeados, decidiram retirar-lhes o dinheiro e os objectos de valor que os mesmos possuíssem.
2. Os arguidos em conjugação de esforços e de acordo com tal decisão, pararam o veículo em que seguiam, saíram do mesmo, com as cabeças tapadas com capuzes e, abordaram F... e G....
3. Acto contínuo, o arguido E... empunhando uma arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, de calibre 5.5, da marca Norica, modelo 56, com o nº de série ......, com coronha de cor castanha e cano de cor preta, na direcção de F... e G... disse-lhes “Coloquem os casacos no chão e entreguem as carteiras e telemóveis” ao mesmo tempo que o arguido D... exibia um tubo de ferro com cerca de 20 centímetros de comprimento.
4. Os ofendidos, temendo pela sua vida e integridade física e que os arguidos os agredissem, retiraram, cada um, da sua carteira uma nota de €10,00 que entregaram aos arguidos e pediram para ficar com os telemóveis, ao que aqueles acederam.
5. Na posse da quantia de €20,00, os arguidos abandonaram o local no veículo supra identificado.
6. Os arguidos agiram deliberada livre e conscientemente, combinados e em conjugação de esforços, com o propósito que concretizaram de, ao fazerem uso da referida arma proferindo palavras ameaçadoras, inculcar medo nos ofendidos, fazendo-os temer pela sua integridade física e pela sua vida, permitindo que, dessa forma, se apropriassem das quantias monetárias de que o ofendidos eram portadores, integrando-as nos seus patrimónios e fazendo-as coisa sua, bem sabendo que lhes não pertenciam e agiam contra a vontade e sem o consentimento do seu dono.
7. Os arguidos sabiam que tais condutas para além de censuráveis eram proibidas por lei penal.
Do percurso de vida dos arguidos, sua condição socioeconómica e antecedentes criminais:
8. B... formou a sua personalidade num ambiente familiar disfuncional, devido à toxicodependência dos progenitores, problemas com a justiça e diminutas condições socioeconómicas. Neste contexto, o arguido e a irmã mais velha foram acolhidos no “H...”, onde B... viveu dos 9 anos 18 anos de idade, idealizando sobre a capacidade de reorganização e mudança do estilo de vida dos progenitores, o que não ocorreu.
9. Em contexto institucional expôs alguma fragilidade emocional, com dificuldades ao nível da partilha de emoções e sentimentos, mas também um comportamento prestável e responsável relativamente às orientações.
10. Evidenciou positivas capacidades de aprendizagem e prosseguiu os estudos até à conclusão do 12º ano obtendo certificação em curso técnico de restauração de serviço de mesa e bar.
11. Com 18 anos de idade autonomizou-se do lar de infância e juventude e foi viver com a sua irmã, situação que ainda se mantém atualmente.
12. B... mantém uma relação de proximidade afetiva, com deslocações algo regulares à instituição onde viveu nove anos consecutivos e onde patenteou comportamento prestável e compromisso para com as orientações e regras vigentes.
13. Tem o suporte global da irmã com quem vivencia uma relação próxima, gratificante e de apoio mútuo, sem convivência com a restante família de origem, residente em Oeiras.
14. Preserva, há cerca de um ano, uma relação afetiva de namoro. 15. Atualmente apresenta inserção laboral trabalhando num restaurante e auferindo o vencimento base de 557 €/mês, acrescido do valor significativo das gorjetas diárias, muitas vezes equivalente ao valor de um outro ordenado.
16. No meio social de residência evidencia um comportamento ordeiro e apresenta capacidade crítica perante os autos acusatórios.
17. C... tem origem numa família de padrão socioeconómico elevado, onde se sente seguro e realizado. Reside desde sempre juntos dos progenitores.
18. Apresenta uma trajetória escolar linear, estando atualmente a frequentar o ensino superior frequentando o 1º ano do curso de Gestão Hoteleira no I....
19. Registou, sobretudo durante a frequência do ensino secundário, alguma aproximação a contextos e experiências de maior risco, algo que terá sido favorecido pelo elevado padrão económico que exteriorizava, reconhecendo alguma imaturidade e irreflexão nas escolhas que foi realizando nessa altura.
20. Denota atitude crítica face ao estilo de vida que vinha adotando e possui competências pessoais que, se devidamente orientadas para uma vivência normativa, se constituirão como fatores de proteção.
21. D... é natural de Vila Nova da Gaia, vindo morar com os pais para ... - Santa Maria da Feira, a partir dos cinco anos de idade. É filho único do casal J... e K..., tendo dois irmãos uterinas (de maioridade) e descendendo de uma célula familiar que realiza esforços no sentido do alcance de condições vivenciais e educacionais de bem-estar e de estímulo às aquisições / progressos individuais.
22. Iniciou escolarização em idade dita normal, descrevendo um trajeto formativo bem-sucedido, estando atualmente a frequentar o segundo ano do Curso de Línguas e Culturas Estrangeiras, na L....
23. Mora com os pais (pai, 59 anos, solteiro, agente funerário e mãe, 56 anos, solteira, 49 ano, florista) e vive em moradia pertença daqueles, sita em meio periurbano, integrada numa construção em banda, dispondo de condições de habitação adequadas e confortáveis.
24. No período contemporâneo aos factos do presente processo, D... detinha circunstâncias vivenciais semelhantes às atuais, vivendo com os pais e estudando no Porto.
25. O mesmo, enquadra as circunstâncias expostas na acusação como resultantes de momentos de irreflexão, sem ponderação da gravidade e censurabilidade dos ilícitos da acusação, nem antecipação de possíveis consequências, constituindo as diligências e atos policiais e judiciais, adstritos ao presente processo, vivências de impacto refreador e dissuasor.
26. Expõe uma atitude consciente da gravidade, ilicitude e gratuidade dos factos expostos na acusação, reconhecendo potenciais vítimas e danos de tais ilícitos, o próprio se prescindindo de experienciar uma circunstância comparável à dos lesados.
27. E..., à data dos factos que deram origem ao presente processo mantinha integração socio familiar, durante a semana permanecia no Marco de Canaveses e aos fins-de-semana integrava o agregado familiar de origem, constituído pela progenitora, pela irmã e pelo padrasto.
28. O arguido continuava integrado no 11.º ano do Curso Profissional de Equitação da M..., com aproveitamento, sendo que do contacto estabelecido com aquele estabelecimento de ensino surtiu a informação de que o arguido foi um aluno com percurso normativo e sem sanções disciplinares, ainda assim, com a instauração do presente processo e como forma de castigo, os progenitores do arguido decidiram anular a matricula, tendo o mesmo abandonado as aulas em 31-01-2017, ficando com escolaridade ao nível do 9.º ano.
29. Com o abandono escolar o arguido integrou o mercado de trabalho, começando a trabalhar no N..., em ... onde permaneceu até Junho/2017, posteriormente trabalhou, sempre sem contrato de trabalho, no O..., de onde saiu no final do ano transato.
30. Em Janeiro passado o arguido celebrou contrato de trabalho com a empresa P..., Lda., com sede na Rua ..., ..., na freguesia ... em Santa Maria da Feira, como auxiliar de laboratório, auferindo com esta atividade 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros) mensais, acrescidos do subsídio de refeição, no valor diário de 5,75 € (cinco euros e setenta e cinco cêntimos). O arguido refere investimento e motivação no sentido de manter o posto de trabalho.
31. Simultaneamente aos fins-de-semana continua a praticar equitação no Q..., em ..., Santa Maria da Feira, referindo estruturar o seu quotidiano em função das duas atividades, referindo que continua a visitar a família de origem do progenitor aos fins-de-semana onde pernoita
32. Centra o seu quotidiano fundamentalmente em torno do trabalho, na prática desportiva (equitação) e na convivialidade com os elementos da família e grupo de pares coeso e com um quotidiano estruturado.
33. Atualmente reside integrado no agregado familiar da progenitora e padrasto com quem mantem uma relação afetiva próxima e compensadora, sendo que estas dimensões se afiguram como principais fatores de proteção no seu contexto vivencial e que predispõem a uma integração social normalizada.
34. O arguido apresenta capacidade de análise critica face à natureza dos factos pelos quais está acusado.
35. No meio sócio residencial E... apresenta uma imagem social positiva, não existindo referência a comportamentos desviantes
36. É pessoa ordeira, educada e de convívio salutar.
37. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
*
II.2 - Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos, constantes da acusação pública ou da contestação, que não se encontrem descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos, sendo a demais matéria alegada irrelevante, conclusiva ou de direito, designadamente:
1 – O arguido C... não praticou os factos de que está acusado.
*
III - A convicção do tribunal:

A apreciação da prova produzida em audiência, susceptível de contribuir para a formação da convicção do tribunal, rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, acolhido expressamente no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal.
O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Assim, o tribunal ponderou de forma conjugada os seguintes elementos de prova:
- o teor do auto de apreensão e registo fotográfico de fls. 30 a 36, relativamente à arma e vestuário usados pelo arguido E...;
- teor do auto de exame à arma de fls. 37;
- teor da ficha de registo automóvel e de seguro de fls. 15 e 16 que comprovam que o veículo pertence ao arguido C...;
- teor do exame pericial ao veículo de matricula ..-..-DG e recolha de vestígios com valor identificativo de fls. 138 a 148 podendo ali visualizar-se a existência de dois ferros tubulares e um invólucro plástico com chumbos normalmente utilizados em armas de pressão de ar comprimido;
- teor do auto de colheita de amostras e de identificação de arguidos de fls. 26, 45, 56 e 66 e relatório de exame de análise de DNA de fls. 171, de onde resulta identidade de polimorfismos de vestígios biológicos detetados e zaragatoas realizadas aos arguidos B..., C... e D...,
- declarações sinceras do ofendido F..., o qual relatou que estava com o seu amigo G... no dia em que os factos ocorreram, cerca das 00h30m, e, enquanto caminhavam pela rua, viram um Opel ... cinzento a passar com as luzes apagadas, o que lhes chamou a atenção. Passado pouco tempo, esse mesmo carro apareceu novamente e parou, dele tendo saído 4 indivíduos, tendo três deles se aproximado de si e de seu amigo. O veículo ficou relativamente distante não conseguindo precisar a que distância e um dos indivíduos ficou mais junto à viatura.
Descreveu que os arguidos tinham a cara tapada apenas lhe conseguindo ver os olhos e dois tinham tubos de metal na mão e o outro tinha uma espingarda. Disseram “casacos para o chão e para lhes entregar a carteira e telemóveis”. Pediram para não levar os telemóveis com o que concordaram e acabaram por levar o dinheiro que tinham consigo - €10,00 seus e €10,00 do G...;
- declarações sinceras do ofendido G..., o qual reiterou o que foi dito pelo seu amigo F... e acrescentou que, enquanto os arguidos os abordaram para lhe entregar os bens que consigo trouxessem passou um carro e eles disseram “para não dar nas vistas” tendo logo de seguida se ausentado levando os €10,00 que lhes entregou e os €10,00 que o F... também lhes entregou. Não soube precisar se era um ou dois indivíduos com ferros na mão.
Confrontado com a fotografia da espingarda constante dos autos a fls. 32 confirmou ter sido a utilizada pelos arguidos. Disse também que aquela arma esteve apontada na direção do F... que estava mais próximo dos arguidos.
Referiu ainda com utilidade à boa decisão da causa que o veículo utilizado pelos arguidos ficou a cerca de 5 a 10 metros do sítio onde se encontravam sendo um sítio de luminosidade insuficiente.
Por último, indicou que logo após estes acontecimentos telefonou ao seu pai para ir buscá-los e no caminho para casa passaram pela viatura utilizada pelos arguidos estacionada junto à estrada nacional e aí retiraram a matrícula da mesma, dessa forma a tendo comunicado às autoridades.
Das declarações prestadas pelos arguidos D..., E... e B..., valoráveis pelo Tribunal de acordo com o preceituado nos arts. 141º, n.º 4 al. b) e 144º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Penal, resultou ainda:
- E... - “no dia de ontem – 26-12-2016 – pelas 21h45, o ora arguido encontrou-se com três seus amigos, os quais identifica como B..., D... e C.... No entanto, refere que quem o foi buscar a casa dos seus avós, a qual se localiza na Rua ... – ... – Santa Maria da Feira, foi o B... o qual se fazia transportar na sua viatura automóvel a qual o ora arguido identifica como sendo da marca Opel, modelo ... de cor cinzenta e cuja matrícula desconhece. Quando era já cerca das 00h00, o ora arguido e os seus três amigos decidiram deslocar-se ao “S...” de Lourosa a fim de aí comerem. Para efeito, deslocaram-se a esse local fazendo-se transportar os quatro na viatura automóvel Opel supracitada, a qual era conduzida pelo seu amigo B.... Aí chegados, pararam na zona do “S1...” daquele espaço comercial e pediram então os artigos alimentares que depois consumiram no interior da viatura, a qual estacionaram no parque interior daquele mesmo espaço comercial. Já depois de terem comido, o ora arguido e os seus três amigos saíram daquele local, fazendo-se transportar ainda na viatura Opel ... que era conduzida pelo B.... Assim, retomaram a marcha de rodagem circulando pela Avenida ... no sentido de ..., destino este que era o pretendido pelo ora arguido e seus amigos. Perguntado, o ora arguido refere que nesse momento quem estava sentado no banco do pendura era o seu amigo C..., no bando traseiro (atrás do condutor) era o D... e, consequentemente, no banco traseiro (atrás do pendura) seguia o ora arguido E.... Assim, quando estavam então a circular na Avenida ..., aperceberam-se de dois indivíduos do sexo masculino, de idade jovem – “cerca de 19 anos de idade” (sic) a caminhar no passeio. Num primeiro momento, o ora arguido e os seus amigos ainda passaram por esses dois indivíduos “e notámos que eles estavam a olhar para nós, depois passámos então por eles, fomos lá abaixo demos a volta e voltamos para cima. Quando chegámos ao pé deles, vimos que ainda estavam a olhar para nós e decidimos parar o carro” (sic). Em seguida, o ora arguido refere que saiu da viatura em que se encontrava, acompanhado pelos seus três amigos aqui descritos, e abordaram esses dois rapazes. Mais precisa que se dirigiram a eles verbalizando a expressão “estão a olhar para onde, o que é que vocês querem?” (sic). Face a tal interpelação, um dos dois rapazes não disse nada, enquanto que o segundo retirou, de imediato, uma carteira do bolso e mostrou ao ora arguido e aos seus três amigos uma nota de valor facial de €10,00 (dez euros). Perguntado, o ora arguido disse não saber qual dos seus três amigos é que se apropriou dessa quantia monetária, reiterando que não foi ele quem ficou com tal dinheiro. Depois destes factos, o ora arguido e os seus três amigos regressaram novamente à viatura Opel ..., a qual foi conduzida uma vez mais pelo seu amigo B.... Refere o ora arguido que lhe foi perguntado, pelas duas vítimas, a si e aos seus amigos se lhes iam levar os telemóveis e os casacos, ao que estes lhes responderam negativamente. Perguntado, refere o ora arguido que … empunhava uma arma de ar comprimido – “de chumbos” (sic), com coronha em madeira de cor castanha e cano preto, a qual retirou de casa do seu avô sem a autorização e conhecimento deste (…) nunca direcionou esta arma às vítimas. (…)tinha nesse momento esta arma, porque algumas horas antes (…) havia estado, juntamente com os seus três amigos, “a jogar tiro ao alvo” (sic).
(…)um dos seus três amigos (ao que julga era o D...) (…) empunhava numa das mãos um pedaço de ferro próprio para encaixar no macaco de montagem/desmontagem de pneus em viaturas automóveis. Depois (…), o ora arguido e os seus três amigos regressaram então a Argoncilhe, tendo cada um deles se dirigido à residência respetiva(…) quem conduzia a viatura nesta altura era também o proprietário da mesma, i.e.: o amigo do ora arguido, que identifica como sendo o B...”.
Este arguido tentou branquear, de alguma forma, a sua atuação e de seus amigos afirmando que se dirigiram aos ofendidos para se meter com eles por estarem apenas a olhar e que eles entregaram logo e voluntariamente o dinheiro, no que não merece credibilidade face à versão trazida aos autos pelos ofendidos. De igual forma sucede quanto ao facto afirmado pelo mesmo de que não apontou a arma aos ofendidos;
- B... - é proprietário de uma viatura automóvel da marca Opel, modelo ..., de cor cinza, com a matrícula ..-..-DG, desde o mês de Outubro do corrente ano e que, na noite do dia de hoje (27/12/2016), cerca das 00H00, quando se encontrava ao volante do dito automóvel, fazendo-se acompanhar de mais três amigos, que conhece por C..., E... e D..., a circular junto do hipermercado T... de Lourosa, viram dois rapazes, seus desconhecidos, que se deslocavam apeados, instante em que o E... disse para parar para que pudessem assaltar aqueles rapazes. No entanto, o depoente e o C... disseram que esperasse, tendo o E..., de imediato, afirmado que eles eram “cagados”. Acto contínuo, o E... saiu do carro, com uma espingarda de chumbos, a qual, de pronto, exibiu aos referidos rapazes, tendo sido seguido pelo C... e pelo D... que saíram do carro e se dirigiram aos rapazes, sendo certo que este último levava um ferro na mão, tipo bastão. Recorda que o E... disse às vítimas que colocassem os casacos no chão, no que estes acederam e disse que lhe dessem os telemóveis. Por sua vez, os ofendidos imploraram para que não lhes tirassem os telemóveis pois precisavam de ligar para a mãe. Acto contínuo, o E... pediu que lhe entregassem o dinheiro que tivessem, tendo os ofendidos acedido e entregue 10 euros cada um, segundo está em crer. Naquele instante, o C... alertou os restantes para o facto de se estar a aproximar um carro, instante em que o depoente saiu do interior do carro e puxou E..., impedindo o mesmo de desferir uma pancada com a arma numa das vítimas. Assim, introduziram –se no interior do carro do depoente e arrancaram daquele local em direcção ao U... de Lourosa, local onde permaneceram cerca de 5 minutos. Questionado, o depoente disse que dali foi levar os restantes amigos às suas casas e estiveram algum tempo á conversa, após o que, também ele regressou ao Centro de Acolhimento onde reside e onde chegou cerca das 01H30, após ter estacionado a sua viatura automóvel nas traseiras do Posto de Abastecimento de Combustíveis da V.... Perguntado, disse que antes do assalto, conforme já havia previamente combinado, foi buscar o E... a casa dos avós deste, sita na localidade de ..., cerca das 22H00 ainda do dia 26/12/2016, após o que foi buscar o D... e o C... à localidade de ... e dali seguiram para o S... sito em Lourosa onde fizeram uso do serviço S1... para adquirir as sus refeições, que consumiram numa artéria sita na localidade de .... Perguntado, o depoente disse que quando foi buscar o E... este trazia consigo a espingarda, á vista, nas mãos. Assim que entrou no carro, o depoente perguntou ao E... o porquê de trazer a arma com ele, tendo o mesmo referido que era para o pessoal ver e que não tinha chumbos. Instado, disse que o ferro de que o D... se muniu aquando da consumação do assalto é uma peça do macaco hidráulico da sua viatura e que aquele sabia da existência do ferro na mala do carro, motivo pelo qual, antes mesmo de ter abordado as vítimas, foi à bagageira da viatura de onde tirou o dito ferro, o qual tem como característica individualizadora o facto de ser cor de laranja. Perguntado, o depoente disse que desde os primeiros instantes em que o E... entrou no carro, deu conta da vontade de andar “à porrada”, ideia em que foi insistindo nos instantes que se seguiram e já na presença dos restantes amigos. O depoente afirmou que ia tentando demover o E... daquela ideia. Afirmou que nunca planeou concretizar o assalto e que só no instante em que o D... pediu os valores às vítimas nos termos acima já relatados é que teve noção de que se tratava de um assalto. (…) afirmou que não ficou com dinheiro resultante do assalto, sendo certo que o E... referiu que no dia seguinte iriam dividir aqueles 20 euros, tendo o depoente retorquido que não queria o dinheiro. Instado, afirmou que os seus amigos actuaram(…) com os carapuços dos casacos na cabeça, julgando que não taparam a cara. (…)disse que além do ferro cor de laranja de que o D... se muniu, detém um outro, de cor cinzenta, que, habitualmente, transporta por baixo do banco do pendura, para que se possa defender caso algum dia venha a ser assaltado. Instado, disse recordar que o E... trazia um casaco de cor preta e calças de ganga de cor azuis, que o D... tinha um fato de treino de cor azul-escuro e o C... um fato de treino de cor preta. O depoente deseja ainda referir que quando estavam a fugir do local do assalto, o C... disse que deviam voltar para dar o dinheiro aos miúdos, ao que o E... respondeu que não, acrescentando que não deviam ter pena daqueles.
Ressuma das suas declarações a intenção de assaltar tomada pelos ofendidos na viatura e logo quando avistaram os ofendidos. Procurou “disfarçar” esta intenção no final do seu depoimento indicando que só no instante em que o E... pediu os valores às vítimas nos termos acima já relatados é que teve noção de que se tratava de um assalto, no que não foi bem sucedido por se contrariar a si próprio e não fazer o mínimo sentido terem saído do carro com uma espingarda, um ferro e de cabeças tapadas se não fosse para realizar o assalto como já tinham combinado;
- D... - deseja esclarecer que, no dia de ontem – 26/12/2016 – cerca das 22h00/22h30, juntou-se, como habitualmente, com os seus amigos E..., C... e B... (…) Os três referidos amigos já se encontravam todos juntos, no carro do B..., um Opel ..., cinzento, cuja matrícula desconhece, quando foram buscar o arguido a casa deste. Deste modo, deslocaram-se os quatro na mencionada viatura e seguiram para o S... de Lourosa, onde fizeram uso do serviço S1... para adquirir as suas refeições. Dali, seguiram para perto de casa do arguido, onde estiveram a beber uma mistura de vinho e sumo. Deste local, deambularam de carro pela freguesia onde estavam, bem como pelas freguesias vizinhas e decidiram que iam “arranjar confusão” (sic). Instado a indicar o que entende por “arranjar confusão”, explica que, com tal, quer dizer “andar à porrada com alguém” (sic). Deste modo, em horário que já não recorda ao certo, mas que admite ser 01h00 do dia de hoje – 27/12/2016 – seguiam no sentido descendente da Avenida ..., quando passaram por dois rapazes, nas proximidades do T... de Lourosa, tendo alguém, que já não recorda quem, dito: “Vamos roubá-los!” (sic). Assim, o B... inverteu a marcha, voltou a passar pelos dois rapazes e estacionou o carro um pouco mais à frente destes. Deste modo, o E..., que seguia no banco de trás, saiu do carro, munido de uma arma de fogo e seguiu para junto dos dois rapazes, abordando-os. Nessa altura, também o B..., que conduzia a viatura, saiu da mesma e seguiu para junto do E.... O arguido e o C..., que seguiam, respetivamente, no banco de trás e no lugar do passageiro da frente, saíram, também, do veículo, de modo a prestarem auxílio aos demais amigos, caso fosse necessário, embora não tivessem chegado perto dos ofendidos, mantendo-se a alguma distância dos mesmos. Perguntado, afirma que não levou para fora do carro qualquer bastão e, segundo está em crer, o C... também não. Contudo, pensa que o B... terá levado consigo um tubo de metal, com pouco mais de 20cm de comprimento, cinzento. A este propósito, deseja esclarecer que, no interior do carro, tinha o tubo de um macaco de óleo, de cor laranja, embora não o tenha trazido para fora do mesmo, nem tão pouco ameaçado alguém com ele. O E... disse aos rapazes para colocarem os casacos no chão, o que aqueles fizeram, sem oferecerem qualquer resistência. De seguida, o B... exigiu que lhe entregassem o dinheiro, o que também fizeram, entregando a quantia de €10,00 cada um. Por fim, o E... exigiu os telemóveis às vítimas, tendo estas pedido para ficarem com os telemóveis, porque precisavam de telefonar às mães. Entretanto, passou uma viatura na rua onde se encontravam e o C... avisou de tal facto, dizendo para pararem com aquela situação. Assim, assentiram em deixar as vítimas ficar com os telemóveis e os casacos e saíram do local. Deste modo, apenas se apoderaram dos €20,00, regressaram todos ao carro e saíram do local, para perto de casa do E.... Nesse sítio, o B... parou o carro e esteve a ver onde tinha guardado o dinheiro, uma vez que não o encontrava. Assim, encontrou os €10,00 com que tinha ficado, no chão do carro, tendo-os entregue ao C..., para este os guardar. O depoente esclarece que não sabe dizer se o C... guardou ou não este dinheiro. De seguida, foram levar o E... a casa, depois o C... e, por fim, o depoente, tendo o B... saído do local, ao que sabe para casa dele, mais concretamente, para o H.... Perguntado, afirma que não ficou com qualquer parcela dos €20,00 que foram roubados às vítimas, desconhecendo que fim lhes foi dado ou quem ficou com os mesmos. Relativamente à arma de fogo usada por E..., afirma que a mesma é uma caçadeira de chumbos, semelhante a uma arma de caça, com coronha de cor castanha, com um cano fino e comprido, de cor escura. Tal arma abre ao meio para poder ser municiada. Desconhece de que modo tal arma tinha chegado à posse de E.... Questionado, afirma que apenas no dia de ontem viu o E... com tal arma e que este a tinha trazido para poderem dar uns tiros a umas garrafas ou algo similar. Afirmou que nunca planeou concretizar o assalto e que, só no instante em que passaram pelos ofendidos e alguém disse para realizarem o mesmo, é que teve a verdadeira noção do que ia acontecer. Instado, afirmou que,(…) todos colocaram os carapuços dos casacos na cabeça, julgando que não taparam a cara.
Quanto aos ferros já mencionados, estes estavam no chão do carro. Instado, disse recordar que o E... trazia um casaco de cor escura, com capuz, que o C... vestia um casaco preto, grosso e o B... uma sweatshirt cinzenta. Quanto a si, trajava a mesma roupa com que está no dia de hoje, uma casaco azul escuro, uma sweatshirt azul, com letras a verde e branco na parte da frente, umas calças de fato-de-treino azuis escuras, bem como umas sapatilhas azuis escuras. Ao saírem do local, o B... afirmou que deviam devolver o dinheiro aos ofendidos, embora o E... tenha respondido que não. Perguntado, afirma que, depois do roubo ter ocorrido, combinaram repartir o dinheiro entre todos, embora não tivessem acordado em que momento o iriam fazer. Deseja ainda acrescentar que está arrependido dos atos que praticou.
Os arguidos B... e E... referiram de forma concordante que esta arguido – D... – se dirigiu aos ofendidos com um ferro metálico na mão pelo que, desde logo, descredibilizam a sua versão dos factos que não se aproximou deles, procurando este arguido desta forma rechaçar a sua responsabilidade.
O depoimento deste arguido é muito esclarecedor quanto ao facto de todos os arguidos terem decidido levara a cabo o assalto antes mesmo de saírem da viatura em que seguiam.
Assim, se conjugarmos o facto de os arguidos:
- terem voltado atrás com a viatura após terem passado pelos ofendidos;
- o que disseram dentro do carro - “vamos roubá-los”;
- terem parado a viatura perto dos ofendidos – a 5 a 10 metros;
- tendo todos saído da viatura ficando em superioridade numérica;
- terem-se munido de objectos (arma e tubo) com potencial para serem usados como meio de agressão;
- terem tido a preocupação de ocultar as feições para não serem reconhecidos;
- as palavras então dirigidas por um dos arguidos aos ofendidos que os outros ouviram e assistiram sem nada obstar;
- a actuação sob intimidação dos ofendidos obrigando-os a entregar o dinheiro que consigo traziam,
logo concluímos que todos aderiram à ideia de roubar os ofendidos. Sendo certo que o arguido E... e D... tiveram uma actuação mais assertiva, não podemos dizer que o C... e o B... não participaram também no roubo já que ficaram no mesmo local a fazer superioridade numérica e numa posição de, se necessário fosse, ajudar ativamente os seus amigos. Também nada fizeram para impedir o roubo – o B... deu a volta ao carro que dirigia, voltou para perto dos ofendidos e tendo sido dito “vamos roubá-los” imobilizou o veículo para dessa forma procederem. Viram os seus amigos a sair do carro com a espingarda e com o ferro nas mãos e não os impediram sendo que eles próprios saíram do carro para impor a sua presença.
Obviamente, os ofendidos perante este cenário, já de si intimidante para qualquer pessoa, em inferioridade numérica e sem objectos para se defenderem nada mais puderam fazer do que entregar o que lhes foi pedido pelos arguidos com receio de serem agredidos.

Quanto à prova por declarações de co-arguido:
Seguindo o entendimento exposto no Ac. T.R.Coimbra de 15/03/2017, disponível em www.dgsi.pt, “Com a alteração introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro aos arts. 141º e 357º do C. Processo Penal, resulta clara a opção do legislador em conferir uma maior disponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases preliminares do processo. Com efeito, a regra, agora, é a possibilidade de as declarações anteriormente prestadas por arguido serem reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, desde que o tenham sido perante autoridade judiciária, com a assistência de defensor e prévia advertência ao declarante de que tais declarações poderão ser usadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência ou exerça o direito ao silêncio na audiência, estando as mesmas sujeitas à livre apreciação da prova.
Na base da alteração do regime estão, como se percebe, preocupações de ordem comunitária e consequentes razões de eficácia no sancionamento da prática criminosa, ainda que temperadas pela manutenção das garantias de defesa do arguido.
Estando longe de reunir consenso, havendo quem entenda que violam a estrutura acusatória do processo penal e os princípios do acusatório, da igualdade de armas, da imediação e da oralidade, temos para nós que as modificações introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro no regime da utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases do processo anteriores ao julgamento não constituem compressões intoleráveis dos princípios do contraditório, da imediação e da oralidade na medida em que, pressuposta a plena informação do arguido sobre as consequências da sua conduta processual, quando opta, de forma livre e voluntária e assessorado por todas as garantias processuais, por prestar declarações designadamente, na fase de inquérito, sabe o valor probatório que as mesmas manterão ao longo de todo o processo e as consequência que delas para si advirão, em qualquer circunstância.

As declarações do co-arguido não se compreendem entre os meios proibidos de prova previstos no art. 126º do Código de Processo Penal, que aí são elencados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade.
As declarações do co-arguido devem, antes, ser analisadas no âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125º do Cód. de Processo Penal são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 31/10/2007, proferido no processo n.º 07P630; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 08P694; de 18/06/2008, proferido no processo n.º 08P1971, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt) sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como a respeito dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa, apenas lhe sendo vedado intervir como testemunha, nos termos do art. 133º, n.º1, al. a) do CPP, precisamente para que não seja sujeito aos ónus que implica tal estatuto.
Assim, a prova que tem por base as declarações dos arguidos, admitida que é em nome do ilimitado direito de defesa do arguido, não pode deixar de ser valorada. No entanto e na esteira daquela que é a jurisprudência uniforme do STJ, deverá sê-lo de forma cautelar, no âmbito da situação concreta, com um esforço de análise tendente a averiguar se a co-acusação se ancora, de forma complementar, em quaisquer outros meios de prova (entre outros, os Acs. do STJ de 31/01/2000, proferido no processo n.º 3574/00, de 29/03/2000, proferido no processo n.º 1134/99; de 10/12/1996, proferido no processo n.º 486/97; de 30/11/2000, proferido no processo n.º 2828/00; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 694/08, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
O Tribunal não está, pois, impedido de valorar esse meio de prova, livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente.
Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correção dessa versão dos factos (neste sentido seguimos o Ac. TRPorto de 05.02.2014, disponível em www.dgsi.pt).
No caso concreto não só das declarações dos co-arguidos vive a prova produzida, a ela acrescem as declarações dos ofendidos, designadamente a identificação da viatura utilizada pelos arguidos, os objectos metálicos que estavam no seu interior, os vestígios lofoscópicos correspondentes às zaragatoas realizadas aos arguidos encontrados no interior da mesma.
Quanto ao percurso de vida dos arguidos e sua condição socioeconómica, levou-se em conta o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.
No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal valorou o teor dos seus C. R. Criminal untos aos autos.
+
É a seguinte a questão a apreciar:
Se constitui prova proibida as declarações do arguido em inquérito que não prestou declarações em audiência, contra coarguido que também exerceu ali o direito ao silencio
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor :“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Tais vícios não são alegados em si mesmo e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos.

A questão colocada pelo recorrente traduz-se em saber se o tribunal usou prova proibida para o condenar.
Tal questão foi analisada pelo tribunal recorrido, que na motivação da convicção quanto à matéria de facto expendeu:
Quanto à prova por declarações de co-arguido:
Seguindo o entendimento exposto no Ac. T.R.Coimbra de 15/03/2017, disponível em www.dgsi.pt, “Com a alteração introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro aos arts. 141º e 357º do C. Processo Penal, resulta clara a opção do legislador em conferir uma maior disponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases preliminares do processo. Com efeito, a regra, agora, é a possibilidade de as declarações anteriormente prestadas por arguido serem reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, desde que o tenham sido perante autoridade judiciária, com a assistência de defensor e prévia advertência ao declarante de que tais declarações poderão ser usadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência ou exerça o direito ao silêncio na audiência, estando as mesmas sujeitas à livre apreciação da prova.
Na base da alteração do regime estão, como se percebe, preocupações de ordem comunitária e consequentes razões de eficácia no sancionamento da prática criminosa, ainda que temperadas pela manutenção das garantias de defesa do arguido.
Estando longe de reunir consenso, havendo quem entenda que violam a estrutura acusatória do processo penal e os princípios do acusatório, da igualdade de armas, da imediação e da oralidade, temos para nós que as modificações introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro no regime da utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases do processo anteriores ao julgamento não constituem compressões intoleráveis dos princípios do contraditório, da imediação e da oralidade na medida em que, pressuposta a plena informação do arguido sobre as consequências da sua conduta processual, quando opta, de forma livre e voluntária e assessorado por todas as garantias processuais, por prestar declarações designadamente, na fase de inquérito, sabe o valor probatório que as mesmas manterão ao longo de todo o processo e as consequência que delas para si advirão, em qualquer circunstância.
As declarações do co-arguido não se compreendem entre os meios proibidos de prova previstos no art. 126º do Código de Processo Penal, que aí são elencados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade.
As declarações do co-arguido devem, antes, ser analisadas no âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125º do Cód. de Processo Penal são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 31/10/2007, proferido no processo n.º 07P630; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 08P694; de 18/06/2008, proferido no processo n.º 08P1971, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt) sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como a respeito dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa, apenas lhe sendo vedado intervir como testemunha, nos termos do art. 133º, n.º1, al. a) do CPP, precisamente para que não seja sujeito aos ónus que implica tal estatuto.
Assim, a prova que tem por base as declarações dos arguidos, admitida que é em nome do ilimitado direito de defesa do arguido, não pode deixar de ser valorada. No entanto e na esteira daquela que é a jurisprudência uniforme do STJ, deverá sê-lo de forma cautelar, no âmbito da situação concreta, com um esforço de análise tendente a averiguar se a co-acusação se ancora, de forma complementar, em quaisquer outros meios de prova (entre outros, os Acs. do STJ de 31/01/2000, proferido no processo n.º 3574/00, de 29/03/2000, proferido no processo n.º 1134/99; de 10/12/1996, proferido no processo n.º 486/97; de 30/11/2000, proferido no processo n.º 2828/00; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 694/08, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
O Tribunal não está, pois, impedido de valorar esse meio de prova, livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente.
Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correção dessa versão dos factos (neste sentido seguimos o Ac. TRPorto de 05.02.2014, disponível em www.dgsi.pt)”
Alega o arguido recorrente que tais declarações dos co arguidos não valem contra si pois não prestou declarações em audiência nem o fizeram os co-arguidos, pelo que não pode exercer o seu direito de defesa contra os mesmos interrogando-os, estando por essa via impedido de exercer o contraditório.

A problemática da valoração das declarações de co arguido é matéria que a Jurisprudência resolveu desde cedo, admitindo-a em face da admissibilidade dos meios de prova (artº 125º CPP) e sujeita à livre apreciação do tribunal (artº 127º CPP), e questionando-se apenas a sua credibilidade (“no sentido de que o depoimento do co-arguido deve ser valorado tal qual como os outros meios de prova, em conformidade com os princípios da legalidade da prova e da sua livre apreciação, desde que esta seja devidamente fundamentada e objectivada, a partir da sua razão de ciência e credibilidade, são citados os seguintes arestos: Ac. STJ de 21-03-2008, in CJ (STJ), T1, pág.255; de 7-12-2007, CJ (STJ), T3, pág.224, de 20-06-2001, CJ (STJ), T2, pág.230, Ac. STJ de 3-05-2000, CJ (STJ), T2, pág,180; Ac. STJ de 27-11-2007 ; Ac. STJ de 8-11-2007 ; Ac. STJ de 21-03-2007 ; Ac. STJ de 8-02-2007” in http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?.) e cfr. por todos ac. STJ de 12/03/2008 www.dgsi.pt “As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e vem ser valoradas no processo.
Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.
O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.
A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.” Jurisprudência que foi temperada em face da decisão do TC (ac. do TC n.º 524/97, de 14/07/1997, DR II, de 27-11-1997, que se pronunciou no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, razão pela qual foi introduzido no artº 345º o actual nº4 (pela Lei 48/2007 de 29/9) que estabeleceu : “4 - Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.” (reconhecendo expressamente o legislador através desta Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o valor probatório das declarações de co-arguido), sendo proibida a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo Presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso (no exercício do direito ao contraditório como expressão do direito de defesa) – jurisprudência anterior à actual redacção do artº 345º4 CPP e na situação jurídica em que as declarações do arguido em interrogatório judicial não podiam ser utilizadas em audiência no caso de ausência de declarações do arguido nesta ao contrario do que ocorre actualmente (artº 141º 4 b) CPP).
Como expressa o mesmo ac STJ “Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente”
Mas a relevância das declarações do arguido não se ficaram por aqui, em face do exercício do direito ao silencio em audiência quando o arguido tinha prestado declarações em inquérito muitas vezes de natureza confessória, em face do que o artº 357º1 b) CPP (introduzido pela Lei 20/2013 de 21/2 veio permitir a leitura das declarações do arguido anteriormente prestadas em inquérito “b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º”, normativo este que determina que o juiz informa o arguido em 1º interrogatório judicial “De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova”
Daqui decorre que observado este formalismo as suas declarações mesmo que exerça o direito ao silêncio podem ser utilizadas (lidas) em audiência, valendo como meio de prova.
Que valem como meio de prova contra si, não há dúvida e quanto aos co arguidos ?

É este o cerne da questão colocada.
Tal normativo, tem apenas a ver com a possibilidade de leitura das declarações e não com a validade com vista à incriminação dos co arguidos, para o que rege o citado artº 345º4 CPP, cuja validade apenas é posta em causa em caso de o arguido se recusar a responder a perguntas dos demais sujeitos processuais, ou seja quando não seja possibilitado o exercício do contraditório.
No cerne desta questão está assim o exercício do direito de defesa do coarguido incriminado pelas declarações, donde desde que asseguradas essas garantias, deve funcionar o principio geral.
Que o silencio do arguido incriminado não releva como factor impeditivo da apreciação daquelas declarações, parece evidente, pois a sua validade não depende da sua tomada de posição em relação ao processo ( cf. ac. TRG de 9/02/2009, CJ, 2009, T1, págs. .311: “II. As declarações incriminadoras de co-arguido valem, quer o outro co-arguido ( o incriminado) exerça o direito ao silêncio, quer esteja ausente. III. O silêncio ou ausência do arguido não afectam o direito ao contraditório, pois o mesmo realiza-se e é exercido pelo seu defensor” e o Tribunal Constitucional no ac. nº 133/2010 in DR, II Série de 18/05/2010 decidiu “Não julga inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo”

E o exercício do direito ao silencio do arguido incriminador em audiência ?
Quanto a si mesmo já vimos que é irrelevante o exercício do direito ao silencio, e quanto ao co-arguido incriminado ?
Aqui a resposta não é líquida nem unanime.
Para uns, como o exercício do direito ao silencio impede que o arguido seja interrogado pela contraparte, estaríamos no âmbito da proibição de prova do artº 345º4 CPP ( cfr. Ac RP 8/2/2017 www.dgsi.pt “IV- Não valem como meio de prova contra o coarguido, em face do artº 345º4 CPP por maioria de razão, as declarações prestadas em inquérito por arguido que se recuse a prestar declarações em audiência” em idêntico sentido, embora não esteja em causa a concreta questão destes autos, pois não ocorre uma ausência física do arguido, o ac R Ev. de 17/03/2015 www.dgsi.pt “7. Para as declarações incriminatórias do co-arguido poderem valer, contra o arguido, em julgamento, tem este de ter a efectiva possibilidade de o poder contraditar em audiência, de exercer um contraditório pela prova, e não apenas um contraditório sobre a prova. 8. A ausência de respostas ás perguntas do tribunal e/ou a solicitação do MP e da defesa, neutraliza em absoluto quaisquer efeitos da declaração incriminatória do co-arguido. 9. À situação de recusa em responder prevista no nº 4 do art. 345º do CPP deve equiparar-se a de impedimento de questionar (em julgamento), o que sucederá nos casos de ausência física do co-arguido, por morte ou outro motivo”
Mas a que se pode contrapor que no caso não existe uma recusa a responder mas uma impossibilidade de efectuar as perguntas (contra interrogatório), tal qualmente no caso de uma testemunha haver falecido ou não poder comparecer por anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura - artº 356º4 CPP) não existindo nessas circunstancias qualquer proibição de interrogatório injustificada (mas o exercício do direito ao silencio pelo arguido que em audiência não prestou quaisquer declarações, não tendo sido interrogado), não podendo sequer ser feitas tais perguntas não ocorrendo por isso uma recusa a responder cfr. Ac RP 12/2/2016 www.dgsi.pt “II - Em relação ao co-arguido as declarações do arguido só não valem como meio de prova se aquele “se recusar a responder às perguntas formuladas” pelos juízes e demais sujeitos processuais, incluindo dos demais co arguidos, por tal conduta violar as garantias de defesa daquele e se impossibilitar o exercício do direito fundamental ao contraditório” pelo que existe uma justificação legal e constitucional para a ausência de contra interrogatório – o exercício de um direito fundamental do arguido.

Por outro lado tal normativo diz-se, apenas é aplicável às declarações prestadas em audiência, ou seja, quando o coarguido ali manifeste e preste declarações e em relação a estas, sendo que não estão em causa estas declarações mas as prestadas em 1º interrogatório judicial, em face do que o artº 141º 4 b) CPP que permite que “as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova”( sublinhado nosso), sendo que estas são lidas ao abrigo do artº 357º 1b) CPP apenas não valendo como confissão para os fins do artº 344º CPP.
Na «Exposição de motivos» da Proposta de Lei n.º 77/XII, que lhe deu origem, diz-se “De maior relevância é a modificação introduzida quanto à possibilidade de utilização das declarações prestadas pelo arguido, na fase de inquérito e de instrução, em sede de audiência de julgamento. A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça. Impunha-se, portanto, uma alteração ao nível da disponibilidade, para utilização superveniente, das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, devidamente acompanhadas de um reforço das garantias processuais. Assim, esta disponibilidade de utilização, para além de só ser possível quanto a declarações prestadas perante autoridade judiciária, é acompanhada da correspondente consolidação das garantias de defesa do arguido enquanto sujeito processual, designadamente quanto aos procedimentos de interrogatório, por forma a assegurar o efetivo exercício desses direitos, maxime o direito ao silêncio. (…). Por outro lado, exige-se a assistência de defensor sempre que as declarações sejam susceptíveis de posterior utilização, e exige-se a expressa advertência do arguido de que, se não exercer o seu direito ao silêncio, as declarações que prestar podem ser futuramente utilizadas no processo embora sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova. A falta de assistência por defensor, bem como a omissão ou violação deste dever de informação determinam a impossibilidade de as declarações serem utilizadas, assegurando uma decisão esclarecida do arguido quanto a uma posterior utilização das declarações que, livremente, decide prestar. Preserva-se, assim, a liberdade de declaração do arguido que, apenas, voluntariamente pode prescindir do direito ao silêncio e, também, apenas voluntariamente, prescinde do seu controlo sobre o que disse. As declarações que, nos termos legais, possam e venham a ser utilizadas em julgamento, estão sujeitas à livre apreciação da prova, assim se autonomizando da figura da confissão prevista no artigo 344.º. A fiabilidade que devem merecer tais declarações, enquanto suscetíveis de serem utilizadas como prova em fase de julgamento, impõe que sejam documentadas através de registo áudio visual ou áudio, só sendo permitida a documentação por outra forma quando aqueles meios não estiverem disponíveis”(apud ac RC 15/3/2017 www.dgsi.pt), inculcando a ideia que na sua base está o seu pleno uso (no processo) de tais declarações, sujeitando-as tal como todo a prova testemunhal à livre apreciação do tribunal, que funciona como seu limite inultrapassável.

No sentido de que as declarações do co arguido que exerce o direito ao silêncio, valem como prova contra o co-arguido já se decidiu no ac. RP 12/10/2016 www.dgsi.pt “III - As declarações feitas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial a que foi sujeito na fase de inquérito, obtidas com observância daquelas formalidades (artº 141º 4 b) CPP) podem ser utilizadas pelo tribunal na formação da sua convicção mesmo em relação aos coarguidos, desde que estes tenham acesso a tais declarações” e isto porque “II - O princípio do contraditório não é satisfeito apenas com o interrogatório directo do declarante, mas satisfaz-se sobretudo com o poder de contraditar o depoimento desfavorável oferecendo outros meios de prova que o infirmem ou ponham em causa quer na sua valia probatória quer na sua eficácia persuasiva”
Não podemos deixar de concordar com esta decisão. Na verdade pressuposto de todas as provas admissíveis é a possibilidade de serem contraditadas, de contra elas o arguido poder contrapor as suas razões, para o que deve conhecê-las e deve poder apresentar contraprova.
Mas, o exercício do direito de defesa por parte do arguido não se resume ao direito ao contraditório, nem este se resume ao contra interrogatório do arguido ou da testemunha inquirida.
Na verdade o arguido recorrente teve acesso às declarações dos co-arguidos pelo menos logo desde que o processo foi tornado publico com a acusação onde foram apresentadas como prova (fls 181) e requereu abertura da instrução a que se procedeu tendo sido pronunciado, apresenta contestação onde nega os factos, mas aceita a sua presença, esteve presente na audiência de julgamento onde perguntado se pretendia prestar declarações em face delas manteve o seu direito ao silencio em audiência (quer no seu interrogatório inicial quer no final) sendo assistido pelo defensor.

Tal como expressa o citado ac RP 12/10/2016 “O princípio do contraditório não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo, em cross-examination. Exercer o contraditório é também (dir-se-ia mesmo, sobretudo) poder o sujeito processual (geralmente o arguido, mas podendo ser o Ministério Público ou o assistente) contraditar o depoimento desfavorável, oferecendo outros meios de prova que o infirmem ou ponham em causa a sua valia probatória e a sua eficácia persuasiva, nomeadamente pondo em crise a razão de ciência da testemunha ou a credibilidade do assistente ou do arguido.
Parece ser esse o entendimento do Tribunal Constitucional expresso no seguinte trecho do Acórdão n.º 367/2014: “Obviamente que, integrando os autos (de declaração) os meios de prova elencados pela acusação, nada impede o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva”.
E no acórdão n.º 524/97 o mesmo Tribunal já havia considerado que a faculdade de contraditar testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova “não se limita à possibilidade de um ar­guido procurar infirmar, através de instâncias, ainda que feitas por interposição do juiz, o que um seu co-arguido ti­ver dito; pode ter também lugar através do oferecimento e produção de provas que ponham em dúvida ou destruam a versão por esse co­-arguido apresentada”.
Pode dizer-se que na concreta situação que nos ocupa o contraditório foi, efectivamente, garantido no seu núcleo essencial.”
E conclui “É uma solução que traduz uma opção de política criminal discutível, mas que parece ter subjacente a ideia de que o princípio fundamental do contraditório não é intoleravelmente comprimido, antes podendo falar-se numa mais adequada composição e harmonização de interesses conflituantes, ao contrário do que antes acontecia, em que o interesse público da descoberta da verdade material e, portanto, o interesse público da realização da justiça no caso concreto, era, invariavelmente, sacrificado”

Assim, podemos concluir que foi possibilitado ao arguido durante todo o processo o exercício do seu direito de defesa, quer apresentando contraprova que infirmasse aquelas declarações, que sabiam poderem ser valoradas em julgamento, nomeadamente apresentando prova de que não estivera sequer no local dos factos, ou estando neles não participara, quer prestando pessoalmente declarações no sentido de infirmar as mesmas ou criar a dúvida sobre a sua participação. O que não fez, podendo fazê-lo.
Cremos assim poderem ser utlizadas como prova as declarações do arguido prestadas em inquérito em desfavor de co-arguido, mesmo que aquele em audiência se tenha remetido ao direito ao silêncio, sendo livremente valoradas pelo tribunal.
+
Mesmo que assim se não entendesse o certo é que ainda assim, tal como o tribunal recorrido expressa, existe prova incriminatória bastante de que o arguido recorrente foi co-autor dos factos em resultado dos depoimentos dos ofendidos por cuja acção foram os arguidos encontrados e pelos exames feitos aos objectos encontrados no veiculo utilizado e exames de ADN, expressando-se “No caso concreto não só das declarações dos co-arguidos vive a prova produzida, a ela acrescem as declarações dos ofendidos, designadamente a identificação da viatura utilizada pelos arguidos, os objectos metálicos que estavam no seu interior, os vestígios lofoscópicos correspondentes às zaragatoas realizadas aos arguidos encontrados no interior da mesma” e nos termos infra transcritos e apreciados na fundamentação da decisão recorrida para que se remete.
Não haveria assim lugar à absolvição do arguido
Improcede assim o recurso
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém o acórdão recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 12/09/2018
José Carreto
Paula Guerreiro (Concordo com a decisão, sem prejuízo da declaração junta)

Declaração
- voto a decisão
- no entanto, entendo, que no que respeita às declarações de co-arguido em prejuízo do recorrente, estamos, no caso concreto, perante a proibição de prova prevista no art. 345 nº4 do CPP, face ao exercício do direito ao silêncio pelo autor do depoimento incriminador.
A opção pelo exercício do direito ao silêncio, sendo legítima e consagrada legalmente, não deixa de traduzir-se numa recusa lícita de responder a perguntas, pelo que, a valoração de tal depoimento prestado em sede de inquérito, em prejuízo de co-arguido, traduz-se, em minha opinião, numa do princípio do contraditório.

Paula Guerreiro