Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
Descritores: | CLÁUSULA DE CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO INTERPRETAÇÃO FALTAS POR FALECIMENTO FAMILIAR | ||
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Nº do Documento: | RP2022071311379/21.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/13/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – “A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;” II - A expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Colectivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato ..., deve ser interpretada como sendo dias úteis de trabalho. (Sumário efetuado, em parte, a partir do sumário do recente Acórdão do STJ de 01 de Junho de 2022, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 11379/21.0T8PRT.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1 Recorrente: ... - Sindicato ... Recorrida: ...- Associação ... Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão 2ª Adjunto: Desembargadora Rita Romeira Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO: (Consigna-se que se irá utilizar/transcrever o texto da primeira Relatora, na parte em que foi obtido consenso) “A requerente, F..., Lda. pessoa coletiva n.º ..., com sede na ... Maia, ao abrigo do disposto no art. 183º e ss. do Código de Processo do Trabalho, veio intentar acção de interpretação de Convenção Colectiva de Trabalho, - em concreto, a Cláusula 82º, da CCT celebrada entre a Associação ... e o Sindicato ..., publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego nº 10, de 15 de Março de 2010 que, após ser diversas vezes alterada, a sua actual versão consta do Boletim do Trabalho e do Emprego nº 20, de 29 de Maio de 2019 - contra os Outorgantes: - ...- Associação ..., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ... Porto; e - ... - Sindicato ..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ... Lisboa, concluindo com o pedido de que seja, “proferida decisão de interpretação da Cláusula 82.ª do CCT em causa, no sentido de que a menção a “dias consecutivos” não pode ser interpretada como referindo-se apenas a “dias úteis” ou “dias de trabalho”.”. Para o efeito, alega que face à redacção daquela Cláusula, se impõe a sua interpretação no que respeita ao sentido do termo “consecutivo” e invoca o sentido que entende a mesma deverá ser levada em consideração. E, alega que ao longo dos anos, esta cláusula sempre foi interpretada e aplicada no sentido de os dias em causa serem dias “consecutivos” ou “seguidos” e não no sentido de serem “dias úteis” ou “dias de trabalho”, sem qualquer controvérsia até à emissão da nota técnica n.º 7 da ACT, porque era consensualmente aceite que “dias consecutivos” tinha o significado de dias seguidos ou ininterruptos (ou seja, para o que aqui interessa, incluindo dias de descanso, feriados e dias em que o trabalhador não tem obrigação de trabalhar). Mais, alega que, após aquela nota técnica da ACT, datada de Agosto de 2018, começou a surgir a confusão e a discussão quanto ao facto de se saber se a menção a “dias consecutivos” teria o significado restritivo de “dias úteis” ou “dias de trabalho”, sendo que é esta a tese que vêm defendendo os representantes sindicais do Sindicato ... junto da aqui Autora, ou seja, de que aqueles “dias consecutivos” devem ser interpretados como referindo-se apenas a “dias úteis” ou “dias de trabalho”. Por fim, defende que a Cláusula do CCT em questão não pode ter outro significado senão o de “dias seguidos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho” e invoca, para sustentar o seu entendimento, cláusulas da CCT em questão, onde, diz, se constata que são utilizadas, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (vg. Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” [vg. Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)], “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (vg. Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, que na Cláusula 68.ª do CCT, se esclarece o que são considerados dias úteis para efeitos de férias, alegando que, caso se pretendesse que os dias concedidos ao trabalhador por falecimento de um familiar se considerassem os “(…) dias úteis da semana, com exceção dos feriados e dos dias de descanso semanal (…)”, então bastaria uma simples remissão para a referida disposição. * Após, serem regularmente citados, nos termos do art. 184º do CPT, os outorgantes/requeridos vieram apresentar as suas alegações, respectivamente:-A ...- Associação ..., nos termos do requerimento junto, em 18.11.2021, invoca que “a referida cláusula não é a transcrição literal do atual art.º 251º do Código do trabalho, nem as partes outorgantes do CCT pretenderam que assim fosse,” e alega que “a redação acordada entre a Associação ... e o Sindicato ..., foi a que mais se adequava a uma compreensão fácil e rápida dos leitores do CCT para conhecerem os seus direitos por morte de familiar, sem que para tal tivessem de recorrer a um profissional da área de direito”. Mais, alega que “a expressão "dias consecutivos" quer referir-se a dias de calendário e não a dias úteis, tanto mais que quando as partes outorgantes do CCT quiseram referir-se a dias úteis assim o fizeram, como por exemplo na cl.ª 67ª e 68º do CCT com os dias de férias úteis e a majoração de férias úteis ou na cl.ª 73ª n.º 6 relativa ao gozo obrigatório de 10 dias úteis consecutivos de férias quando haja lugar a férias interpoladas ou na cl.ª 84ª n.º 5 no que diz respeito ao prazo de apresentação da justificação de falta.”. Conclui, assim, que “a presente ação deve proceder por provada, sendo que a cláusula 82ª do CCT celebrado entre as aqui demandadas e acima identificado deverá ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso).”. * - O ... - Sindicato ..., nos termos que constam do requerimento junto, em 23.11.2021, começa por impugnar o valor que foi atribuído à acção e, por excepção, invoca que há erro na forma de processo e, por impugnação, diz que a cláusula, em causa, estabelece o mesmíssimo regime previsto no artigo 251º do Código e alega que, não podendo a cláusula, em causa, violar normas imperativas previstas no Cód. do Trabalho, têm de se reconduzir ao ali estatuído.Mais, alega que, quer a norma geral quer a convenção coletiva consideram que as ausências ao trabalho por motivo de falecimento de familiar são faltas. E termina com as seguintes “CONCLUSÕES: a) A Autora atribuiu à ação o valor de 500,00€. Ora, atento os interesses em causa na acção, o disposto no n.º 2 do Art.º 185º do C.P.T. que consagra a hipótese de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, e o disposto no n.º1, do Art. 303º, do C.P.C., à ação deve ser atribuído o valor de 30.000,01€ por ser o valor correspondente à alçada da Relação e mais €0,01. b) A norma da convenção coletiva cuja interpretação a Autora veio ao tribunal pedir através da ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, é uma repetição da norma legal do artigo 251º do Código do Trabalho à qual foi apenas acrescentada o teor entre parêntesis e a cuja interpretação a Autora nada requereu. c) Razão pela qual há erro na forma de processo a que a Autora recorreu e cuja consequência é a absolvição dos réus da instância, nos termos do disposto nos arts. 278º, n.º 1 al e), 577º e 578º, todos do C.P.C. d) O sentido de interpretação da cláusula 82ª do CCT peticionado, não só configura uma errada interpretação da norma, que versa sobre faltas, como viola várias normas legais que por se tratar de normas do Código do Trabalho imperativas se lhe sobrepõem. e) A redação da clausula 82ª é de conteúdo material igual ao artigo 251º do CT. A clausula 82ª do CTT - Associação ... limita-se a reproduzir o artigo 251º do CT, acrescentando somente quais são parentes ou afim no 1.º grau na linha reta e os parentes ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, por forma a facilitar a compreensão por parte dos destinatários. f) Sendo o regime do artigo 250º do Código do Trabalho imperativo é irrelevante a interpretação da clausula 82ª do CCT – ANIMME, já que a Autora estará sempre obrigada a aplicar aquela norma legal. g) O que está em causa é a falta e só pode haver falta quando existe obrigação de trabalhar, não se pode conceber faltas em dias de descanso. h) Assim, improcede a interpretação peticionada para a cláusula 82ª do CCT –Associação ... e artºs. 248º, n.º 1, 250º e 251º do Código do Trabalho. Nestes termos e nos mais de direito que doutamente forem supridos, deverá a presente ação ser julgada improcedente por não provada, improcedendo a interpretação peticionada para a clausula 82ª do CCT – Associação ...”. * Oportunamente, não tendo sido requerida a produção de qualquer meio de prova, foi proferida sentença que, fixou o valor de € 30.000,01 à acção, concluiu pela improcedência da excepção de erro na forma do processo, invocada pelo Sindicato ... e, após, pronunciar-se quanto ao mérito, terminou com a seguinte: “DECISÃO:Tudo visto e nos termos expostos julga-se a acção procedente por provada e em consequência declara-se que a cláusula 82ª do CCT celebrado entre os aqui demandados e acima identificada deverá ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso). Custas pelos demandados em igual proporção sem prejuízo da isenção de que beneficiam – cfr. art. 4º nº 1 al. f) do RCP. Registe e notifique.”. * Inconformado o Réu, ... - Sindicato ..., veio interpor recurso, cujas alegações terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:1. O sentido de interpretação da cláusula 82ª do CCT peticionado e que a sentença concede, não só configura uma errada interpretação da norma, que versa sobre faltas, como viola várias normas legais que por se tratar de normas do Código do Trabalho se lhe sobrepõem. 2. A redação da clausula 82ª é de conteúdo material igual ao artigo 251º do CT. A clausula 82ª do CTT - Associação ... limita-se a reproduzir o artigo 251º do CT, acrescentando somente quais são parentes ou afim no 1.º grau na linha reta e os parentes ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, por forma a facilitar a compreensão por parte dos destinatários. 3. Sendo o regime do artigo 250º do Código do Trabalho imperativo é irrelevante a interpretação da clausula 82ª do CCT – ANIMME, já que a Autora estará sempre obrigada a aplicar aquela norma legal. 4. A interpretação da clausula em apreço deveria em primeiro lugar ter sido feita no âmbito e em concordância com o conceito de “falta” e não por referência ou comparação com outros regimes ou conceitos da convenção coletiva. 5. Ao assim não ter sucedido, a interpretação da norma da cláusula 82ª do CCT efetuada pela sentença da primeira instância violou o disposto no art.º 250º do Código do Trabalho, que atribui imperatividade ao regime das faltas. 6. O que está em causa na clausula 82ª do CCT é a falta e só pode haver falta quando existe obrigação de trabalhar, não se pode conceber faltas em dias de descanso e em que não existe obrigação de trabalhar. 7. Pelo que a decisão da sentença ao permitir e declarar uma interpretação da norma da clausula 82ª do CCT, em que na contagem dos dias considerados de falta se incluem dias em que não existe obrigação de trabalho e que pelo conceito dos arts.º 248º e 251º, não poderiam sequer ser considerados como faltas ao trabalho, viola essas mesmas normas dos arts.º 248º e 251º do Código do Trabalho. Devendo por isso ser revogada. Nestes termos e nos mais de direito que doutamente forem supridos, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, substituindo-a por acórdão que interpreta a clausula 82ª do CCT – Associação ... no sentido de que em caso de falecimento de familiar o trabalhador tem direito a faltar dias seguidos de trabalho. Ser atribuída ao R. a isenção do pagamento de custas, nos termos do artigo 4º, al. f) do RCP. Fazendo-se assim Justiça.”. * A ...- Associação ... veio apresentar Contra-Alegações que finalizou com as seguintes “Conclusões1.A Recorrida não podia concordar mais com a Sentença recorrida a respeito da interpretação da cláusula 82ª do CCT celebrado entre o ... - Sindicato ... e a ...- Associação .... 2. A "confusão", a mudança do paradigma e a alteração de décadas de prática a respeito da forma de contagem dos dias a faltar por morte de familiar ocorreu com a publicação da Nota Técnica n.º 7 da ACT, em agosto de 2018, contrariando anos de um entendimento e práticas da própria ACT a respeito deste tema. 3. As faltas por motivo de morte de familiar são e devem ser contadas de forma seguida, abrangendo os dias de descanso, por ser esse o sentido literal da norma ao referir-se a “dias consecutivos”, que apenas podem ser entendidos como dias de calendário e não dias úteis, ou melhor ainda dias úteis de trabalho. 4. Se assim não fosse, todas as ausências fixadas na Lei ou no CCT, que se referem a dias consecutivos, não se referindo expressamente a dias úteis, se fossem interpretadas como faltas em dias úteis levariam a situações caricatas tais como a respeitante ao prazo de 60 dias seguidos previsto na cl.ª 13 n.º 3 do CCT (relativa à entrega de informações pelo Empregador ao Trabalhador relevantes para a relação de trabalho) que redundariam em 3 meses em vez de 2 meses, ou prazo de gozo da licença parental de 120 ou 150 dias por nascimento de filhos previsto no art.º 40º do Cód. Trabalho, contados, sem qualquer dúvida, em dias seguidos de calendário. Imagine-se se estes fossem úteis! 5. De relevar ainda que a comparação das ausências sejam elas faltas, licenças, créditos ou outras, não se trata confundir figuras jurídicas totalmente distintas mas interpretar a expressão “úteis” e a expressão “seguido(s)” e até o significado da omissão de qualquer uma daquelas expressões. 6. Acresce que o vencimento da tese da recorrente com todo o seu peso e sentido literal, levaria a que um trabalhador que faltasse por motivo de morte de pai, ficasse obrigado a prestar trabalho suplementar ao sábado e domingo, se tal lhe fosse exigido, pois o trabalho suplementar, não se confunde com o período normal de trabalho diário e até se destaque dele! Pois é, por definição, o trabalho que é prestado fora do horário de trabalho (cfr art.º 226 n.º 1 do Cód. trabalho) e que por isso excede e não é período normal de trabalho diário. 7. A este respeito veja-se inda a evolução da “licença de casamento” que é de 15 dias seguidos, de calendário e não dias úteis, ou melhor, dias úteis de trabalho. Com efeito, na passagem da Lei para o Código de Trabalho de 2003, de forma a se manter a duração temporal máxima de 11 dias úteis de faltas por casamento, o legislador conscientemente usou a expressão 15 dias seguidos, portanto de calendário. Sendo pacífico que estes 15 dias seguidos não são contados de segunda a sexta-feira, pois se o fossem a “licença de casamento” seria quase de um mês. 8. Acresce que o costume é aqui igualmente relevante, pois o início da contagem do direito a faltar por morte de familiar é a de contar no dia seguinte no caso de o conhecimento ocorrer após o dia de trabalho ou na segunda metade do período normal de trabalho e quanto à forma de contagem é a de contar de forma seguida, incluindo dias úteis, dias de descanso e feriados até. 9. Há que interpretar; se um trabalhador trabalhasse apenas um dia por semana e tendo 22 dias úteis de férias por ano, não terá direito a ficar quase meio ano de férias. Estes 22 dias úteis de férias corresponderão a 4 dias apenas num mês de calendário. 10. É, pois, incontornável que o Direito evolui e que se deve fazer uma interpretação atualista da Lei, quando faça sentido ou seja possível, mas sem contrariar o que é tão simples que às vezes não se vê: dias úteis são dias úteis, excluindo-se por isso os dias de descanso (e ainda que contados de forma seguida como no caso das 5 faltas injustificadas) e dias seguidos, de calendário, são dias seguidos de calendário incluindo pois os dias úteis e feriados, pois adotou-se o calendário gregoriano para demarcar o ano civil. 11. Resulta do exposto, que a cl.ª 82º deve ser interpretada no sentido de que a expressão dias consecutivos referem-se a dias seguidos de calendário, neles se incluindo os dias úteis de trabalho e os dias de fim de semana intercorrentes e feriados, nada devendo ser apontado à Douta Sentença recorrida. Termos em que deve manter-se a Sentença recorrida, não se dando provimento ao presente Recurso apresentado pela Recorrente, ... - Sindicato ..., devendo a cláusula 82ª do CCT celebrado entre as identificadas partes ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso). Termos em que deve ser concedida a isenção de custas requerida. Assim se fazendo JUSTIÇA”. * A F..., Lda., apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:A. O recurso vem interposto da douta sentença recorrida que julgou a presente acção procedente, por provada, declarando que a Cláusula 82.ª do CCT celebrado entre os Réus “(…) deverá ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso)”. B. A sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que o presente recurso deverá improceder e a decisão proferida deverá ser mantida. C. A presente ação visa a interpretação da Cláusula 82.ª do CCT celebrado entre os Réus e aplicável às relações laborais da aqui Recorrida e seus trabalhadores, D. Sendo tal interpretação admitida ao abrigo do disposto no art. 183.º do CPT. E. Para interpretação do sentido da referida cláusula a sentença recorrida atendeu, e bem, ao disposto no art. 9.º do Código Civil, relativo à interpretação da lei. F. O termo “dias consecutivos” foi utilizado na Convenção Coletiva de Trabalho com o sentido de dias seguidos (de calendário), independentemente de serem dias de trabalho, feriados ou dias de descanso. G. No momento da celebração do CCT era este o entendimento que as partes tinham. H. A razão de ser da Cláusula 82.ª do CCT reside na possibilidade de permitir ao trabalhador um período de tempo de afastamento das suas obrigações profissionais e do seu local de trabalho. I. O CCT é aplicável a uma multiplicidade de relações laborais, de entre as quais se destacam, no setor da Recorrida, as situações de trabalhadores com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais (trabalhadores que apenas trabalham ao sábado e domingo e que compõem o chamado “turno de fim-de-semana”). J. A interpretação do Recorrente no sentido de que a Cláusula se refere a dias consecutivos de trabalho e não a dias seguidos de calendário, por permitir a criação de condições para que certos trabalhadores, face aos mesmos factos (falecimento de familiar), possam vir a ter um prazo superior ao de outros, conduz a uma situação de discriminação. K. A única forma de o evitar consiste na interpretação original que os Réus deram à Cláusula, a qual constituiu a prática consensual durante anos e que resulta na interpretação que é feita pela douta sentença recorrida: a referência a “dias consecutivos” na Cláusula 82.ª do CCT deve ser interpretada no sentido de serem dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias de trabalho, feriados ou dias de descanso. L. Só assim os dois ou cinco dias previstos na Cláusula representarão o mesmo prazo para todos os trabalhadores, seja qual for a sua circunstância. M. Como bem destaca a Ré Associação ..., a prevalecer o entendimento defendido agora pelo Réu Sindicato ..., poderia até alcançar-se o absurdo de o trabalhador ter direito a faltar nos dias de trabalho, mas poder simultaneamente estar obrigado a prestar trabalho suplementar ou banco de horas fora do seu horário de trabalho ou nos dias de descanso que pudessem surgir no decurso do prazo previsto na Cláusula. N. Não poderá ser essa a solução que as partes outorgantes pretenderam alcançar com a consagração de tal norma. O. Atendendo à razão de ser, à redação da Cláusula em apreço e à globalidade do CCT, conclui-se que a referência a “dias consecutivos” na Cláusula 82.ª do CCT deve ser interpretada no sentido de serem dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias de trabalho, feriados ou dias de descanso. P. Em conformidade, considerando que a decisão recorrida não merece qualquer censura, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e a douta sentença recorrida ser mantida. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e a douta sentença recorrida ser mantida, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!”. * O recurso foi admitido como apelação com subida imediata nos próprios autos e feito suspensivo – cfr. artigos 79ºA e seguintes e 185º nº 3 todos do C.P.T e foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.* O Ministério Público emitiu parecer, nos termos do art. 87º nº 3, no sentido de o recurso obter provimento, no essencial, por ser de opinião que na sentença recorrida, “deverá ser infirmada, por haver feita indevida interpretação das normas dos artº.s 250º. e 251º. do C. Trabalho e da cláusula 82ª do CCT invocado.”.Notificadas as partes, deste, veio responder a ...- Associação ..., discordando do mesmo e concluindo que, “deve manter-se a Sentença recorrida, não se dando provimento ao presente Recurso apresentado pela Recorrente, ... - Sindicato ..., ou ao Parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto, devendo a cláusula 82ª do CCT celebrado entre as identificadas partes ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso)”. * Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.* Questão prévia:- Junção de Parecer Com as suas alegações veio o recorrente juntar um Parecer proferido em 10 de maio de 2021, emitido pelo Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e aos Membros do Conselho Superior da Magistratura. O Ministério Público veio pronunciar-se, no sentido de ser ordenado o seu desentranhamento, invocando que “a junção do documento em causa se afigura como desnecessária à instrução do presente recurso, por não ter sido utilizado em tempo útil, tal consubstancia violação do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC”. Que dizer? Sempre com o devido respeito, pelo entendimento expresso pelo Mº Pº, em nosso entender, não tem razão. O Parecer junto pelo recorrente não consubstancia a violação de qualquer dispositivo legal e a junção do mesmo é admissível, atento o disposto no nº 2 daquele referido art. 651º, do CPC. * É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se, o Tribunal “a quo” errou, ao declarar que a cláusula 82ª do CCT, em causa, deverá ser interpretada como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso) e violou com essa interpretação os art.s 248º e 251º do CT, como defende o recorrente. * II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos a considerar para apreciação da questão, são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram devidamente demonstrados nos autos. * Encontra-se, neste recurso, em discussão, a interpretação do CCT celebrado entre as, aqui, demandadas, publicado no BTE nº 20 de 29/5/2019, em concreto, a sua cláusula 82ª que sob a epígrafe “Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins”, consagra o seguinte:“1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente: a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim n 1º grau na linha recta (pais ou filhos, por parentesco ou adopção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras); b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou em 2º grau da linha colateral (avós ou bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade oi adopção plena, irmãos consanguíneos ou por adopção plena e cunhados). 2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que via em união de facto ou economia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei”. Precisando, encontra-se em discussão, a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante daquela se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta” e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como defende a recorrente ou, então, como foi peticionado e decidido, como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso). Analisando. A questão coloca-se no âmbito de um processo especial de interpretação de cláusulas de convenções colectivas, regulado nos artigos 183º a 186º do Código de Processo do Trabalho, devendo o autor com a petição inicial juntar cópia do Boletim de Trabalho e Emprego onde esteja publicada a convenção colectiva. O que, a requerente fez.” (…) A ação em causa é o meio próprio e adequado para apreciar questões, como a que se encontra em litígio, sendo que, como bem diz a Mª Juíza “a quo”, “O art. 183º do C.P.T. prevê a acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, sem que se exija que as mesmas sejam inovadoras ou originais para que possam ser alvo de pedido de interpretação. Assim, entende-se que a circunstância de existirem outras normas com teor idêntico, como a que se encontra prevista no Cód. do Trabalho, não exclui, em nosso entender, a possibilidade do interessado vir suscitar a intervenção do Tribunal com o intuito de definir uma interpretação duma norma, bastando para o efeito que esta se insira numa convenção colectiva de trabalho,...” (realce e sublinhado acrescentados). (…) No caso, trata-se do Contrato coletivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato .... Contrato colectivo que, após a sua celebração, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de Março de 2010 e tem alterações publicadas nos Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 2013, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 de Agosto de 2014, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2016, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2017, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de Maio de 2018 e a última e actual publicação, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de Maio de 2019. Ora, como decorre do disposto no art. 2º nº 3 alínea a) do CT, o Contrato Coletivo é uma das modalidades que podem revestir as convenções colectivas de trabalho as quais, nos termos do art. 1º do mesmo código do Trabalho, constituem, fontes específicas do direito do trabalho. Atento o seu carácter híbrido, à convenção colectiva de trabalho costuma atribuir-se a natureza mista de contrato e norma. Pois, enquanto contrato, a mesma, gera obrigações para as partes outorgantes, o sindicato e a associação patronal, nela se prevendo também verdadeiras normas jurídicas de carácter genérico, reguladoras das relações individuais de trabalho entre os trabalhadores e os empregadores destinatários da convenção. A este propósito, veja-se (João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, Coimbra Editora 2009, pág. 28) o qual, refere que a “convenção colectiva não chega a ser uma lei, mas também se não reduz à mera condição de contrato; ela é uma síntese destas figuras, um «contrato-lei»… Na feliz expressão de CARNELUTTI, as convenções colectivas são um «híbrido que tem um corpo de contrato e alma de lei». Isto porque a convenção colectiva, apresentando embora uma inequívoca faceta negocial, pois resulta do acordo alcançado entre trabalhadores e empregadores, apresenta igualmente uma importante faceta normativa, através da qual ocorre a determinação colectiva das condições de trabalho”. Acontece que, a generalidade das cláusulas convencionais, assumem, na verdade, a qualidade de autênticas normas jurídicas, sendo normalmente designadas de cláusulas regulativas na medida em que regulam e disciplinam as relações individuais de trabalho estabelecidas entre trabalhadores e empregadores filiados nas associações outorgantes (cfr. art. 496º, nº 1 do CT). Sendo este, o sentido em que se pronunciam a maioria dos autores, nomeadamente, entre outros, (Mota Veiga in Lições de Direito do Trabalho, UL, 6ª Edição, pág. 261; Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 16ª Edição, pág. 679; Bernardo Gama Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição, pág. 460; e Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, Almedina, 2002, pág. 979). Carácter normativo de tais cláusulas que passou, também, a ser aceite pelo Tribunal Constitucional, cfr. (Acórdão 174/2008, de 11 de Março, DR, 2ª Série, nº 98, de 21 de Maio de 2008), podendo tais normas constituir objecto de recurso para esse tribunal. Por ser, deste modo, estabelece o art. 492º, nº 3 do CT, que a convenção colectiva deve prever a constituição de uma comissão paritária com competência para interpretar e integrar as suas cláusulas, que é formada por igual número de representantes das entidades celebrantes, sendo a sua deliberação, tomada por unanimidade, considerada para todos os efeitos como integrando a convenção a que respeita (art. 493º nºs 1 e 2). Face à natureza negocial das normas (cláusulas), em questão, o legislador considera deverem ser os próprios outorgantes da convenção a esclarecer o conteúdo da cláusula a interpretar, sem prejuízo do recurso ao tribunal. Precisamente, o que aconteceu no caso. Face a isso, nada impedia o Tribunal “a quo” nem nos impede a nós, antes nos cabe, proceder à interpretação da referida Cláusula. E sendo desse modo, a primeira questão que se coloca é a de saber a que tipo de regras devemos recorrer, se às regras da interpretação da lei decorrentes dos art.s 9º e 10º, do Código Civil ou pelas regras da interpretação do negócio jurídico, art.s 236º e 239º do mesmo código. A este respeito, o entendimento dos autores não tem sido unânime, como referido e se lê, no (Ac. do STJ de 28.09.2017, Processo: 1148/16.5T8BRG.G1.S2, in www.dgsi.pt e publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 55 — 19 de Março de 2019, que seguiremos de perto): “António Monteiro Fernandes[7] entende que lhe parece mais conforme ao desígnio do legislador a resposta ser a de “[a]plicar os critérios preconizados para os negócios jurídicos, independentemente da natureza da cláusula em questão” porque ”[n]a realidade, interpretar ou integrar a convenção é (ou deve ser) criar um conteúdo convencional que se acrescenta ao existente, e que deve enquadrar-se na fórmula de equilíbrio contratual adotada pelas entidades subscritoras”. Por sua vez, Maria do Rosário Palma Ramalho[8] sustenta, por sua vez, que “[a] interpretação da convenção coletiva e a integração das suas lacunas deve sujeitar-se globalmente aos critérios de interpretação e integração da lei (artigos 9º e 10º, do CC), pela seguinte ordem de razões: razões de coerência interna das duas parcelas do conteúdo deste instrumento, razões de substancialidade, razões formais e de segurança jurídica e razões de harmonia intra-sistemática”. Ora, as razões que aponta para se tomar esta posição são, essencialmente, as da interpretação da convenção dever ser unitária e não dualista, a convenção ser fonte de direito do trabalho, o seu conteúdo essencial ser normativo e por, havendo extensão administrativa, através de portaria de extensão, só através da lei se poder interpretar um regulamento administrativo. Já Júlio Gomes[9], na síntese que faz do seu estudo sobre esta questão, da interpretação das CCT’s, salienta que “[o]s critérios hermenêuticos a adotar para a interpretação da convenção coletiva não podem deixar de ter em conta a génese negocial desta, e, sobretudo, a razão de ser pela qual o ordenamento remete para a contratação coletiva a regulação de uma parte substancial das relações laborais” e que “[a] circunstância da convenção coletiva criar regras que deverá aplicar-se igualmente a uma série indeterminada de relações é um fator muito importante para a objetivação da sua interpretação, mas trata-se sempre do máximo de objetivação consentido e permitido nos quadros da utilização do negócio jurídico”. Igualmente, refere que, neste domínio, se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal. pois, segundo ele, apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo permitir que as partes consigam através da interpretação aquilo que não conseguiram através da negociação.”. Por seu turno, (Menezes Cordeiro in Convenções Colectivas de Trabalho e Alteração das Circunstâncias, Lisboa, 1995, pág. 53), defende que, “face à autonomia da convenção colectiva, tanto o conteúdo obrigacional como o conteúdo regulativo podem dizer respeito a tudo o que não esteja vedado por uma fonte superior” (…) e que, “interpretação e a integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivistas quando estejam em causa aspectos que apenas digam respeito às partes que as hajam celebrado”. Por sua vez, a resposta que tem sido acolhida e afirmada pelos nossos tribunais, reiteradamente pelo STJ, tem sido no sentido de as cláusulas das convenções colectivas deverem ser interpretadas segundo as regras da interpretação decorrentes do art. 9º do CC, o qual dispõe que “1 - A interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2 -Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Neste sentido, vejam-se, os bem recentes (Ac.s do STJ de 11.05.2022, Proc. 2722/20.0T8CSC.S1 e 3798/20.6T8BRG.G1.S1), onde se refere, respectivamente, que, “A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, e as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações” e que “I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma; II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.”, o já citado (Ac. do STJ de 28.09.2017), no qual se sumariou que: “I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros”, também, o (Acórdão do STJ n.º 7/2010, Proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, DR, Iª série de 9.07.2010) onde se consignou, que “na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, por conseguinte, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei e, ainda, os (Acórdãos do STJ de 28.09.2005, DR, Iª série de 10.11.2005, de 09.06.2010, Proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, de 30.04.2014, Proc.3230/11.6TTLSB.S1). Verifica-se do exposto que se deve partir do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser esta o ponto de partida da actividade interpretativa visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal. Ou seja, como bem se refere naquele Acórdão que vimos citando, “No domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.” (…) Assim, regressando ao caso, comecemos pela transcrição da decisão recorrida, onde a Mª Juíza “a quo”, em face do texto da cláusula em causa e atento o disposto no art. 9º do CC, decidiu o seguinte: «Na interpretação da cláusula acima indicada ter-se-á, assim, em consideração um dos argumentos já expandidos pela demandante e que se traduz na apreciação da globalidade do diploma legal em que a cláusula a interpretar se insere quanto ao que se traduz por “consecutivos”. O pensamento do legislador nas demais cláusulas não mereceu qualquer discordância, pelo que teremos de considerar que para os interessados que recorrem o clausulado em apreço nas demais normas legais que o compõem “consecutivos” é equivalente a dias seguidos, independentemente de serem úteis ou de repouso, pelo que também na cláusula em apreço deverá ser interpretado deste modo, de modo a configurar-se uma interpretação uniforme de todo o texto legal. Mas, além deste argumento há ainda um outro que nos parece relevante e que consiste na circunstância deste diploma legal se aplicar a uma multiplicidade de relações laborais, nas quais se poderão integrar trabalhadores que exerçam a sua actividade laboral aos fins-de-semana, pelo que interpretar os dias de faltas “consecutivos” como sendo dias úteis determinaria, em nosso entender, uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais. O argumento final a que aqui recorreremos traduz-se na circunstância de em idênticas normas, como a do art. 250º do Cód. do Trabalho, o termo “consecutivos” não tem merecido qualquer outra interpretação que não a de que os dias deverão ser considerados como sendo seguidos (independentemente de serem dias úteis ou de descanso), citando-se aqui a título exemplificativo os Acórdãos da Rel. do Porto de 06/10/2014, proc. nº 433/13.2TTGDM.P1 e de 25/03/2019, proc. nº 1248/18.7T8MTS.P1, ambos, In, www.dgsi.pt.». Assim não o entendemos. Dispõe o artigo 251º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim» dispõe: «1 - O trabalhador pode faltar justificadamente: a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de descendente ou afim no 1.º grau na linha reta; b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim ascendente no 1.º grau na linha reta; c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral. 2 - Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica. 3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.» Trata-se de uma norma de natureza imperativa, como preceituado no artigo 250º do Código do Trabalho não podendo ser afastada por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ressalvada a situação de trabalhador eleito para estrutura de representação coletiva dos trabalhadores e desde que em sentido mais favorável ao trabalhador, ou por contrato de trabalho. Em suma, é este o nosso entendimento: os dias consecutivos têm de conter dias de trabalho para que se possa falar em falta e assim na contagem das faltas por motivo de falecimento, não podem ser contabilizados os dias de descanso e feriados intercorrentes por não existir ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário. Ou seja, não se pode deixar de atender, na contagem dos dias consecutivos, ao conceito de falta inserido na norma legal, sendo que esta, por força do artigo 248º do Código do Trabalho, supõe «a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário». Concluiu a Apelada nomeadamente que: - O CCT é aplicável a uma multiplicidade de relações laborais, de entre as quais se destacam, no setor da Recorrida, as situações de trabalhadores com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais (trabalhadores que apenas trabalham ao sábado e domingo e que compõem o chamado “turno de fim-de-semana”). - A interpretação do Recorrente no sentido de que a Cláusula se refere a dias consecutivos de trabalho e não a dias seguidos de calendário, por permitir a criação de condições para que certos trabalhadores, face aos mesmos factos (falecimento de familiar), possam vir a ter um prazo superior ao de outros, conduz a uma situação de discriminação. Assim não o entendemos uma vez que não pode ignorar-se a expressão «dias consecutivos», ou seja dias seguidos e não descontínuos, coincidindo com dias úteis de trabalho, neles não se incluindo os dias de descanso e os feriados. A leitura que fazemos é na esteira do entendimento perfilhado por João Leal Amado e de João Reis (in Questões Laborais, Ano XIII, n.º 27, 2006, pág. 129 à 137 – Nótula sobre as faltas justificadas por motivo de falecimento de parentes ou afins (art. 227.º do Código do Trabalho), com referência à anterior redação do Código do Trabalho que consideram o seguinte: - Resulta da lei que o trabalhador poderá faltar justificadamente ao serviço: - cinco dias consecutivos em caso de falecimento do seu cônjuge, do seu pai ou do seu filho; - dois dias consecutivos caso faleça o seu avô ou o seu irmão; - Afigura-se óbvio que nesses dias não poderão ser computados os dias de descanso e/ou os feriados intercorrentes, pela simples razão de que nestes não se verifica qualquer falta ao trabalho; - Não se trata, pois, de cinco dias consecutivos de calendário, mas sim de cinco dias consecutivos de falta ao trabalho. Também Menezes Leitão analisou (in Direito do Trabalho, 2.º Ed. Almedina, 2012) a questão relativa à contagem das faltas por falecimento de familiar, entendendo que na questão de saber se deverão ou não ser abrangidos os dias de descanso semanal ou dias feriados, a melhor posição parece ser a de que os dias que não sejam de trabalho não integram o período de dias consecutivos referidos na lei, dado que em relação a eles não se poria nunca a questão da falta. Daí que considerarmos que a expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato ..., deve ser interpretada como sendo dias úteis de trabalho. O trabalhador deverá cumprir o dever de comunicação das faltas ao empregador, podendo ser exigido pelo empregador, nos 15 dias subsequente à comunicação da falta, prova do motivo (artigos 253º nº 2 e 254º, nº 1 ambos do Código do Trabalho). Procede, assim, a apelação. III – DECISÃO: Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar, procedente a apelação, decidindo que: - A expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato ..., deve ser interpretada como sendo dias consecutivos de falta ao trabalho. Custas da ação e da apelação pelas Ré/Apelada. * Porto, 13 de Julho de 2022Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão Rita Romeira [vencida em conformidade com o voto que segue: Declaração de voto de vencido Apesar de todo o respeito, não acompanho o acórdão proferido porquanto, a meu ver, a correcta solução jurídica do recurso é a propugnada no projecto que não fez vencimento e do qual, em síntese, transcrevo, aqui o seguinte: «(...). Encontra-se, neste recurso, em discussão, a interpretação do CCT celebrado entre as, aqui, demandadas, publicado no BTE nº 20 de 29/5/2019, em concreto, a sua cláusula 82ª que sob a epígrafe “Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins”, consagra o seguinte: “1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente: a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim n 1º grau na linha recta (pais ou filhos, por parentesco ou adopção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras); b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou em 2º grau da linha colateral (avós ou bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade oi adopção plena, irmãos consanguíneos ou por adopção plena e cunhados). 2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que via em união de facto ou economia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei”. Precisando, encontra-se em discussão, a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante daquela se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta” e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como defende a recorrente ou, então, como foi peticionado e decidido, como sendo dias seguidos (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso). Analisando. A questão coloca-se no âmbito de um processo especial de interpretação de cláusulas de convenções colectivas, regulado nos artigos 183º a 186º do Código de Processo do Trabalho, devendo o autor com a petição inicial juntar cópia do Boletim de Trabalho e Emprego onde esteja publicada a convenção colectiva. O que, a requerente fez. E, atento o pedido formulado por aquela e o tipo de processo em causa, desde já, se refuta o entendimento do recorrente, quando invoca a irrelevância da interpretação da cláusula em causa, baseada no argumento de a cláusula 82ª ser de conteúdo material igual ao art. 251º do CT e o regime do art. 250º do mesmo código ser imperativo. Pois, não lhe assiste razão. Justificando. A acção em causa é o meio próprio e adequado para apreciar questões, como a que se encontra em litígio, sendo que, como bem diz a Mª Juíza “a quo”, “O art. 183º do C.P.T. prevê a acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, sem que se exija que as mesmas sejam inovadoras ou originais para que possam ser alvo de pedido de interpretação. Assim, entende-se que a circunstância de existirem outras normas com teor idêntico, como a que se encontra prevista no Cód. do Trabalho, não exclui, em nosso entender, a possibilidade do interessado vir suscitar a intervenção do Tribunal com o intuito de definir uma interpretação duma norma, bastando para o efeito que esta se insira numa convenção colectiva de trabalho,...”. Acresce que, a cláusula 82ª, a única coisa sobre que estabelece é o modo de contagem dos dias a que tem direito o trabalhador em caso de falecimento dos parentes ali mencionados, não violando, por isso, qualquer regime imperativo do regime de faltas estabelecido no CT, até porque, justifica as faltas por motivo de falecimento e respeita a sua duração, tal como estabelecido no CT, art. 251º. Ultrapassado que está este argumento do recorrente, previamente, a analisarmos se o Tribunal “a quo” errou ao interpretar aquela expressão da referida cláusula nos termos em que o fez, como sendo dias seguidos, (independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso), façamos uma breve incursão, sobre as Convenções Colectivas. No caso, trata-se do Contrato coletivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato .... Contrato colectivo que, após a sua celebração, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de Março de 2010 e tem alterações publicadas nos Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 2013, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 de Agosto de 2014, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2016, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2017, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de Maio de 2018 e a última e actual publicação, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de Maio de 2019. Ora, como decorre do disposto no art. 2º nº 3 alínea a) do CT, o Contrato Coletivo é uma das modalidades que podem revestir as convenções colectivas de trabalho as quais, nos termos do art. 1º do mesmo código do Trabalho, constituem, fontes específicas do direito do trabalho. Atento o seu carácter híbrido, à convenção colectiva de trabalho costuma atribuir-se a natureza mista de contrato e norma. Pois, enquanto contrato, a mesma, gera obrigações para as partes outorgantes, o sindicato e a associação patronal, nela se prevendo também verdadeiras normas jurídicas de carácter genérico, reguladoras das relações individuais de trabalho entre os trabalhadores e os empregadores destinatários da convenção. A este propósito, veja-se (João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, Coimbra Editora 2009, pág. 28) o qual, refere que a “convenção colectiva não chega a ser uma lei, mas também se não reduz à mera condição de contrato; ela é uma síntese destas figuras, um «contrato-lei»… Na feliz expressão de CARNELUTTI, as convenções colectivas são um «híbrido que tem um corpo de contrato e alma de lei». Isto porque a convenção colectiva, apresentando embora uma inequívoca faceta negocial, pois resulta do acordo alcançado entre trabalhadores e empregadores, apresenta igualmente uma importante faceta normativa, através da qual ocorre a determinação colectiva das condições de trabalho”. Acontece que, a generalidade das cláusulas convencionais, assumem, na verdade, a qualidade de autênticas normas jurídicas, sendo normalmente designadas de cláusulas regulativas na medida em que regulam e disciplinam as relações individuais de trabalho estabelecidas entre trabalhadores e empregadores filiados nas associações outorgantes (cfr. art. 496º, nº 1 do CT). Sendo este, o sentido em que se pronunciam a maioria dos autores, nomeadamente, entre outros, (Mota Veiga in Lições de Direito do Trabalho, UL, 6ª Edição, pág. 261; Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 16ª Edição, pág. 679; Bernardo Gama Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição, pág. 460; e Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, Almedina, 2002, pág. 979). Carácter normativo de tais cláusulas que passou, também, a ser aceite pelo Tribunal Constitucional, cfr. (Acórdão 174/2008, de 11 de Março, DR, 2ª Série, nº 98, de 21 de Maio de 2008), podendo tais normas constituir objecto de recurso para esse tribunal. Por ser, deste modo, estabelece o art. 492º, nº 3 do CT, que a convenção colectiva deve prever a constituição de uma comissão paritária com competência para interpretar e integrar as suas cláusulas, que é formada por igual número de representantes das entidades celebrantes, sendo a sua deliberação, tomada por unanimidade, considerada para todos os efeitos como integrando a convenção a que respeita (art. 493º nºs 1 e 2). Face à natureza negocial das normas (cláusulas), em questão, o legislador considera deverem ser os próprios outorgantes da convenção a esclarecer o conteúdo da cláusula a interpretar, sem prejuízo do recurso ao tribunal. Precisamente, o que aconteceu no caso. Face a isso, nada impedia o Tribunal “a quo” nem nos impede a nós, antes nos cabe, proceder à interpretação da referida Cláusula. E sendo desse modo, a primeira questão que se coloca é a de saber a que tipo de regras devemos recorrer, se às regras da interpretação da lei decorrentes dos art.s 9º e 10º, do Código Civil ou pelas regras da interpretação do negócio jurídico, art.s 236º e 239º do mesmo código. A este respeito, o entendimento dos autores não tem sido unânime, como referido e se lê, no (Ac. do STJ de 28.09.2017, Processo: 1148/16.5T8BRG.G1.S2, in www.dgsi.pt e publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 55 — 19 de Março de 2019, que seguiremos de perto): “António Monteiro Fernandes[7] entende que lhe parece mais conforme ao desígnio do legislador a resposta ser a de “[a]plicar os critérios preconizados para os negócios jurídicos, independentemente da natureza da cláusula em questão” porque ”[n]a realidade, interpretar ou integrar a convenção é (ou deve ser) criar um conteúdo convencional que se acrescenta ao existente, e que deve enquadrar-se na fórmula de equilíbrio contratual adotada pelas entidades subscritoras”. Por sua vez, Maria do Rosário Palma Ramalho[8] sustenta, por sua vez, que “[a] interpretação da convenção coletiva e a integração das suas lacunas deve sujeitar-se globalmente aos critérios de interpretação e integração da lei (artigos 9º e 10º, do CC), pela seguinte ordem de razões: razões de coerência interna das duas parcelas do conteúdo deste instrumento, razões de substancialidade, razões formais e de segurança jurídica e razões de harmonia intra-sistemática”. Ora, as razões que aponta para se tomar esta posição são, essencialmente, as da interpretação da convenção dever ser unitária e não dualista, a convenção ser fonte de direito do trabalho, o seu conteúdo essencial ser normativo e por, havendo extensão administrativa, através de portaria de extensão, só através da lei se poder interpretar um regulamento administrativo. Já Júlio Gomes[9], na síntese que faz do seu estudo sobre esta questão, da interpretação das CCT’s, salienta que “[o]s critérios hermenêuticos a adotar para a interpretação da convenção coletiva não podem deixar de ter em conta a génese negocial desta, e, sobretudo, a razão de ser pela qual o ordenamento remete para a contratação coletiva a regulação de uma parte substancial das relações laborais” e que “[a] circunstância da convenção coletiva criar regras que deverá aplicar-se igualmente a uma série indeterminada de relações é um fator muito importante para a objetivação da sua interpretação, mas trata-se sempre do máximo de objetivação consentido e permitido nos quadros da utilização do negócio jurídico”. Igualmente, refere que, neste domínio, se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal. pois, segundo ele, apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo permitir que as partes consigam através da interpretação aquilo que não conseguiram através da negociação.”. Por seu turno, (Menezes Cordeiro in Convenções Colectivas de Trabalho e Alteração das Circunstâncias, Lisboa, 1995, pág. 53), defende que, “face à autonomia da convenção colectiva, tanto o conteúdo obrigacional como o conteúdo regulativo podem dizer respeito a tudo o que não esteja vedado por uma fonte superior” (…) e que, “interpretação e a integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivistas quando estejam em causa aspectos que apenas digam respeito às partes que as hajam celebrado”. Por sua vez, a resposta que tem sido acolhida e afirmada pelos nossos tribunais, reiteradamente pelo STJ, tem sido no sentido de as cláusulas das convenções colectivas deverem ser interpretadas segundo as regras da interpretação decorrentes do art. 9º do CC, o qual dispõe que “1 - A interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2 -Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Neste sentido, vejam-se, os bem recentes (Ac.s do STJ de 11.05.2022, Proc. 2722/20.0T8CSC.S1 e 3798/20.6T8BRG.G1.S1), onde se refere, respectivamente, que, “A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, e as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações” e que “I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma; II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.”, o já citado (Ac. do STJ de 28.09.2017), no qual se sumariou que: “I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros”, também, o (Acórdão do STJ n.º 7/2010, Proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, DR, Iª série de 9.07.2010) onde se consignou, que “na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, por conseguinte, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei e, ainda, os (Acórdãos do STJ de 28.09.2005, DR, Iª série de 10.11.2005, de 09.06.2010, Proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, de 30.04.2014, Proc.3230/11.6TTLSB.S1). Verifica-se do exposto que se deve partir do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser esta o ponto de partida da actividade interpretativa visto ser através dela que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula igualmente como limite interpretativo visto não poder ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal. Ou seja, como bem se refere naquele Acórdão que vimos citando, “No domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação.”. Entendimento que subscrevemos e se verifica, também, foi o entendimento seguido no Tribunal “a quo” para interpretar o sentido da cláusula em discussão, no que toca à expressão “consecutivos”. Assim, regressando ao caso, comecemos pela transcrição da decisão recorrida, onde a Mª Juíza “a quo”, em face do texto da cláusula em causa e atento o disposto no art. 9º do CC, decidiu o seguinte: «Na interpretação da cláusula acima indicada ter-se-á, assim, em consideração um dos argumentos já expandidos pela demandante e que se traduz na apreciação da globalidade do diploma legal em que a cláusula a interpretar se insere quanto ao que se traduz por “consecutivos”. O pensamento do legislador nas demais cláusulas não mereceu qualquer discordância, pelo que teremos de considerar que para os interessados que recorrem o clausulado em apreço nas demais normas legais que o compõem “consecutivos” é equivalente a dias seguidos, independentemente de serem úteis ou de repouso, pelo que também na cláusula em apreço deverá ser interpretado deste modo, de modo a configurar-se uma interpretação uniforme de todo o texto legal. Mas, além deste argumento há ainda um outro que nos parece relevante e que consiste na circunstância deste diploma legal se aplicar a uma multiplicidade de relações laborais, nas quais se poderão integrar trabalhadores que exerçam a sua actividade laboral aos fins-de-semana, pelo que interpretar os dias de faltas “consecutivos” como sendo dias úteis determinaria, em nosso entender, uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais. O argumento final a que aqui recorreremos traduz-se na circunstância de em idênticas normas, como a do art. 250º do Cód. do Trabalho, o termo “consecutivos” não tem merecido qualquer outra interpretação que não a de que os dias deverão ser considerados como sendo seguidos (independentemente de serem dias úteis ou de descanso), citando-se aqui a título exemplificativo os Acórdãos da Rel. do Porto de 06/10/2014, proc. nº 433/13.2TTGDM.P1 e de 25/03/2019, proc. nº 1248/18.7T8MTS.P1, ambos, In, www.dgsi.pt.» Nesta sequência, deu o Tribunal “a quo” provimento ao peticionado na acção, o que, podemos adiantar, desde já, subscrevemos na íntegra, pese embora os diversos entendimentos juntos e expressos nos autos, desde logo, pelo recorrente. Efectivamente, lançando mão dos critérios de interpretação da lei, atenta a globalidade do diploma onde se insere a cláusula em causa, a letra da mesma, não só se coaduna com a interpretação e versão proposta pela requerente e seguida na decisão recorrida, como não se coaduna com a interpretação proposta pelo recorrente, porque desde logo e reiterando o necessário respeito, ao contrário do que este considera, não é a “falta” do trabalhador ou sequer o regime de faltas do CT o que está em causa, como afirma na conclusão 6 da sua alegação. O que está em causa é o direito de o trabalhador poder, durante um determinado período de tempo, em concreto, o número de dias ali referido, gozar o período de nojo, decorrente da perda dos familiares e parentes ali mencionados, eventualmente, afastado das suas obrigações profissionais. Estabelecendo a cláusula em causa sobre como se procede à contagem daqueles dias. Ora, tendo em conta o sentido literal da norma, referindo-se a dias “consecutivos”, como bem se considerou na decisão recorrida e tendo em conta a globalidade do diploma legal onde a cláusula se insere, àquela não poderá ser-lhe dado outro sentido que senão o de “dias seguidos”, precisamente, o significado literal de “dias consecutivos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”. Pois, concordamos que se de outro modo os interessados o tivessem querido, tê-lo-iam dito, como fizeram noutras normas do diploma em causa, onde até utilizaram a expressão “dias úteis consecutivos”. Basta para o efeito, como bem diz a requerente, ter em atenção como são utilizadas, noutras cláusulas da CCT, em causa, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” (Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)), “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, o que na Cláusula 68.ª do CCT, se esclarece sobre o que são considerados dias úteis para efeitos de férias, para podermos concordar, como a sua alegação de que, “caso se pretendesse que os dias concedidos ao trabalhador por falecimento de um familiar se considerassem os “(…) dias úteis da semana, com exceção dos feriados e dos dias de descanso semanal (…)”, então bastaria uma simples remissão para a referida disposição”. Deste modo, além de não fazer sentido proceder a uma interpretação da expressão em causa, no âmbito e em concordância com o conceito de “falta”, nos termos pretendidos pelo recorrente, concordamos ser de efectuar uma interpretação em sintonia com o defendido pela A./requerente e tal como consignado e vertido na sentença recorrida, já que concordamos, esta, se mostra uniforme com todo o texto legal. Assim, acolhemos o entendimento de que a expressão, “dias consecutivos” constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação ... e o ... - Sindicato ..., deve ser interpretada como sendo “dias seguidos”, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso. Sentido de interpretação que consideramos, como já dissemos, porque a única coisa que aquela cláusula estabelece é o modo de contagem, dos dias que o trabalhador pode faltar, não violando, assim, qualquer regime imperativo do regime de faltas, ao contrário, justifica as faltas por nojo e respeita a sua duração, tal como estabelecido no CT, art. 251º. Acrescendo, ainda, como bem referiu e cita a Mª Juíza “a quo”, ser o sentido e a interpretação, acabada de fazer, idêntica à que, nesta secção, vem sendo feita quanto à expressão “consecutivos” constante da norma do Código do Trabalho. (...).». * Por fim, acresce dizer, novamente reiterando o devido respeito, que no Acórdão que fez vencimento não se fez a interpretação da cláusula 82ª em comparação com a redacção dada às demais cláusulas que referimos no projecto que não obteve vencimento.Razão porque, no projecto que não obteve vencimento, julgava improcedente a apelação e confirmava na íntegra a decisão recorrida.] |