Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
477/07.3TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA NÃO ALEGADA
PROPRIEDADE DE VEÍCULO INTERVENIENTE NO ACIDENTE
REGISTO
DIRECÇÃO EFECTIVA DO COMODANTE
CULPA DO LESADO
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
COMPENSAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20161121477/07.3TVPRT.P1
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 637; FLS.410-447)
Área Temática: .
Sumário: I - Deve ser indeferida a reapreciação da decisão da matéria de facto sempre que a resposta que se pretende obter englobe factualidade que não está contida no ponto de facto impugnado e que não foi alegada pelas partes, nem constitui matéria complementar ou concretizadora de factos essenciais que hajam sido alegados pelas partes, mas antes uma verdadeira ampliação da causa de pedir, por alegação de novos danos, requerendo, para poder ganhar relevância jurídica, a oportuna formulação de um pedido de condenação, líquido ou ilíquido, referente aos aludidos danos.
II - A obrigatoriedade do registo não afasta a regra geral de que o direito de propriedade sobre bens móveis ou imóveis, observada que seja a necessária forma, quando seja esse o caso, se opera por mero efeito do contrato.
III - O comodante e reparador de um veículo avariado que entrega uma viatura em substituição da avariada ao dono desta para ser usada enquanto dura a reparação tem a direção efetiva do veículo comodatado, juntamente com a pessoa que de si recebe essa viatura.
IV - Tendo em conta idade do autor à data da consolidação das lesões (quarenta e um anos), a data previsível em que iria sair do mercado de trabalho (setenta anos), a esperança média de vida fixável em setenta e sete anos, o seu rendimento anual de € 10.334,00, a incapacidade para o trabalho habitual, a pensão de invalidez que recebe no montante mensal de € 292,08 e que não receberia não fosse o acidente do autos e a incapacidade parcial genérica de cinquenta e oito pontos e ainda as indemnizações arbitradas em casos semelhantes, é adequada a indemnização de cento e cinquenta mil euros para indemnizar a perda da capacidade de ganho.
V - O passageiro sabedor de que o condutor do veículo não tem habilitação legal e ainda assim aceita ser por ele transportado, expõe-se, em regra, a um risco, exposição ou assunção do risco que deve ser relevada em sede de culpa do lesado.
VI - É adequada a compensação de sessenta mil euros a título de danos não patrimoniais a lesado que sofreu dores cujo quantum doloris foi fixado em grau seis numa escala de 0 a 7, que tem dano estético fixado em grau 4 numa escala de 0 a 7, que tinha trinta e nove anos na data dos factos, cujas lesões demandaram um tempo longo de estabilização das lesões (quase dois anos), com um grau de incapacidade genérica parcial de cinquenta e oito pontos, que ficou afetado psiquicamente por causa da incapacidade total para o desempenho de uma atividade profissional e também para a execução das atividades diárias e com alteração da personalidade em consequência do sinistro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 477/07.3TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 477/07.3TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Deve ser indeferida a reapreciação da decisão da matéria de facto sempre que a resposta que se pretende obter englobe factualidade que não está contida no ponto de facto impugnado e que não foi alegada pelas partes, nem constitui matéria complementar ou concretizadora de factos essenciais que hajam sido alegados pelas partes, mas antes uma verdadeira ampliação da causa de pedir, por alegação de novos danos, requerendo, para poder ganhar relevância jurídica, a oportuna formulação de um pedido de condenação, líquido ou ilíquido, referente aos aludidos danos.
2. A obrigatoriedade do registo não afasta a regra geral de que o direito de propriedade sobre bens móveis ou imóveis, observada que seja a necessária forma, quando seja esse o caso, se opera por mero efeito do contrato.
3. O comodante e reparador de um veículo avariado que entrega uma viatura em substituição da avariada ao dono desta para ser usada enquanto dura a reparação tem a direção efetiva do veículo comodatado, juntamente com a pessoa que de si recebe essa viatura.
4. Tendo em conta idade do autor à data da consolidação das lesões (quarenta e um anos), a data previsível em que iria sair do mercado de trabalho (setenta anos), a esperança média de vida fixável em setenta e sete anos, o seu rendimento anual de € 10.334,00, a incapacidade para o trabalho habitual, a pensão de invalidez que recebe no montante mensal de € 292,08 e que não receberia não fosse o acidente do autos e a incapacidade parcial genérica de cinquenta e oito pontos e ainda as indemnizações arbitradas em casos semelhantes, é adequada a indemnização de cento e cinquenta mil euros para indemnizar a perda da capacidade de ganho.
5. O passageiro sabedor de que o condutor do veículo não tem habilitação legal e ainda assim aceita ser por ele transportado, expõe-se, em regra, a um risco, exposição ou assunção do risco que deve ser relevada em sede de culpa do lesado.
6. É adequada a compensação de sessenta mil euros a título de danos não patrimoniais a lesado que sofreu dores cujo quantum doloris foi fixado em grau seis numa escala de 0 a 7, que tem dano estético fixado em grau 4 numa escala de 0 a 7, que tinha trinta e nove anos na data dos factos, cujas lesões demandaram um tempo longo de estabilização das lesões (quase dois anos), com um grau de incapacidade genérica parcial de cinquenta e oito pontos, que ficou afetado psiquicamente por causa da incapacidade total para o desempenho de uma atividade profissional e também para a execução das atividades diárias e com alteração da personalidade em consequência do sinistro.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 20 de março de 2007, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, B… instaurou ação declarativa sob forma ordinária contra C…, D…, Fundo de Garantia Automóvel, E… e F… – Companhia de Seguros, SA pedindo a condenação dos réus, na proporção das respetivas responsabilidades, solidária ou subsidiariamente, a pagarem ao autor a quantia de € 417.768,95, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sem prejuízo de outros danos que se vierem a liquidar em sede de liquidação, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões o autor alega que no dia 22 de março de 2004, cerca de 02h45, era transportado no veículo de matrícula ..-..-TJ, conduzido por C…, no IC., ao quilómetro …, no sentido Porto/Vila Nova de Gaia, no tabuleiro da Ponte …, quando o referido veículo entrou em despiste, embatendo com a parte da frente do seu veículo no separador central da Ponte …, transpondo o referido separador, imobilizando-se numa das faixas opostas, em sentido contrário ao que seguia; nessa ocasião, E… conduzia o veículo de matrícula ..-..-PO, imediatamente atrás do veículo TJ, em “despique” com o condutor do TJ, seu filho, praticamente colado à traseira do TJ, aos ziguezagues, a velocidade superior a cinquenta quilómetros por hora, tudo com o objetivo de chegar em primeiro lugar à residência do autor; nas circunstâncias descritas ocorreram as lesões e os danos de que o autor pretende ser ressarcido e compensado nestes autos; na data do sinistro, a circulação do veículo TJ, propriedade de D…, não estava coberta por seguro, cobrindo a F… – Companhia de Seguros, SA os riscos da circulação do veículo PO.
Os réus foram citados para, querendo, contestarem.
D… impugnou os factos descritos pelo autor na petição inicial e, nomeadamente que fosse dono do veículo de matrícula ..-..-TJ.
O Fundo de Garantia Automóvel contestou impugnando por desconhecimento os factos articulados pelo autor para fundamentar as suas pretensões, alegando que o estado de influenciado pelo álcool do condutor do veículo PO esteve na génese do sinistro, sendo manifestamente exageradas as indemnizações peticionadas pelo autor e que de acordo com a participação do acidente, o dono do veículo de matrícula ..-..-TJ tinha transferida a responsabilidade civil emergente da circulação desse veículo para a G…, Companhia de Seguros, SA, concluindo pela total improcedência da ação, na parte que a si respeita.
E… contestou suscitando a sua ilegitimidade passiva, em virtude da responsabilidade civil emergente da circulação do veículo PO se achar transferida para a ré F… – Companhia de Seguros, SA e impugnou alguns dos factos articulados pelo autor, concluindo pela total improcedência da ação.
F… – Companhia de Seguros, SA contestou alegando que o sinistro que vitimou o autor não teve qualquer intervenção do veículo por si seguro, impugnando alguns dos factos articulados pelo autor, concluindo pela total improcedência da ação, na parte que lhe diz respeito.
C… contestou suscitando a sua ilegitimidade, invocou a culpa do lesado em virtude do autor saber que o réu C… não tinha carta de condução e impugnou alguns dos factos alegados pelo autor na petição inicial, concluindo pela total improcedência da ação.
O autor replicou e requereu a intervenção principal provocada de H…, de I…, da Companhia de Seguros J…, SA e de K…, SA.
Em 31 de janeiro de 2008, o Instituto de Segurança Social (ISS) I.P: - Centro Nacional de Pensões deduziu pedido de reembolso de prestações da Segurança Social contra a Companhia de Seguros F… e C… pedindo a condenação dos demandados ao pagamento da quantia de € 3.501,56 paga ao autor, a título de pensão de invalidez, acrescida dos juros de mora contados à taxa supletiva legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
C… contestou o pedido de reembolso, pugnando pela sua total improcedência.
F… – Companhia de Seguros, SA contestou o pedido de reembolso, sustentando a sua total improcedência.
Por despacho proferido em 04 de abril de 2008, determinou-se a apensação a estes autos do processo nº 1797/07.2TPRT, que corria termos na 3ª Secção, do 1º Juízo, dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto e em 08 de julho de 2008, em virtude do processo nº 1797/07.2TPRT, que corria termos na 3ª Secção, do 1º Juízo, dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto seguir a forma de processo experimental, inaplicável às Varas Cíveis da Comarca do Porto, decidiu-se ser inconveniente a apensação previamente determinada, determinando-se a devolução à procedência dos autos entretanto apensados a estes.
Em 25 de novembro de 2008 deferiu-se a intervenção principal provocada de H…, I…, Companhia de Seguros J…, SA e de K…, SA.
K…, SA contestou arguindo a nulidade da sua citação e, na eventualidade de assim não se entender, suscitou a sua ilegitimidade e, em todo o caso, pugnou pela total improcedência da ação, na parte que lhe diz respeito.
A Companhia de Seguros J…, SA contestou pugnando pela total improcedência da ação.
O autor replicou pronunciando-se no sentido da improcedência das exceções alegadamente deduzidas pela K…, SA e pela Companhia de Seguros J…, SA.
I… contestou pugnando pela total improcedência da ação.
A audiência preliminar foi dispensada, proferiu-se despacho saneador em que se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade de E…, declarando-se improcedente a mesma exceção deduzida por C…, procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a factualidade assente da controvertida, esta última a integrar a base instrutória.
As partes ofereceram as suas provas, realizando-se a perícia requerida pelo autor e pela Companhia de Seguros J…, SA e, posteriormente, segunda perícia sob forma colegial.
Realizou-se a audiência final em cinco sessões e em 13 de janeiro de 2016 foi proferida sentença[1] que findou com o seguinte dispositivo, que se transcreve na parte pertinente:
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
1 - condeno o 1º Réu, C…, o interveniente principal passivo I… e o 3º Réu, Fundo de Garantia Automóvel, solidariamente:
- a pagar ao Autor a quantia de 137.991,64 € (cento e trinta e sete mil novecentos e noventa e um euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, absolvendo os referidos Réus e interveniente do demais peticionado pelo Autor;
- e a pagar ao Instituto de Segurança Social (ISS) I.P.- Centro Nacional de Pensões a peticionada quantia de € 3.501,56, referente à pensão de invalidez que pagou ao Autor, no período de 22/3/2007 a 31/1/2008;
2 - Absolvo os 2º e 5ª Réus, D… e F…- Companhia de Seguros, SA, e os demais intervenientes principais (Companhia de Seguros J…, SA, K…, SA e H…) dos pedidos formulados pelo Autor e pelo Instituto de Segurança Social (ISS) I.P.
Em 17 de fevereiro de 2016, inconformado com a sentença, I… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I – A sentença agora recorrida condena o Recorrente no pagamento solidariamente com o 1º e 3º Réu da quantia de 137.991,64€ ao Autor e 3.501,56€ ao Instituto de Segurança Social.
II - decisão que se fundamenta no facto de que o recorrente é à data dos factos o proprietário do veículo automóvel e que quando não há seguro o responsável pela indemnização civil é o condutor, proprietário e fundo de garantia automóvel.
III – Entende o Recorrente que não pode ser considerado proprietário do carro, porque à data dos factos o carro estava registado em nome de outra pessoa, H….
IV – A propriedade dos veículos automóveis atribui-se com o registo efectuado de acordo com as normas do registo automóvel.
V – Há uma Lei especial que taxativamente refere que o proprietário do automóvel é aquele em nome de quem o mesmo se encontra registado – Código do Importo Único de Circulação – art. 3º.
VI – assim sendo esta norma terá que ser aplicada ao caso dos autos e o recorrente não ser considerado o proprietário do veículo.
VII – a Lei referida em V é uma lei especial por isso prevalece sobre a lei geral tal como vem previsto no art. 7º n.º 3 do Código Civil.
VIII – além de que as pessoas não podem ser proprietárias para umas situações e não proprietárias para outras.
IX – para além disso o art. 503º n.º 1 do Código Civil prevê que é responsável pelo pagamento da indemnização que tiver a direcção efectiva do veículo, o Recorrente à data dos factos não tinha a direcção efectiva do veiculo.
X – facto que exclui a sua responsabilidade
XI – a sentença dá como provado que o Recorrente entregou ao 1º Réu, o condutor do veículo ..-..-TJ, o referido carro para que este o utilizasse em seu proveito.
XII – a entrega ao 1º Réu do carro sem lhe impor qualquer tarefa é clara e fundament5al para se entender que perde o Recorrente a direcção efectiva do veículo.
XII – e com isso fica excluída a sua responsabilidade.
Em 29 de fevereiro de 2016, inconformado com a sentença, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. - O recorrente centra o presente recurso em duas questões:
I. Erro na apreciação da prova, impondo os meios probatórios produzidos uma resposta à matéria factual vertida para os quesitos 55º, 91º, 109º e 132º da Base Instrutória e dos pontos 80, 83 e 102 dos Factos Provados diversa daquela que lhe foi dada;
II. Desadequação dos montantes indemnizatórios fixados ao Recorrente em sede de danos patrimoniais e morais.
2. – O Recorrente entende que não foi correctamente apreciada, valorada e julgada a matéria factual constante dos quesitos 55º, 91º, 109º e 132º da Base Instrutória e dos pontos 80, 83 e 102 dos Factos Provados, na medida em que da ponderação da prova documental junta aos autos e do teor do depoimento das testemunhas que a seguir se destacam decorre, na sua perspetiva, resposta diversa daquela que lhe veio a ser dada.
3. - Pretendendo a recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do Art.640º do CPC (Art.638º nº7 do CPC), remete para as passagens das gravações efetuadas através do sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal “a quo”, realizado em audiência, assinalando nos locais próprios, nos termos do nº2 do Art.155º do CPC.
4. – A reapreciação da prova deverá incidir quer no suporte documental junto ao processo (no que se destaca Auto de Ocorrência, Relatórios Periciais e Declarações Médicas, Recibos, Decisões Judiciais anteriores transitadas em julgado), como também no teor dos depoimentos que foram prestados por:
i. L…;
ii. M…;
iii. N…;
iv. O…;
v. P…;
vi. Q…;
vii. S…;
viii. E…;
ix. U…;
x. B…;
Nos dias, tempos e passagens atrás identificadas e concretamente identificadas.
a/
QUESITOS 55º E 91º DA BASE INSTRUTÓRIA E 80 DOS FACTOS PROVADOS
5. - Perguntava-se no quesito 55º da Base Instrutória se o Recorrente “Submeteu-se a tratamento de fisioterapia diários, 2 horas por dia, desde 23.08.2004 (o ano foi objecto de correcção no inicio da audiência de julgamento) a Março de 2006 por recomendação médica?”
6. - Embora tendo respondido afirmativamente, no ponto 80 dos factos provados o Tribunal “a quo”, tendo por base a resposta ao quesito 55º deu como assente que “Meses após o acidente, quando o autor começou a fazer fisioterapia (cfr. Resposta ao quesito 55º), ele e sua mulher foram residir para o Porto, para casa de uma cunhada, pelo facto da sua residência em Vila Nova de Gaia, ser num 3º andar sem elevador (resposta ao quesito 106º da Base Instrutória).”
7. - No quesito 91º da Base Instrutória perguntava-se se o autor tinha suportado prejuízos “De € 3.738,00 de despesas de táxi suportadas pelo autor com a deslocação de sua casa para as sessões de fisioterapia, para as consulta e para os exames médicos?”, tendo a resposta do Tribunal “a quo” sido dada pela negativa.
8. – Foram dois os argumentos apontados para tal:
- No facto dos recibos juntos a fls 116 a 205 não virem mencionados os serviços prestados nem a quem;
- Na circunstância de ter sido alegado pelo Autor que, “cerca de seis meses após o acidente, quando começou a fazer fisioterapia, o casal teve de ir residir para o Porto, para casa de uma cunhada não só pelo facto de a sua residência ficar num terceiro andar, … e ainda para ter acessibilidade de transportes para os tratamentos médicos e assim reduzir despesas passando a residir com a mulher e o seu agregado familiar em casa da cunhada …”, o que foi intuído pelo Tribunal como se a partir da altura em que veio residir para a cidade do Porto não precisou mais de transporte se deslocar para as sessões de fisioterapia, consultas e exames médicos.
9. - O posicionamento do tribunal “a quo” no tocante à resposta negativa ao quesito 91º e na matéria factual que dá por assente no ponto 80 não está correcto.
10. – Da audição das testemunhas L… (> Passagens 6:26 - 6:32 /8:02 - 8:10), M… (> Passagens 7:00 - 7:05 /7:29 - 8:23), N… (> Passagens 5:01 - 5:32 /7:29 - 8:23), O… (> Passagens 7:38 – 9:15 / 16:45 – 16:57), P… (> Passagens 17:15 – 18:15 / 19:54 – 20:53 / 53:01 – 53:42), Q… (> Passagens 01:47 – 02:12 / 02:21 – 02:29) e das declarações de Parte do Recorrente B… (> Passagens 25:30 – 26:02 / 46:45 – 45:38 / 45:39 – 48:24) resultou que depois do acidente este foi residir para a sua casa em Vilar de Andorinho na cidade de Vila Nova de Gaia, onde permaneceu cerca de 1 ano.
11. - Os primeiros 3 meses passou-os na cama totalmente imobilizado para permitir que os ossos colassem, sendo que as sessões de fisioterapia iniciam-se depois deste período de imobilização, por volta do mês de Agosto de 2004 e numa altura em que ainda residia em Vila Nova de Gaia.
12. - Conforme foi transmitido durante aquele ano o Recorrente foi fazendo face às despesas normais da casa e às decorrentes dos diversos tratamentos que foi fazendo (que correram sempre a expensas suas com excepção de uma pequena parta da fisioterapia que era comparticipada) recorrendo aquilo que o casal tinha conseguido juntar.
13. - Quando as economias acabaram não restou outra alternativa que não a de pedir ajuda a uma cunhada vindo residir para a sua casa no Porto (perto do …), o que lhe permitia poupar nas deslocações de táxi para a fisioterapia que fazia numa Clinica perto da … e permitia que a esposa retomasse o seu trabalho na V….
14. - Todas as testemunhas referiram que durante os cerca de 4 anos em que o Recorrente esteve na casa da cunhada no Porto (existem algumas testemunhas que confundem a casa da cunhada com a da sogra o que se explica pelo facto de ambas morarem no mesmo prédio) não deixou de se fazer transportar de táxi para a fisioterapia.
15. - No que respeita ao motivo das facturas serem emitidas em regra pela mesma pessoa, isso decorria da confiança que o Recorrente foi nela ganhando, o que lhe permitia vencer o receio que tinha em ser transportado, mesmo pelo seu filho.
16. - O argumento de que os recibos são muitos e seguidos e que deles não constava o tipo de serviço prestados nem quem pagou, não pode deixar de ser visto à luz do tempo em que foram emitidos (11 anos atrás), existindo hoje uma maior atenção e exigência na forma como se emitem as facturas, designadamente indicando-se o NIF de quem pede, o serviço prestado e/ou os bens adquiridos e data em que o foram, que na altura não existia.
17. – Tendo presente o depoimento uniforme das testemunhas assinaladas e aprova documental que lhe subjaz, deveria a matéria constante do quesito 91º da Base Instrutória ter sido dada como assente e, consequentemente, ser aditada à matéria factual considerada provada um novo ponto com o seguinte teor:
“O AUTOR SUPORTOU EM DESPESAS DE TÁXI NA DESLOCAÇÃO DE CASA PARA AS SESSÕES DE FISIOTERAPIA, CONSULTA E EXAMES MÉDICOS O MONTANTE DE 3.378,00€”
18. – No tocante à matéria factual constante do ponto 80 dos factos provados a mesma deverá ser alterada por forma a tomar a seguinte redacção:
“MESES APÓS O ACIDENTE, QUANDO AS ECONOMIAS DO CASAL TERMINARAM, O AUTOR E A SUA MULHER FORAM RESIDIR PARA O PORTO, PARA CASA DE UMA CUNHADA, PELO FACTO DA SUA RESIDÊNCIA EM VILA NOVA DE GAIA, SER NUM 3º ANDAR SEM ELEVADOR (RESPOSTA AO QUESITO 106º DA BASE INSTRUTÓRIA).”
b/
QUESITO 109º DA BASE INSTRUTÓRIA E 83 DOS FACTOS PROVADOS
19. - No quesito 109º da BI questionava-se se o “O autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece, assim como de eventuais correcções cirúrgicas das mesmas?”
20. - Tendo o Tribunal “a quo” respondido “provado apenas que “O autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece”, matéria que transpôs depois para o ponto 83 dos factos provados.
21. - A resposta parcialmente positiva ao questionado nos vários exames periciais juntos aos autos a fls.1384 a 1389. 1405 a 1407, 1409 a 1412, 1414 a 1416, 1453 a 1461 e 1462 a 1466, 1508 e 1509 e 1642 a 1650.
22. – Apesar dos relatórios periciais porem de parte a necessidade de futuras cirurgia, certo é que o “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal Em Direito Cível” do Instituto de Medicina Legal de 18 de Julho de 2014 (último realizado), junto a folhas 1642 a 1650 dos autos estabelece que para além da fisioterapia o Recorrente irá necessitar de várias Ajudas Técnicas.
23. - Isso mesmo resulta do teor das paginas 14 e 15 do relatório (folhas 1649), que prevê para a situação do recorrente a necessidade de:
- Ajudas Medicamentosas – Analgésicos antiespasmódicos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária (é o caso do spray que o Recorrente refere que necessita de por antes de se de poder levantar todas as manhãs e sempre que tem espasmos)
- Tratamentos Regulares – Fisioterapia
- Ajudas Técnicas – bengala canadiana e ajuda no sapato
- Ajuda de terceira pessoa – algumas tarefas da vida diária atrás referidas.
24. - Não obstante o sentido do relatório que se veio de referir (e bem assim de todos que lhe são anteriores) tal matéria não foi devidamente transposta para o ponto 83 dos factos provados que assim ficou aquém da factualidade apurada no tocante ás ajudas técnicas que não envolvem apenas a necessidade de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece.
25. – Ora, tendo em atenção que estas ajudas técnicas têm uma valoração económica e uma consequente repercussão em termos indemnizatórios, deveria não só tal factualidade constar da matéria da resposta ao quesito 109º da BI e, consequentemente, da matéria de facto assente sob o ponto 83, como também deveria o Tribunal “a quo” ter relegado para execução de sentença a determinação do valor correspondente às Ajudas Técnicas.
26. – Nesta sequência entende o Recorrente que a matéria de facto assente sob o ponto 83 deverá ser aditada do mais estabelecido no relatório acerca das ajudas técnicas devendo passar a assumir a seguinte redacção:
“O AUTOR NECESSITARÁ DE TRATAMENTO FISIOTERÁPICO PERIÓDICO PARA PREVENÇÃO DO AGRAVAMENTO DAS SEQUELAS DE QUE PADECE, BEM COMO DE AJUDAS MEDICAMENTOSAS, TRATAMENTOS REGULARES, AJUDAS TÉCNICAS, ADAPTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL E AJUDA DE TERCEIRA PESSOA”
c/
QUESITO 132º DA BASE INSTRUTÓRIA E 102 DOS FACTOS PROVADOS
27. - Era perguntado no quesito 132º da BI se “ O autor sabia que o 1º réu não tinha carta de condução e aceitou ser transportado por ele?”
28. - A resposta positiva ao quesito 132º e a consequente inserção no ponto 102 da matéria factual dada como provada, assenta, conforme decorre da motivação da decisão acerca da matéria de facto, nos depoimentos das testemunhas T… (pai do 1º Réu C…) e U… (que em dado momento foi patroa do 1º Réu) e numa apreciação negativa da conduta do Recorrente que não tem justificação.
29. - A convicção do Tribunal “a quo” foi criada em cima da desvalorização do depoimento da esposa do Recorrente P… que o próprio Recorrente transmitiu e o que o cabo da GNR que lavrou o auto de ocorrência também deu conta no seu depoimento.
30. - O Recorrente entende que da ponderação do depoimento das testemunhas e da prova documental junta ao processo, designadamente o Auto do acidente elaborado pela GNR e a certidão do processo-crime identificado no ponto 113 dos factos provados, a resposta ao quesito 132º teria que ser feita pela negativa.
31. - Relativamente à testemunha E… (Passagens 2:40 – 2:49 /25:33 – 26:28) trata-se de alguém que afirma claramente não gostar do Recorrente apenas o tendo conhecido na noite em que se de o acidente, apresentando uma versão do acidente e do que se passou a seguir totalmente inverosímil.
32. - Versão esta que é totalmente contrariada pela testemunha S… (>Passagens 5:54 - 6:01 / 9:46 – 9:54 / 24:40 – 24:55) que confirmou tudo o que estava no auto e que a descrição do acidente resultou do diálogo com o pai do 1º Réu C…, o que contradiz a versão apresentada por aquele de que depois do acidente teria ficado no carro à espera da chegada dos bombeiros.
33. – A falta de credibilidade do depoimento da testemunha E… ressalta também do depoimento da testemunha U… (> Passagens 2:23 – 2:37 / 3:46 – 4:27 / 5:07 – 5:38) que se limitou a dizer que o Recorrente sabia que o 1º Réu não tinha carta porque teria ouvido isso em conversas, reconhecendo todavia que nem este fazia parte das suas relações nem nunca tinha falado com ele sobre isso.
34. – O conhecimento de que o 1º Réu não teria carta de condução é também posto em causa pelo depoimento da esposa do Recorrente P… (> Passagens 53:01 – 53:42 / 55:48 – 56:18) que disse que só no Hospital é que souberam que ele não teria carta sendo que quando se vê alguém com carro e a conduzir não nos passa pela cabeça perguntar se tem carta, da mesma forma que quando se entra num carro conduzido por outrem também não perguntámos se tem carta, porque de um forma imediata e natural somos remetidos para essa suposição. O normal é que quem tem carro e o conduz encontre-se habilitado para tal.
35. – Nas declarações do Recorrente ( >Passagens 4:41 – 4:48 / 8:28 – 8:29 / 55:01 – 55:19 / 57:55 – 58:16 / 1.45.00 – 1.46:54) encontrámos a mesma lógica, no dia do acidente quando o 1º Réu C… chegou a sua casa trazendo a esposa e três crianças era ele que vinha a conduzir. Que numa vez anterior em que lá tinha ido era também ele que vinha a conduzir, pelo que nunca lhe passou pela cabeça que não tivesse carta até porque tendo três carros em casa nunca se iria meter no carro do 1º Réu se soubesse que el não tinha carta.
36. – Na ponderação da prova produzida foi também totalmente desvalorizado o Acórdão da Relação do Porto de 22.10.2008 proferido no âmbito do processo nº5930/04.8TDPRT que correu termos pela 3ª Vara Criminal do Porto (que integra o ponto 113 da matéria de facto assente) designadamente a pouca credibilidade que então mereceu o depoimento da testemunha U… (veja-se a este propósito a apreciação que é feita a folhas 32 e 33 do aludido Acórdão junto a folhas 648 e seguintes dos autos).
37 - Ante o sentido comum do depoimento de cada uma das testemunhas assinaladas, no entender do Recorrente deveria a matéria factual constante do quesito 132º ser dada como não provada e consequentemente eliminada a matéria que ficou a constar no ponto 102 dos factos provados.
38. - Na ponderação da indemnização de perda de ganho sofrida pelo Recorrente foi determinante na decisão recorrida a valoração negativa da convicção erradamente criada de que este aceitou ser transportado pelo 1º Réu sabendo que este não tinha carta de condução.
39. - O Recorrente não teve qualquer responsabilidade na produção do acidente, tendo este resultado de culpa exclusiva do condutor do veículo onde seguia que era conduzido pelo 1º Réu em função da velocidade excessiva e da condução imprudente que praticou e não do facto daquele não ter carta de condução.
40. – Acresce que, quando o Recorrente notou que a velocidade a que o 1º Réu seguia era excessiva tratou de o chamar a atenção e pedir para ir mais devagar, o que este não ligou (Passagens 12:43 – 12:47 / 13:33 – 13:35 das declarações do Recorrente).
41. - A indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (neste caso e equivalentes, não irá auferir), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho.
42. - Como critérios de determinação do valor a capitalizar, produtor do montante de indemnização por redução de capacidade laboral e perda aquisitiva de ganho, a jurisprudência foi lançando mão de vários métodos de cálculo e tabelas matemáticas e financeiras; o STJ vem reiteradamente entendendo que no recurso a semelhantes fórmulas ou tabelas para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, só revelando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.
43. - Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, só existindo a obrigação de indemnização em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como decorre do artigo 563.º e estabelecendo o n.º 1 do artigo 564.º que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão», prevendo expressamente o n.º 2 a possibilidade de o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, mas «se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
44. - O artigo 566.º, após proclamar no n.º1 o primado da reconstituição natural, ressalva que a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que aquela não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor; no n.º2 estabelece que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos, e no n.º 3 prescreve que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
45. - A incapacidade permanente, por traduzir uma redução/limitação das capacidades funcionais/laborais, sendo uma afectação da integridade física, que se repercute no bem patrimonial força de trabalho, que perdura para toda a vida do lesado, tem de ser indemnizada.
46 - Na quantificação do dano patrimonial futuro por redução da capacidade de trabalho o que está em causa é o ressarcimento do prejuízo económico que o lesado irá sofrer por virtude da permanente incapacidade geral ou parcial para o trabalho, que lhe resultou do acidente, estando em causa frustração de ganhos futuros.
47. - Pretende-se em tais situações encontrar o capital que permita realizar o quantitativo, a “pensão” anual correspondente à perda de vencimento sofrido pelo lesado, a atribuição de uma quantia que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que o lesado sofreu (ou irá sofrer ou deixar de auferir), mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada.
48. - Considerando que o Recorrente tinha 39 anos na data do acidente e que a esperança média de vida ronda os 70 anos de idade, que auferia o salário mensal ilíquido de 481,00€ e respectivos subsídios de férias e Natal, acrescido do valor médio mensal de 300,00€ a título de prémios, que assim integrava a respectiva retribuição por força do disposto no Art.258º do CT, o que aliás a própria entidade patronal reconhece em declaração emitida e junta a fls.55 dos autos (Doc.38 PI), tomando estes elementos o valor da indemnização por perda de ganho nunca poderia ser inferior a 274.607,36€, isto é, (781,00€ x 14 x 28 anos) – (292,08€ x 9 anos), valor este que contempla a dedução dos valores de pensão recebidos desde Março de 2007 até ao presente.
49. - Ainda que se pondere na fixação da indemnização a taxa de rentabilidade do capital, haverá que ter em conta que quanto mais baixa for a remuneração do capital (tal qual acontece nos dias de hoje), maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao seu gasto, pelo que, mesmo tendo em conta os critérios de equidade em que assenta a fixação do montante indemnizatório esta nunca deveria ser inferior a 270.000,00€.
50. - Este valor, dividido este valor pelo número de anos que faltam até à idade da reforma do Recorrente, traduzirá uma remuneração anual/mensal inferior à que receberia se estivesse a trabalhar e que se esgotará findo este prazo.
51. - Sendo que o valor fixado pelo Tribunal “a quo” traduz um valor 3 vezes inferior ao que receberia se estivesse a trabalhar, o que se traduz numa situação de profunda injustiça.
52. - À semelhança do que sucedeu com a fixação do montante indemnizatório por perda de ganho também a indemnização por danos morais foi objecto da apreciação negativa do Tribunal acerca do conhecimento de que o Recorrente teria de que o 1º Réu não tinha carta de condução, o que determinou a sua fixação apenas no montante de 30.000,00€.
53. - Reitera-se tudo o que se disse atrás acerca da falta de sustentabilidade da resposta afirmativa ao quesito 132º da BI e de que mesmo que o Recorrente tivesse conhecimento de que o 1º Réu C… não tinha carta este não teve qualquer contribuição na produção do acidente.
54. - O dano não patrimonial comporta várias componentes, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade caminhar, de se vestir, de se alimentar – vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-1998, recurso n.º 972/98, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155; de 29-04-1999, revista n.º 218/99-2ª, STJSAC1999, pág. 163; de 06-07-2000, revista n.º 1861/00, CJSTJ 2000, tomo 2, pág.144 e BMJ n.º 499, pág. 309, de 17-01-2002, revista n.º 4181/01-7ª, STJSAC2002, pág. 37, todos do mesmo relator; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04 - 6ª; de 19-01-2006, revista n.º 3500/05-6ª; de 18-06-2009, processo n.º 1632/01.5SILSB.S1-3ª – cfr. Dário Martins de Almeida, loc. cit., págs. 129 e 130, que encara estes prejuízos como “sequelas de lesões corporais”, com reflexos não patrimoniais, embora ligadas, nalguns casos, à incapacidade permanente e, por conseguinte, com certas conexões de carácter patrimonial.
55. - No caso que nos ocupa o Recorrente sofreu todas estas variantes conforme decorre da matéria assente nos pontos 24 a 60 e 71 a 83, bem como a nível sexual conforme se denota do teor do “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal Em Direito Cível” do Instituto de Medicina Legal de 18 de Julho de 2014, junto a folhas 1642 a 1650 dos autos.
56. - Na página 14 da aludida perícia, no item “Repercussão Permanente na Actividade Sexual, resulta que a mesma foi fixada no grau 3 decorrente de dificuldades durante o acto sexual devido às dores e dificuldade de mobilização, indicando-se também dificuldades em manter a erecção.
57. - Como referia Vaz Serra, in BMJ n.º 83, pág. 83, “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente”.
58. - Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Almedina, 9.ª edição, 1998, págs. 627/8, expende que “da restrição do art. 496 extrai-se indirectamente uma outra lição: a de que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessários se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir”.
59. - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, como decorre do n.º 3 do artigo 496º do Código Civil, sendo de atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
60. - Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, pág. 54, ao decidir segundo a equidade, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei. E a fls. 501, referem: “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
61. - A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.
62. - Como se refere no acórdão do STJ de 23-04-2008, processo n.º 303/08 - 3.ª, “Certo é que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica” – cfr., entre outros, os acórdãos de 20-11-2003, 28-06-2007, 25-10-2007, 18-12-2007, 17-01-2008 e 29-01-2008, proferidos nas revistas n.º s 3528/03-2ª; 1543/07 - 2.ª, 3026/07 - 2.ª, 3715/07 - 7.ª, 4538/07 - 2.ª, 4492/07 - 1.ª; de 23-04-2008, processo n.º 303/08-3ª; de 21-05-2008, processo n.º 1616/08 - 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3ª; de 22-10-2008, processo n.º 3265/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3380/08-5ª “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico”; de 13-01-2009, revista n.º 08A3747-1ª; de 22-01-2009, revista n.º 3360/08 - 7ª; de 17-02-2009, revista n.º 4099/08 - 1ª; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08 - 3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª; de 18-06-2009, processo n.º 1632/01.5SILSB.S1-3ª.
63. - Transpondo o que se veio de referir para o caso concreto temos que o Recorrente viveu, desde a data do acidente, vive e continuará a viver momentos de profunda tristeza e angústia, como bem resulta das várias declarações juntas aos autos ao longo dos anos emitidas pela Dra. W…, médica psiquiatra que sempre o acompanhou no Hospital …, tendo inclusivamente sido internado aquando de uma depressão grave em que pensava suicidar-se, conforme referiu no seu depoimento em audiência.
64. - Deixou de poder fazer coisas tão simples como saltar, andar, correr, nadar, dançar, jogar bilhar, ir á praia, tendo perdido a vontade de conviver e até de viver.
65. - Deixou de poder trabalhar e contribuir para o sustento da casa o que afecta a sua autoestima, viu a sua vida sexual ser afectada o que condiciona a sua afirmação como homem e vê-se dependente da ajuda de uma terceira pessoa para determinadas tarefas básicas (vide pagina 15 do relatório do IML) como o apertar dos sapatos o que limita a sua autonomia.
66. - Neste contexto entende-se pois que o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal “a quo” peca por escasso devendo ser adequado à gravidade do caso, isto é, em montante nunca inferior a 100.000,00€.
67. - Em conclusão, entende a recorrente que o Dign.º Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada tendo, por isso, feito uma incorreta e imprecisa valoração dos meios de prova que foram produzidos em audiência de julgamento, violando assim o disposto nos Arts.341º e 396º do CC, 413º e 607º nº3 do CPC, por errada análise critica das provas que lhe cumpria conhecer.
68. - Por errada aplicação do direito, violou também o disposto nos Arts.494º, 496º, 562º, 564º, 566ºdo Código Civil.
Em 01 de março de 2016, inconformado com a sentença, O Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 13 de janeiro de 2016, apenas quanto ao segmento que absolveu a Ré F… - Sucursal de Portugal do pedido formulado pelo Autor;
II- Com efeito, não se conforma o ora Recorrente com tal decisão, pois entende que a prova efetivamente produzida em audiência de discussão e julgamento não é totalmente coincidente com a que foi considerada definitivamente assente, pelo que o presente recurso versa sobre a impugnação da matéria dada como provada, uma vez que a mesma não é inteiramente concordante com a prova constante dos autos, bem como, com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impondo-se assim a sua alteração;
III- Salvo o devido respeito por opinião contrária, é entendimento do aqui Recorrente que a prova produzida indicia claramente que existiu um comportamento ilícito e culposo do condutor do veículo de matrícula ..-..-PO, o qual contribuiu de forma direta, necessária e causal para a produção do acidente de viação em apreço nos presentes autos;
IV- Nesse sentido, pretende o ora Recorrente ver reapreciados pelo tribunal ad quem as respostas que vieram a ser efetuadas pelo tribunal recorrido, designadamente no que concerne aos quesitos 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 12.º, 23.º, 25.º e 28.º da base instrutória, tendo por base, precisamente os mesmos meios probatórios utilizados pelo tribunal de primeira instância, designadamente:
I. O depoimento de parte do primeiro Réu C…: Depoimento gravado em CD, no dia 26 de Novembro de 2015, com início da gravação às 09:38:45 e fim da gravação às 10:27:00;
II. As declarações de parte do Autor: Depoimento gravado em CD, no dia 3 de dezembro de 2015, com início da gravação às 11:16:28 e fim da gravação às 13:14:24;
III. Os depoimentos prestados pelas testemunhas:
a) X… - Depoimento gravado em CD, no dia 30 de Novembro de 2015, com início da gravação às 09:51:11 e fim da gravação às 10:32:06;
b) S… - depoimento gravado em CD, no dia 30 de Novembro de 2015, com início da gravação às 12:06:40 e fim da gravação às 12:52:56;
c) E… - Depoimento gravado em CD, no dia 3 de Dezembro de 2015, com início da gravação às 09:40:57 e fim da gravação às 10:29:29;
IV. A prova documental, designadamente a participação de acidente de viação junta a fls. 14 a 17 e o acórdão proferido pela Relação do Porto sob o n.º 5930/04.8TDPRT, junto pela certidão de fls. 648 e ss;
V- Nesse desiderato e tendo por base os meios de prova elencados na conclusão que antecede, entende o ora Recorrente que o tribunal a quo deveria ter julgado provado:
i. que o veículo de matrícula ..-..-PO seguia muito próximo da traseira do veículo de matrícula ..-..-TJ (quesito 4.º);
ii. que os condutores conduziam esses veículos em "despique", com o objetivo de chegarem primeiro ao seu local de destino (quesito 6.º);
iii. que esses condutores conduziam fazendo ziguezagues com os veículos, ocupando mais de que uma faixa de rodagem do IC. (quesito 7.º);
iv. que o condutor do veículo de matrícula ..-..-PO praticava um jogo de luzes quando colado à traseira do veículo de matrícula ..-..-TJ, vindo a impelir o condutor deste último a imprimir ainda mais velocidade ao seu veículo (quesito 8.º);
v. que o veículo de matrícula ..-..-PO veio a embater no separador central no mesmo sítio onde veio a embater o veículo de matrícula ..-..-TJ (quesito 12.º);
vi. que a distância que separava ambos os veículos em circulação era diminuta (quesito 23.º);
vii. que o despiste do veículo de matrícula ..-..-PO ocorreu na sequência do despique com o condutor do veículo de matrícula ..-..-TJ (quesito 25.º);
viii. que o despiste do veículo de matrícula ..-..-TJ ocorreu na sequência do despique com o condutor do veículo de matrícula ..-..-PO (quesito 28.º).
VI- Concatenando todos os meios de prova identificados supra seria imperioso ao tribunal recorrido concluir ainda:
(i) que os condutores dos veículos automóveis de matrícula PO e TJ estiveram, momentos antes de ter ocorrido o acidente de viação, a jogar bilhar e a beber até às 02h30m;
(ii) que esses condutores e o aqui Autor se dirigiam para casa deste último - vide versão apresentada quer pelo condutor do veículo TJ, quer pelo condutor do veículo PO, quer ainda pelas declarações do Autor;
(iii) que entre o veículo de matrícula PO e o veículo de matrícula TJ não circulava qualquer outro veículo automóvel - vide versão apresentada quer pelo condutor do veículo TJ, quer pelo condutor do veículo PO, quer ainda pelas declarações do Autor;
(iv) que o veículo de matrícula PO veio a embater no mesmo separador central que foi embatido momentos antes pelo veículo de matrícula TJ - cfr. depoimento do agente policial tendo por base as declarações prestadas pelo condutor do veículo PO no dia do acidente;
(v) que a versão do acidente apresentada pelo condutor do veículo de matrícula PO é totalmente distinta daquela que o mesmo apresentou ao agente participante no dia do acidente, quer seja quanto à suposta existência de vestígios que o fez despistar-se, quer seja quanto ao local onde veio a embater, quer seja quanto ao facto de virem todos animados;
(vi) que é no mínimo irreal e contranatura aceitar-se que um pai tenha ficado sentado dentro do seu veículo e não tenha vindo prestar auxílio ao filho quando o vê a despistar-se à sua frente com grande aparato, quando não sofreu qualquer dano corporal relevante; tal comportamento apenas poderá ser explicado tendo por base algum sentimento de culpa ou de responsabilidade pelo acidente que sobre ele se abateu naquele preciso momento;
(vii) que ambos os veículos vinham em despique, tal como foi afirmado pelo Autor - o qual, sendo passageiro do veículo de matrícula TJ, não tem qualquer interesse pessoal no desfecho da presente causa (ao contrário do que veio a ser considerado pelo tribunal a quo), já que para ele é totalmente indiferente vir a receber a totalidade da indemnização arbitrada pelo tribunal do ora Recorrente ou da Ré F… (seguradora do veículo de matrícula PO) ou mesmo de ambos - e pelo agente participante, tendo por base as declarações prestadas pelo condutor do veículo de matrícula PO e que o mesmo ainda recordava.
VII- Donde deverá o tribunal ad quem alterar as respostas à matéria de facto constante dos quesitos 4.º (considerando provado aquele segmento em que se refere que os veículos seguiam colados ou muito próximos), 5.º (considerando provada a matéria de facto ínsita neste artigo da base instrutória), 6.º (considerando provada a matéria de facto ínsita neste artigo da base instrutória), 7.º (considerando provada a matéria de facto ínsita neste artigo da base instrutória), 8.º (considerando provada a matéria de facto ínsita neste artigo da base instrutória), 12.º (considerando provado aquele segmento do quesito em que se refere que ambos os veículos embateram na mesma parte do separador central), 23.º (considerando não provada a distância aí referida), 25.º (considerando não provada a matéria referida nesse quesito) e 28.º (considerando não provada a matéria de facto constante desse quesito), alterando-se nessa conformidade o elenco dos factos considerados provados pelo tribunal a quo designadamente nos pontos 10, 16, 18, 19 e 21;
VIII- A modificação da matéria de facto pretendida pelo Recorrente funda-se no depoimento prestado pelo Réu C…, pelas declarações prestadas pelas testemunhas S… e E… e pelas declarações de parte prestadas pelo Autor e, bem assim, no teor da participação de acidente de viação de fls. 14 a 17, nas regras da experiência comum e ainda no recurso às regras de apreciação da prova constantes dos artigos 352.º e 346.º do Código Civil (CC);
IX- Assim se solidificando a corresponsabilidade do condutor do veículo de matrícula PO na produção do acidente de viação em apreço nos presentes autos;
X- O condutor do veículo de matrícula PO não beneficia da presunção legal decorrente da prolação de uma sentença penal, já transitada em julgado, e que o veio a absolver do crime de ofensas corporais (a qual se encontra devidamente identificada no elenco dos factos provados – ponto 113), já que o mesmo foi absolvido tendo por base o princípio do in dúbio pro réu e não por ter ficado demonstrado que o mesmo não teria praticado os factos que constavam da douta acusação pública;
XI- Por outro lado, a dúvida razoável que sustentou essa decisão absolutória assentou primacialmente no depoimento da testemunha X…, o qual veio a ser totalmente desconsiderado (e bem) pelo tribunal a quo;
XII- Ademais as declarações de parte do Autor terão de ser devidamente consideradas e valorizadas pelo tribunal ad quem, considerando que as mesmas não foram contraditadas por ninguém, já que o depoimento do condutor do veículo de matrícula PO foi confuso, contraditório com a versão apresentada pelo próprio ao agente participante imediatamente após o acidente e, bem assim, completamente irreal em face da inércia manifestada pelo mesmo quando confrontado com um violento acidente em que interveio o seu filho;
XIII- O condutor do veículo de matrícula PO não pode ficar isento de responsabilidade na ocorrência do despiste do veículo de matrícula TJ, não só porque este despiste derivou de uma manobra diretamente relacionada com essa forma de condução (provavelmente desenfreada) de quem pretendia a todo custo realizar uma manobra de ultrapassagem, como também de quem participava nessa "...competição...", existindo assim um comportamento manifestamente violador do comando normativo ínsito no n.º 2 do artigo 3.º do Código da Estrada;
XIV- Essa comparticipação para a produção do sinistro deve ser fixada em 50%;
XV- Pelo que, em face do ponto A da matéria de facto assente, deverá o tribunal ad quem condenar a Ré F… a pagar ao Autor, solidariamente com o aqui Recorrente, os montantes indemnizatórios que vieram a ser fixados pelo tribunal recorrido;
XVI- A decisão recorrida violou entre outras o disposto nos artigos 352.º e 346.º do CC.
O Fundo de Garantia Automóvel contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso do seu corréu I….
F… – Sucursal em Portugal contra-alegou sustentando a total improcedência do recurso interposto pelo corréu Fundo de Garantia Automóvel.
Os recursos foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Os excelentíssimos juízes-adjuntos tiveram acesso aos autos e gravação por via eletrónica.
Cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
I. Recurso de apelação de B…
I.a) Da reapreciação das respostas aos artigos 55º, 91º, 109º e 132º da base instrutória;
I.b) Da indemnização pela perda da capacidade de ganho;
I.c) Da compensação por danos morais.
II. Recurso de apelação de I…
II.a) Do direito de propriedade sobre o veículo de matrícula ..-..-TJ e da direção efetiva do mesmo.
III. Recurso de apelação do Fundo de Garantia Automóvel
III.a) Da reapreciação das respostas aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 12º, 23º, 25º e 28º, da base instrutória;
III.b) Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto no que respeita a responsabilidade do condutor do veículo PO na eclosão do sinistro objeto dos autos.
3. Fundamentos de facto
3.1 Da reapreciação das respostas aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 12º, 23º, 25º e 28º, da base instrutória (recurso do Fundo de Garantia Automóvel) e das respostas aos artigos 55º, 91º, 109º e 132º da base instrutória (recurso de B…)
O recorrente Fundo de Garantia Automóvel impugna as respostas aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 12º, 23º, 25º e 28º da base instrutória.
Este recorrente pretende que sejam dadas respostas positivas aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º e 12º da base instrutória e que aos artigos 23º, 25º e 28º, da mesma peça processual, sejam dadas as seguintes respostas:
- que a distância que separava ambos os veículos era diminuta (proposta de resposta ao artigo 23º da base instrutória);
- que o despiste do veículo de matrícula ..-..-PO ocorreu na sequência do despique com o condutor do veículo de matrícula ..-..-TJ (proposta de resposta ao artigo 25º da base instrutória);
- que o despiste do veículo de matrícula ..-..-PJ ocorreu na sequência do despique com o condutor do veículo de matrícula ..-..-PO (proposta de resposta ao artigo 28º da base instrutória);
Por seu turno, o recorrente B…, afirma impugnar as respostas aos artigos 55º, 91º, 109º e 132º, todos da base instrutória. Porém, analisadas as alegações de recurso do autor, constata-se que a resposta ao artigo 55º da base instrutória foi positiva, em exata conformidade com o que por si havia sido alegado na petição inicial. Assim, em rigor, a resposta a este artigo da base instrutória não é posta em crise, mas antes utilizada pelo recorrente para firmar a sua argumentação, erigindo-a como ponto com a qual os quesitos efetivamente impugnados devem, na sua perspetiva, ser congruentes. De facto pretende que seja dada resposta positiva ao artigo 91º da base instrutória e que a resposta ao artigo 109º da mesma peça processual passe a ser a seguinte: “o autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece, bem como de ajudas medicamentosas, tratamentos regulares, adaptação de veículo automóvel e ajuda de terceira pessoa”, pretendendo uma resposta negativa ao artigo 132º da base instrutória.
As razões dos recorrentes para a pretendida alteração da decisão da matéria de facto são, em síntese, as seguintes:
- no que respeita ao Fundo de Garantia Automóvel, sustenta a alteração pretendida nas passagens dos depoimentos produzidos por C…, B…, X…, S… e E…, conjugados com a participação do acidente de viação objeto dos autos, bem como com o acórdão proferido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo nº 5930/04.8TDPRT;
- relativamente ao autor B…, refere, no que tange a resposta ao artigo 91º da base instrutória, que várias testemunhas por si indicadas, como também sua esposa e ele mesmo referiram que o autor se fazia transportar de táxi para a fisioterapia e que na altura da emissão dos comprovativos de pagamento dos serviços de táxi não havia os cuidados que existem atualmente; no que respeita a resposta ao artigo 109º da base instrutória, o recorrente B… arrima-se ao relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal de 18 de julho de 2014, junto aos autos de folhas 1642 a 1650, especialmente no que vem nele exarado a folhas 1649 destes autos; relativamente ao artigo 132º da base instrutória, o recorrente refere que foram indevidamente desvalorizados o depoimento do agente participante, bem como o de sua esposa, sendo os depoimentos de E… e de U… parciais e, por isso, não merecedores de credibilidade.
Cumpre apreciar e decidir.
Os pontos de facto efetivamente impugnados pelos recorrentes B… e Fundo de Garantia Automóvel são os seguintes:
- “Seguia imediatamente atrás do ..-..-TJ, conduzido pelo seu filho, e praticamente colado à traseira deste?” (artigo 4º da base instrutória[2]);
- “Aqueles 1º e 4º Réus conduziam os seus veículos em “despique”, com o objetivo de chegarem em primeiro lugar ao mencionado destino?” (artigo 6º da base instrutória[3]);
- “Aqueles réus, pai e filho, conduziam fazendo “ziguezagues” com os veículos, ocupando mais do que uma faixa de rodagem do IC, que apresenta três faixas de rodagem em cada um dos seus sentidos?” (artigo 7º da base instrutória[4]);
- “O réu C…, condutor do ..-..-PO, praticava um “jogo de luzes”, quando colado à traseira do ..-..-TJ, após o que o condutor deste último imprimiu ainda mais velocidade ao seu veículo?” (artigo 8º da base instrutória[5]);
- “Momentos depois, o condutor do ..-..-PO, perdeu igualmente o controlo da viatura, entrando em despiste e embatendo com a viatura no mesmo separador central da referida Ponte?” (artigo 12º da base instrutória[6]);
- “À sua frente, mas a uma distância não inferior a 50 metros circulava o ..-..-TJ?” (artigo 23º da base instrutória[7]);
- “O condutor do PO, ao assistir a este despiste, sabendo que era o seu filho a conduzir aquele veículo, ficou sobressaltado, levando as mãos à cabeça, acionou os travões do PO, o que provocou o descontrolo do PO?” (artigo 25º da base instrutória[8]);
- “O TJ despistou-se sozinho?” (artigo 28º da base instrutória[9]);
- “De € 3.378,00 de despesas de táxi suportadas pelo autor com a deslocação de sua casa para as sessões de fisioterapia, para as consultas e para os exames médicos?” (artigo 91º da base instrutória[10]);
- “O autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece, assim como de eventuais correções cirúrgicas das mesmas?” (artigo 109º da base instrutória[11]);
- “O autor sabia que o 1º réu não tinha carta de condução e aceitou ser transportado por ele?” (artigo 132º da base instrutória[12]).
Uma vez que os recorrentes cumprem substancialmente os ónus impostos ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, cumpre reapreciar a decisão da matéria de facto nos apontados segmentos.
O tribunal recorrido fundamentou as respostas impugnadas nos termos que seguem:
A convicção do tribunal para responder à matéria de facto supra assentou na análise, conjunta, de toda a prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum, sendo ela:
1. prova documental junta aos autos;
2. prova pericial (1ª e 2ª perícias), que, para além do exame efetuado à pessoa do Autor, analisou toda a documentação junta aos autos, referida nos relatórios periciais apresentados, que se encontram a fls 1384 a 1389, 1405 a 1407, 1409 a 1412, 1414 a 1416, 1453 a 1461 e 1462 a 1466, 1508 e 1509 e 1642 a 1650;
3. depoimentos de parte do 1º Réu (à matéria dos quesitos 1º a 27º, 97º e 131º da BI) do 2º Réu (à matéria dos quesitos 117º, 120º, 121º, 123º, 126º e 127º, da BI); do interveniente H… (à matéria dos quesitos 117º a 123º, da BI); e do interveniente I… (à matéria dos quesitos 117º a 119º, 122º, 124º, 125º e 128º a 131º, da BI);
4. declarações de parte do Autor (à matéria dos quesitos 1º a 24º, 32º a 116º e 132º a 136º, da BI);
5. prova testemunhal produzida, tendo sido considerados, para as respostas positivas aos quesitos 34º a 110º e 133º a 136º, da BI, o depoimento das seguintes testemunhas:
- L…, N… e Y…, todos amigos do Autor que o conhecem há décadas e que mostraram saber como o mesmo era antes do acidente e como ficou depois dele;
- Z… e AB… que foram colegas de trabalho do Autor na AC… (agrupamento de empresas, onde está incluída a AD…) e que mostraram saber o que ele fazia e que recebia um montante de vencimento mensal (o referido no doc. de fls 55) e que, para além dele, recebia, ainda, uma importância de prémios (cfr. o também referido no mencionado documento), não declarada para impostos e contribuições;
- M…, O…, Q… e P…, respetivamente irmão, sogra, cunhada e esposa do Autor, os quais mostraram conviver com este no dia-a-dia sabendo como o mesmo era antes do acidente e os problemas que daquele lhe advieram;
- W…, médica psiquiatra do Autor desde 2004-2005 no Hospital …, no Porto, onde o foi acompanhando em consultas, que confirmou as declarações por si passadas e juntas aos autos (cfr fls 235, 942, 1043 a 1046) e que revelou os grandes problemas a nível psiquiátrico com que o Autor se vem confrontando desde o acidente, afirmando que houve períodos em que esteve muito deprimido, até com risco de suicídio, que se tornou mais triste, revoltado e com grandes dificuldades em lidar com as perdas que sofreu.
Todas estas testemunhas, que nada sabiam do acidente por a ele não terem assistido, mostraram conhecer bem o estado em que o Autor ficou após a sua ocorrência e sequelas de que ficou portador.
Para além destas testemunhas, foi, ainda, considerado o depoimento de:
- X… (testemunha comuns aos Réus C… e “F…, S.A.” e ao Interveniente principal I…), que referiu ser amigo do Réu C… e do Autor e que afirmou ter presenciado o acidente, por ir a circular no local no seu veículo e que depôs quanto à dinâmica do acidente e descrição do local em que o mesmo ocorreu, embora, pelo modo lacónico e pouco verosímil com que depôs, não tenha conseguido convencer-nos de que à hora do acidente (cerca das 2.45 h) circulasse, no local, com as filhas, ainda crianças;
- AE…, testemunha comum ao 2º Réu, D…, e ao interveniente H… e vizinho dos mesmos, que mostrou saber que este foi proprietário do veículo, que comprou com recurso a crédito da K…, SA, e que permitiu que aquele o utilizasse, quando se ausentou para o estrangeiro, o que se verificou de 2002 a 2004, tendo o referido Réu, para o efeito, efetuado um seguro que “deitou abaixo” quando deixou de utilizar o veículo por o mesmo ter sido entregue pelo Réu D… à referida interveniente, o que aconteceu antes do acidente;
- S… (testemunha comum aos 3º Réu “Fundo de Garantia Automóvel” e interveniente “J…, S.A.) cabo da GNR aposentado, que foi quem tomou conta da ocorrência em causa nos presentes autos, tendo-se lá deslocado já depois de a mesma se ter verificado, apenas sabendo da posição em que os veículos ficaram, do estado em que se encontravam e dos vestígios deixados no local e que fez constar da “participação de acidente de viação” de fls 14 a 17, que explicou e confirmou. Mais esclareceu que cada um dos veículos se despistou, logo após curva com visibilidade, que podia ter elaborado duas participações, uma para cada veículo, mas que fez uma só “participação de acidente” por os despistes se terem dado na mesma altura, o que constatou no local;
- E… (testemunha da Ré “C…, S.A.”) pai do Réu C…, que presenciou o acidente do filho, que, seguindo metros à sua frente com o Autor, após curva para a direita, perdeu o controle do veículo e foi embater no separador central, à esquerda, à entrada da Ponte …, sentido Porto-Vila Nova de Gaia. Esclareceu, ainda, que ficou a olhar para o carro, onde sabia seguir o seu filho, que viu ir embater, desgovernado, que se “atrapalhou” e foi, devido a isso, bater, com o seu próprio veículo, metros mais à frente daquele embate. Afirmou que, no momento, desconhecia quem ia a conduzir o carro, onde sabia seguirem o filho e o Autor, mas que este bem sabia que aquele não tinha carta de condução;
- AF… (testemunha da interveniente principal “J…, SA”) funcionário da Companhia de Seguros J…, S.A., desde 2005 e que já anteriormente, e desde 1988, trabalhava para a Companhia de Seguros G1…, que mostrou saber que, à data do acidente, já não existia seguro para o veículo conduzido pelo 1º Réu, pois que havia sido anulado/denunciado anteriormente conforme documentação junta aos autos - fls 743 a 747 (postal de anulação de fls 747) -, que explicou;
- AH… (testemunha da interveniente principal “K…, SA”), consultor de recuperação de crédito da K…, SA desde 2005, que explicou que o veículo que o 1º Réu conduzia no momento do acidente foi entregue pelo cliente H… (então seu proprietário) à referida interveniente em 3/2/2004 para abater ao valor que o mesmo tinha em dívida e que a K…, que aceitou recebê-lo, o vendeu ao interveniente I… em 26/2/2004, conforme documentação junta aos autos – v. fls 707 a 713 -, que explicou;
- U… (testemunha do interveniente principal I…) que mostrou conhecer quer o Autor quer o Réu C…, esclarecendo que este foi seu empregado, tal como o filho daquele, e que no seu estabelecimento era falado que o 1º Réu não tinha a carta, o que o Autor muito bem sabia por estar presente nessas conversas.
Para a resposta à matéria dos quesitos 1º a 33º foi relevante:
- a “participação de acidente de viação” junta a fls 14 a 17, sendo que o constante da mesma, confirmado pelo cabo da GNR que a elaborou, foi decisivo para a formação da convicção do Tribunal quanto à dinâmica dos despistes, da qual consta, o dia, hora e local do acidente, o sentido de marcha dos veículos, o estado de tempo, o concreto local onde ocorreu (na reta, imediatamente após a curva, para a direita, à entrada da mencionada ponte), as características do local, a taxa de álcool no sangue que o condutor do veículo ..-..-PO apresentava (1,67g/l), a largura da faixa de rodagem (9,50m), os rastos deixados na via, locais de embate de cada um dos veículos no separador central, a menção a que a natureza do acidente foi “despiste”, a posição do veículo nº1 após o seu despiste, a posição do veículo nº2 após o seu despiste e os rastos de derrapagem deixados pelo veículo nº 1, que se iniciam na faixa da direita - o que demonstra que antes de começar a derrapar circulava na faixa da direita - e que vão até ao local de embate no separador central, tendo uma extensão de 23,90 metros;
- o depoimento do cabo da GNR S… que tomou conta da ocorrência do acidente em causa nos presentes autos e que, apesar do tempo entretanto decorrido e de se não recordar já de pormenores, ainda se lembrava de ter elaborado a participação, confirmando o que dela consta, e que mencionou que o acidente foi logo após a curva, com visibilidade, à entrada da ponte e que elaborou apenas uma participação mas podia ter elaborado uma para cada um dos veículos aí referidos, que se despistaram. Mais mencionou que nada viu ou ouviu dizer, no local, que lhe permitisse afirmar ter havido colisão dos veículos em causa;
- o depoimento de parte do 1º Réu C… que, esclarecendo que se dirigiam para casa do Autor, afirmou que era ele que conduzia o veículo matrícula ..-..-TJ, que se despistou à entrada da Ponte …, no sentido Porto-Vila Nova de Gaia, e que o Autor seguia ao seu lado;
- as declarações de parte do Autor que - embora refira ter existido “despique” entre os referidos veículos, “zigue zagues”, “jogo de luzes” e não tenha conseguido convencer o tribunal de isso se ter verificado, sendo que para além de si, parte na ação, mais ninguém afirmou ter tal, efetivamente, ocorrido – afirmou que seguia no veículo conduzido pelo 1º Réu e ao seu lado e que o mesmo à entrada da Ponte … (sentido Porto-Vila Nova de Gaia) não conseguiu controlar o veículo e foi embater no separador central, despistando-se;
- o depoimento de E…, pai do Réu C…, que, afirmando dirigir-se para sua casa, negando qualquer “despique” entre os veículos, “Zigue Zagues”, “jogo de luzes” ou colisão, e reconhecendo ter ingerido bebidas alcoólicas, seguia no seu veículo atrás do veículo onde seguia o filho e o Autor, assistiu ao descontrole do veículo onde o filho seguia e ao embate do mesmo no separador central, referindo que, devido ao que viu, se atrapalhou, perdeu o controle do seu veículo e embateu no separador central, mas mais à frente do local onde o filho havia embatido, momentos antes.
Não ficou o tribunal, pois, com a convicção de que E… tenha contribuído para a produção do acidente ocorrido com o veículo em que o Autor seguia, conduzido pelo 1º Réu, por falta de prova suficientemente credível e convincente nesse sentido, sendo que as declarações de parte do Autor, parte interessada na causa, por si sós, não convenceram o Tribunal.
Também não ficou o tribunal convencido de que X…, tenha assistido ao desenrolar do acidente ocorrido com os amigos, não sendo crível que àquela hora (cerca das 2.45 h – cfr participação) circulasse, no local, com crianças da idade que refere. De qualquer forma, o seu depoimento foi, também, no sentido de que o veículo conduzido pelo pai do 1º Réu em nada interferiu no despiste do veículo em que seguia o Autor, afirmando, sem saber porquê, ter o 1º Réu, ido, no enfiamento da curva à entrada da ponte …, bater no separador central.
Para a resposta ao quesito 132º, para além do depoimento do pai do 1º Réu E…, foi considerado o depoimento da testemunha U…, que revelou conhecer o Autor e o Réu C… porque quer este quer o filho daquele (colegas de trabalho, que andaram juntos em aulas para tirar a carta e que frequentavam a casa do Autor) foram seus empregados, e que afirmou, de modo seguro, que o Autor bem sabia que o 1º Réu não tinha carta de condução por isso ter sido expressamente falado nas suas conversas. Aliás, o próprio Autor, nas suas declarações de parte, mostrou ser pouco cuidadoso e preocupado com questões de segurança na condução pois que, afirmando ter saído do estabelecimento, onde estiveram antes do acidente, com o 1º Réu e o pai deste e indo, segundo refere, todos em direção aos veículos e bem sabendo que, pelo menos, o pai do 1º Réu havia ingerido bebidas alcoólicas nada tentou, sequer, fazer para que o mesmo não conduzisse sob influência do álcool, o que traduzia um perigo quer para ele próprio, quer para os demais utentes das vias, incluindo o Autor.
As respostas negativas dadas assentaram na falta de prova suficientemente fundada, consistente, esclarecedora e plausível que permitisse dar respostas diversas, designadamente as dos quesitos 92º a 94º, por os documentos juntos, a fls 206-207, não comprovarem terem a roupa e sapatos usados, que o Autor vestia e calçava no momento do acidente, o valor dos bens, novos, posteriormente adquiridos pelo Autor, nem que a reparação do relógio em causa tivesse algo a ver com o acidente, e nenhuma outra prova credível e suficientemente esclarecedora ter sido produzida, sendo que o depoimento da esposa do Autor e as declarações de parte deste, para além de interessados na decisão, quanto a tal matéria, revelaram-se vagos,
lacónicos e inverosímeis, não dispondo o Tribunal de meios de prova minimamente seguros e convincentes, que lhe permitissem dar resposta diversa.
O quesito 91º mereceu resposta negativa, pese embora os documentos juntos e o depoimento da esposa do Autor e declarações de parte deste (como referimos, interessados na causa), que foram no sentido de ter sido paga pelo Autor a referida importância de táxis com a deslocação de sua casa para as sessões de fisioterapia, para as consultas e para os exames médicos, por tal prova, depois de devidamente ponderada, não se nos afigurar plausível, credível e convincente. Na verdade, nos recibos juntos a fls 116 a 205, não vêm mencionados os serviços prestados nem a quem e, para além disso, foi alegado pelo próprio Autor que, “cerca de seis meses após o acidente, quando começou a fazer fisioterapia, o casal teve de ir residir para o Porto, para casa de uma cunhada não só pelo facto de a sua residência ficar num terceiro andar, … e ainda para ter acessibilidade de transportes para os tratamentos médicos e assim reduzir despesas passando a residir com a mulher e o seu agregado familiar em casa da cunhada …”, não se deslocando, por isso, segundo a sua própria alegação (cfr. arts 114º e 115º, da p.i.), de táxi desde a sua casa, em Vila Nova de Gaia, para o Porto, para as sessões de fisioterapia, consultas e exames médicos (cfr art. 91º, da p.i.) pois que já no Porto se encontrava, no momento.
Assim, e face à própria alegação do Autor, conjugada com o facto de os recibos serem, na verdade, muitos, seguidos e sem identificar quem pagou e que serviços foram pagos, não ficou o Tribunal convencido de que as referidas importâncias foram efetivamente pagas pelo Autor pelo seu transporte para as sessões de fisioterapia, consultas e exames médicos.
Procedeu-se à audição de toda a prova pessoal produzida em audiência e ao exame da prova documental junta aos autos, especialmente, atenta a matéria em reapreciação, a participação policial junta de folhas 14 a 17, os recibos de pagamentos à Clínica Fisiátrica do Ameal de folhas 71 a 74, as faturas-recibo de folhas 116 a 205 referentes, alegadamente, a serviços de transportes em táxis prestados ao autor[13], certidão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 22 de outubro de 2008, no processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 5930/04.8TDPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, junta de folhas 648 a 690[14], os relatórios periciais da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, juntos de folhas 1453 a 1461 e de folhas 1642 a 1650 e a cópia do auto de inquirição de B…, diligência realizada em 17 de Fevereiro de 2005, no âmbito do inquérito nº 5930/04.8TDPRT, junta de folhas 1974 a 1975.
Antes ainda de entrar na reapreciação da decisão da matéria de facto propriamente dita requerida pelo autor e pelo Fundo de Garantia Automóvel, importa determinar se essa pretensão do autor, relativamente à resposta ao artigo 109º da base instrutória, é viável.
No artigo 109º da base instrutória, como antes se referiu, perguntava-se se “O autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece, assim como de eventuais correções cirúrgicas das mesmas?”, tendo a essa interrogação respondido o tribunal a quoprovado apenas que o autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece”.
O autor, baseando-se no conteúdo do relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal junto de folhas 1642 a 1650, pretende que a resposta a este artigo passe a ser a seguinte: “o autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece, bem como de ajudas medicamentosas, tratamentos regulares, adaptação de veículo automóvel e ajuda de terceira pessoa”.
É notório que a resposta que o autor pretende que seja dada ao artigo 109º da base instrutória é excessiva[15], englobando matéria de facto que nele não está contida e que não foi alegada pelo autor. Esta matéria não é complementar ou concretizadora de factos essenciais que hajam sido alegados pelo autor, mas antes uma verdadeira ampliação da causa de pedir, requerendo, para poder ganhar relevância jurídica, a oportuna formulação de um pedido de condenação que respeitasse aos aludidos danos.
Ora, analisada a petição inicial, constata-se que nenhuma pretensão de condenação, líquida ou ilíquida foi formulada pelo autor relativamente aos danos que pretende ver contemplados na resposta que propõe para o artigo 109º da base instrutória. Por isso, sendo a reapreciação visada pelo autor ilegal em virtude da resposta proposta ser excessiva, respeitando a matéria que constitui ampliação da causa de pedir e que não foi alegada, nem serviu de base a qualquer pretensão condenatória do autor, não se irá preceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, neste segmento e com estes fundamentos.
Apreciemos agora a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo Fundo de Garantia Automóvel e relativa à dinâmica do sinistro.
A prova pessoal relativa à dinâmica do sinistro reduz-se às declarações de parte do autor (passageiro no veículo de matrícula ..-..-TJ), ao depoimento de parte do réu C… (condutor do veículo de matrícula ..-..-TJ) e ao depoimento de E… (condutor do veículo de matrícula ..-..-PO).
De facto, o depoimento de X…, que alegadamente presenciou o sinistro, revelou-se destituído de qualquer credibilidade, quer pela inverosimilhança de circular depois das duas horas da manhã, acompanhado por uma filha com seis anos de idade e uma outra com três anos de idade, quer pela impossibilidade prática de ver um acidente ocorrido depois de uma curva à direita e circulando, alegadamente, entre o veículo que tripulava e os dois envolvidos no acidente mais três ou quatro veículos e, finalmente, por referir que o veículo de matrícula ..-..-PO se imobilizou normalmente, quando a prova pessoal e real é inequívoca no sentido do mesmo se ter imobilizado após uma colisão contra o separador central.
Surpreendentemente, porque ao arrepio do efeito normal do decurso do tempo na memorização dos factos, as declarações prestadas pelo autor trouxeram um elemento novo que nunca antes havia sido mencionado, uma alegada colisão do veículo ..-..-PO contra a traseira do veículo ..-..-TJ, imediatamente antes da entrada em despiste deste.
Na verdade, nem nas declarações que prestou em 17 de fevereiro de 2005 (vejam-se as folhas 1974 a 1975), volvido quase um ano sobre o sinistro, nem na versão do acidente vertida na petição inicial destes autos, o autor fez qualquer alusão a tal colisão, sendo certo que a mesma relevava não só para explicar o despiste do veículo em que era transportado o autor, mas também determinava de modo mais inequívoco a co-responsabilização do condutor do veículo PO pelo sinistro ocorrido.
Nas declarações prestadas pelo autor foi notória a sua animosidade relativamente ao réu C….
Os elementos objetivos recolhidos no local do sinistro pelo Sr. Agente da Guarda Nacional Republicana que elaborou a participação policial junta de folhas 14 a 17, não permitem verificar se efetivamente ocorreu ou não um embate do veículo PO contra o veículo TJ, pois não há notícia nesse documento de quaisquer vestígios no veículo TJ da colisão de um outro automóvel na sua traseira. Desta prova documental, de relevante, extrai-se que o veículo TJ embateu no separador central, à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha e que o veículo PO embateu no mesmo separador, um pouco mais à frente[16], que o veículo TJ deixou no pavimento rastos de derrapagem, da direita para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, com o comprimento de 23,9 metros e que em consequência das colisões ficaram danificados três blocos do separador central, desconhecendo-se a extensão concreta de tais danos e o concreto causador dos danos verificados.
O réu C…, no que respeita o acidente, declarou num primeiro momento não se recordar do que se passou, referindo depois que não era possível que fosse em “despique” com o seu pai e que quer ele, quer o seu pai se dirigiam para a casa do autor.
Finalmente, E…, na veste de testemunha depois de ter sido absolvido da instância por ilegitimidade passiva, prestou um depoimento incongruente com os elementos objetivos constantes da participação policial[17], referindo que colidiu num separador de betão do seu lado direito, despistando-se depois para a sua esquerda, tudo atento o seu sentido de marcha. Negou que fosse “colado” à traseira do veículo TJ, estimando em cem metros a distância entre o veículo por si conduzido e o TJ, referindo que apenas após o acidente soube que o veículo TJ era conduzido por seu filho, embora soubesse ainda antes do acidente que seu filho ia dentro desse automóvel. Num primeiro momento, negou que na altura do acidente se dirigisse para casa do autor, afirmando depois não se recordar, mas que em princípio, ia para sua casa em Vila Nova de Gaia, tanto mais que não havia sido convidado pelo autor, na parte da tarde desse dia, para almoçar em cada dele, ao contrário do que sucedeu com seu filho.
A permanência no interior da sua viatura do condutor do veículo PO após o acidente, não é por si só garantia segura de um complexo de culpa desse condutor pelo sucedido. De facto, apesar da menor gravidade dos ferimentos sofridos por tal condutor, sempre ficou ferido e estava sob influência do álcool, com uma TAS de 1,67 gramas de álcool por litro de sangue, circunstâncias que podem justificar aquela conduta do condutor do veículo PO.
Sopesando toda a prova pessoal produzida em audiência, tendo em conta a razão de ciência de cada um dos depoentes, os seus interesses na causa e atentos os elementos objetivos recolhidos pelo Sr. Agente que elaborou a participação policial, não obstante a singularidade do sinistro objeto dos autos, afigura-se-nos que não foi produzida prova que permita dar respostas diferentes aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º e 12º da base instrutória das que foram dadas pelo tribunal recorrido.
No que respeita a resposta ao artigo 23º da base instrutória, afigura-se-nos que da prova produzida não se retiram dados fácticos bastantes para firmar uma convicção positiva deste tribunal quanto à distância que separava o veículo PO do veículo TJ. Daí que, esta resposta deva passar a ser a seguinte: provado apenas que à sua frente circulava o veículo ..-..-TJ.
Relativamente ao artigo 25º da base instrutória, afigura-se-nos que face à globalidade da prova pessoal e real produzida em audiência, tendo em conta as regras da experiência comum relativamente ao impacto num progenitor que causa um acidente envolvendo um filho, não obstante a pouca fiabilidade do depoimento prestado pela testemunha E…, entende-se não haver razões para alterar a resposta que foi dada pelo tribunal recorrido.
Vejamos agora a resposta ao artigo 28º da base instrutória.
No que respeita esta matéria, atenta a globalidade da prova produzida em audiência, que não permite determinar qual foi a causa concreta do despiste do veículo TJ, afigura-se-nos que a resposta ao artigo 28º da base instrutória não deve ser positiva e, pelo contrário, deve ser negativa.
Vejamos agora a resposta negativa ao artigo 91º da base instrutória.
No que respeita este ponto de facto, L…, amigo do autor, referiu que este morava em … e que por causa da fisioterapia, um ano e pouco depois do acidente, se mudou para …, no Porto, para casa de uma cunhada ou da sogra; mais declarou que não sabia como é que o autor se deslocava para o Porto, alvitrando que talvez o fizesse de táxi.
M…, irmão do autor, declarou que depois de algum tempo de permanência na sua própria casa, o autor mudou-se para casa da cunhada e da sogra em …, no Porto, sempre fazendo tratamentos de fisioterapia, deslocando-se para o efeito de táxi.
O…, sogra do autor, referiu que depois de sair do hospital, o autor esteve cerca de um ano em sua casa em Gaia, tendo-se depois mudado, por razões económicas, para casa de sua filha, aí prosseguindo os tratamentos de fisioterapia, deslocando-se para os mesmos de táxi. Não soube esclarecer por que razão alguns recibos de serviços de táxi respeitavam a uma empresa de ….
P…, esposa do autor, referiu que seu marido iniciou os tratamentos de fisioterapia em agosto de 2004, diariamente, na AI…, na Rua …, no Porto, deslocando-se para o efeito de táxi, negando que as faturas tivessem todas numeração seguida.
As trezentas e cinquenta e oito faturas-recibo juntas de folhas 116 a 205 suscitam fortes dúvidas quer do ponto vista formal, quer do ponto de vista substancial.
De facto, em nenhuma delas vem identificado o autor como beneficiário do serviço de transporte e em apenas duas delas vem indicado o percurso do serviço prestado, sendo esta indicação compatível com a finalidade indicada pelo autor para justificar tais deslocações.
Como já antes se indicou, das trezentas e cinquenta e oito faturas-recibo, trezentas e vinte e quatro foram emitidas pela mesma pessoa, constando em trezentas e três delas a matrícula “UF-..-..”. Dessas trezentas e cinquenta e oito faturas-recibo, apenas duas contêm a indicação do local de partida e do local de destino, num caso, … à Rua … (folhas 123) e no outro caso, o percurso inverso (folhas 125).
Nas faturas em que vem identificado o veículo UF-..-.. ou que foram aparentemente preenchidas pela mesma pessoa que preencheu aquelas em que vem identificado o aludido veículo, foi escrito, na sua quase totalidade, o número de identificação fiscal ……… (apenas quatro destas faturas não têm aposto este número de identificação fiscal), número que não é o do autor (vejam-se folhas 208, 210 e 212 destes autos), nem é o da empresa de táxi em causa que, fazendo fé no carimbo da entidade recebedora, será o ……….
Causa no mínimo estranheza que a mesma entidade emita as faturas nºs … e …, no dia 25 de fevereiro de 2005 e no dia 28 de fevereiro de 2005, emita as faturas nºs … e …, tendo já emitido com data de 24 de fevereiro de 2005, as faturas nºs … e ….
Diversas faturas-recibo têm numeração seguida e respeitam apenas a um período de cerca de um ano (23 de Junho de 2004, a primeira e 15 de Julho de 2005, a última), não resultando que em caso algum as mesmas respeitem a uma semana seguida (cinco dias úteis).
No quadro probatório que se acaba de descrever, suscitam-se fundadas dúvidas sobre a genuinidade da prova documental oferecida pelo autor para comprovar as alegadas despesas com transportes em táxi, razão pela qual se deve manter a resposta negativa do tribunal a quo.
Reapreciemos agora a resposta ao artigo 132º da base instrutória.
No que tange esta matéria foi produzida prova pessoal contraditória.
De um lado, o autor e sua esposa referiram que o primeiro desconhecia que o réu C… não era titular de carta de condução, enquanto este último, secundado pelo seu pai e pela sua entidade patronal declararam que o autor sabia que o réu C… não era titular de carta de condução, sendo isso do conhecimento geral das pessoas que com ele contactavam.
O filho do autor foi colega de trabalho do réu C…, num estabelecimento de diversão noturna, da titularidade de U… e ambos andaram a tirar ao mesmo tempo carta de condução, tendo o filho do autor tido sucesso, ao contrário do réu C….
O autor procurou transmitir a ideia de que não era próximo do réu C… que era sim amigo de seu filho, de quem foi colega de trabalho.
Enquanto o autor declarou não suspeitar que o réu C… não pudesse ser titular de carta de condução, tanto mais que chegou a sua casa na tarde que antecedeu a noite do acidente, conduzindo o veículo TJ, nele transportando a sua companheira de então e crianças suas filhas, a testemunha U…, que foi entidade patronal do réu C… e do filho do autor, declarou que o referido réu e o filho do autor eram muito amigos, tendo ambos andado a tirar a carta, não tendo o réu C… sido bem sucedido, facto que era do conhecimento de todos quantos lidavam com o réu C…, como sucedia com o autor que frequentava juntamente com sua esposa o bar em que o C… trabalhava.
Existe prova pessoal convergente no sentido de que o autor conduziu o veículo TJ de sua casa até à casa da mãe do réu C…, nele transportando este réu e uma filha do mesmo.
O autor justificou a condução deste veículo com um pedido que lhe foi feito pelo réu C… no sentido de o experimentar a fim de o aconselhar sobre a sua compra ou não.
O réu C… não chegou a referir por que razão o autor conduziu o veículo TJ no referido trajeto.
A nosso ver, atendendo à relação de muita proximidade existente entre o filho do autor e o réu C…, é de crer que o primeiro tivesse comentado com os pais o fracasso do seu amigo, tanto mais que ambos se tinham proposto, na mesma ocasião, tirar a carta de condução.
Neste circunstancialismo, que confere credibilidade aos depoimentos produzidos pelo réu C… e pela testemunha U…, afigura-se-nos também lícito inferir que o autor sabia que o réu C… não tinha carta de condução, razão pela qual se deve manter a resposta positiva ao artigo 132º da base instrutória.
Assim, face a quanto antecede, conclui-se pela parcial procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos precedentemente expostos e pela total improcedência da reapreciação requerida pelo autor nestes autos.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida[18] e os resultantes da reapreciação da decisão da matéria de facto que antecede, não se divisando fundamento legal e substancial para a sua alteração oficiosa
3.2.1 Factos Provados
3.2.1.1
No dia 22.3.2004, cerca das 2 horas e 45 minutos, o autor seguia, como passageiro, no veículo com a matrícula ..-..-TJ, que era tripulado pelo 1º réu C… (resposta ao quesito 1º, da Base Instrutória).
3.2.1.2
O referido veículo seguia no Itinerário Complementar (IC.), no sentido Porto/Vila Nova de Gaia, e ao entrar no tabuleiro da Ponte … saiu desgovernado da faixa de rodagem e embateu como abaixo se refere (resposta ao quesito 2º, da Base Instrutória).
3.2.1.3
Na mesma ocasião, E… conduzia o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-PO pelo referido Itinerário e no mesmo sentido de marcha do ..-..-TJ (resposta ao quesito 3º, da Base Instrutória).
3.2.1.4
E… seguia imediatamente atrás do ..-..-TJ, conduzido pelo seu filho (resposta ao quesito 4º, da Base Instrutória).
3.2.1.5
Ambos seguiam no sentido referido no f.p.[19] nº 2 (resposta ao quesito 5º, da
Base Instrutória).
3.2.1.6
O IC apresenta três faixas de rodagem em cada um dos seus sentidos (resposta ao quesito 7º, da Base Instrutória).
3.2.1.7
O PO seguia à velocidade de cerca de 90 Kms/hora e o TJ seguia a velocidade superior (resposta aos quesitos 8º, 9º e 20º, da Base Instrutória).
3.2.1.8
Quando circulava ao Km … do referido itinerário, da forma referida, o condutor do ..-..-TJ perdeu o controlo do mencionado veículo e foi embater com a parte da frente do seu automóvel no separador central da Ponte … (resposta ao quesito 10º, da Base Instrutória).
3.2.1.9
Como consequência da violência do embate, o ..-..-TJ transpôs o separador central da referida Ponte e ficou imobilizado numa das faixas da mesma, mas em sentido contrário ao que seguia (resposta ao quesito 11º, da Base Instrutória).
3.2.1.10
Momentos depois, o condutor do ..-..-PO, perdeu, o controlo do seu veículo, indo embater com a sua viatura no separador central da referida ponte, mas metros mais à frente do local em que o ..-..-TJ embateu (resposta ao quesito 12º, da Base Instrutória).
3.2.1.11
Na altura do acidente, ocorrido numa reta, mas após curva, não chovia, o piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação (resposta ao quesito 13º, da Base Instrutória).
3.2.1.12
O ..-..-TJ deixou as marcas de rastos de “derrapagem” assinaladas na participação do acidente de fls. 16 (resposta ao quesito 15º, da Base Instrutória).
3.2.1.13
O condutor do PO apresentava uma taxa de álcool no sangue no valor de 1,67 g/l (respostas aos quesitos 16º, 17º, 18º e 19º, da Base Instrutória).
3.2.1.14
A largura da faixa de rodagem era de 9,50 m (resposta ao quesito 21º, da Base Instrutória).
3.2.1.15
O PO seguia pela fila da direita (resposta ao quesito 22º, da Base Instrutória).
3.2.1.16
À sua frente circulava o ..-..-TJ (resposta ao quesito 23º, da Base Instrutória).
3.2.1.17
O condutor de ..-..-TJ, ao descrever uma curva para a sua direita e ao penetrar na reta do tabuleiro da Ponte …, perdeu o controle da viatura e foi de encontro ao separador central da referida ponte, que galgou, ficando imobilizado no lado da via destinada ao trânsito que circulava em sentido inverso ao que seguia (resposta ao quesito 24º, da Base Instrutória).
3.2.1.18
O condutor do PO assistiu ao referido, sabia que o seu filho ia naquele veículo, ficou sobressaltado e perdeu o controle do PO (resposta ao quesito 25 º, da Base Instrutória).
3.2.1.19
O PO, que seguia na fila da direita, ao assim entrar no tabuleiro da Ponte …, foi embater no separador central e imobilizou-se na parte pertencente ao trânsito que circula no sentido Porto/Lisboa (resposta ao quesito 26º, da Base Instrutória).
3.2.1.20
O condutor do PO sofreu escoriações (resposta ao quesito 27º, da Base Instrutória).
3.2.1.21
Ao desfazer a curva que antecede o acesso à Ponte …, o veículo conduzido pelo 1º réu foi, em derrapagem, embater no separador central, no início da reta, e projetado, sem que o 1º réu tivesse, no momento, qualquer hipótese de reagir (resposta ao quesito 32º, da Base Instrutória).
3.2.1.22
O autor, no momento do referido embate, seguia no veículo conduzido pelo 1º réu nas circunstâncias descritas (resposta ao quesito 33º, da Base Instrutória).
3.2.1.23
Na sequência do acidente, o autor sofreu as lesões descritas no relatório médico, que lhe determinaram um período de doença desde 22.3.2004 para consolidação médico-legal, com afetação da sua capacidade de trabalho geral e profissional, o que perdura até hoje (resposta ao quesito 34º, da Base Instrutória).
3.2.1.24
Logo após o acidente, por força dos traumatismos sofridos, o autor teve perda de consciência momentânea (resposta ao quesito 35º, da Base Instrutória).
3.2.1.25
Tendo ficado encarcerado no interior da viatura, necessitando do auxílio dos bombeiros para evacuação do automóvel (resposta ao quesito 36º, da Base Instrutória).
3.2.1.26
Foi, de imediato, assistido pela viatura médica de emergência e reanimação do INEM, sendo de seguida transportado para o Serviço de Urgência do Hospital …, no Porto, tendo recuperado os sentidos apenas no dia seguinte, após a operação cirúrgica a que foi submetido (resposta ao quesito 37º, da Base Instrutória).
3.2.1.27
Aí chegado foram-lhe efetuados exames radiográficos, sendo sujeito a cirurgia ortopédica no Bloco do serviço de Urgência, a qual comportou cerca de 7 horas de duração, com perdas hemáticas importantes, com instabilidade hemodinâmica (resposta ao quesito 38º, da Base Instrutória).
3.2.1.28
Tendo ficado internado durante 18 dias, na Unidade de Cuidados Intensivos Pós-cirúrgicos, sendo-lhe concedida alta hospitalar em 7.4.2004 para consulta externa (resposta ao quesito 39º, da Base Instrutória).
3.2.1.29
Onde se verificou atrasos na consolidação da fratura dos fémures (resposta ao quesito 40º, da Base Instrutória).
3.2.1.30
Nos primeiros dias de internamento o autor desenvolveu quadro de pneumonia, necessitando de O2 por máscara (resposta ao quesito 41º, da Base Instrutória).
3.2.1.31
Desenvolveu ainda derrame pleural bilateral de grande volume (resposta ao quesito 42º, da Base Instrutória).
3.2.1.32
A 10.10.2004 foi internado novamente em Ortopedia, para segunda intervenção cirúrgica, tendo sido feita dinamização das varetas em ambos os fémures e extração dos parafusos (resposta ao quesito 43º, da Base Instrutória).
3.2.1.33
Teve alta em 16.10.2004 (resposta ao quesito 44º, da Base Instrutória).
3.2.1.34
O autor sofreu um politraumatismo com diferenças múltiplas dos Mis (pós–operatório), síndrome de lise celular, choque hipovolémico, politransfusão e acidose metabólica com lactacidemia (resposta ao quesito 45º, da Base Instrutória).
3.2.1.35
Como consequência das lesões sofridas e após as intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, ficou impossibilitado de se locomover, necessitando de ajuda quer de terceiros, quer de uma cadeira de rodas para o fazer e, mais tarde, de canadianas (resposta ao quesito 46º, da Base Instrutória).
3.2.1.36
O autor, à entrada do Serviço de Urgências, evidenciava fraturas expostas dos dois fémures, as quais foram reduzidas durante a noite e ainda fratura dos pratos tibiais à esquerda (resposta ao quesito 47º, da Base Instrutória).
3.2.1.37
O que lhe causou dores intensas que duram ininterruptamente até à data (resposta ao quesito 48º, da Base Instrutória).
3.2.1.38
O autor passou a ser seguido na Consulta Externa do Hospital de … (resposta ao quesito 49º, da Base Instrutória).
3.2.1.39
Permanecendo em fisioterapia ininterruptamente desde 23.08.2004 até Março de 2006, altura em que, por conselho médico parou para diagnóstico de reações posteriores (resposta ao quesito 50º, da Base Instrutória).
3.2.1.40
Durante os três primeiros meses após o acidente o autor teve de permanecer no leito, sem se poder mexer (resposta ao quesito 51º, da Base Instrutória).
3.2.1.41
Carecendo da ajuda de terceira pessoa para todos os atos da sua vida, nomeadamente comer, beber, fazer necessidades fisiológicas e cuidar da sua higiene pessoal (resposta ao quesito 52º, da Base Instrutória).
3.2.1.42
Após esse período passou a sentar-se numa cadeira de rodas, de forma lenta e progressiva, inicialmente com a ajuda de terceira pessoa e, posteriormente, sozinho (resposta ao quesito 53º, da Base Instrutória).
3.2.1.43
Passados 4 meses passou a locomover-se com grande dificuldade, apoiado em muletas com grande dificuldade (resposta ao quesito 54º, da Base Instrutória).
3.2.1.44
Submeteu-se a tratamentos de fisioterapia diários, 2 horas por dia, desde 23.08.2004 a Março de 2006, por recomendação médica (resposta ao quesito 55º, da Base Instrutória).
3.2.1.45
Após a segunda alta clínica o autor apresentava diversas sequelas que ainda perduram (resposta ao quesito 56º, da Base Instrutória).
3.2.1.46
Foi-lhe estabelecido pelo médico que o assistiu, um programa de recuperação que apesar de ter produzido algumas melhoras, não debelou as lesões de que é portador (resposta ao quesito 57º, da Base Instrutória).
3.2.1.47
As lesões que sofreu, do ponto de vista ortopédico, incapacitam totalmente ao autor para o exercício da sua profissão de empregado de armazém e motorista (resposta ao quesito 58º, da Base Instrutória).
3.2.1.48
E, em termos médico-legais, determinam-lhe uma incapacidade permanente global de 58 pontos (resposta ao quesito 59º, da Base Instrutória).
3.2.1.49
Apesar da consolidação óssea das fraturas se ter conseguido, esta não se compadece com esforços e sobretudo, com longos períodos de tempo em pé ou sentado, quer num veículo em viagem, originando sintomas dolorosos de controlo analgésico muito difícil (resposta ao quesito 60º, da Base Instrutória).
3.2.1.50
Estando a patologia estabilizada, agravamento futuro que possa surgir, está relacionado com o envelhecimento (resposta ao quesito 61º, da Base Instrutória).
3.2.1.51
O autor claudica das duas pernas, com maior incidência na perna esquerda (resposta ao quesito 62º, da Base Instrutória).
3.2.1.52
Tem grandes dificuldades em nadar (resposta ao quesito 63º, da Base Instrutória).
3.2.1.53
Apresenta atrofia da coxa esquerda, limitação da mobilidade de ambas as coxas e lesão do ciático com o pé esquerdo em esquivo (resposta ao quesito 64º, da Base Instrutória).
3.2.1.55
Não consegue mexer o pé esquerdo, não se equilibrando por isso nesta perna, já que o membro se encontra paralisado (resposta ao quesito 65º, da Base Instrutória).
3.2.1.56
Apresenta marcha difícil claudicante, carecendo de correção de calçado (resposta ao quesito 66º, da Base Instrutória).
3.2.1.57
O que limita a sua atividade quotidiana (resposta ao quesito 67º, da Base Instrutória).
3.2.1.58
Com agravamento do ciático propletéo[20] externo (resposta ao quesito 68º, da Base Instrutória).
3.2.1.59
Já que apresenta atrofia muscular do nadegueiro, atrofia da coxa com cerca de 3,5 cm, flexo do joelho a 15º e paralisia do ciático propléteo externo com pé esquivo no membro inferior esquerdo (resposta ao quesito 69º, da Base Instrutória).
3.2.1.60
E apresenta imobilidade entre 40º a 60 º de extensão do membro inferior direito com limitações na rotação externa entre 25º e 35º, não conseguindo fazer o levantamento da perna para subir um degrau (resposta ao quesito 70º, da Base Instrutória).
3.2.1.61
Na sua profissão o autor passava o dia de pé ou ao volante (resposta ao quesito 82º, da Base Instrutória).
3.2.1.62
Atividade que jamais poderá voltar a exercer, ainda que em veículo adaptado à sua deficiência (resposta ao quesito 83º, da Base Instrutória).
3.2.1.63
Atividade que desempenhou ao longo de 26 anos (resposta ao quesito 84º, da Base Instrutória).
3.2.1.64
O autor suportou despesas no posto médico no montante de 62,99 € (resposta ao quesito 85º, da Base Instrutória).
3.2.1.65
De € 858,00 com despesas de fisioterapia (resposta ao quesito 86º, da Base Instrutória).
3.2.1.66
De € 116,96 de despesas medicamentosas (resposta ao quesito 87º, da Base Instrutória).
3.2.1.67
De € 400,00 com a piscina de reabilitação (resposta ao quesito 88º, da Base Instrutória).
3.2.1.68
De € 81,00 de consultas no hospital (resposta ao quesito 89º, da Base Instrutória).
3.2.1.69
De € 127,55 de despesas com exames médicos (resposta ao quesito 90º, da Base Instrutória).
3.2.1.70
O autor despendeu o valor de € 145,14 para renovação da carta de condução e exame clínico para avaliação motora (resposta ao quesito 95º, da Base Instrutória).
3.2.1.71
Antes do acidente, o autor era dinâmico e alegre (resposta aos quesitos 96 e 97, da Base Instrutória).
3.2.1.72
O autor tem várias cicatrizes no corpo, designadamente no rosto, no pulso direito e ainda em ambas as pernas, sendo estas últimas fruto das intervenções cirúrgicas a que foi submetido (resposta ao quesito 98 º, da Base Instrutória).
3.2.1.73
A incapacidade para o exercício da sua profissão provoca-lhe angústia e ansiedade (resposta ao quesito 99º, da Base Instrutória).
3.2.1.74
O facto de se encontrar a mancar para o resto da vida, além de o afetar psicologicamente (o que não superou e o complexa), fá-lo sentir diminuído, o que tem consequências nefastas a nível da sua saúde mental, designadamente da parte psicológica (resposta ao quesito 100º, da Base Instrutória).
3.2.1.75
O autor não consegue correr e, consequentemente, praticar futebol, desporto que praticava antes do acidente (resposta ao quesito 101º, da Base Instrutória).
3.2.1.76
O autor não consegue ajoelhar-se nem aninhar-se e necessita de apoio para subir degraus (resposta ao quesito 102º, da Base Instrutória).
3.2.1.77
O Autor suportou muitas dores e incómodos com as lesões de que foi vítima e de que é portador, encontrando-se o quadro álgico estabilizado, embora ainda sinta dores e incómodos (resposta ao quesito 103º, da Base Instrutória).
3.2.1.78
Deixou de conviver e de se relacionar com as pessoas já que sente vergonha da sua condição física, isolando-se (resposta ao quesito 104º, da Base Instrutória).
3.2.1.79
Por isso, é atualmente uma pessoa triste e amargurada, apresentando “perturbação de adaptação” (resposta ao quesito 105º, da Base Instrutória).
3.2.1.80
Meses após o acidente, quando o autor começou a fazer fisioterapia, ele e sua mulher foram residir para o Porto, para casa de uma cunhada, pelo facto da sua residência, em Vila Nova de Gaia, ser num 3º andar sem elevador (resposta ao quesito 106º, da Base Instrutória).
3.2.1.81
E pelo facto de ter necessidade de ter um elemento familiar por perto e para ter acessibilidade de transporte para os tratamentos médicos e assim reduzir despesas (resposta ao quesito 107º, da Base Instrutória).
3.2.1.82
Viveu, por isso, o autor amargurado por ter deixado a sua residência em Vila Nova de Gaia e deixar de ter privacidade com a sua família, residindo num espaço exíguo (resposta ao quesito 108º, da Base Instrutória).
3.2.1.83
O autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece (resposta ao quesito 109º, da Base Instrutória).
3.2.1.84
O autor auferia o vencimento mensal ilíquido de 481,00 € e os respetivos subsídios de férias e Natal, acrescido do valor médio mensal de € 300,00, a título de prémios (resposta aos quesitos 81º e 110º, da Base Instrutória).
3.2.1.85
O autor foi aconselhado pelo Serviço de Consulta Externa do Hospital … do Porto a fazer alongamento do tendão de Aquiles para melhoria das mobilidades, em inícios de 2006, não tendo acedido a tal (resposta ao quesito 112º, da Base Instrutória).
3.2.1.86
A pneumonia e derrame pleural ficaram a dever-se a infeção hospitalar, sem que para tal tenham concorrido as lesões decorrentes do acidente (resposta ao quesito 113º, da Base Instrutória).
3.2.1.87
O autor tem habilitação para conduzir em veículo adaptado (resposta ao quesito 114º, da Base Instrutória).
3.2.1.88
Foi considerada 10/1/2006 como a data de consolidação das lesões (resposta ao quesito 116º, da base instrutória).
3.2.1.89
H… havia comprado o veículo matrícula ..-..-TJ por volta de 2002 com recurso a financiamento obtido junto da K…, através do contrato ……….. (resposta ao quesito 118º, da Base Instrutória).
3.2.1.90
Aquele H…, que emigrou, permitiu ao 2º réu [D…] a utilização do dito veículo (resposta ao quesito 119º, da Base Instrutória).
3.2.1.91
Pelo que o 2º réu celebrou um contrato de seguro com a Companhia de Seguros G1... (resposta ao quesito 120º, da Base Instrutória).
3.2.1.92
Que cessou por denúncia em Fevereiro de 2004, altura que o 2º réu, deixou de utilizar o veículo (resposta ao quesito 121º, da Base Instrutória).
3.2.1.93
H…, entregou o veículo em Fevereiro de 2004 à K… (resposta ao quesito 122 º, da Base Instrutória).
3.2.1.94
O seguro titulado pela apólice ..-….., atualmente da J…, vigorou até ao dia 16.2.2004, data em o segurado, aqui 2º réu endereçou à então G1…, Companhia de Seguros, SA um postal solicitando a anulação do contrato de seguro (resposta ao quesito 126º, da Base Instrutória).
3.2.1.95
Por ter sido transmitido, nessa data, o veiculo a terceiro (resposta ao quesito 127º, da Base Instrutória).
3.2.1.96
O contrato de crédito ……….. celebrado com a K… relativo ao veículo de matrícula ..-..-TJ foi resolvido por incumprimento (resposta ao quesito 128º, da Base Instrutória).
3.2.1.97
Tendo a K… recuperado a viatura em 3.2.2004, a pedido do mutuário, para abater o valor à divida (resposta ao quesito 129º, da Base Instrutória).
3.2.1.98
A viatura foi vendida pela K… em 26.2.2004 a I… que pagou com o cheque nº ………. no valor de € 2550,00 euros, tendo sido emitidas as respetivas declarações de compra e de venda e de cancelamento da reserva de propriedade (resposta ao quesito 130º, da Base Instrutória).
3.2.1.99
O veículo ..-..-TJ foi entregue ao 1º réu pelo dono do stand “AJ…” de Matosinhos, I…, uns dias antes do sinistro, em substituição do Fiat … que o 1º réu entregou naquele Stand para reparação de avaria (resposta ao quesito 124º, da Base Instrutória).
3.2.1.100
O veículo de matrícula ..-..-TJ não estava à data dos factos coberto por qualquer seguro (resposta ao quesito 131º, da Base Instrutória).
3.2.1.101
O 1º réu não tinha carta de condução (alínea D), dos factos assentes).
3.2.1.102
O autor sabia que o 1º réu não tinha carta de condução e aceitou ser transportado por ele (resposta ao quesito 132º, da Base Instrutória).
3.2.1.103
O 1º réu, posteriormente ao acidente, pagou ao referido I… uma importância pelo veículo ..-..-TJ sinistrado (resposta ao quesito 125º, da Base Instrutória).
3.2.1.104
E…s transferiu a responsabilidade dos danos causados a terceiros relativa ao veículo de matrícula ..-..-PO para a Companhia de Seguros F…, mediante contrato de seguro titulado pela apólice ……. (alínea A), dos factos assentes).
3.2.1.105
A propriedade do veículo de matrícula ..-..-TJ encontra-se registada a favor de H…, registo com data de 2/2/2004 (alínea B), dos factos assentes).
3.2.1.106
Encontra-se ainda registada reserva a favor de K…, SA com data de 02.02.2004 (alínea C), dos factos assentes).
3.2.1.107
A Companhia de Seguros J…, SA incorporou por fusão a G1…, Companhia de Seguros, SA (alínea E), dos factos assentes).
3.2.1.108
O autor é o beneficiário nº ……….. do ISS/CNP (alínea F), dos factos assentes).
3.2.1.109
O autor, que esteve de baixa médica desde o acidente, encontra-se reformado por invalidez, tendo-lhe sido atribuída pensão de invalidez a partir de 22/3/2007 (resposta aos quesitos 80º, 133º e 135º, da Base Instrutória).
3.2.1.110
Em 11.06.2007 foi o beneficiário, autor, considerado definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão por acidente de viação (resposta ao quesito 134º, da Base Instrutória).
3.2.1.111
O valor atual (à data da apresentação do pedido de reembolso do ISS) mensal da pensão é de € 292,08 euros (resposta ao quesito 136º, da Base Instrutória).
3.2.1.112
O Centro Nacional de Pensões pagou ao aqui autor a quantia global de € 3.501,56 euros a titulo de pensões de invalidez desde 22.3.2007 a 31.01.2008 (alínea G), dos factos assentes).
3.2.1.113
Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito dos autos de processo Comum que correu termos na 3ª Vara Criminal do Porto, sob o nº 5930/04.8TDPRT, transitado em julgado em 17.11.2008, foi confirmada a condenação de C…, na pena de dois anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido nos termos dos artigos 148º, nºs 1 e 3 e 144º, alínea d), ambos do Código Penal e na pena de multa de cento e vinte dias, à taxa diária de três euros, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, factos ocorridos no dia 22 de março de 2004, pelas 2h45, o primeiro na pessoa de B…, aumentando-se a duração da suspensão da execução da pena de prisão de um ano para dois anos (alínea H), dos factos assentes).
3.2.1.114
Por sentença proferida pelo 1º juízo cível do Porto, no dia 06 de Janeiro de 2010 no processo 1797/07.1TJPRT, transitada em julgado em 21 de janeiro de 2010, julgou-se a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, foram condenados solidariamente C…, Fundo de Garantia Automóvel e I… a pagarem ao Centro Hospitalar …, EPE a quantia de € 9.522,56, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, aplicando-se a este montante, a favor do Fundo de Garantia Automóvel, a franquia equivalente em euros a 60.000$00, sendo absolvida do pedido a F…, Companhia de Seguros, SA (alínea I), dos factos assentes).
3.2.1.115
O autor nasceu no dia 20 de Julho de 1964.
3.2.1.116
O 1º réu, C… é filho de E….
3.2.2 Factos Não Provados
3.2.2.1
Que F… conduzisse o veículo ..-..-PO praticamente colado à traseira do veículo de matrícula ..-..-TJ (resposta restritiva ao artigo 4º da base instrutória).
3.2.2.2
Que E… e C… se dirigissem para a residência deste em …, Vila Nova de Gaia (resposta restritiva ao artigo 5º da base instrutória).
3.2.2.3
Que E… e C… conduziam os seus veículos em “despique”, com o objetivo de chegarem em primeiro lugar ao mencionado destino (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
3.2.2.4
Que E… e C…, pai e filho, conduziam fazendo “ziguezagues” com os veículos, ocupando mais do que uma faixa de rodagem do IC (resposta restritiva ao artigo 7º da base instrutória).
3.2.2.5
Que E…, condutor do ..-..-PO, praticava um “jogo de luzes”, quando colado à traseira do ..-..-TJ, após o que o condutor deste último imprimiu ainda mais velocidade ao seu veículo (resposta conjunta aos artigos 8º, 9º e 20º da base instrutória).
3.2.2.6
Que o veículo ..-..-TJ entrou em despiste (resposta restritiva ao artigo 10º da base instrutória).
3.2.2.7
Que o limite de velocidade da referida via é de 50 Kms./hora (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
3.2.2.8
Que o ..-..-TJ deixou marcas de rastos de travagem, assinalados na participação do acidente de fls. 16 (resposta explicativa ao artigo 15º da base instrutória).
3.2.2.9
Que era notório o estado de embriaguez do condutor do veículo PO, o que importou uma diminuição da sua aptidão para conduzir, emergindo da TAS que apresentava o seu estilo de condução (resposta remissiva aos artigos 17º, 18º e 19º da base instrutória).
3.2.2.10
Que a via mede 12 metros de largura (resposta restritiva ao artigo 21º da base instrutória).
3.2.2.11
Que à frente do veículo PO, a distância igual ou superior a 50 metros circulava o veículo ..-..-TJ (resposta restritiva ao artigo 23º da base instrutória).
3.2.2.12
Que o condutor do ..-..-TJ, ao descrever uma curva para a direita e ao penetrar na reta do tabuleiro da Ponte …, se despistou (resposta restritiva ao artigo 24º da base instrutória).
3.2.2.13
Que o condutor do veículo PO assistiu ao despiste do veículo TJ, sabendo que era o seu filho a conduzi-lo, levou as mãos à cabeça e acionou os travões do PO, o que provocou o descontrolo deste veículo (resposta restritiva ao artigo 25º da base instrutória).
3.2.2.14
Que o veículo PO fletiu inesperadamente para a esquerda (resposta restritiva ao artigo 26º da base instrutória).
3.2.2.15
Que o TJ se despistou sozinho (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
3.2.2.16
Que na data do acidente o piso encontrava-se húmido pela orvalhada que habitualmente cai naquela zona por efeito do Rio … em época de Primavera e havia óleo na via (respostas aos artigos 29º e 30º da base instrutória).
3.2.2.17
Que no dia anterior ao do acidente o TJ apresentava um ruído anormal de que C… não se apercebera (resposta ao artigo 31º da base instrutória).
3.2.2.18
Que ao desfazer a curva que antecede o acesso à Ponte …, C… sentiu que algo de estranho se passara na parte de trás do veículo por si conduzido (resposta restritiva ao artigo 32º da base instrutória).
3.2.2.19
Que as lesões que B… sofreu determinam-lhe uma incapacidade permanente global de 64 % (resposta restritiva ao artigo 59º da base instrutória).
3.2.2.20
Que é provável o agravamento futuro da sintomatologia (resposta restritiva ao artigo 61º da base instrutória).
3.2.2.21
Que o autor suportou despesas de € 3.738,00 de despesas de táxi com a deslocação de sua casa para as sessões de fisioterapia, para as consultas e para os exames médicos (resposta ao artigo 91º da base instrutória).
3.2.2.22
Que no dia do acidente sofreu danos com um fato novo que trazia vestido, tendo posteriormente adquirido outro igual no valor de € 136,50, bem como uma camisa no valor de € 45,00 (resposta restritiva ao artigo 92º da base instrutória).
3.2.2.23
Que sofreu danos no seu relógio de pulso cuja reparação lhe custou € 50,00 e no par de sapatos que tiveram de ser cortados aquando do desencarceramento da viatura, tendo adquirido outros iguais no mesmo valor de € 75,00 (respostas aos artigos 93º e 94º da base instrutória).
3.2.2.24
Que antes do acidente o autor era um homem robusto e saudável (respostas aos artigos 96º e 97º da base instrutória).
3.2.2.25
Que antes do acidente o autor praticava assiduamente futebol (resposta restritiva ao artigo 101º da base instrutória).
3.2.2.26
Que o autor não consegue subir degraus, pelo que tem de ser levado ao colo para aceder a certos lugares, designadamente à sua casa, em Vila Nova de Gaia, sita num 3º andar, sem elevador (resposta restritiva ao artigo 102º da base instrutória).
3.2.2.27
Que o autor continuará a suportar muitas dores e incómodos com as lesões de que foi vítima e de que é portador e que se podem agravar no futuro (resposta restritiva ao artigo 103º da base instrutória).
3.2.2.28
Que por isso o autor é atualmente uma pessoa deprimida (resposta restritiva ao artigo 105º da base instrutória).
3.2.2.29
Que o autor começou a fazer fisioterapia cerca de seis meses após o acidente (resposta restritiva ao artigo 106º da base instrutória).
3.2.2.30
Que o autor necessitará de eventuais correções cirúrgicas das sequelas de que padece (resposta restritiva ao artigo 109º da base instrutória).
3.2.2.31
Que o autor foi considerado “apto” para o trabalho pela Junta Médica, para efeitos da pensão de invalidez junto da Segurança Social (resposta ao artigo 111º da base instrutória).
3.2.2.32
Que, aconselhado pelo Serviço de Consulta Externa do Hospital … do Porto para que fizesse alongamento do tendão de Aquiles para melhoria das mobilidades, o autor não compareceu (resposta explicativa ao artigo 112º da base instrutória).
3.2.2.33
Que o encurtamento do membro pode ser corrigido (resposta ao artigo 115º da base instrutória).
3.2.2.34
Que C… era à data do acidente o proprietário do veículo ..-..-TJ (resposta ao artigo 117º da base instrutória)[21].
3.2.2.35
Que o veículo ..-..-TJ tinha transferida a sua responsabilidade civil emergente da circulação do veículo para a G…, Companhia de Seguros, SA, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ……….. (resposta ao artigo 123º da base instrutória).
3.2.2.36
Que em 22 de março de 2007, o autor requereu ao ISS/CNP a atribuição de pensão de invalidez e que a pensão de invalidez que lhe foi atribuída o foi a título provisório, desde 22 de março de 2007 (resposta conjunta aos artigos 80º, 133º e 135º, todos da base instrutória).
4. Fundamentos de direito
4.1 Do direito de propriedade sobre o veículo de matrícula ..-..-TJ (recurso do réu I…)
I… interpôs recurso de apelação contra a sentença pugnando pela sua revogação, na parte que lhe diz respeito, já que o veículo de matrícula ..-..-TJ não estava registado em seu nome e o direito de propriedade sobre veículos adquire-se com o seu registo, tal como resulta do artigo nº 3º [sic] da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho e, além disso, o recorrente não tinha a direção efetiva do citado veículo.
Cumpre apreciar e decidir.
Na decisão recorrida, para responsabilizar este recorrente, escreveu-se o seguinte:
Cabe, agora, determinar quem, para além do condutor do referido veículo, é responsável, sendo que a Ré F… nenhuma responsabilidade tem pois que, como se referiu, se não provou que o condutor e proprietário do PO estivesse envolvido no acidente que vitimou o autor, nenhuma responsabilidade tendo na ocorrência do acidente aqui em causa.
Ora, provou-se que, à data do acidente, era o interveniente principal, do lado passivo, I… o proprietário do veículo e que não existia seguro de responsabilidade civil para o mesmo.
Assim, pelos danos causados à pessoa do Autor pelo condutor do veículo TJ, para além deste é responsável o proprietário – o referido I… - e o Fundo de Garantia Automóvel.
Vejamos.
O acidente a que se reportam os presentes autos ocorreu no ano de 2004.
Nos termos do DL nº 522/85, de 31/12, em vigor à data do acidente, (cfr art. 21º e 29º, nº6), sendo o condutor responsável pela ocorrência do acidente e inexistindo seguro de responsabilidade civil, respondem pelos danos, solidariamente:
- o condutor;
- o proprietário;
- e o Fundo de Garantia Automóvel.
Dada a demonstrada inexistência, à data do acidente, de seguro válido e eficaz, o Fundo de Garantia Automóvel garante a satisfação das indemnizações peticionadas pelo Autor, pelas lesões corporais, que sofreu.
E, na verdade, com este, respondem, também, nos termos do citado diploma, os responsáveis civis, sendo estes o condutor e o proprietário nos termos dos arts 483º, 497º, 503º nº1 e 504º, do Código Civil (pelos danos pessoais causados ao Autor, pessoa transportada).
Tais diplomas legais são os aplicáveis por serem os que regulam a matéria em causa, da responsabilidade civil, quer do condutor do veículo, quer do proprietário do mesmo.
Efetivamente, estabelece o nº1, do art. 503º, do Cód. Civil:
“Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”.
Assim, quem tiver a direcção efectiva do veículo e o utilizar no seu próprio interesse responde pelos danos que o veículo causar a terceiro.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/1/2014, Processo 249/04.7TBOBR.C1.S1, in dgsi.net. “Tem a direcção efetiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento. (…) A simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação expressa de quem tem a sua direcção efectiva e interessada, é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação formulado contra a proprietária do veículo e contra o Fundo de Garantia Automóvel, este por falta de seguro”.
Ai se refere “Tem correntemente a direcção efectiva do veículo o proprietário, o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade, o comodatário, o locatário, o que o furtou, o condutor abusivo e, de um modo geral, qualquer possuidor em nome próprio.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 513) “ ter a direcção efectiva do veículo destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar de pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiro.
A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e constitui o elemento comum a todas as situações referidas, sendo a falta dele que explica, em alguns casos, a exclusão da responsabilidade do proprietário.
Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento”.
O segundo requisito (utilização no próprio interesse) visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outro.
A simples alegação da propriedade do veículo sem a invocação expressa de quem tem a sua direcção efectiva e interessada é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente formulado contra a ré HH, L.da, sua proprietária, e contra o Fundo de Garantia Automóvel, por falta de seguro do veículo, nos termos do art. 29, nº6, do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.
Com efeito, é de admitir a existência de uma verdadeira presunção legal de direcção efectiva e interessada do veículo a favor do seu proprietário, pois o conceito de direcção efectiva e interessada cabe perfeita e legalmente dentro do conceito do direito de propriedade (Ac. S.T.J. de 27-10-88, Bol. 469; Ac. S.T.J. de 20-2-2001,Col. Ac. S.T.J., I, 2º, 125; Ac. S.T.J. de 6-11-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 141).
O ónus da prova e de alegação de que a dona do veículo não tinha a direcção efectiva do mesmo e de que a utilização dele não era feita no seu próprio interesse, cabe aos réus, como factos impeditivos que são (Ac. S.T.J. de 6-11-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 141).
O interesse na utilização do veículo pode ser material ou económico, como um simples interesse moral ou espiritual (Ac. S.T.J. de 2-2-1993, Col. Ac. S.T.J., I, 2º, 125).
Assim sendo, compreende-se a responsabilidade da HH, L.da, como proprietária do UH, por ser de presumir que tinha a direcção efectiva do referido veículo e de que este estava a ser utilizado no seu interesse, já que tal presunção não foi ilidida por prova em contrário.
Quanto ao condutor EE, por não ter resultado provado que tivesse a direcção efectiva e interessada do UH (apesar de ser o seu condutor), ele só responderia se tivesse ficado provada a sua culpa, caso em que a sua responsabilidade seria solidária com a da dona do veículo e a do Fundo de Garantia Automóvel”. (negrito e sublinhado nosso).
Esta situação, é precisamente a que se verifica nos autos.
Sendo o veiculo ..-..-TJ propriedade de I…, que o entregou ao 1º Réu uns dias antes do sinistro, em substituição do Fiat … que este entregou no Stand daquele para reparação de avaria, é o mesmo responsável, sendo-o também o condutor, 1º Réu, como vimos, pois que houve culpa efetiva sua na produção do acidente, que respondem, ambos, com o Fundo de Garantia Automóvel, sendo a responsabilidade, dos três, solidária (a franquia – nº2, do referido art. 21º, do DL nº 522/85, de 31/12 - foi já aplicada ao FGA – v. fls 907-908).
Como se vê da passagem transcrita, o recorrente não cura de proceder a uma análise crítica dos fundamentos jurídicos que justificam a decisão recorrida, invocando legislação fiscal, em primeiro lugar, para sustentar a sua irresponsabilidade e a falta de direção efetiva do veículo para em todo o caso o desresponsabilizar.
A legislação fiscal invocada pelo recorrente tem como finalidade precípua a definição do obrigado ao pagamento do imposto, a fim de permitir ao Estado uma arrecadação célere do imposto único de circulação (artigo 3º, nº 1, do respetivo Código que constitui o anexo II da Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho).
No domínio da responsabilidade civil, as regras são distintas das regras fiscais, sendo certo em todo o caso, que a obrigatoriedade do registo não afasta a regra geral de que o direito de propriedade sobre bens móveis ou imóveis, observada que seja a necessária forma, quando seja esse o caso, se opera por mero efeito do contrato (artigo 408º, nº 1, do Código Civil que consagra o princípio da consensualidade[22]).
A obrigatoriedade do registo, como também sucede atualmente no registo predial (artigo 8º-A, do Código do Registo Predial) e desde há muito no registo automóvel (veja-se o artigo 5º, nº 2, do Código do Registo Automóvel, aprovado pelo decreto-lei nº 54/75, de 12 de fevereiro) não significa que o facto sujeito a registo deixe de produzir efeitos entre as partes (veja-se o artigo 4º, nº 1, do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no artigo 29º do Código do Registo Automóvel) e nem a presunção de titularidade do direito inscrito no registo deixa por esse facto de ser iuris tantum (veja-se o artigo 7º do Código do Registo Predial).
De facto, como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela[23], “o proprietário responsável é quem efectivamente o seja no momento do acidente, ainda que não esteja registada a sua propriedade. O registo não atribui, na verdade, nem tira a direcção efectiva do veículo. O proprietário só é responsável se tiver, como em princípio tem, aquela direcção.
Em complemento a quanto se vem de referir, escreve o Professor Antunes Varela[24] que “[h]avendo comodato, a responsabilidade do comodante deve ainda manter-se, salvo se o empréstimo tiver sido feito em condições (maxime de tempo) de o comodatário tomar sobre si o encargo de cuidar da conservação e do bom funcionamento do veículo.
De contrário, continuando este dever a cargo do dono ou utente do veículo, como sucede quando o empréstimo se destina a uma viagem isolada ou a um passeio de curta duração, a responsabilidade objectiva recai simultaneamente sobre comodante e comodatário.
No caso em apreço provou-se que:
A viatura de matrícula ..-..-TJ foi vendida pela K… em 26.2.2004 a I… que pagou com o cheque nº ………. no valor de € 2550,00 euros, tendo sido emitidas as respetivas declarações de compra e de venda e de cancelamento da reserva de propriedade (resposta ao quesito 130º, da Base Instrutória) e que o veículo ..-..-TJ foi entregue ao 1º réu pelo dono do stand “AJ…” de Matosinhos, I…, uns dias antes do sinistro, em substituição do Fiat … que o 1º réu entregou naquele Stand para reparação de avaria (resposta ao quesito 124º, da Base Instrutória).
Desta matéria factual resulta, por um lado, que o recorrente adquiriu por mero efeito de contrato o direito de propriedade sobre o veículo de matrícula ..-..-TJ e por outro, que o emprestou ao réu C… enquanto procedia à reparação de avaria em veículo que foi entregue nas suas instalações. Esta entrega do veículo TJ por parte do reparador, de carácter transitório, dependente da sua proficiência na reparação do veículo recebido para esse efeito, ainda que não remunerada, é interessada, pois, mesmo quando não constitua obrigação inerente a um contrato de garantia, sempre constitui um fator de atração de clientela.
Assim, ao invés do que sustenta o recorrente, o mesmo tinha também no caso concreto a direção efetiva do veículo de matrícula ..-..-TJ.
Por tudo quanto precede, conclui-se pela total improcedência do recurso de apelação interposto por I….
4.2 Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto no que respeita a responsabilidade do condutor do veículo PO na eclosão do sinistro objeto dos autos (recurso do Fundo de Garantia Automóvel)
O recorrente Fundo de Garantia Automóvel, por força da alteração da decisão da matéria de facto por que pugnou, pretende a revogação da sentença recorrida, na parte em que absolveu do pedido a ré F… e a condenação da mesma solidariamente consigo, fixando-se a culpa concorrente do condutor do veículo PO na proporção de 50%.
Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente Fundo de Garantia Automóvel estribou o sucesso da sua pretensão recursória exclusivamente no deferimento da alteração da factualidade vertida nas respostas aos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 12º, 23º, 25º e 28º, todos da base instrutória, não aduzindo qualquer argumento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida em face dos factos que lhe serviram de base.
Neste circunstancialismo, na falta de quaisquer outros fundamentos aduzidos para revogação da decisão sob censura, não obstante a alteração da resposta ao artigo 28º da base instrutória, inócua por ter passado a ser negativa[25] e não se divisando quaisquer motivos para isso de conhecimento oficioso deste tribunal, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões do recurso, deve concluir-se, sem mais, pela total improcedência deste recurso.
4.3 Da indemnização pela perda da capacidade de ganho (recurso do autor)
O recorrente insurge-se contra o montante que lhe foi arbitrado a título de dano futuro e consistente na perda da capacidade de ganho, criticando a redução da indemnização que lhe foi arbitrada a este título em virtude de se ter dado como provado que sabia que o réu C… não era titular de carta de condução, pois que foi a imperícia deste réu, independentemente de ser ou não titular de carta de condução que causou o acidente. Sustenta que o valor justo para ressarcir este dano, com dedução do valor que durante nove anos recebeu a título de pensão por invalidez, é de € 274.607,36, enfermando a sentença recorrida de erro quando considera que o recorrente irá continuar a receber a pensão de invalidez, nunca devendo a indemnização arbitrada para indemnizar o aludido dano ser inferior a € 270.000,00.
Cumpre apreciar e decidir.
A decisão recorrida debruçou-se sobre esta problemática nos termos que seguem:
Surge, ainda, o dano futuro (artigo 564°, nº 2, do CC), resultante da incapacidade funcional de que o Autor ficou afetado, em consequência do referido acidente.
Pede o Autor 295.274,00 € de perda de capacidade de ganho, a calcular desde a propositura da ação até à idade dos 70 anos – 14 salários x 28 anos x 753,25 salário mensal (cfr art 83º da p.i.).
Porém, verifica-se que o salário do Autor é de 481,00/mês ilíquidos (x 14), a que acrescem prémios mensais de cerca de 300,00 € (x 12), sendo que recebe pensão de invalidez (desde 22/3/2007).
Na verdade, o Instituto de Segurança Social (ISS) I.P. pagou ao Autor quantia de € 3.501,56, a título de pensão de invalidez devido ao acidente dos Autos, no período de 22/3/2007 a 31/1/2008, sendo de considerar que o mesmo vai continuar a receber tal pensão, a qual à data em que foi deduzido o pedido de reembolso era de 292,08€/mês e vai sendo atualizada (como o Autor bem informou os autos, em audiência de julgamento - cfr fls 1945 e 1942). Tem, pois, esta de ser considerada para o cálculo do dano futuro, devendo ser deduzida nos rendimentos.
*
Vejamos, agora, qual a importância a atribuir, referente ao dano futuro.
Resultou provado que as lesões que o Autor sofreu o incapacitam totalmente (100%) para o exercício da sua profissão de empregado de armazém e motorista sendo, ainda, que e em termos médico-legais, lhe determinam uma incapacidade permanente global de 58 pontos.
Resultou, ainda, que, apesar da consolidação óssea das fraturas se ter conseguido e a patologia estar estabilizada aquela não se compadece com esforços e sobretudo, com longos períodos de tempo em pé ou sentado, quer num veículo em viagem, originando sintomas dolorosos de controlo analgésico muito difícil, que na sua profissão o autor passava o dia de pé ou ao volante, atividade (desempenhada ao longo de 26 anos) que jamais poderá voltar a exercer, ainda que em veículo adaptado à sua deficiência.
A incapacidade tem, assim, reflexo na atividade profissional do Autor, atentas as lesões, a localização das mesmas, as sequelas e o serviço desenvolvido pelo Autor.
A lei manda atender aos danos futuros, designadamente, como é o caso presente, aos associados à IPP de que o lesado ficou a padecer, desde que sejam previsíveis (art. 564º, nº2, do CC).
É grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC.
Parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
A estimativa desse dano deve fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n." 3, do CC. E, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida (pelo menos da ativa), da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
São utilizadas fórmulas e tabelas matemáticas como auxiliares de cálculo.
Consideramos a fórmula que vem descrita no Ac. da Relação de Coimbra, de 04.04.1995, CJ, Ano XX, Tomo II, página 23, por se nos afigurar completa:
n
C = (1 + i) - 1 x P
n
(1 + i) x i
Nesta fórmula:
i é a taxa de juro real líquida;
n o número de anos durante os quais se manteria a prestação;
P a prestação a pagar no primeiro ano.
Há que ter, ainda, em linha de conta a previsível subida dos salários (não se esquecendo que o juízo de prognose é projetado para uma realidade de médio/longo prazo), motivada sobretudo pela inflação (2% no médio/longo prazo), já que, quanto ao resto não se vislumbra qualquer tipo de promoção profissional do lesado nem ganhos de produtividade.
Tem, também, de se ponderar o juro nominal líquido das aplicações financeiras, ficcionando-se no médio/longo prazo uma taxa a rondar os 3% nos depósitos a prazo.
Através da seguinte sub-fórmula encontrar-se-á a atualização do capital devido no 1° ano, em que i representa a percentagem que, em cada ano, a aplicação financeira se valoriza mais do que a taxa a que a prestação P cresce:
i = 1 + r - 1
1 + k
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras;
k = taxa anual de crescimento da prestação.
Assim, teremos:
R = 3% k = 2% n = 27 anos (o Autor tinha 39 anos à data do acidente)
Considerar-se-á o rendimento anual líquido (sendo que há a considerar o vencimento x 14meses + valor dos prémios x 12 meses), por ser esse o valor correspondente aos rendimentos do trabalho que efetivamente se considerou percebido pelo Autor, não resultando que pudesse vir a obter, no futuro, rendimentos superiores, para além da normal melhoria do salário, já assinalada como variável a atender. A tal valor cabe retirar o montante anual das pensões de invalidez, pois que o Autor o não receberia.
O uso desta fórmula, ou de outras que se conhecem, e de tabelas, que servem como instrumento de trabalho têm grande utilidade na medida em que nos serve de farol para, ponderando tudo, se alcançar a decisão mais justa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre muitos o Ac. de 8/5/2012 – Processo 3492/07.3TBVFR.P1, in www.stj.pt) vem fazendo um esforço de clarificação, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Foram assentadas de forma generalizada as seguintes ideias (cfr Ac- de 10/2/1998 e de 25/6/2002, in CJ, respetivamente, Ano VI, I, 66 e Ano X, II, 128):
1 - A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2 - No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3 - As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4 - Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço das proventos auferidos), consideração esta que vale tanto no caso de incapacidade permanente total como parcial;
5 - Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor obtido, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6- Deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vitima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar, e a das mulheres atingiu a barreira dos oitenta anos).
Com referência a este último decidiu-se no Acórdão anteriormente referido que “Na verdade, sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, e nenhum deles se revelando infalível, devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do nº3, do art. 566º. A este propósito, dir-se-á, a título apendicular, que merece alguma reserva a consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, posto que, atingida a mesma, isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma. Ou seja, na determinação do quantum indemnizatório por danos futuros, merece reparo o entendimento segundo o qual, finda a vida activa do lesado, é ficcionado que também a vida física desaparece no mesmo momento - e com ela todas as necessidades do lesado. Observar-se-á, porque se trata de factos notórios, que releram [sic] da experiência da vida, que, em tese geral, as perdas salariais resultantes das consequências de acidentes continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com a passagem à "reforma", em consequência da sua antecipação e/ou do menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que se teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas".
Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Processo nº 17/11.0TVPRT.P1.S1, em ação julgada por nós neste Tribunal, que:
“1. No cálculo do montante indemnizatório relativo à perda da capacidade de ganho, se os proventos auferidos pelo sinistrado antes do acidente forem muito irregulares, deve ser feita uma ponderação equitativa, em ordem a fixar-se um montante referencial.
2. Ficando ele com um défice permanente da integridade física de doze pontos que o impossibilita totalmente de exercer a sua profissão habitual de motorista de pesados, bem como quaisquer outras atividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, sendo compatível com o exercício de outras atividades profissionais, mas com esforços acrescidos, há que partir da perda salarial total.
3. Esta terá como referência, ainda que não rígida, a idade limite de 70 anos.
4. Ao montante encontrado há que abater o correspondente à capacidade residual para o trabalho e, bem assim, o que emerge do recebimento antecipado de todo o capital.
5. Considerando os proventos anuais líquidos de €10.000,00, a idade de 44 anos que tinha e o descrito nos números anteriores, é adequado o montante relativo a esta parcela indemnizatória, de € 175.000,00” (negrito e sublinhado nosso).
In casu, sopesando à luz das referidas diretrizes os factos que se destacaram, em especial, a idade do Autor à data do acidente, o défice funcional permanente de que ficou a padecer, com total impossibilidade (100%) de conduzir veículos pesados e de exercer quaisquer outras atividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, o seu rendimento anual, a pensão de invalidez que recebe, a previsível evolução dos salários e pensões, o provável aumento do custo de vida, bem como as taxas de juros no mercado financeiro respeitantes a operações passivas ou ativas, sem descurar a circunstância de que o Autor vai receber de uma só vez o capital, considera-se adequada, justa e equitativa a indemnização de 90.000,00 €, atendendo, para tanto, ainda, e de modo relevante, a que o Autor se fez transportar como passageiro no veículo, bem sabendo que o 1º Réu não tinha carta de condução e que se considerou já indemnização (de 16.200,00€) de perda de rendimentos nos três primeiros anos subsequentes ao acidente.
Por força do disposto no nº3, do art. 566º, do CC, tal como sucede com a valorização dos danos não patrimoniais, há que tomar em conta as exigências do princípio da igualdade consagrado no art. 13º, da Constituição, harmonizando-as com o dever de se atender às referidas circunstâncias específicas do caso concreto.
Os factos relevantes ou que como tal foram considerados pelo tribunal a quo para a determinação do dano da perda de capacidade de ganho são os seguintes:
- As lesões que sofreu, do ponto de vista ortopédico, incapacitam totalmente ao autor para o exercício da sua profissão de empregado de armazém e motorista (resposta ao quesito 58º, da Base Instrutória);
- E, em termos médico-legais, determinam-lhe uma incapacidade permanente global de 58 pontos (resposta ao quesito 59º, da Base Instrutória);
- Na sua profissão o autor passava o dia de pé ou ao volante (resposta ao quesito 82º, da Base Instrutória);
- Atividade que jamais poderá voltar a exercer, ainda que em veículo adaptado à sua deficiência (resposta ao quesito 83º, da Base Instrutória);
- Atividade que desempenhou ao longo de 26 anos (resposta ao quesito 84º, da Base Instrutória);
O autor auferia o vencimento mensal ilíquido de 481,00 € e os respetivos subsídios de férias e Natal, acrescido do valor médio mensal de € 300,00, a título de prémios (resposta aos quesitos 81º e 110º, da Base Instrutória);
- Foi considerada 10/1/2006 como a data de consolidação das lesões (resposta ao quesito 116º, da base instrutória);
- O autor sabia que o 1º réu não tinha carta de condução e aceitou ser transportado por ele (resposta ao quesito 132º, da Base Instrutória);
- O autor, que esteve de baixa médica desde o acidente, encontra-se reformado por invalidez, tendo-lhe sido atribuída pensão de invalidez a partir de 22/3/2007 (resposta aos quesitos 80º, 133º e 135º, da Base Instrutória);
- Em 11.06.2007 foi o beneficiário, autor, considerado definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão por acidente de viação (resposta ao quesito 134º, da Base Instrutória);
- O valor atual (à data da apresentação do pedido de reembolso do ISS) mensal da pensão é de € 292,08 euros (resposta ao quesito 136º, da Base Instrutória);
- O Centro Nacional de pensões pagou ao aqui autor a quantia global de € 3.501,56 euros a titulo de pensões de invalidez desde 22.3.2007 a 31.01.2008 (alínea G), dos factos assentes);
- O autor nasceu no dia 20 de Julho de 1964.
Retomando, com as necessárias adaptações, o que se escreveu no acórdão proferido em 15 de setembro de 2014, no processo nº 17/11.0TVPRT.P1, dir-se-á que a determinação do montante indemnizatório devido pela perda ou afetação da capacidade de ganho é uma operação melindrosa e é-o tanto mais quanto maior é o horizonte temporal a ter em conta e a maior ou menor instabilidade da situação envolvente[26].
Em ordem a imprimir uma maior objetividade na fixação dos montantes indemnizatórios, dando execução ao imperativo de justiça e legal de uma tendencial aplicação uniforme do direito (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), a jurisprudência tem-se mostrado favorável à adopção de critérios matemáticos[27], temperados pelas regras da equidade, sobretudo tendo em consideração casos análogos anteriormente decididos.
Neste contexto, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de maio e nº 679/2009, de 25 de junho, podem servir de indicador[28] e definir o patamar inferior da indemnização a arbitrar[29].
Os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação[30] constante do acórdão de 05 de julho de 2007, no processo nº 07A1734, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, acessível no site da DGSI, são os seguintes:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos[31], e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”.
No caso em apreço, afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar a título de incapacidade para o trabalho habitual, bem como quaisquer outras atividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, com um défice permanente da integridade física de cinquenta e oito pontos, há-de ser encontrada entre o máximo obtido pelo critério matemático simples correspondente à capitalização da redução patrimonial no período da esperança média de vida que o lesado teria e o patamar mais elevado fornecido pelas tabelas financeiras, tendo em conta a mesma esperança de vida, ou seja, varia entre € 224.815,68 (€ 6.244,00 x 36 anos) e € 141.369,78 (coeficiente de 22,672942 x € 6.244,88).
No caso decidendo, importa reter a idade do autor à data da consolidação das lesões (quarenta e um anos[32]), a data previsível em que iria sair do mercado de trabalho (setenta anos), pelo que para o termo da sua vida laboral, distam vinte e nove anos contados desde a alta, a esperança média de vida fixável em setenta e sete anos, o seu rendimento anual de € 10.334,00, a incapacidade para o trabalho habitual, a pensão de invalidez que recebe no montante mensal de € 292,08 e que não receberia não fosse o acidente do autos e a incapacidade parcial genérica de cinquenta e oito pontos.
Ponderam-se ainda, em termos comparativos[33], as circunstâncias concretas dos lesados no processo nº 756/08.2TBVIS.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra[34], no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, do Tribunal da Relação de Lisboa[35], bem como as de todos os lesados que vêm referenciados neste último acórdão, isto é, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de junho de 2011, no processo nº 524/07.9TCGMR.G1.S1[36], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de outubro de 2010, no processo nº 839/07.6TBPFR.P1.S1[37], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, proferido no processo nº 1043/03.8TBMCN.P1.S1[38], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de outubro de 2011, no processo nº 733/06.8TBFAF.G1.S1[39], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de junho de 2009, proferido no processo nº 08B3234[40], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2010, proferido no processo nº 220/2001-7.S1[41], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de junho de 2011, proferido no processo nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1[42], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de dezembro de 2011, proferido no processo nº 52/06.0TBVNC.G1.S1[43], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de junho de 2011, proferido no processo nº 160/2002.P1.S1[44], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de junho de 2011[45], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2011[46] e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2011, proferido no processo nº 345/06.PTPDL.L1.S1[47].
Ponderam-se ainda para o efeito já indicado os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos já no decurso dos anos de 2012, 2013, 2015 e 2016:
- de 19 de abril de 2012, no processo nº 3046/09.0TBFIG.S1[48];
- de 02 de maio de 2012, no processo nº 1011/2002.L1.S1[49];
- de 08 de maio de 2012, no processo nº 3492/07.3TBVFR.P1[50];
- de 02 de julho de 2012, no processo nº 3243/09.9TBVNG.P1.S1[51];
- de 10 de outubro de 2012, no processo nº 632/2001.G1.S1[52];
- de 21 de março de 2013, no processo nº 565/10.9TBVPL.S1[53];
- de 06 de junho de 2013, no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1[54];
- de 03 de dezembro de 2015, no processo nº 3969/07.0TBBCL.G1.S1[55];
- de 02 de junho de 2016, no processo nº 2603/10.6TVLSB.L1.S1[56];
- de 02 de junho de 2016, no processo nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1[57];
Assim, tudo sopesado, tendo em conta os resultados obtidos com os diversos critérios de fixação da indemnização, bem como o que nos parece resultar da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se-nos adequada a indemnização de € 150.000,00, a título de perda de capacidade de ganho, descontando já o benefício da pensão mensal de invalidez que não teria, não fora o acidente.
E deve este valor ser reduzido em virtude do autor saber que o réu C… não era encartado e não obstante isso ter aceite ser transportado por ele?
Na decisão recorrida respondeu-se afirmativamente a esta interrogação, com a crítica do recorrente autor, embora aí não se tenha indicado em que medida releva a conduta do lesado.
Não se desconhece que há condutores não habilitados que têm por vezes maior destreza do que um condutor encartado. Porém, em termos de normalidade, quem não tem habilitação legal, presumidamente, não tem a necessária perícia e conhecimento necessários ao exercício da condução automóvel. Daí que, na nossa ótica, o passageiro sabedor de que o condutor do veículo não tem habilitação legal e ainda assim aceita ser por ele transportado, expõe-se, em regra, a um risco, exposição ou assunção do risco que deve ser relevada em sede de culpa do lesado (artigo 570º do Código Civil)[58].
A questão que seguidamente se coloca é a da determinação da proporção do contributo do lesado para os danos verificados com tal exposição a uma situação perigosa.
A nosso ver, tendo em conta que o domínio do facto é do condutor não habilitado e que as possibilidades de reação do passageiro depois de iniciado o transporte são limitadas e podem até ter consequências perversas, afigura-se-nos que a responsabilidade do condutor não encartado supera claramente o contributo do passageiro cônscio dessa falta de habilitação para conduzir, não devendo a contribuição do lesado ir além de vinte por cento do dano verificado.
Assim, no caso em apreço, por efeito da proporção da culpa do lesado, a indemnização no montante de € 150.000,00 reduz-se para o montante de € 120.000,00 (€ 150.000,00 x 0,20 = € 30.000,00; € 150.000,00 - € 30.000,00 = € 120.000,00).
Conclui-se assim pela parcial procedência da apelação do autor no que respeita esta questão da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho.
4.4 Da compensação por danos morais (recurso do autor)
O recorrente autor insurge-se contra a fixação da compensação por danos não patrimoniais arbitrada pelo tribunal a quo, criticando a redução da indemnização por força do conhecimento que tinha da falta de habilitação legal para conduzir do réu C… e pugnando por que essa compensação não seja fixada em valor inferior a cem mil euros.
Cumpre apreciar e decidir.
Na decisão recorrida, fundamentou-se a fixação da compensação por danos não patrimoniais no montante de trinta mil euros, nos termos que seguem:
Estabelece o art. 496º do Código Civil que:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos (...).
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”
Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, 6ª ed., l.°-571 define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.
Como se referiu, dispõe o nº1, do art. 496º, do C. Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objetivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada.
Por graves, tem o Autor direito a indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, cabendo, agora, determinar qual a indemnização a atribuir por eles.
De harmonia com o princípio geral expresso no art. 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano.
Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº2 do art. 566º do CC).
Pede o Autor a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 100.000,00€ de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente.
Face aos factos que resultaram provados, vejamos qual a indemnização a atribuir.
Nos termos do nº3, do 496º do CC, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias que se justifiquem.
Os danos não patrimoniais não podem ser avaliados em dinheiro mas há que proceder à sua compensação.
Dúvidas não restam de que os danos não patrimoniais são graves e, como tais, merecedores da tutela do direito – art. 496º, nº 1 - devendo, “tal gravidade medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado” – A. Varela, ob. e vol. cit., p. 600, devendo tais danos ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc – art. 496º, nº 3.
Como se escreve no Acórdão da RP Processo 108/08.4TBMCN.P1 de 8/7/2010, in www.dgsi.pt “refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc”.
O n.° 3 do artigo 496.° C.Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art. 494º do mesmo diploma. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso. Este tipo de indemnização será fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
Como afirma Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed.73/74, “pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como é sabido, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. “É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante”- Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, p. 104.
Com a indemnização por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for significativa e não meramente simbólica”.
Como afirma A. Varela "O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, n° 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " - Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs.
“Devendo tal compensação ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501. E para haver uma efectiva compensação ser ponderados os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo - cfr Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134.
Pede o Autor a quantia de 100.000,00 €, a titulo de indemnização pelos pelos danos não patrimoniais (dores, medos, incómodos, deformações, desgostos, prolongadas privações, …) que sofreu – cfr factos provados.
Sempre o Autor tem direito a ser compensado pelos grandes sofrimentos que padeceu e isto porque não sendo, no caso, possível a reconstituição natural a indemnização pelos sofrimentos, deformações e incapacidade tem de ser fixada em dinheiro – art. 566º, do C. Civil.
E como os danos sofridos derivaram do acidente tem de ser, por isso, indemnizado – v. art. 562º e 563º, daquele diploma legal.
No que concerne aos danos não patrimoniais, indemnizáveis nos termos do artigo 496º, n.º 1, do CC, sublinha-se o quantum doloris (grau6/7), o dano estético que ostenta (4/7), o tempo de internamento e intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o prolongado estado de doença (cfr fls 1453 e segs e 1642 a 1650), os receios, deformações e privações por que passou e as dores sofridas, de que ainda padece.
Considerando os factos referidos e os montantes adotados jurisprudencialmente em situações similares, afigura-se-nos razoável, adequado, justo e equitativo valorar o dano resultante e fixar em 30.000,00 € a compensação devida pelo dano não patrimonial próprio consistente no sofrimento do Autor adveniente do acidente de viação dos autos, atendendo à idade do mesmo - 39 anos à data do acidente -, à gravidade do danos e ao grau de culpa do condutor do veículo segurado na Ré mas atendendo, também, a que o Autor bem sabia que o 1º Réu não tinha carta de condução e, não obstante isso, acompanhou-o, fazendo-se transportar no veículo por ele conduzido.
Os factos relevantes para a fixação da compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor são os seguintes:
- Na sequência do acidente, o autor sofreu as lesões descritas no relatório médico, que lhe determinaram um período de doença desde 22.3.2004 para consolidação médico-legal, com afetação da sua capacidade de trabalho geral e profissional, o que perdura até hoje (resposta ao quesito 34º, da Base Instrutória);
- Logo após o acidente, por força dos traumatismos sofridos, o autor teve perda de consciência momentânea (resposta ao quesito 35º, da Base Instrutória);
- Tendo ficado encarcerado no interior da viatura, necessitando do auxílio dos bombeiros para evacuação do automóvel (resposta ao quesito 36º, da Base Instrutória);
- Foi, de imediato, assistido pela viatura médica de emergência e reanimação do INEM, sendo de seguida transportado para o Serviço de Urgência do Hospital …, no Porto, tendo recuperado os sentidos apenas no dia seguinte, após a operação cirúrgica a que foi submetido (resposta ao quesito 37º, da Base Instrutória);
- Aí chegado foram-lhe efetuados exames radiográficos, sendo sujeito a cirurgia ortopédica no Bloco do serviço de Urgência, a qual comportou cerca de 7 horas de duração, com perdas hemáticas importantes, com instabilidade hemodinâmica (resposta ao quesito 38º, da Base Instrutória);
- Tendo ficado internado durante 18 dias, na Unidade de Cuidados Intensivos Pós-cirúrgicos, sendo-lhe concedida alta hospitalar em 7.4.2004 para consulta externa (resposta ao quesito 39º, da Base Instrutória);
- Onde se verificou atrasos na consolidação da fratura dos fémures (resposta ao quesito 40º, da Base Instrutória);
- Nos primeiros dias de internamento o autor desenvolveu quadro de pneumonia, necessitando de O2 por máscara (resposta ao quesito 41º, da Base Instrutória);
- Desenvolveu ainda derrame pleural bilateral de grande volume (resposta ao quesito 42º, da Base Instrutória);
- A 10.10.2004 foi internado novamente em Ortopedia, para segunda intervenção cirúrgica, tendo sido feita dinamização das varetas em ambos os fémures e extração dos parafusos (resposta ao quesito 43º, da Base Instrutória);
- Teve alta em 16.10.2004 (resposta ao quesito 44º, da Base Instrutória);
- O autor sofreu um politraumatismo com diferenças múltiplas dos Mis (pós–operatório), síndrome de lise celular, choque hipovolémico, politransfusão e acidose metabólica com lactacidemia (resposta ao quesito 45º, da Base Instrutória);
- Como consequência das lesões sofridas e após as intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, ficou impossibilitado de se locomover, necessitando de ajuda quer de terceiros, quer de uma cadeira de rodas para o fazer e, mais tarde, de canadianas (resposta ao quesito 46º, da Base Instrutória);
- O autor, à entrada do Serviço de Urgências, evidenciava fraturas expostas dos dois fémures, as quais foram reduzidas durante a noite e ainda fratura dos pratos tibiais à esquerda (resposta ao quesito 47º, da Base Instrutória);
- O que lhe causou dores intensas que duram ininterruptamente até à data (resposta ao quesito 48º, da Base Instrutória);
- O autor passou a ser seguido na Consulta Externa do Hospital … (resposta ao quesito 49º, da Base Instrutória);
- Permanecendo em fisioterapia ininterruptamente desde 23.08.2004 até Março de 2006, altura em que, por conselho médico parou para diagnóstico de reações posteriores (resposta ao quesito 50º, da Base Instrutória);
- Durante os três primeiros meses após o acidente o autor teve de permanecer no leito, sem se poder mexer (resposta ao quesito 51º, da Base Instrutória);
- Carecendo da ajuda de terceira pessoa para todos os atos da sua vida, nomeadamente comer, beber, fazer necessidades fisiológicas e cuidar da sua higiene pessoal (resposta ao quesito 52º, da Base Instrutória);
- Após esse período passou a sentar-se numa cadeira de rodas, de forma lenta e progressiva, inicialmente com a ajuda de terceira pessoa e, posteriormente, sozinho (resposta ao quesito 53º, da Base Instrutória);
- Passados 4 meses passou a locomover-se com grande dificuldade, apoiado em muletas com grande dificuldade (resposta ao quesito 54º, da Base Instrutória);
- Submeteu-se a tratamentos de fisioterapia diários, 2 horas por dia, desde 23.08.2004 a Março de 2006, por recomendação médica (resposta ao quesito 55º, da Base Instrutória);
- Após a segunda alta clínica o autor apresentava diversas sequelas que ainda perduram (resposta ao quesito 56º, da Base Instrutória);
- Foi-lhe estabelecido pelo médico que o assistiu, um programa de recuperação que apesar de ter produzido algumas melhoras, não debelou as lesões de que é portador (resposta ao quesito 57º, da Base Instrutória);
- As lesões que sofreu, do ponto de vista ortopédico, incapacitam totalmente ao autor para o exercício da sua profissão de empregado de armazém e motorista (resposta ao quesito 58º, da Base Instrutória);
- Apesar da consolidação óssea das fraturas se ter conseguido, esta não se compadece com esforços e sobretudo, com longos períodos de tempo em pé ou sentado, quer num veículo em viagem, originando sintomas dolorosos de controlo analgésico muito difícil (resposta ao quesito 60º, da Base Instrutória);
- O autor claudica das duas pernas, com maior incidência na perna esquerda (resposta ao quesito 62º, da Base Instrutória);
- Tem grandes dificuldades em nadar (resposta ao quesito 63º, da Base Instrutória);
- Apresenta atrofia da coxa esquerda, limitação da mobilidade de ambas as coxas e lesão do ciático com o pé esquerdo em esquivo (resposta ao quesito 64º, da Base Instrutória);
- Não consegue mexer o pé esquerdo, não se equilibrando por isso nesta perna, já que o membro se encontra paralisado (resposta ao quesito 65º, da Base Instrutória);
- Apresenta marcha difícil claudicante, carecendo de correção de calçado (resposta ao quesito 66º, da Base Instrutória);
- O que limita a sua atividade quotidiana (resposta ao quesito 67º, da Base Instrutória);
- Com agravamento do ciático propletéo externo (resposta ao quesito 68º, da Base Instrutória);
- Já que apresenta atrofia muscular do nadegueiro, atrofia da coxa com cerca de 3,5 cm, flexo do joelho a 15º e paralisia do ciático propléteo externo com pé esquivo no membro inferior esquerdo (resposta ao quesito 69º, da Base Instrutória);
- E apresenta imobilidade entre 40º a 60 º de extensão do membro inferior direito com limitações na rotação externa entre 25º e 35º, não conseguindo fazer o levantamento da perna para subir um degrau (resposta ao quesito 70º, da Base Instrutória);
- Antes do acidente, o autor era dinâmico e alegre (resposta aos quesitos 96º e 97º, da Base Instrutória);
- O autor tem várias cicatrizes no corpo, designadamente no rosto, no pulso direito e ainda em ambas as pernas, sendo estas últimas fruto das intervenções cirúrgicas a que foi submetido (resposta ao quesito 98 º, da Base Instrutória);
- A incapacidade para o exercício da sua profissão provoca-lhe angústia e ansiedade (resposta ao quesito 99º, da Base Instrutória);
- O facto de se encontrar a mancar para o resto da vida, além de o afetar psicologicamente (o que não superou e o complexa), fá-lo sentir diminuído, o que tem consequências nefastas a nível da sua saúde mental, designadamente da parte psicológica (resposta ao quesito 100º, da Base Instrutória);
- O autor não consegue correr e, consequentemente, praticar futebol, desporto que praticava antes do acidente (resposta ao quesito 101º, da Base Instrutória);
- O autor não consegue ajoelhar-se nem aninhar-se e necessita de apoio para subir degraus (resposta ao quesito 102º, da Base Instrutória);
- O Autor suportou muitas dores e incómodos com as lesões de que foi vítima e de que é portador, encontrando-se o quadro álgico estabilizado, embora ainda sinta dores e incómodos (resposta ao quesito 103º, da Base Instrutória);
- Deixou de conviver e de se relacionar com as pessoas já que sente vergonha da sua condição física, isolando-se (resposta ao quesito 104º, da Base Instrutória);
- Por isso, é atualmente uma pessoa triste e amargurada, apresentando “perturbação de adaptação” (resposta ao quesito 105º, da Base Instrutória);
- Meses após o acidente, quando o autor começou a fazer fisioterapia, ele e sua mulher foram residir para o Porto, para casa de uma cunhada, pelo facto da sua residência, em Vila Nova de Gaia, ser num 3º andar sem elevador (resposta ao quesito 106º, da Base Instrutória);
- E pelo facto de ter necessidade de ter um elemento familiar por perto e para ter acessibilidade de transporte para os tratamentos médicos e assim reduzir despesas (resposta ao quesito 107º, da Base Instrutória);
- Viveu, por isso, o autor amargurado por ter deixado a sua residência em Vila Nova de Gaia e deixar de ter privacidade com a sua família, residindo num espaço exíguo (resposta ao quesito 108º, da Base Instrutória);
- A pneumonia e derrame pleural ficaram a dever-se a infeção hospitalar, sem que para tal tenham concorrido as lesões decorrentes do acidente (resposta ao quesito 113º, da Base Instrutória);
- Foi considerada 10/1/2006 como a data de consolidação das lesões (resposta ao quesito 116º, da base instrutória);
- O 1º réu não tinha carta de condução (alínea D), dos factos assentes);
- O autor sabia que o 1º réu não tinha carta de condução e aceitou ser transportado por ele (resposta ao quesito 132º, da Base Instrutória).
A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 3, do artigo 496º do Código Civil).
Também nesta vertente deve atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente.
A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.
Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
Ensina o Professor Antunes Varela[59] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”. Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a compensação por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na atualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas, destituídos de sentimentos[60], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[61].
No caso dos autos, a questão da gravidade dos danos não patrimoniais não se coloca, mas apenas a sua quantificação.
Num exercício de calibração da compensação justa ao caso dos autos é importante tomar como referência a jurisprudência mais recente do nosso mais alto tribunal que tem vindo a ser produzida sobre esta temática[62].
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de junho de 2015, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, acerca dos danos não patrimoniais sumariou-se o seguinte:
“X - Tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40.000,00, como decidiu a Relação.”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de dezembro de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, no processo nº 3969/07.0TBBCL.G1.S1, relativamente a lesada nascida em 18 de julho de 1933, afectada de uma IPP de 10%, escreveu-se na fundamentação, além do mais, o seguinte:
“Nesta sede, provou-se que:
(i) - Em virtude do embate, a A. sofreu lesões que determinaram a sua imediata evacuação para o Hospital de Viana do Castelo – resposta ao art.º 23.º da base instrutória correspondente a ponto 1.33;
(ii) - Foram detetadas à A. fratura dos ossos da perna direita, fratura do olecrâneo direito e traumatismo do hemitorax esquerdo, com fratura de 8 costelas – resposta restritiva ao art.º 24.º da base instrutória correspondente a ponto 1.34;
(iii) - As lesões, após completado o período de tratamento, deixaram como sequelas fratura da tíbia consolidada com ligeiro desvio axial, fratura do olecrâneo com rigidez do cotovelo (5.º de extensão) e ligeiro edema do membro inferior por insuficiência venosa, pós-traumática – resposta ao art.º 25.º da base instrutória correspondente a ponto 1.35;
(iv) - A A. terá de ser submetida a intervenção cirúrgica para extração de materiais de osteossintese – resposta ao art.º 28.º da base instrutória correspondente a ponto 1.37;
(v) – Por via do embate e das lesões sofridas, a A. esteve, após o tratamento hospitalar, primeiro, no Centro Hospitalar …, em Viana do Castelo, depois, no Hospital …, no Porto, e finalmente no Hospital de …, em Barcelos – resposta ao art.º 36.º da base instrutória correspondente a ponto 1.46;
(vi) - A A. esteve imobilizada em casa, retida na cama, durante 3 meses – resposta ao art.º 37.º da base instrutória correspondente a ponto 1.47;
(vii) De inícios de julho de 2006 até finais de janeiro de 2007, a A. esteve obrigada a utilizar uma cadeira de rodas sempre que precisava de se locomover, cadeira essa que tinha de ser empurrada por outra pessoa, já que a A., limitada pelas lesões sofridas, não conseguia accioná-la autonomamente – resposta ao art.º 38.º da base instrutória correspondente a ponto 1.48;
(viii) - Durante cerca de 6 meses a A. necessitou do auxílio de canadianas para se locomover – resposta restritiva ao art.º 39.º da base instrutória correspondente a ponto 1.49;
(ix) - O embate provocou à A., naquele momento, dores em consequência das fraturas múltiplas e dos tratamentos sofridos – resposta ao art.º 50.º da base instrutória correspondente a ponto 1.53;
(x) - A A. sofreu dores e padecimentos com os curativos e tratamentos feitos – resposta ao art.º 53.º da base instrutória correspondente a ponto 1.54.
Tendo em conta, pois, a espécie das lesões sofridas, o quadro de intervenções cirúrgicas e de tratamentos a que a A. foi sujeita, as sequelas por que passou e o facto de, à data do acidente, manter uma vida ativa, nas lides domésticas do seu agregado familiar, e considerando, em particular, os sofrimentos que, segundo as regras da experiência comum, aquelas sequelas são suscetíveis de produzir numa pessoa de idade já avançada, como a A. com quase 73 anos à data do acidente, tem-se por adequada uma compensação na ordem de € 30.000,00, atentos os padrões de vida atuais.”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1, na parte que interessa a estes autos sumariou-se o seguinte:
“1. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
2. Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, no processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1, na parte pertinente à matéria objeto destes autos sumariou-se o seguinte:
“II. Em função das sequelas permanentes que afectam o Autor e que constituem menos valia física permanente com repercussão na sua vida laboral futura, implicando maior penosidade com o decurso da idade e poderão frustrar o emprego em profissões fisicamente exigentes, lembre-se que a lesão provocou encurtamento de 4 cm, na perna esquerda e que pela lesão na perna direita coxeia, sente dores ao andar, não dobra a perna esquerda na totalidade, para lá das lesões permanentes que afectam os seus membros superiores, tendo ainda em conta que, desde os 20 anos, o Autor viu condicionada a sua integridade física, reputa-se equitativa – nº3 do art. 566º do Código Civil – a compensação por danos patrimoniais, na vertente da perda de capacidade de ganho em função do grau de incapacidade actual de 40% a indemnização de € 150.000,00.
III. Não se tratando de incluir na compensação por danos morais os “punitive damages” do direito anglo-saxónico, a compensação deve, no entanto, reflectir a censura de que é merecedor o causador do facto ilícito gerador de danos. No caso, o acidente deveu-se a culpa grosseira do condutor segurado da Ré, que conduzia com elevada taxa de álcool no sangue – 2,25 gr./l. Para além disso, não se deteve ante um sinal de Stop e encetou uma manobra de mudança de direcção de forma imprevidente, causando o acidente.
IV. Em consequência das múltiplas lesões sofridas, o Autor, aos 20 anos, ficou afectado física e psicologicamente, não sendo razoável considerar que a sua menos valia física, relevante para quantificar o dano patrimonial, não seja valorada como sofrimento, pelo sentimento de inferioridade psicológica que representa alguém jovem e saudável, sendo desportista, e apreciador dos prazeres da vida, se vê com o corpo com cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento e relevante dano estético, com sequelas psicológicas que implicam perda de auto-estima e sentimentos de inibição, levando à alteração do padrão de vida pessoal e social. Os danos não patrimoniais foram e são de acentuada magnitude, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada como é, em € 45.000,00, uma vez que não se procede a actualização dos valores arbitrados.”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de janeiro de 2016, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, no processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, sumariou-se com pertinência para estes autos, além do mais, o seguinte:
“V. Tendo ficado provado que, em consequência de acidente de viação, o lesado, então com 17 anos de idade, sofreu uma lesão de um membro inferior que o deixou incapacitado para a sua profissão habitual, da qual se reformou, e com uma incapacidade geral permanente de 23%, atenta a esperança de vida média à data do acidente (70 anos para os homens nascidos em 1977), e uma vez que teria ainda pela frente várias décadas com a oportunidade de “progredir na vida” - mesmo desconhecendo-se as suas habilitações, mas havendo indícios de que as mesmas não seriam elevadas - considera-se adequado fixar, a título de indemnização por danos patrimoniais derivados da perda de capacidade de ganho, o valor de €50.000,00, o qual se reduz para €45.186,50, devido à limitação do pedido.
VI. Resultando, no mais, da factualidade provada que, em consequência do acidente, o lesado foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efectuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7 - justificar-se-ia fixar uma indemnização por danos não patrimoniais total no valor de €40.000,00, a qual, no entanto, deve ser reduzida para €12.420,06, por apenas ter sido pedida uma indemnização parcial pelo quantum doloris e pelo dano estético, e devido à limitação do pedido.”
Finalmente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de abril de 2016, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, no processo nº 237/12.2TCGMR.G1.S1, relativamente a lesada com vinte e dois anos de idade, com pertinência para estes autos, entre o mais, sumariou-se o seguinte:
“IV - Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50.000 (e não de € 18.000 como foi fixado pela Relação).”
No caso concreto, ponderada toda a factualidade que ficou provada e acima rememorada, tendo ainda em conta que o quantum doloris foi fixado em grau seis numa escala de 0 a 7, que o dano estético foi fixado em grau 4 numa escala de 0 a 7[63], tendo em conta a idade do autor na data dos factos, o tempo longo de estabilização das lesões (quase dois anos), o grau de incapacidade genérica parcial de cinquenta e oito pontos, as consequências psíquicas para o autor e resultantes da incapacidade total para o desempenho de uma atividade profissional e também para a execução das atividades diárias e a alteração da personalidade do autor em consequência do sinistro, por comparação com a compensações arbitradas nos casos objeto dos acórdãos de 21 de janeiro de 2016, proferido no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1 e de 07 de abril de 2016, proferido no processo nº 237/12.2TCGMR.G1.S1 e que, na nossa perspetiva, têm menor gravidade do que o destes autos, julga-se adequada a compensação de sessenta mil euros, a título de danos não patrimoniais.
Por efeito da culpa do lesado na modalidade de assunção do risco, a compensação antes arbitrada reduz-se para o montante de quarenta e oito mil euros (€ 60.000,00 – [€ 60.000,00 x 0,2]).
Pelo que precede, conclui-se pela parcial procedência do recurso de apelação do autor neste segmento.
As custas do recurso de apelação de I…, porque decaiu integralmente, são da sua responsabilidade, as custas do recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel são da responsabilidade deste recorrente em virtude de ter decaído na sua pretensão final, não obstante uma parcial procedência em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo as custas do recurso do autor, bem como as da ação, da responsabilidade deste recorrente e dos recorridos vencidos, na exata proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam no seguinte:
a) em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por I…;
b) em julgar parcialmente procedente a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo Fundo de Garantia Automóvel nos termos precedentemente expostos e no mais, julgar improcedente o recurso de apelação interposto por esta entidade;
c) em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, revogando-se parcialmente a sentença proferida em 13 de janeiro de 2016, fixa-se a indemnização a título de perda de capacidade de ganho no montante de cento e vinte mil euros, em vez dos noventa mil euros arbitrados na decisão recorrida e fixa-se a compensação por danos não patrimoniais no montante de quarenta e oito mil euros, em vez dos trinta mil euros arbitrados na decisão sob censura, montantes que C…, I… e o Fundo de Garantia Automóvel vão condenados solidariamente a pagar, além do demais decidido na decisão sob censura e que não foi impugnado em via de recurso e que por isso se mantém;
d) as custas do recurso de apelação de I…, porque decaiu integralmente, são da sua responsabilidade; as custas do recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel são da responsabilidade deste recorrente em virtude de ter decaído na sua pretensão final, não obstante uma parcial procedência em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo as custas do recurso do autor, bem como as da ação, da responsabilidade deste recorrente e dos recorridos vencidos, na exata proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
***
O presente acórdão compõe-se de setenta e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 21 de novembro de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
_________
[1] Notificada às partes em expediente eletrónico elaborado em 15 de janeiro de 2016.
[2] A resposta a este artigo foi a seguinte: “provado apenas que E… seguia imediatamente atrás do ..-..-TJ, conduzido pelo seu filho”.
[3] A resposta a este artigo foi: “não provado”.
[4] A resposta a este artigo foi: “provado apenas que o IC apresenta três faixas de rodagem em cada um dos seus sentidos”.
[5] A resposta a este artigo foi conjunta com a dos artigos 9º e 20º da base instrutória e foi do seguinte teor: “provado que o PO seguia à velocidade de cerca de 90 kms/hora e o TJ seguia a velocidade superior”.
[6] A resposta a este artigo foi: “provado apenas que momentos depois, o condutor do ..-..-PO, perdeu o controlo do seu veículo, indo embater com a sua viatura no separador central da referida ponte, mas metros mais à frente do local em que o ..-..-TJ embateu”.
[7] A resposta a este artigo foi: “provado apenas que à sua frente e a uma distância de cerca de 50 metros, circulava o ..-..-TJ”.
[8] A resposta a este artigo foi: “provado apenas que o condutor do PO assistiu ao referido, sabia que o seu filho ia naquele veículo, ficou sobressaltado e que perdeu o controlo do PO”.
[9] A resposta a este artigo foi: “provado”.
[10] A resposta a este artigo foi: “não provado”.
[11] A resposta a este artigo foi: “provado apenas que o autor necessitará de tratamento fisioterápico periódico para prevenção do agravamento das sequelas de que padece”.
[12] A resposta a este artigo foi: “provado”.
[13] São trezentas e cinquenta e oito faturas-recibo. Dessas, trezentas e vinte e quatro foram emitidas pela mesma pessoa, constando em trezentas e três delas a matrícula “UF-..-..”. Dessas trezentas e cinquenta e oito faturas-recibo, apenas duas contêm a indicação do local de partida e do local de destino, num caso, … à Rua … (folhas 123) e no outro caso, o percurso inverso (folhas 125). Nas faturas em que vem identificado o veículo UF-..-.. ou que foram aparentemente preenchidas pela mesma pessoa que preencheu aquelas em que vem identificado o aludido veículo, foi escrito, na sua quase totalidade, o número de identificação fiscal ……… (apenas quatro destas faturas não têm aposto este número de identificação fiscal), número que não é o do autor, nem é o da empresa de táxi em causa que, fazendo fé no carimbo da entidade recebedora, será o ………. Causa no mínimo estranheza que a mesma entidade emita as faturas nºs … e …, no dia 25 de fevereiro de 2005 e no dia 28 de fevereiro de 2005, emita as faturas nºs … e …, tendo já emitido com data de 24 de fevereiro de 2005, as faturas nºs … e ….
[14] Esta decisão confirmou a condenação em primeira instância de C…, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, no dia 22 de março de 2004, no IC ., sentido Porto/Vila Nova de Gaia, na pessoa de B… e de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.
[15] Também as respostas que o Fundo de Garantia Automóvel pretende que sejam dadas aos artigos 23º, 25º e 28º, da base instrutória são excessivas, pois incluem matéria que constitui o contrário do que aí era quesitado. Porém, isso não obsta neste caso à reapreciação requerida porque, se acaso a pretensão recursória deste recorrente for fundada, sempre serão possíveis respostas negativas a estes artigos.
[16] A participação policial não indica a distância entre os dois pontos de embate de cada um dos veículos.
[17] E também com a descrição do sinistro que fez ao agente participante, nos termos que seguem: “Que os veículo circulavam no IC. sentido de marcha Norte – Sul, à sua frente circulava o veículo nº 1, inesperadamente o condutor nº 1 perdeu o control do veículo despistando-se e embatendo com a frente no separador central transpondo o mesmo, o veículo espalhou na faixa de rodagem vários fragmentos, para evitar a colisão com os destroços e preocupado com o condutor do veículo nº 1, que é seu filho, perdeu o control do veículo e embateu com a frente do lado esquerdo no separador central.”
[18] Expurgados de referências probatórias e com reprodução da pertinente factualidade resultante de prova documental, quando foi efetuada remissão para tal prova junta aos autos.
[19] Esta abreviatura é para nós ininteligível, sendo certo que a resposta a este artigo da base instrutória foi a seguinte: “Provado apenas que ambos seguiam no sentido referido na resposta ao quesito 2º.”
[20] Não será antes o popliteu ou poplíteo, como outros preferem? Sobre a questão veja-se o Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora 2005, Manuel Freitas e Costa, página985, coluna da esquerda.
[21] Em rigor, numa ação em que se discute a propriedade de um certo veículo, essa questão constitui matéria de direito e não matéria de facto, não devendo por isso ser objeto de resposta em sede de matéria de facto.
[22] Sobre este princípio, por todos, veja-se Direito das Coisas, Coimbra Editora 2012, Orlando de Carvalho, páginas 214 a 219, número 10.
[23] In Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, fevereiro de 2011, página 513.
[24] In Das Obrigações em Geral, 6ª edição, Almedina 1989, páginas 632 e 633.
[25] É jurisprudência corrente que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto (neste sentido, por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 2005, relatado pelo Sr. Conselheiro Oliveira Barros, no processo nº 04B347, acessível no site da DGSI), tudo se passando como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário.
[26] A nosso ver, a forma mais correta de reduzir a álea envolvida nestas operações seria a de impor a fixação da indemnização sob forma de renda mensal, em vez de apenas permitir, como hoje sucede, esta modalidade de reparação do dano, fazendo-a depender da vontade do credor (artigo 567º do Código Civil). Na verdade, o lesado tanto pode viver muito menos como muito mais do que a esperança média de vida, pode ser vítima de outros factos danosos e, em sentido inverso, pode beneficiar de novos meios de tratamento que alterem a sua situação clínica e a sua incapacidade.
[27] Uma operação matemática expedita para encontrar um valor nestes casos consiste no apuramento da perda de rendimento correspondente ao número de anos tidos em conta. No caso dos autos, anualmente, o lesado teria uma perda de € 6.244,88 ([€ 481,00 x 14 meses] + [€ 300,00 x 12 meses] = € 10.334,00- [€292,08 de pensão de invalidez x 14 meses]), correspondendo a tal valor, no período de trinta e seis anos, com referência ao termo da esperança média de vida (77 anos para os homens) (este período determina-se tendo em conta o tempo que medeia desde a alta clínica – 10 de janeiro de 2006 – até ao termo da esperança média de vida para os homens) o capital de € 224.815,68 (€ 6.244,88 x 36 anos). Este valor é bruto e não entra em consideração com a natureza frutífera do capital. Outro método consiste em determinar o capital necessário para gerar anualmente o rendimento perdido. Tendo em consideração uma taxa de 3% ao ano, e o rendimento perdido de € 6.244,88, o capital necessário para em cada ano produzir esse rendimento será de € 208.162,67 (arredondado por excesso (€ 6.244,88 está para um rendimento de 3%, assim como X está para um rendimento de 100%, sendo X = € 208.162,67)). Porém, tendo em conta que este capital permitiria auferir indefinidamente o rendimento perdido há que reduzi-lo pelo menos num terço, assim se obtendo o capital de € 138.775,11, que anualmente produzirá um rendimento de € 4.163,25, sendo necessário no primeiro ano retirar ao capital a importância de € 2.081,63, para perfazer o rendimento perdido e assim sucessivamente.
[28] Neste sentido se orientam o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, embora relativamente a uma hipótese qualificada como de dano biológico e o do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Leal, no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, ambos acessíveis no site da DGSI.
[29] Aplicando as tabelas financeiras editadas pela Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 1981, a uma taxa de 3 % (ver página 26, terceira coluna a contar da direita), para um período temporal de trinta e seis anos, tem-se um coeficiente de 21,83225 que multiplicado pela perda anual de € 6.244,88, totaliza € 136.339,78. Aplicando o coeficiente que consta das Portarias nºs 377/2008 e 679/2009 para o cálculo do dano patrimonial futuro, que sempre seria aplicável porque o caso dos autos é de incapacidade para a profissão habitual, para um período de trinta e seis anos (coeficiente de 22,672942), obtém-se o capital de € 141.369,78 (arredondando por defeito). Estes valores devem ser tomados tendencialmente como patamares inferiores da indemnização a arbitrar porque ponderam já a disponibilidade imediata do capital.
[30] Informa o Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira que a citação é extraída do seu acórdão de 22 de março de 2007, proferido na Revista nº 499/07, decisão a que não conseguimos aceder por via eletrónica.
[31] Atualmente a esperança de vida para os homens, fazendo fé nos dados constantes da Pordata, situa-se nos setenta e sete anos vírgula quatro.
[32] Pois que é esta a idade referência para efeitos da avaliação da efectiva empregabilidade do lesado, sendo do conhecimento comum que quanto mais perto está o termo da vida ativa, tanto mais difícil é encontrar emprego.
[33] Os dados que de seguida se enunciam não podem ser comparados acriticamente pois os critérios utilizados nas diversas decisões que se citam, os dados relevados e a qualificação do dano ressarcido não são coincidentes. Assim, a título de mero exemplo, nuns casos toma-se como referência o salário líquido, noutros casos o salário ilíquido, enquanto noutras situações não se sabe se se trata de salário líquido ou ilíquido; nuns casos fixa-se o termo da perda da capacidade de ganho no fim da vida activa, fixada por vezes em sessenta e cinco anos e noutras vezes em setenta anos, enquanto noutros casos se faz coincidir esse termo com a esperança média de vida do lesado, esperança de vida variável em função do sexo e também em função dos dados estatísticos existentes na data em que é proferida a decisão.
[34] Lesado com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, com um vencimento ilíquido de € 836,34 e uma incapacidade permanente parcial de quinze pontos, tendo em conta o termo da vida activa aos setenta anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 40.000,00, por força de contingências processuais (veja-se a nota 23 do citado acórdão, acessível na base de dados da DGSI).
[35] Lesada com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, vencimento ilíquido de € 797,00, tendo-se tomado como referência o vencimento líquido de € 575,00, uma incapacidade parcial permanente de 18,65 pontos e a esperança média de vida de oitenta e dois anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 45.000,00 (acórdão acessível na base de dados da DGSI).
[36] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e três anos de idade, à data do sinistro, com o 12º ano de escolaridade e com o estágio de desenhador gráfico, que ia começar a trabalhar com a retribuição de € 600,00 e que ficou incapacitado para qualquer profissão, paraplégico, para tudo dependente de terceiros, sendo fixada a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 300.000,00.
[37] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, com uma incapacidade permanente geral de 80%, totalmente impossibilitado de exercer para o resto da vida qualquer actividade profissional, que auferia um rendimento mensal de € 350,00, fixando-se a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 120.000,00.
[38] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2001, com cinquenta e um anos de idade, à data do sinistro e que nessa data exercia a profissão de pedreiro, auferindo € 6.500,00 por ano e que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e totalmente dependente de terceiros para o dia-a-dia, tendo-se entendido não ser exagerada a quantia de € 100.000,00, a título de danos patrimoniais futuros.
[39] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Orlando Afonso e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com cinquenta e quatro anos de idade, à data do sinistro, cantoneiro de profissão, a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20 %, mas com total incapacidade para a profissão habitual, bem como para todas as actividades que exijam esforços físicos, arbitrando-se a indemnização de € 65.000,00.
[40] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 1996, com vinte e um anos de idade, à data do sinistro, estudante, residente em França, afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50 %, com aumento previsível de 3 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 110.000,00.
[41] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, pedreiro, que auferia € 6.181,70 por ano e ficou com uma incapacidade parcial permanente de 30 %, com mais 10 % a título de dano futuro e com rebate na actividade profissional, implicando esforços acrescidos, arbitrando-se a quantia de € 80.000,00 pela perda da capacidade de ganho.
[42] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com trinta e um anos de idade, à data do sinistro, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão na carreira, com um rendimento mensal líquido de € 2.200,00, afectado de incapacidade parcial genérica de 29,55 %, com agravamento previsto de mais 10 %, atribuindo-se a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 225.000,00.
[43] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2003, com trinta e dois anos de idade, à data do sinistro, inactiva nessa data, mas tencionando ingressar no mercado laboral como empregada fabril, afectada de uma incapacidade permanente geral de € 20 %, acrescida de um previsível agravamento futuro de mais 10 %, tendo-se fixado a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00.
[44] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, sócio gerente de uma sociedade, com um rendimento bruto anual de 960.000$00, afectado de uma incapacidade permanente geral de 16 %, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas com esforços suplementares, negando-se revista, manteve-se a indemnização de € 23.000,00, considerando-se a mesma exígua.
[45] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Manuel Braz e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e dois anos de idade, à data do sinistro, com o 9º ano de escolaridade, com boas perspectivas de seguir carreira militar na classe dos sargentos, auferindo o vencimento mensal de € 1.194,49, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, futuramente ampliada em mais 10 %, tendo-se atribuído o montante de € 100.000,00, a título de dano patrimonial futuro.
[46] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Gregório de Jesus e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, que auferia € 510,00 líquidos por mês, tendo ficado afectado de uma incapacidade parcial genérica de 15 %, futuramente acrescida de 5 %, tendo-se negado revista confirmando a indemnização de € 31.500,00 arbitrada pelas instâncias, a título de dano biológico.
[47] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Maia Costa e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, estudante, afectado com uma incapacidade permanente geral de 11,73 %, em que se considerou excessiva a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 20.000,00, reduzindo-se a mesma para o montante de € 15.000,00.
[48] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Serra Batista e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade então, estudante e a frequentar um curso de formação profissional, afectado de uma incapacidade permanente genérica de 13 pontos, com tendência a agravar-se para o futuro, tendo em atenção uma esperança de vida média de setenta e oito anos e a data provável em que o lesado entrará no mercado de trabalho, fixando-se o dano patrimonial futuro no montante de € 35.000,00.
[49] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 1997, com vinte e oito anos de idade à data do sinistro, empresário da construção civil, pedreiro e ladrilhador, com rendimento anual de valor não concretamente apurado, afectado de uma incapacidade genérica parcial permanente de 40 %, com rebate profissional e a exigir esforços acrescidos, estimando-se o termo da vida activa aos sessenta e cinco anos, fixando-se a indemnização por danos futuros no montante de € 120.000,00.
[50] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com dezanove anos de idade à data do sinistro, estudante e a frequentar o 12º ano, afectado de uma incapacidade genérica parcial de 7 %, acrescida de 2 % de dano futuro, confirmou-se a decisão das instâncias de fixação do dano patrimonial futuro no montante de € 25.000,00.
[51] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Camilo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com sessenta anos de idade à data do sinistro, electricista não colectado, auferindo mensalmente a importância de € 500,00, afectado de uma incapacidade genérica permanente de 11 %, mas sem conseguir exercer a profissão habitual, calculando-se o termo da vida activa aos setenta anos, arbitrou-se a título de dano patrimonial futuro a quantia de € 30.000,00.
[52] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2000, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, empregada de limpeza com o vencimento mensal de € 473,86, afectado de uma IPG de 17,06%, com agravamento futuro previsto de 5%, considerando-se uma esperança média de vida de setenta e nove anos, em que foi arbitrada a importância de € 50.000,00, a título de perda de capacidade de ganho e € 10.000,00, a título de dano biológico.
[53] Acórdão relatado pela Sr. Juiz Conselheiro Salazar Casanova e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2009, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, sem reflexos nos ganhos laborais, com um rendimento bruto anual de € 17.575,00, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 60.000,00.
[54] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta anos de idade, à data do sinistro, empresário no sector da restauração, com um rendimento mensal médio no mínimo de € 3.958,19, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 52,036 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 963.475,75, sustentando-se não se justificar no caso concreto qualquer redução do capital, em função da disponibilidade imediata de valores que o lesado apenas iria percebendo ao longo do tempo e revogando-se a decisão do Tribunal da Relação que havia fixado esse dano no montante de € 691.920,00.
[55] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2006, nascida em 18 de julho de 1933 e que ficou afetada com uma incapacidade parcial permanente de 10 %, sendo-lhe arbitrada a indemnização a título de dano biológico de € 15.000,00.
[56] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, referente a lesada em acidente ocorrido em 2010, nascida em 22 de março de 1963, que ficou incapaz para o trabalho habitual, embora com capacidade residual para o exercício de outras atividades compatíveis com as suas competências, com um vencimento mensal ilíquido de € 528,00, subsídio de alimentação mensal de € 66,00 e subsídio de transporte mensal de € 27,50, sendo arbitrada a indemnização de € 150.000,00, a título de perda da capacidade de ganho.
[57] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, referente a lesado em acidente ocorrido em 2007, nascido em 03 de março de 1957, que ficou totalmente incapaz para o trabalho habitual e para todo e qualquer trabalho, com um vencimento mensal de € 640,96, sendo fixada a indemnização de € 145.000,00.
[58] A este propósito vejam-se: Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 102º, nº 3385, anotação do Sr. Professor Antunes Varela ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de fevereiro de 1968, especialmente na página 56; A Conduta do Lesado como Pressuposto de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina 1997, José Carlos Brandão Proença, página 390, nota 1300 e páginas 638 a 640.
[59] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576.
[60] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa concepção atualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 454 a 456, anotação 5 ao artigo 202º do Código Civil.
[61] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
[62] Jurisprudência toda ela acessível no site da DGSI.
[63] A graduação do quantum doloris, bem como do dano estético não consta dos factos provados, como devia. No entanto, porque o tribunal a quo se serviu de tais dados de facto que devia ter incorporado na decisão da matéria de facto, sem qualquer reparo das partes, entende-se que se deve ter por adquirida essa matéria de facto.