Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21895/17.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
INVOCAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP2019012421895/17.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º161, FLS.164-167)
Área Temática: .
Sumário: I - O relevante para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 703º do CPC é comando ou injunção contido na sentença dirigido ao obrigado, impondo a este uma conduta em termos tais que, sem necessidade da mediação de outro qualquer ato, o coloca no estado de sujeição à execução força da daquele comando.
II - Nas ações de demarcação a questão da propriedade é invocada apenas como legitimação para a ação - artº 1353º do C. Civil, pelo que a sentença que nelas é proferida não contém em si qualquer juízo de condenação para além do que se refere ao estabelecimento da demarcação nos termos decididos.
III - Por essa razão a sentença proferida em ação de demarcação não é título executivo bastante para execução de prestação de facto negativo e positivo por alegada violação por parte dos executados do direito de propriedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º21.895/17.3T8PRT.P1

Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B… e mulher, C… intentaram execução para prestação de facto, alegando as obrigações de facto negativo e de prestação de facto positivo que em seu entender recaem sobre a executada D… por força do decidido em sentença – que apresentam como título executivo – proferida em ação de demarcação que correu termos sob o nº 2810/10.1TBPVZ, do Juízo Local Cível - J3, da Póvoa de Varzim.
No requerimento executivo, e em termos do que referem como violação da obrigação de facto negativo e positivo que segundo eles decorrerão para os executados da decisão proferida na sentença dada à execução, alegam:
- que a executada, já depois de proferida a sentença, continua a praticar em relação à parcela de terreno que na sentença dada à execução foi reconhecido integrar o prédio pertencente ao exequente ( circula pela mesma a pé e de automóvel);
- Que mantém abertas, uma porta e janelas que deitam diretamente sobre a mesma, e um portão que permite a passagem para a mesma faixa de terreno;
- Que também já depois de proferida a sentença a executada abriu ao nível do primeiro andar da sua casa, junto à linha divisória dos prédios, uma passagem a descoberto, sem qualquer parapeito;
- Que igualmente já depois de proferida a sentença a executada colocou na parede da sua casa um tudo de escoamento de águas que invade o espaço aéreo correspondente à referida faixa de terreno;
Requerem em consequência a fixação de sanção pecuniária compulsória por cada vez que forem violadas as obrigações de facto negativo, e para o caso de não serem observadas as obrigações de prestação de facto positivo que segundo alegam, decorrem para a executada em função da sentença proferida.

Sobre o requerimento executivo assim formulado foi proferido despacho em que se consigna o entendimento de que á execução apenas podem servir de base as sentenças condenatórias (artº 703º nº1 a) do CPC), entendidas enquanto sentenças que impõem ao réu um dever de cumprimento de uma prestação, e já não as proferidas em ações de simples apreciação ou constitutivas.
E que in casu da sentença proferida e apresentada como título não decorreria qualquer dever de cumprimento.
Concluiu-se julgando ser manifesta a falta de título executivo, indeferindo por essa razão liminarmente o requerimento executivo.

Não conformados recorrem os exequentes B… e mulher, formulando em síntese as seguintes CONCLUSÕES
a) A decisão da acção de demarcação tem natureza constitutiva, porque define ex novo a real e definitiva configuração e posicionamento da linha divisória entre os prédios.
b) Por consequência, tem a implícita injunção de que as partes no processo estão obrigadas a respeitar mutuamente os respetivos direitos de propriedade com referência à linha divisória determinada pela sentença.
c) Assim, no caso dos autos, a sentença dada à execução é título bastante para compelir a Executada à prestação dos factos positivos e negativos requeridos que têm em vista fazê-la respeitar o direito de propriedade dos Exequentes em conformidade com a demarcação feita.
d) O despacho de indeferimento liminar da execução carece de fundamento legal, designadamente do constante da alínea a) do nº 2 do art. 726º do C. P. Civil.
e) Deve, por isso, ser revogado, ordenando-se o prosseguimento da execução.

Em resposta às alegações a executada recorrida veio pugnar pela manutenção da decisão recorrida.

Tal como emerge das conclusões das alegações do recorrente o objeto do recurso está circunscrito à questão de saber se uma sentença proferida em ação visando a demarcação entre dois prédios é título bastante para compelir a Executada à prestação dos factos positivos e negativos podendo como tal ser invocada como título executivo.

Sendo questão meramente processual não há factos a considerar para além da tramitação normal do processo.

I – O artº 703º do CPC é perentório ao dispor – nº 1, alínea a) – que só as sentenças condenatórias podem servir de base à execução.
Mas como já ensinava o Prof. Alberto dos Reis[1] não devem confundir-se sentenças de condenação com sentenças proferidas em ações de condenação, até porque as sentenças proferidas em ações conservatórias ou constitutivas podem servir de títulos executivos quanto aos atos ou providências que ordenam ou mudanças que determinam.
O mesmo autor refere noutro lugar [2] que o que em seu entender caracteriza as sentenças condenatórias, e permite que possam servir de título executivo, é o comando ou injunção que nelas se contém, dirigido ao obrigado, a imposição a este de determinada conduta em termos tais que, sem necessidade da mediação de outro qualquer ato, o coloca no estado de sujeição à execução força da daquele comando. Seriam assim sentenças condenatórias as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade[3].
Este autor refere-se mesmo às sentenças proferidas em ações de demarcação como exemplo de sentenças que sendo proferidas em ações que não sendo de condenação, seriam apesar disso título executivo bastante para servir de base às diligências a efetuar pelos peritos. A este propósito caberá salientar a particularidade de que no domínio do CPC de 1961, na redação anterior à Reforma de 1995, a estas ações de demarcação corresponder uma forma de processo especial, que continha em si não apenas a fase declaratória como a fase executória, que consistia precisamente na aposição de marcos pelos peritos – nº 5 do artº 1058º do CPC. Esta situação alterou-se com a reforma do processo civil operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, deixando de se contemplar um processo especial para a ação de demarcação.
Uma referência ainda ao entendimento diverso sustentado por Lopes Cardoso[4] segundo o qual, à semelhança do que se exige em relação a qualquer outro título executivo, o que relevaria nas sentenças seria a constituição de uma qualquer obrigação para o devedor. Não seria assim necessário que a sentença condenasse no cumprimento de uma qualquer obrigação, bastando antes que essa obrigação fosse declarada ou constituída por ela. Tem-se entendido no entanto que, mesmo nestes casos o que pode ser objeto da execução é ainda a decisão condenatória, expressa ou implícita, que possa ter sido cumulada com a declaração de constituição da obrigação[5].
De fora ficarão assim claramente as sentenças de mera apreciação[6].
Corroborando-se este entendimento, consideramos menos exata a afirmação constante do despacho recorrido, de que só as sentenças proferidas em ações de condenação podem servir de título executivo, já que não é a espécie de ação que determina ou não a existência de sentença condenatória.

II – Mantém-se em todo o caso a questão de saber se a sentença proferida em ação de demarcação apenas pode servir de título executivo no que concerne à imposição do dever de contribuir para a demarcação nos termos decididos, ou se também é título executivo bastante para que, em execução de facto, se vir requerer a fixação de sanção pecuniária compulsória por alegada violação das obrigações de facto negativo que da mesma possam decorrer para a executada.
Sendo o título executivo que delimita o fim e os limites da ação executiva – nº 5 do artº 10º do CPC - a questão não estará tanto em saber se a sentença dada à execução pode ou não servir como título executivo mas antes o alcance da decisão nela contida.
No caso das ações de demarcação o objeto da ação vai frequentemente além do que seria justificado pela sua finalidade. Com efeito o normal numa ação de demarcação seria os Autores apresentarem-se a tribunal, no exercício do direito de demarcação que a lei lhes reconhece - artº 1353º do CC - a pedir que fossem declarados os pontos que definem a linha divisória entre dois prédios confinantes cuja propriedade não discutem, e não pretender obter através dessa ação a declaração de um qualquer direito real ou a definição da sua amplitude - S.T.J. 29/6/00 Bol. 499/294. Na típica ação de demarcação a questão da propriedade é invocada apenas como legitimação para a ação - artº 1353º do C. Civil – já que o que se pede não é o reconhecimento do direito de propriedade, mas antes a definição da linha divisória, que se alega incerta, entre dois prédios confinantes.
No entanto, o que as partes, sob a capa de ação de demarcação, frequentemente visam não é apenas tornar visíveis os limites indisputados entre prédios contíguos, mas antes e indiretamente, a definição do conteúdo do seu direito de propriedade através da fixação das estremas de prédios cujos limites são objeto de litígio pré-existente. Nestes casos a sentença que venha a ser proferida poderá ter de apreciar a questão do direito de propriedade ou da sua extensão. Mas limitada que está à declaração do direito de propriedade apenas como pressuposto do estabelecimento da demarcação nos termos decididos, não contém em si qualquer juízo de condenação para além do que se refere ao estabelecimento da demarcação nos termos decididos, podendo nessa medida servir de título executivo para compelir coercivamente o demandado a contribuir ou consentir na demarcação assim decidida.
Diferentemente ocorrerá se as partes, perante um litígio sobre os limites dos respetivos prédios optarem por propor uma ação de revindicação típica, já que a sentença a proferir neste tipo de ações, em que há cumulação de ação de simples apreciação e ação de condenação, não se limita a declarar o direito e condena efetivamente no respeito pelo direito de propriedade concretamente afirmado e na abstenção dos atos que o possam ofender- cfr nº 1 do artº 1311º do CC.
O que vem de referir-se tem plena aplicação à situação em apreciação.
Com efeito, tendo a ora recorrente, perante atos ofensivos do seu direito de propriedade, optado por propor uma ação de demarcação em vez da normal ação de reivindicação, obteve nessa uma sentença que muito embora se tenha pronunciado sobre o âmbito do direito de propriedade referente a esses prédios, o faz apenas enquanto pressuposto da decisão que é proferida a estabelecer os termos em que deve ser estabelecida a linha divisória entre tais prédios.
E nessa medida não contém qualquer outra condenação para além da que impõe aos demandados nessa ação o dever de consentir ou contribuir para a demarcação nos termos referidos.
E por isso a sentença apresentada pela recorrente não é de facto título executivo bastante para execução de prestação de facto negativo e positivo por alegada violação por parte dos executados do direito de propriedade, já que proferida no contexto e com a finalidade em que o foi, dela não resulta qualquer outra obrigação para os aqui recorridos que não as que se destinam à efetivação da demarcação nos termos decididos.

Assim que, nos termos e com os expostos fundamentos, acordam os juízes nesta Secção Cível Do Tribunal Da Relação Do Porto, em jugar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
*
Sumariando- nº7 do artº 663º do CPC
...........................................................................
...........................................................................
...........................................................................
Custas pelos recorrentes

Porto, 24 de janeiro de 2019
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela
___________
[1] Código de Processo Civil anotado, Vol. I, págs. 64
[2] Processo de Execução, Vol. I, págs. 79 e sgs.
[3] Autor e obra citados, págs. 127
[4] Manual da ação executiva, 3ª edição, págs. 27/28
[5] Lebre de Freitas A Ação Executiva, 7ª edição, págs. 49
[6] Anselmo de Castro – Ação Executiva Singular – págs. 16/17