Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1082/10.2TBMCN-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RP201902041082/10.2TBMCN-C.P1
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º689, FLS.81-86)
Área Temática: .
Sumário: Apenas quando esteja em causa documento de que a lei faça depender o prosseguimento da ação será a omissão da parte determinante da deserção da instância prevista no nº 1 do art. 281.º CPC. Não assim quanto à apresentação de documentos probatórios relativos ao mérito da ação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1082/10.2TBMCN-C.P1

Sumário do acórdão, elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
........................................................................
........................................................................
........................................................................
*
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Por apenso aos autos de execução que B… e C… instauraram contra D… e E…, veio F…, casado, empresário em nome individual, residente na …, freguesia de …, …. - … Marco de Canaveses, apresentar embargos de terceiro, visando sustar a entrega do imóvel penhorado.
As exequentes apresentaram contestação e, após, foi designada audiência prévia em cuja ata, datada de 11.7.2016, foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do processo e fixados os temas de prova, tendo ainda sido notificado o embargante para juntar os documentos requeridos pela exequente nos pontos III. 1., 2. e 6. do seu requerimento probatório (original de contrato de arrendamento, faturas de trabalhos levados a cabo pelo embargante, certidões fiscais e registrais ou indicação da respetiva identificação).
A 14.9.2017, foi proferido despacho renovando tal notificação e a 30.10.2017, face à omissão do embargante, determinou-se que os autos aguardassem a apresentação dos documentos por este, sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º 5 CPC.
A 15.7.2018, foi proferida a decisão sob recurso, na qual se consignou, entre o mais, o seguinte:
(…) analisados os autos, entendemos que o embargante efectivamente não cumpriu o seu dever de impulso processual que consistia na apresentação atempadamente dos documentos referidos e cuja junção se ordenou.
Ora, mantendo-se no nosso processo civil atual o princípio da auto-responsabilização das partes, a sua inércia em promover o necessário andamento dos trâmites processuais, tem efeitos cominatórios, que podem ser, nomeadamente, a deserção da instância.
(…)
se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, in casu, do embargante, está inequivocamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência, à semelhança do caso retratado no citado Acórdão, cujos fundamentos chamamos aqui à colação pela clareza da sua argumentação.
Face a todo o exposto, considera-se deserta a instância nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 281º do CPC.
*
Desta decisão recorre o embargante, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que designe data para a audiência de julgamento, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Alinhou como conclusões que considera justificarem tal pretensão:
(…)
VI. Aflora pois a douta sentença na sua fundamentação os efeitos e “ pressupostos para a deserção da instância executiva (com a consequente extinção da respectiva instância: cfr artº 277 al. C), possa ser declarada:”
VII. Contudo não a declarando – extinção da instância -, no entanto, com todo o devido respeito – incompreensivelmente- e salvo sempre m.o.c
VIII. É pois, face ao supra exposto, em nosso entender e salvo sempre m.o.c. a douta decisão nula.
IX. Conforme o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Junho de 2017:
“As decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do artº. 723º do CPC) estabilizam- se/consolidam-se definitivamente (como efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial). E nessa medida não podem ser contrariadas por qualquer subsequente intervenção (processual) oficiosa do juiz de execução. Decorre do texto do artº. 281º, nº. 5, do CPC, que são pressupostos para que a deserção da instância executiva possa ser declarada: a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses; b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes. Em face do segundo pressuposto legal, a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente à prolação do despacho que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, é ou não devida à negligência daquelas. Nessa medida, num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, do CPC, impõe-se ao tribunal que, previamente, dê oportunidade às partes de se pronunciarem a esse respeito.”
X. O tribunal, face à ausência de resposta, deveria ter proporcionado ao embargante a possibilidade de se defender sobre uma imputação de negligência da sua conduta.
(…)
XII. Assim, o embargante, ora recorrente, entende que não foram respeitados os princípios base do Processo Civil: o da cooperação, do contraditório, nem tão pouco o da igualdade das partes.
XIII. Não o fazendo, o tribunal incorre em nulidade processual, geradora, na conjugação dos art.s 3º, nº. 3, 281 nºs. 1, 4 e 5 , e 195º, nºs. 1 e 2 todos do CPC , do despacho/ sentença proferido.”
(…)
(…)
XXI. (…) estamos perante um embargo de terceiro, no qual foi deduzida oposição à execução mediante embargos de terceiro com função preventiva, nos termos previstos nos artigos 350º do CPC.
XXII. Os mesmos foram admitidos, não tendo havido lugar a convite de aperfeiçoamento.
(…)
XXIV. Ao requerido e judicialmente determinado, aplica-se, então, o disposto nos artigos 429º e seguintes, cuja tramitação e consequências jurídico-processuais passamos desde já a explanar:
a) - quando se pretende fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado;
b) - se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação;
c) - se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no nº.2 do artigo 417º;
d) - o tribunal pode ordenar a apreensão do documento e condenar o notificado em multa, quando ele não efetuar a entrega nem fizer nenhuma declaração.
(…)
XXVI. Ora, o Tribunal a quo optou por parar o processo e aguardar que a Embargante procedesse com a junção dos documentos, quando tinha o poder/dever de dar prosseguimento aos autos por força do disposto no artº 6º nº 1 do CPC, nomeadamente (e a titulo exemplificativo) nos termos dos artigos 417º ou 433º do CPC.
XXVII. Salvo melhor opinião em contrário, a não junção de documentos demonstra uma situação de falta de colaboração da parte, determinando que “o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova”, conforme nº 2 do Art. 417º do CPC.
XXVIII. Desde modo, o Tribunal a quo deveria ter cumprido com o dever de gestão processual, promovendo a marcha processual quando os requeridos documentos não foram juntos ao processo.
XXIX. Não tendo sido junto quaisquer documentos solicitados ao embargante ou dado entrada de qualquer requerimento por este justificando a não junção ou requerendo o que tivesse por conveniente, cabia ao douto tribunal a quo designar uma data para a realização de audiência de julgamento.
(…)
XXXI. (…) se não prescinde do nexo entre a paragem do processo e a não atuação de ónus de impulso processual que recaia sobre a parte, e da negligência desta no que a tal omissão respeita.
XXXII. No processo declarativo e nos recursos, sendo a deserção “julgada () por simples despacho do juiz ou do relator”, e mesmo quando seja de atribuir a tal despacho natureza meramente declarativa, sempre importará que, o tribunal verifique a inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual.
(…)
XXXIV. (…) “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção () Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta “independentemente de qualquer decisão judicial”. A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão prevista no nº 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.” (…).
XXXV. (…) “O prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não peremptório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. Segue-se assim o regime que anteriormente se aplicava, pelo menos, quando, não obstante a parte não tivesse o ónus de impulso subsequente, o juiz ordenasse que o processo aguardaria o requerimento das partes
XXXVI. Destarte, verificada que seja a existência de um ónus de impulso processual, importará ainda que a não atuação do mesmo se fique a dever à omissão da diligência do homem normal (um bom pai de família), em face das circunstâncias do caso concreto.
(…)
XL. A junção (…) dos documentos solicitados bem como um eventual esclarecimento para o facto de não o ter feito, para o litígio em causa nos autos, não corresponde a um ónus de impulso processual, e muito menos um que seja “especialmente imposto pela lei às partes”, como se ressalva no artigo 6º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
XLI. O processo que se encontrava a fase dos articulados não estava dependente, no que ao prosseguimento dos seus trâmites respeita, de uma tal “junção de documentos”, ou de “o esclarecimento sobre o facto de estes não terem sido juntos pelo embargante”.
XLII. Na ausência de notícia daquele, cumpria ao juiz, e como é regra estabelecida no citado artigo 6º, n.º 1, “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação ()”.
(…)
XLV. Em suma, na circunstância, não tendo sido juntos em prazo os documentos solicitados ao embargante, e nada tendo sido dito ou requerido pelo mesmo relativamente ao incumprimento do determinado, impunha-se ao tribunal a quo que aprazasse data para a realização da audiência de julgamento, cumprindo o determinado na parte final do despacho de 14 – 09 – 2017.
XLVI. Que não declarar a instância deserta, nos quadros do artigo 281º, n.ºs 1 , 4 e 5 do Código de Processo Civil, por não ser equacionável omissão negligente de ónus de impulso processual, de banda do embargante ora recorrente, causadora da paragem do processo no período de mais de seis meses, decorrido desde a notificação àqueles do despacho de 30.10.2017.
(…)
XLIX. Tanto mais que as consequências legais da falta de junção de um documento não podem, em momento algum, determinar que os processos suspendam, porquanto, caso assim fosse, as partes que tivessem interesse que uma determinada acção não prosseguisse, simplesmente não juntavam documentos.
L. A lei prevê um mecanismo próprio, já explanado, que não foi cumprido pelo tribunal a quo, pelo que apenas a este é imputável que o processo tenha estado parado mais de seis meses, não havendo lugar à deserção da instância.
LI. A sentença recorrida violou, na perspectiva do recorrente e com o devido respeito, o disposto nos artigos 3.° n.º 3, 6º nº 1, 277.°, aI. C), 281.°, n.º 1, 4 e 5, 417º nº 2, 433º e 591º nº1 ° todos do CPC, sendo pois nula nos termos das alªs c) e d) do artº 615º, e devendo, por esse motivo, ser revogada.”.
*
Foram apresentadas contra-alegações por via das quais as exequentes consideram ser de manter a decisão recorrida invocando a tentativa processual do embargante em protelar a entrega às embargadas dos imóveis sobre que versa a execução apensa.
*
O recurso foi recebido nos termos legais e, já nesta Relação, os autos correram Vistos.
Cumpre conhecer do mérito da apelação.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações:
1 – Se a deserção da instância depende de prévia notificação às partes;
2 – Se a não junção pelo autor/embargante de documentos relativos à prova dos factos da ação é sancionada com a deserção da instância.
Fundamentos de facto
Os factos com relevo são os acima descritos e fixados em primeira instância.
Fundamentos de direito
Não se verifica qualquer das repontas nulidades.
Aplica-se a regra do art. 3.º, n.º 3 CPC (contraditório obrigatório antes da decisão de questões de direito e de facto) quando os autos manifestam negligência da parte em não impulsionar os seus termos durante mais de seis meses?
A reposta parece-nos óbvia e é, em via de regra, negativa.
O exercício do contraditório impõe-se antes da prolação de decisões que decidam de facto ou de direito.
O despacho que declara extinta a instância com base no citado normativo não é um despacho decisório (quanto ao julgamento e não quanto aos efeitos), mas meramente declarativo[1]: declara a instância extinta por força do decurso de um prazo.
Caso a circunstância faltosa da parte – negligência em promover o andamento dos autos – seja patente dos termos dos autos, tal declaração não aprecia nenhum facto e nem o direito. Essa negligência (omissão de colaboração) é patente e objetivada no processo, quando sucede ter a parte sido notificada mais do que uma vez para os impulsionar, mormente com a cominação daquele normativo, nada tendo feito ou informado[2].
Nessa situação, notificá-la para esclarecer por que razão, estando pendente um procedimento judicial no qual se discutem interesses seus, se manifesta relapsa em promover o seu regular andamento, será menorizá-la, premiar a sua inércia e esquecer as normas processuais que impõe a total colaboração entre partes e tribunal e a auto-responsabilização das partes (art. 6.º, nº 1 CPC). Colaboração é, exatamente, paridade de posições e não subalternização ou paternalização de um sujeito processual (aí se incluindo o tribunal) por outro[3].
Para que a omissão da atividade processual não seja negligente será necessário a invocação pela parte de dificuldades concretas que se deparem e também esta situação está prevista no art. 7.º, relativo à colaboração processual. Com efeito, o seu n.º 4 prevê exatamente a colaboração do tribunal na remoção de tais dificuldades, desde que a parte, como é seu ónus, alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual.
Estamos, assim, com aqueles que afastam a aplicação da regra do n.º 3 do art. 3.º CPC aos atos de simples declaração de circunstâncias objetivadas no processo e quando neste já as partes foram amplamente alertadas para as consequências da inação – entre outros, acs. RP, de 14.6.2016 (Proc. 1390/10.2TJPRT.P1), e 6.2.2018 (Proc. 7954/16.8T8PRT.P1).[4]
O despacho não enferma, pois, de vícios que afetem a sua validade.
Já sucede, porém, assistir razão ao embargante no que toca ao motivo invocado para julgar deserta a instância.
Estava o andamento processual in casu dependente da iniciativa estrita e vinculada do embargante?
Claro que não.
Trata-se da junção de documentos que respeitam à prova de factos alegados nos articulados.
A parte que alega factos que interessam à sua pretensão tem o ónus de os provar – pelo meios mais adequados, mormente documentais, quando se trata de prova vinculada a tal forma probatória -, vendo naufragar a sua pretensão caso o não faça, podendo ser-lhe aplicada multa e sendo a sua conduta apreciada livremente pelo tribunal (art. 417.º, n.º 1 CPC)
Por outro lado, quando o ónus de prova recai sobre a parte contrária, a contraparte notificada que não junte a documentação, vê invertido contra si o ónus da prova (arts. 417.º, n.º 2 CPC e 344.º, n.º 2 CC).
Em nenhum dos casos a omissão é cominada com a deserção da instância a qual só corre quando a parte não impulsiona os autos em circunstâncias diferentes daquelas que se relacionam com a prova dos fundamentos da ação ou da defesa (ex., quando nos autos se ignore o domicílio do citando e o autor, notificado, não procure esclarecer tal ponto, assim impedindo o prosseguimento dos autos com a devida citação).
A solução foi muito claramente explicitada em acórdão do STJ, de 3.5.2018 (Proc. 217/12.5TNLSB.L1.S1): O incumprimento da parte em sede do dever de apresentação de documento probatório poderá ter como consequência a condenação da parte faltosa em multa e ainda a livre apreciação do valor da recusa para efeitos probatórios, incluindo a inversão do ónus da prova. E, se o documento se destinar a demonstrar factos cujo ónus probatório incumba à própria parte que o não junte, será esta desfavorecida pela falta de prova -desse facto, sem prejuízo de poder ser condenada como litigante má-fé instrumental, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPC. Assim, salvo tratando-se de documento de que a lei faça depender o prosseguimento da ação, o incumprimento do dever da parte no tocante à apresentação de documentos probatórios para que foi notificada não se reconduz a inobservância do ónus de impulso processual especialmente imposto por lei nem se inscreve sequer na economia do desenvolvimento da instância, não sendo, portanto, determinativo da sua deserção nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do CPC, sendo, quando muito, suscetível de se repercutir no plano probatório do julgamento de mérito.
Os documentos solicitados ao embargante têm esta natureza probatória e interessam ao fundo da ação. A sanção cogitável para a omissão de colaboração é, pois, também ela de mérito – cifrada na interpretação da demais prova em concatenação com as regras do ónus probatório – e, eventualmente, tributária, pelo que não se vislumbram aplicáveis as regras da deserção da instância, sendo o recurso de proceder.
Já o invocado pelas exequentes quanto ao exercício pelo embargante de uma pretensão substantivo-processual nestes embargos, com o manifesto e exclusivo propósito de entorpecer o andamento dos autos de execução apensos, poderá relevar nos quadros da condenação por litigância de má-fé, mas não pode fundamentar uma decisão sobre a deserção da instância.
Impõe-se que a ação prossiga com agendamento de julgamento.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos para a ulterior fase processual.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 4.2.2019
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
____________________
[1] Sobre a natureza declarativa ou constitutiva deste despacho, Paulo Ramos de Faria, O julgamento da deserção da instância declarativa, in Revista Julgar, on-line, 2015, p. 14: O julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção; é aqui que os seus pressupostos constitutivos se reúnem. O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo. O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto. Confrontando os enunciados das als. a) e c) do art. 277.º, nota-se que a lei não estabelece que a instância se extingue por força do julgamento da deserção, embora ele seja necessário para que esta tenha repercussões processuais.
[2] Paulo Ramos de Faria, cit., p. 17: Quando o juiz gere o processo fazendo-o aguardar um ato da parte, por entender que se está perante um caso em que o impulso apenas a esta cabe, tem a obrigação de o proclamar nos autos, ficando os contendores notificados plenamente conscientes de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção.
[3] Exemplo de situação negligente objetivada nos autos foi tratada no ac. STJ, de 22.2.2018, Proc. 473/14.4T8SCR.L1.S1: Tendo sido notificado às partes o despacho de suspensão da instância, com indicação de que tal situação apenas cessaria com a resolução do incidente de habilitação, não podem restar quaisquer dúvidas de que passou a incidir sobre as partes, máxime sobre os sucessores do A. que interveio na ação através do seu tutor provisório, o ónus de promoverem a respectiva habilitação, única forma de permitir que fosse reiniciada a instância na ação principal que fora declarada suspensa. Em face da clareza quer do art. 270º, nº 1 (duração da suspensão da instância), quer do despacho que declarou a suspensão da instância, nada mais havia a fazer do que dar início ao referido incidente de habilitação de sucessores do falecido A. e promover com diligência o seu andamento com vista à prolação da sentença de habilitação que reconhecesse aos sucessores do A. a qualidade necessária para com eles prosseguirem os termos da demanda (art. 351º, nº 1). Porém decorrido que foi o prazo de 6 meses, verificou-se que nenhuma iniciativa foi tomada pelos referidos sucessores e, além disso, não foi suscitada perante o Tribunal qualquer dificuldade que porventura existisse quanto à promoção daquele incidente de habilitação. Aliás, nem depois da prolação do despacho que declarou a extinção da instância os referidos sucessores invocaram qualquer facto que, em termos de razoabilidade, pudesse ser ponderado para efeitos de justificar de algum modo a posteriori a situação de objetiva inércia que se verificou quanto à iniciativa da sua habilitação. Confrontados com a ausência objetiva de qualquer iniciativa e, a par disso, com a total omissão de invocação de qualquer motivo que pudesse constituir uma justificação atendível para a referida inércia processual, não poderemos deixar de considerar que esta inércia – que durou mais de 6 meses – é de imputar em exclusivo aos sucessores do A. que, assim, arcarão com o efeito extintivo que foi declarado.
[4] Quando as partes tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual não têm que ser ouvidas previamente ao despacho que decretou a deserção da instância.