Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2252/03.5TBVCD.P5
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
CONFIANÇA DO MENOR
IDONEIDADE
ENTREGA DO MENOR Á PROGENITORA
Nº do Documento: RP201802062252/03.5TBVCD.P5
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º810, FLS.2-18)
Área Temática: .
Sumário: I - O processo de promoção e protecção é de jurisdição voluntária, o que implica a prevalência da conveniência e oportunidade sobre critérios de legalidade estrita, devendo ser adoptada a solução que atenda prioritariamente aos interesses da criança e do jovem.
II - O superior interesse da criança e do jovem deve prevalecer, no confronto com os demais interesses, mesmo que atendíveis, nomeadamente o interesse dos progenitores, decorrente do princípio inferior da prevalência da família.
III - Na ponderação desses interesses não pode deixar de ser considerada a vontade manifestada pela criança ou jovem maior de 12 anos, cuja audição é obrigatória.
IV - A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea não deve ser alterada quando o jovem se encontra bem inserido na família da pessoa a quem foi confiado e rejeita a progenitora que pretende a sua institucionalização, ainda que em regime aberto, para restauração de laços afectivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 2.
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Processo n.º 2252/03.5TBVCD.P5
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Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:
I. Relatório
Por despacho de 10/10/2017, foi revista a medida anteriormente aplicada ao menor B…, tendo-se determinado a sua prorrogação, por mais seis meses, mantendo-se confiado a C…, mas alterando-se o regime de visitas, decidindo-se que os convívios com a progenitora “ocorrerão sempre que (mas apenas quando) aquele expresse vontade para o efeito, caso em que incumbirá à técnica que acompanha o caso agendar a visita”.

Inconformada com essa decisão, a mãe do menor interpôs recurso de apelação e apresentou as correspondentes alegações com as seguintes conclusões:
“1ª – A douta decisão recorrida de 10/10/2017, ao prorrogar, por mais seis meses, a medida de promoção e proteção de confiança deste menor a pessoa idónea, na pessoa de C…, e determinar que os convívios do menor B… com a progenitora ocorrerão apenas quando aquele expresse vontade para o efeito, violou o disposto no art. 35º, nº 1, als. a), c) e f) da LPCJP (Lei nº 147/99, de 01/09), além do decidido no acórdão TRP de 21/06/2010 (fls. 2963).
2ª – Em 21/06/2010, o Tribunal da Relação do Porto prolatou acórdão, transitado em julgado, que decidiu aplicar ao menor B… e ao irmão D… (menor) a medida de acolhimento em instituição, em regime aberto, pelo período máximo de seis meses e acompanhamento, mediante um plano de intervenção, junto dos progenitores dos menores; com acolhimento dos dois menores na mesma instituição, com vista a promover a integração dos menores na família de origem, retomando de imediato as visitas por forma a estimular e a valorizar a responsabilidade parental que urge solidificar, as visitas realizar-se na instituição que acolher os menores, em horário a fixar pela instituição, sem prejuízo das normais actividades dos menores; após, mediação com a instituição, nos fins de semana, alternadamente, ao sábado e ao domingo, as visitas devem realizar-se na casa de habitação dos progenitores, recolhendo os pais os menores na instituição às 12,00 horas, procedendo à entrega até às 17,00 horas do mesmo dia; após, mediação com a instituição, durante a semana e pelo menos, uma vez, os pais (ou tão só o pai, que dispõe de carta de condução) devem acompanhar os menores na prática de actividades extra escolares, em centros recreativos comunitários da área da residência dos menores, ou nas zonas limítrofes (Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende) como seja, a prática de um desporto ou actividade cultural (aulas de música), assumindo a responsabilidade com as deslocações dos menores de e para a instituição, acompanhando os menores durante esse período.
3ª – O casal guardião interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, em 07/07/2010, (fls. 2978) que julgou improcedente este recurso e decidindo negar-lhe provimento confirmou o acórdão recorrido por C… e ex-marido (3180).
4ª - Os presentes autos não registam qualquer circunstância superveniente suscetível de determinar a alteração desta decisão.
5ª - Não se entende como foi e continua a não ser possível executar a decisão proferida no acórdão deste Venerando Tribunal da Relação em 21/06/2010, que determinou o acolhimento dos dois menores na mesma instituição, pelo período máximo de seis meses, com vista a promover a integração dos menores na família de origem, retomando de imediato as visitas por forma a estimular e a valorizar a responsabilidade parental que urge solidificar.
6ª - A única explicação factual para que tal não haja sucedido é a existência neste processo de certas forças, versus agentes processuais, que sempre se opuseram à concretização da decisão prolatada no acórdão, entre outros, o caso da Técnica da Seg. Social responsável deste processo de promoção e proteção, cuja substituição de há muito é reclamada pela progenitora.
7ª - Mercê das manobras dilatórias de C… e ex-marido E… a quem o menor foi confiado provisoriamente, por seis meses, e sucessivamente prorrogado pelo tribunal recorrido sem o acordo dos pais, ultimamente da progenitora, que tiveram eco no MP que as apoiou, e as delongas da Técnica do Serviço Social que sempre retardou os atos e diligências a praticar neste processo, como é exemplo o retardar em quase um ano a reintegração do menor D… na família, cuja entrega aos pais se arrastou no tribunal recorrido durante 5 anos, a reintegração do B… na sua família não se concretizou.
8ª – C… e o ex-marido apostaram tudo em vencerem este processo pela teoria do facto consumado: retardar por qualquer meio ao seu alcance a retirada do B… da sua confiança, chegando ao ponto de inventarem abusos sexuais da mãe ao menor, levantando a questão da paternidade do B… e muitas outras manobras dilatórias, entre elas processos-crime movidos aos pais do menor e criando uma série interminável de conflitos com as visitas da família ao menor, de tal modo que corresse o tempo necessário e suficiente para solidificarem a ligação do menor a eles e à casa deles, com vista a o menor perder a vontade de regressar ao convívio da sua família e viesse a rejeitá-la.
9ª - Há que referir que após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/06/2010, transitado em julgado, apenas uma única vez, na Conferência realizada no dia 12/11/2014 a progenitora acedeu em dar o seu acordo a que fosse aplicada ao seu filho menor B… a medida de confiança a pessoa idónea, por seis meses, na pessoa de C…, com o objetivo de, nesse período, serem restabelecidas as visitas do menor à mãe, pensando ela que no fim desse período o menor ser-lhe-ia confiado, tendo a este propósito ficado registado na ata “com a implementação de um regime de visitas do menor à mãe biológica, a consagrar de forma progressiva e acompanhada, designadamente por Técnica da Segurança Social”.
10ª – Foi apresentado e acordado o seguinte plano de implementação de visitas do menor B… à mãe, homologado pelo Despacho de 12/11/2014, que consta das cláusulas 2ª, 5ª e 6ª do acordo de fls. 4367-4368:
- Cl. 2ª- “O menor terá visitas da mãe F…, nos seguintes termos:
a) O regime de visitas será uma vez por semana, sem prejuízo de no fim do decurso de três meses se ponderar o alargamento do mesmo período de visitas, mediante informação a prestar no final desse prazo pela Técnica da Segurança Social que vai acompanhar as visitas, Dra G…;
b) As visitas decorrerão nas instalações da Segurança Social (espaço de família), sito na Rua …, nº …, no Porto;
c) As visitas serão intermediadas pela Dra G…, com a presença do menor e mãe biológica e defensor do menor Dr. H…, sendo que, se a Dra G… assim o entender poderão estar presentes outras pessoas que se afigurarem necessárias para o efeito;
d) A duração das visitas será de uma hora entre as 15,00 e 16,00 horas, iniciando-se a primeira visita em 28/11/2014, sem prejuízo do período de duração ser alterado desde que a Dra G… assim o entender;
e) O menor será conduzido às referidas visitas pelo seu defensor Dr. H…;
f) No período de férias do Natal as visitas decorrerão no dia 17/12/2014 e no dia 02/01/2015”;
- Cl. 5ª– “O ISS na pessoa da Dra G…, obriga-se a remeter aos autos no prazo de dois meses informação intercalar sobre o desenrolar das referidas visitas, sobre a possibilidade de alargamento das mesmas sugerindo os termos bem como a possibilidade de alteração do local em que se realizaram, devendo igualmente esclarecer se o acompanhamento psico-pedagógico se mantém e por quem e se o mesmo tem tido alguma intervenção no desenvolvimento das visitas determinadas e em que sentido”;
- Cl. 6ª– Nas visitas acima acordadas poderá estar presente o irmão D…, sendo preferível que venha a ocorrer entre a segunda e terceira visita, de acordo com o acompanhamento que a Dra G… entender conveniente.
11ª - Em 28/11/2014 foi apresentado o Plano de Integração do menor D… (irmão mais novo do B…) no agregado familiar e por despacho de 06/05/2015 foi aplicada ao menor D… a medida de apoio junto dos pais (art. 35º, nº 1, al. a) da LPCJP, vindo a ser reintegrado no convívio da família, em casa dos pais, no dia 16/07/2015.
12ª - Conforme muito temia a progenitora, o plano de visitas não se cumpriu devido à oposição de C… a visitas do B… à sua família de origem, de há muito conhecida nos autos, no que vem sendo apoiada pela Dra G…, Técnica responsável deste processo.
13ª - Tendo o B… sido preparado e mentalizado no Tribunal para as visitas que devia fazer à mãe, em conformidade com o regime de visitas fixado no acordo que o menor também subscreveu, o B… aceitou bem e esteve bem na primeira visita realizada em 28/11/2014.
14ª - Esta visita decorreu de forma natural, não tendo havido qualquer incidente. O B… falou com a mãe de forma natural, respondendo ao que ela lhe perguntava, referindo que os estudos iam bem, tinha boas notas e que nas disciplinas de ciências e história era o melhor aluno da turma.
15ª - Sem haver qualquer razão aparente que o justificasse, na segunda visita que se realizou na semana seguinte, em 05/12/2014, o B… mudou a sua atitude e comportamento com a mãe, deixando de falar com ela e não respondendo ao que ela lhe perguntava.
16ª – Conhecida como é nos autos a oposição radical de C… a visitas da mãe ao B… ou deste à mãe, tal mudança de comportamento do menor só pode dever-se à oposição de C…, pessoa idónea a quem o menor fora, provisoriamente, confiado, pelo período de seis meses, à realização de visitas do B… à mãe.
17ª – Não se pode esquecer que foi C… quem, em 16/11/2005, apresentou nos Serviços do Ministério Público junto deste tribunal denúncia de abusos sexuais da progenitora ao menor, imputando-lhe a prática de factos que investigados, no competente processo-crime, não recolheram qualquer prova, contudo, passou a ser este o motivo para que este menor – e único motivo que veio a determinar, mais tarde, a retirada do irmão mais novo aos pais e a sua institucionalização – não pudesse ser reintegrado na sua família de origem.
18ª - Tenha-se em consideração o que é referido em 21/12/2007, no despacho de fls. 1536 e ss., que determina que o B… passe a visitar os pais em sua casa, à segunda e à quinta-feira, durante duas horas, sem a presença e supervisão constante dos técnicos da segurança social, que “por parte do casal que vem acolhendo o B… (em completo desprezo pelo interesse do B…) nunca nenhum regime de visitas viria a ser cumprido, recomendando-se aos técnicos que viabilizassem a reaproximação e o restabelecimento de uma relação de confiança do B… relativamente aos pais, o que eles não fizeram (agindo sempre em sentido contrário, como esta técnica do SS continua a fazer).
19ª - Não havendo visitas há dez meses devido à oposição do casal de C… e E…, foi determinada a realização das visitas por despacho de 21/12/2007, e, após três visitas apenas - em 07/01, 10/01 e 14/01/2008 - que o B… aceitou bem e decorreram sem qualquer incidente, o B… mudou radicalmente de atitude e comportamento relativamente aos pais, passando a rejeitar as visitas, ao mesmo tempo que o referido casal manifestava nos autos a sua total oposição à realização de qualquer visita do B… aos pais.
20ª - É, pois, o que está novamente a suceder, agora com C… a quem foi confiado provisoriamente o B… pelo período de seis meses, que passou a agir radicalmente contra a realização das visitas com total cobertura da técnica do serviço social, Dra G….
21ª - À terceira visita, realizada em 12/12/2014, contrariamente ao estabelecido no acordo, C… passou a conduzir o B… à visita, tendo o advogado do menor deixado de comparecer, e o B… deixou pura e simplesmente de falar com a mãe e passou a manter-se afastado dela a uma certa distância, durante a visita.
22ª – Perante o afastamento do B… da mãe na visita e passando a não responder ao que a mãe lhe pergunta, a técnica do serviço social nada diz nem faz perante a recusa do B… em falar com a mãe, não lhe respondendo este sequer ao que ela lhe pergunta, presenciando tais factos com total passividade e fazendo ofícios de corpo presente, em incumprimento total do papel que assumiu perante o tribunal recorrido na realização das visitas.
23ª - Na visita realizada em 09/01/2015, a mãe perguntou ao B… se a madrinha o tinha procurado e ele respondeu-lhe que sim, que esta foi ter com ele lá a casa, em Agosto, e que lhe deu €70,00; que lhe mostrou as fotografias do baptizado dele; que lhe mostrou também fotografias dos primos e convidou-o a ir ao Café com ela mas que a C… não autorizou, proibindo-o de sair de casa.
24ª – Nesta visita, a técnica do serviço social Dra G… dirigiu à progenitora, na presença do B…, as seguintes palavras: “Lá está você a falar na família do B…, o B… já tem família constituída.”
25ª – Qual deva ser a atitude do B… em relação à mãe depois de ele ouvir essa advertência feita à progenitora pela Técnica que ele bem conhece e sabe que é ela que domina todo o processo de promoção e proteção?!
26ª - Assim, como encarar e avaliar o relatório da técnica e a proposta por ela apresentada quanto à revisão da medida aplicada ao menor, que o tribunal veio subscrever, que credibilidade merecerá?!
27ª - Esta Técnica do Serviço Social sempre manifestou a sua oposição à reintegração do menor na sua família de origem e que atitude do B… em relação à mãe fomentará a técnica no menor B…?
28ª – Não admira, pois, que a técnica referia nos relatórios que remete ao tribunal que o B… não quer visitas da mãe e que considera uma violência o tribunal obrigá-lo a comparecer a essas visitas.
29ª - Há, assim, sobejas razões para a progenitora considerar que este processo de promoção e proteção do seu filho B… está inquinado de há muito no tribunal recorrido.
30ª - Está por demais evidenciado neste processo que C… com o apoio total da Técnica, que inclusive requisitou o apoio das Psicólogas do GEAV para também elas nos relatórios que apresentaram virem referir que o B… é de C… e não da mãe, em incumprimento absurdo da missão e das diretivas que o Tribunal tem dado à Técnica.
31ª - Na visita realizada em 16/01/2015, em frente do menor, a mesma técnica voltou-se para a progenitora do B… e disse-lhe que desistisse do B… porque ele já tem família constituída, pai, mãe e irmãos.
32ª - Se dúvidas houvesse quanto ao papel que a Técnica responsável deste processo Dra G…, cujos relatórios sempre constituíram a razão da manutenção da confiança do B… ao casal de C… e ex-marido E…, e ultimamente a C…, vem desempenhando no sentido da confiança e entrega definitiva do B… à guarda de C… e se acabe com as visitas do B… à mãe, precisamente o contrário do que lhe foi determinado pelo Tribunal, estava aqui uma prova significativa.
33ª - Daí que a progenitora entenda que a Dra G…, Técnica do Serviço Social responsável deste processo não tem condições para prestar o serviço e a missão que lhe está confiada pelo tribunal e de, há muito que vem requerendo a substituição desta técnica o que o tribunal recorrido não decidiu, com todas as consequências conhecidas.
34ª - A Dra G… não apresentou a informação intercalar sobre o modo como estavam a decorrer as visitas no prazo de dois meses, conforme lhe foi ordenado pelo tribunal, vindo a apresentar o relatório social de fls. 4451-4464 apenas em 26/02/2015 (decorridos três meses e meio, quase o dobro do prazo fixado pelo tribunal) sem que tenha apresentado qualquer justificação.
35ª - A incapacidade de C… para ministrar ao B… uma educação saudável, equilibrada e o bom desenvolvimento da sua personalidade, é evidenciada no telefonema que fez à Técnica Dra G… a respeito do B…, no dia 18/02/2015, informando que no dia 13/02 o B… teve consulta no GEAV e acabou por admitir que tinha mentido sobre o que contara de a mãe ter mostrado a “lingerie” e prosseguindo afirmou, indignada:”… o B… é um mentiroso compulsivo e eu quero uma peritagem da personalidade dele”.
36ª - Veja-se como é encarado o interesse superior do menor por C…a, através do que refere a Técnica logo a seguir nesse relatório: (continuando a falar C… com a Técnica ao telefone):” … Perdi a confiança nele … O B… tem de ser penalizado, ele tem de sofrer as consequências, tirou-nos o tapete “ – eis a preocupação da C…!
37ª – Relativamente a visitas do menor à progenitora, refere C… que nunca foi favorável às visitas.
38ª - Relativamente à oposição de C… e ex-marido à realização de visitas do B… aos progenitores tenham-se em consideração os factos julgados sob os nºs 51.5, 51.6, 51.7, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 57.1, 57.2, 57.3, 57.4, 57.5, 57.6, 64, 68.5, 69, 70, 71, 73, 74, 76.2 do mencionado acórdão da Relação do Porto.
39ª - No sentido de conseguir-se a reaproximação do B… à família de origem conforme decidido pelo Tribunal, não se pode aceitar que o B… continue confiado a C…, por mais 6 meses, como sempre defendeu e continua a propor a Técnica do Serviço Social, Dra G… nos relatórios que apresenta?!
40ª - A Técnica nenhuma ação exerceu para reaproximar o menor da mãe, levando em consideração toda a oposição de C… à realização de tais visitas, não podendo deixar de considerar-se muito grave o facto de tendo conhecimento das falsas acusações caluniosas e ataques que o B… ia dirigir à mãe não cuidar de o demover, nem nada ter feito para evitar essa situação tão conflituosa entre mãe e filho.
41ª – Convém não esquecer que mal recomeçaram as consultas do B… com a Dra I…, o menor manifestou de imediato total rejeição em visitar a mãe, hostilizando-a da forma supra descrita, o que já sucedera em 2008, aquando da primeira intervenção desta Psicóloga do GEAV junto do B… mediante a presença de C…, levando-o a referir na visita que não queria mais visitas dos pais.
42ª - Em 2006/11/15, foi prorrogada a medida provisória de confiança a pessoa idónea constituída pelo mesmo casal, por seis meses, mantendo-se o regime de visitas fixado e advertiu-se o casal de acolhimento para a necessidade de dar cumprimento ao regime fixado pelo Tribunal, sob pena de, a breve trecho, ponderar-se a possibilidade de uma alteração da situação do menor, por forma a que o mesmo possa ter contacto com a sua família, determinando o seu regresso a uma instituição.
43ª - Na informação social de fls. 1698, lê-se: “Novamente de forma espontânea, a criança relatou ainda que um dia a “tia C…” deixou-o ir à frente porque estava muito orgulhosa dele pelo facto de não ter ido à visita”.
44ª - Desde 07/02/2008 que os Técnicos da Segurança Social e as Psicólogas do GEAV vêm repetindo em todos os relatórios que apresentaram nos autos que o menor não quer as visitas dos pais e, ultimamente, não quer contactos com a mãe, todavia, considerando todos esses relatórios e opiniões dos Técnicos e Psicólogos, em 21/06/2010, o Tribunal da Relação do Porto decidiu a integração do menor B… na família de origem e sopesando devidamente esta informação dos Técnicos de o menor não querer visitas dos pais determinou a realização do plano de reaproximação do menor aos pais, conforme descrito na parte decisória do Acórdão.
45ª – Demonstrativo de que há ligação afetiva do menor B… à mãe e à sua família de origem, refere-se no relatório social de 09/06/2016 que a progenitora recebe sempre o filho com um grande sorriso, questionando-o de imediato como correu a escola, pergunta ao filho sobre as suas notas, como correu a escola, ou sobre o que almoçou. Algumas vezes, chama a atenção para o seu aspeto descuidado (ao nível do vestuário) e para a necessidade de cortar o cabelo, o B… debita o resultado dos testes, fala vagamente da escola e sobre o que almoçou; a progenitora alerta-o para a importância da escola e para a necessidade de se empenhar a 100% na mesma, em particular na disciplina de Matemática. Questiona-o sobre o que quer ser no futuro; fala das notas do D… e da sua evolução escolar, assim como do seu comportamento e este é o tema que mais interessa ao B…, sendo dos raros momentos em que fala directamente com a progenitora; ocasionalmente, o B… questiona a progenitora sobre o seu estado de saúde, mostrando alguma preocupação; a progenitora levou uma foto do B… quando tinha 4 anos de idade e ainda vivia com a progenitora e o B… gostou da foto, referindo que parecia um “puto”, parecendo apreciar os momentos em que a progenitora fala da sua infância, do que fazia e do que gostava de comer; que o B… aconselhou o irmão a respeitar a mãe, que tinha lutado todos estes anos para que ele regressasse a casa, e se continuasse a ter aquele tipo de comportamentos poderia voltar para a Instituição; a D. F… costumava levar pequenos lanches para o B…, constituídos por bolachas de chocolate, leite achocolatado, sumos e gomas, que o jovem comia com satisfação, confessando ser muito guloso. O que sobrava dizia para dar ao D…; no dia de aniversário do filho, levou um bolo de chocolate, sumo e balões, para cantar os parabéns ao jovem. Este, aparentemente, gostou da “festa”, convidando todas as Técnicas presentes no Serviço para comerem o seu bolo e cantar-lhe os parabéns.
46ª - Este relatório vem provar que há ligação afetiva e emocional do B… à mãe e irmão, devendo concluir-se que deixando o B… de ser manipulado por C… e que uma vez liberto da influência e pressão que esta sobre ele exerce no sentido de rejeitar a mãe, que ele a aceita.
47ª – Mostrando-se necessária a retirada imediata do menor B… da guarda de C… deverá determinar-se o acolhimento do menor em Centro de acolhimento residencial, lar residencial ou Centro de acolhimento de jovens da sua idade próximo da morada da progenitora, pelo tempo estritamente indispensável à reaproximação e restauração dos laços socio-afetivos e estabilidade emocional do menor com a progenitora e família, à imagem do determinado no Acórdão decisório do TRP, de 21/06/2010.
48ª – A progenitora nunca afirmou ou disse ao B… que queria metê-lo numa instituição como sua residência futura, mas sugere o seu acolhimento num lar de juventude ou um Centro de acolhimento de jovens da sua idade, uma espécie de colégio interno, onde será visitado regularmente pela família e porque não também por C…, se é que perdida a sua “guerra” pela posse do B… ela teria interesse em visitá-lo.
49ª - A Técnica deste processo vem agindo como se o B… tivesse sido destinado pelo tribunal a adoção por C…, apoiando-a na sua rejeição total de contactos do B… com a progenitora, evidenciada na manipulação que faz do menor contra a mãe, por forma a ele rejeitar as visitas determinadas pelo tribunal e levando-o a criar sucessivos incidentes nas visitas.
50ª - A Técnica da Segurança Social responsável deste processo nunca acatou a decisão proferida no acórdão TRP, de 21/06/2010, quanto ao destino do menor B… em sede de recurso de apelação da sentença proferida neste tribunal de 1ª Instância, mantendo-se agarrada à decisão proferida na sentença (revogada) que havia determinado a aplicação ao menor B... da medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea, confiando-o ao casal composto por C… e E… e a suspensão das visitas dos progenitores ao menor B….
51ª - Não fora a oposição radical de C… e ex-marido à aproximação deste menor da sua família de origem e subsequente reintegração na família, o B… teria regressado ao convívio da sua família (a progenitora, marido e o irmão D…) há cerca de 7 anos.
52ª - Esquece a Técnica responsável deste processo, mas não pode o tribunal esquecer o julgamento feito no acórdão TRP, de 21/06/2010, quanto à atuação de C… e do seu, então, marido E…, que formavam o casal a quem o menor fora confiado, a título provisório, junto do menor B…, nos seguintes termos: “ponderando os factos apurados, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos para decretar e executar a medida de acolhimento junto de pessoa idónea, com a confiança do menor B… a C… e E…. Apesar da medida merecer a preferência do legislador e enquadrar-se na categoria das medidas a executar em meio natural de vida, resulta dos factos que o casal a quem foi confiado o menor B… não revela aptidão para remover qualquer situação de perigo e por outro lado, manifesta comportamentos que afectam o equilíbrio emocional do menor, não revelando disponibilidade para colaborar na integração do menor na sua família de origem. O acordo de promoção e protecção homologado pelo tribunal, no qual se determinou a confiança, a título provisório, a C… tinha como objectivo garantir o desenvolvimento do menor em ambiente familiar com vista à sua integração junto dos pais. Nesse sentido foi definida a medida provisória, conforme resulta dos factos provados. De modo particular, resulta dos factos provados que o casal a quem foi confiado o menor não conseguiu aderir a um programa de integração do menor junto dos pais, quando essa é a finalidade primeira da medida de promoção e protecção. Os obstáculos criados na execução do regime de visitas, a recusa em cumprir as decisões do tribunal, nesse domínio, que motivaram conflitos com os pais do menor, na presença do menor, são reveladores da falta de capacidade para aderir ao plano de intervenção no sentido da promoção e protecção do menor, com vista à sua integração na família. Salientamos esta finalidade, por ser esse o objectivo primeiro da lei, que defende a aplicação da medida de promoção com vista ao regresso da criança ou jovem ao agregado familiar constituído pelos pais. Os factos provados não permitem concluir que os pais dos menores não reúnem condições para acolher os menores ou que a situação de perigo mostra-se de tal forma grave que não é possível o regresso dos menores ao seio da família biológica. Neste contexto o que se verifica é que o casal que até agora acolheu o menor não demonstrou estar preparado para assumir este compromisso”. “A família de acolhimento ou a pessoa idónea nomeada para acolher o menor, não pode funcionar como um elemento perturbador e deve pautar a sua conduta pela colaboração com o tribunal no sentido de promover a integração da criança ou o jovem na família ou na sociedade, promover a sua autonomia de vida.” Quem assume estas funções tem que estar consciente que vai entrar num mundo de relações em conflito e por isso, deve saber medir as suas capacidades para suportar esse conflito e intromissão na sua privacidade, pois o menor continua a ter uma família e a intervenção da família de acolhimento neste âmbito tem natureza transitória e é sempre objecto de tutela e fiscalização pelo tribunal. “Do exposto, conclui-se que o casal acolhedor não reúne as condições necessárias para, no superior interesse do menor, promover o seu desenvolvimento equilibrado e tranquilo, a sua segurança e educação, bem como a sua integração na família de origem (e os factos provados não permitem concluir que se mostra de todo inviável o regresso do menor à família natural).
53ª - Apesar de o menor B… se encontrar confiado ao casal formado por C… e seu ex-marido há já cinco anos, no referido acórdão deste Venerando tribunal da Relação decidiu-se retirá-lo imediatamente de casa dela ao determinar a aplicação da medida de acolhimento em instituição, em regime aberto, pelo período máximo de seis meses ao menor B… e irmão D…; sendo o acolhimento dos dois menores na mesma instituição.
54ª - Prova provada do acerto e justeza desta decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto reside no sucesso da integração do menor D… na família, conforme atestam os relatórios posteriores ao seu regresso a casa dos pais, particularmente o ora apresentado pela técnica da Segurança Social deste processo e, ao contrário, os problemas graves que o irmão B… vem manifestando de falta de educação e reveladores de graves lacunas na formação (má) da sua personalidade que são da responsabilidade de C…, que são relatados pelas técnicas em diversos relatórios, particularmente no relatório social do J…, de 15/11/2016.
55ª - O D… verbaliza vontade de se manter na família biológica, sendo notória a existência de laços de afetividade com ambos os progenitores. O D… gosta de estar com a família, sente-se feliz. É uma criança que aceita as limitações da família em que está inserido.
56ª - Relativamente ao desenvolvimento psicológico, sócio - afetivo, emocional e comportamentos desviantes do menor B… refere a Equipa Técnica do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (J…) … no Relatório de Intervenção Familiar – Ponto de Encontro, de 15/11/2016: “Em sequência do acompanhamento efectuado ao jovem B…, em sede de ponto de encontro, cumpre-nos informar da ocorrência de factos novos graves, ocorridos após o envio do último relatório datado de 8 de junho do corrente ano.
O B… mau “aparecia”, principalmente, quando se olhava para o espelho.
Nesses momentos, chegava a auto mutilar-se puxando o cabelo ou colocando o secador do cabelo perto da cara… É também, este B… “mau” que o faz mentir e levar a sua mentira até às últimas consequências – o menor assume que mente deliberadamente, tal como em relatório anterior é referido que C… diz que o B… é muito mentiroso; assim como, o B… não urinava de pé e não tomava banho sozinho, é C… que lhe dá banho (caso contrário este nega-se a fazê-lo) sendo que o B… permanece de costas e recusa-se a lavar as “partes íntimas”; o B… tinha confessado ter mentido acerca da existência dos “dois B…” (apenas o fez para chamar a atenção); que durante as visitas à progenitora “sonhava em fazer-lhe broche”; após uma forte pressão de C… o jovem acabou por confirmar o dito por aquela; afirmou não ter remorsos do que fazia ou pensava, embora soubesse que “era errado”. Durante este relato, o jovem apresentou a mesma postura de apatia e de aparente ausência física; o seu “maior desejo era fazer um filho à F…” (a mãe) e que tinha esse desejo durante as visitas – o que diz bem do modo como é preparado para as visitas e o estado de espírito com que vai às visitas da progenitora! Confidência, que terá deixado toda a família em choque. O jovem chegou mesmo a afirmar que os pais tinham o direito em manter relações sexuais com os filhos - é caso para perguntar que educação deu e dá C… ao menor B… e é um sinal inequívoco da sua incompetência como educadora do jovem, em que não há por parte dela o menor cuidado e atenção ao processo educativo deste menor - e que um dia que fosse pai, iria fazer o mesmo. Sublinhando que era natural, mas só com os pais de “sangue” – eis os frutos de C… passar o tempo a encher a cabeça do B… com episódios torpes, por aquela inventados, de todo o tipo de práticas sexuais que imputa à mãe sobre o B….
57ª - “No dia 25/07/2016, a Dra K… (mediadora das visitas do B… à mãe) fez visita domiciliária e entrevistou o B… e a D. C…, tendo concluído que o B… está muito mal, muito descompensado. O B… está a pôr toda a gente em estado de choque”.
Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Exas, o recurso deve ser provido, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-o por Acórdão que ordene a retirada imediata do menor B… da guarda de C… determinando-se o acolhimento do menor em Centro de acolhimento residencial, lar residencial ou Centro de acolhimento de jovens da sua idade próximo da morada da progenitora, pelo tempo estritamente indispensável à reaproximação e restauração dos laços socio - afetivos e estabilidade emocional do menor com a progenitora e família, à imagem do determinado no Acórdão decisório do TRP, de 21/06/2010, onde poderá ser visitado regularmente pela família e também por C… se nisso mostrar interesse.
ASSIM FAZENDO V. EXAS A COSTUMADA JUSTIÇA.”

O Ex.mo Procurador da República contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto e admitido.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se há motivos para alterar a medida de promoção e protecção aplicada, retirando o menor B… da guarda de C… e determinando o seu acolhimento em instituição o mais próxima possível da morada da sua progenitora, “pelo tempo estritamente indispensável à reaproximação e restauração dos laços socio - afetivos e estabilidade emocional do menor com a progenitora e família, à imagem do determinado no Acórdão decisório do TRP, de 21/06/2010”.
II. Fundamentação
1. De facto
No despacho recorrido não foram discriminados quaisquer factos provados, como devia, pelo que, suprindo essa falta, com base nos elementos constantes dos autos, nomeadamente os que foram dados como provados no último acórdão desta Relação, de 13/9/2016[1], bem como os relatórios de fls. 4862 a 4874 e 4953 a 4966, tendo em vista a resolução da mencionada questão, importa considerar aqui provados os seguintes factos:
1. Na informação social de 25/10/2002, constante do processo na CPCJ, pode ler-se:
“Os pais do menor vivem em união de facto há cerca de 2 anos.”
“Aos 25 anos, a progenitora apresenta um percurso de vida sofrido. Com apenas 11 anos foi vítima de violação por parte do pai, situação que se manteve até à data em que foi expulsa de casa pelos pais. Na verdade, quando aquela decide abrir-se com a mãe, esta não aceita os argumentos da filha e solidariza-se com o marido, culminando com a expulsão da filha de casa.”
“Vive durante alguns meses com um companheiro, de quem se vem a separar por ser vítima de maus tratos por parte daquele. Neste contexto, regressa para junto dos pais e posteriormente decide ir viver com uma amiga.”
“Em Agosto de 2000, quando se deslocava do emprego para casa, foi abordada pelo pai do ex-companheiro que, após a ter forçado a entrar no carro, a violou, do que resultou uma gravidez da qual nasceu o B….”
“Posteriormente, na sequência de insultos e ameaças por parte da esposa do pai do menor, decidiu apresentar queixa no tribunal pelo crime de violação contra L… (pai do menor), mas o processo foi arquivado por falta de provas”. Note-se que, noutros passos do processo, o nome do pai biológico do menor vem referido como M….
2. Em 2/6/2003, o Digno Magistrado do Ministério Público requereu processo de promoção e protecção relativamente ao menor B…, então com os apelidos “da …”, nascido a 8/4/2001, registado como filho de F… e de N…, na sequência do processo referente àquele menor que corria termos na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ….
3. Aberta a instrução e efectuadas as diligências tidas como necessárias, em conferência de 17/5/2004, foi homologado acordo de promoção e protecção, sendo aplicada ao menor B… a medida de apoio junto dos pais.
4. Todavia, por decisão de 20/7/2005, o tribunal substituiu, a título urgente, a referida medida por outra medida provisória de acolhimento do referido menor B… em instituição pelo período de seis meses.
5. Entretanto, o casal E… e esposa C… deslocaram-se ao EMAT de …, em 25/7/2005, referindo serem vizinhos dos pais do menor B… e apoiarem economicamente esta família, informando estarem dispostos a acolher o menor, tendo três filhos com idades próximas do B… e condições adequadas, económicas e de habitação, para o efeito.
6. Após declarações colhidas aos mesmos (fls. 241) e mediante informação prévia do serviço social, foi, por despacho de 28/9/2005, com a concordância do pai do menor B…, alterada a referida medida provisória de acolhimento em instituição, do menor B…, pela de confiança a pessoa idónea, no caso, o já aludido casal, pelo período de seis meses.
7. No dia 28/9/2005, o menor foi confiado ao aludido casal e passou a frequentar um colégio, na …, em 29/9/2005.
8. Ao tempo, o agregado familiar de acolhimento era constituído por E… (38 anos, marido), C… (36 anos, mulher), P… (7 anos, filha), Q… (6 anos, filha) e S… (4 anos, filho).
9. Na sequência de denúncia de eventuais maus tratos ao menor, incluindo um eventual abuso sexual, as visitas aos progenitores foram suspensas por despacho judicial de 17/11/2005.
10. Continuando o menor sujeito à medida provisória de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea, e após diversas vicissitudes processuais, foi, após debate judicial, produzido acórdão de Tribunal Misto, em 1.ª instância, em 9/3/2009, no qual os juízes deliberaram, entre o mais, “aplicar ao menor B… a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea, prevista nos arts. 35.º, n. º 1, ai. c) e 43. º da LPCJP, confiando-o ao casal composto por C… e E…; a medida terá a duração de 12 meses”.
11. Em novas revisões das medidas aplicadas, foi mantida a medida provisória de promoção e protecção anteriormente decretada.
12. Do despacho que manteve a medida decretada, em 22/4/2009, foi interposto recurso, entre o mais, pelos progenitores, tendo o Tribunal da Relação produzido acórdão, datado de 21/6/2010, que decidiu:
“Revogar a decisão da primeira instância e determinar a aplicação da medida de acolhimento em instituição, pelo período máximo de seis meses aos menores B… e D… acompanhamento, mediante um plano de intervenção, junto dos progenitores dos menores, com acolhimento dos dois menores na mesma instituição, com vista a promover a integração dos menores na família de origem, retomando de imediato as visitas por forma a estimular e a valorizar a responsabilidade parental que urge solidificar; o Centro de Acolhimento deve situar-se o mais próximo possível da área de residência dos pais dos menores, devendo os menores frequentar as escolas do ensino público que dão apoio ao Centro, ou sendo possível, a escola do ensino público da área da residência dos pais dos menores; as visitas devem realizar-se na instituição que acolher os menores, em horário a fixar pela instituição, sem prejuízo das normais actividades dos menores; após, mediação com a instituição, nos fins de semana, alternadamente, ao sábado e ao domingo, as visitas devem realizar-se na casa de habitação dos progenitores, recolhendo os pais os menores na instituição às 12.00 horas, procedendo à entrega até ás 17.00 horas do mesmo dia; após, mediação com a instituição, durante a semana e pelo menos, uma vez, os pais (ou tão só o pai, que dispõe de carta de condução) devem acompanhar os menores na prática de actividades extra escolares, em centros recreativos comunitários da área da residência dos menores, ou nas zonas limítrofes (Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende) como seja, a prática de um desporto ou actividade cultural (aulas de música), assumindo a responsabilidade com as deslocações dos menores de e para a instituição, acompanhando os menores durante esse período; realização de um plano de intervenção, no sentido de promover e orientar os pais no cumprimento das obrigações parentais, avaliando-se entre outros aspectos da dinâmica familiar a alteração do local de residência e a definição da situação laboral da mãe dos menores; solicitar junto do IML a indicação da instituição adequada para promover o acompanhamento psicológico dos pais; solicitar junto do IML a realização de exame clínico aos menores no sentido de avaliação do seu estado de saúde geral, nomeadamente, se padecem de doença de foro psiquiátrico, facultando-se todos os elementos clínicos que constam dos autos ".
13. Esta decisão, porém, nunca chegou a ser executada pois que, mediante requerimento do Ministério Público, se veio a constatar, a final, em novo Acórdão da Relação do Porto, agora datado de 7/7/2011, e transitado em julgado, que, porque a alteração das circunstâncias analisadas no processo pode conduzir à alteração das decisões anteriores, como é regra dos processos de jurisdição voluntária, cumpria efectuar novas diligências de prova que coadjuvassem, ou infirmassem, por sua vez, novos elementos factuais indiciados, relativos à estabilização afectiva do menor junto da família de acolhimento.
14. Na sequência, veio a indiciar-se sensível relutância do menor em regressar ao convívio com a sua família de origem, o que originou diligências de prova diversas, para além de nunca ter sido dado integral cumprimento ao estabelecido no Acórdão de 2010; acrescia ter ficado assente que o marido da progenitora não era pai do menor (por sentença transitada em julgado) – desta forma, agendou-se novo debate judicial por forma a encontrar nova medida de promoção e protecção que tivesse em conta a sua realidade biológica, estrutura emocional e envolvente social (despacho judicial de fls. 4015 e 4016, de 7/1/2014).
15. Em 12/11/2014, no decurso de debate judicial, entre a progenitora, a representante da família de acolhimento (C…) e o menor, foi estabelecido um acordo de promoção e protecção, judicialmente homologado e transitado em julgado, por ausência de recurso, que estabeleceu que se manteria a medida de protecção de confiança a pessoa idónea (a citada C…) e se estabeleceu um regime de visitas à mãe, tendo o acordo a duração de seis meses.
16. Tal medida foi mantida por novo despacho judicial de 20/5/2015.
17. Como já referido, o Ministério Público intentou, no ínterim, acção de impugnação de paternidade pedindo se declarasse que o menor B… não era filho de N… (paternidade resultante de declaração voluntária deste), ordenando-se a correspondente rectificação do assento de nascimento, com a eliminação da avoenga paterna e do apelido …. Tal acção logrou total procedência, tendo sido ordenado o cancelamento do registo de nascimento do menor, na parte referente à paternidade do Réu.
18. Precedendo acusação pública e após produção de prova em instrução, o Tribunal de Vila do Conde, em 18/6/2009, decidiu não pronunciar a arguida F… pelo cometimento de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p.p. artºs 172º nºs 1 e 2 al. a) C. Penal, actualmente art.º 171º nºs 1 e 2 e 177º al. a) C. Penal, cometido sobre o menor B….
19. C…, gestora de profissão, pessoa idónea a quem o menor foi entregue e em cujo núcleo familiar se vem integrando, em 6/5/2002, deduziu queixa-crime na Polícia Judiciária contra seu marido E…. Após produção de prova, o Digno Magistrado do Ministério Público determinou o arquivamento do processo.
20. O casal de acolhimento (E… e C…) separou-se de facto em Setembro de 2013; o marido abandonou a casa onde residiam, mantendo actualmente relações com os filhos, embora esporádicas.
21. No exame de pedopsiquiatria, realizado no Instituto de Medicina Legal, em 11/6/2015, foram detectados sintomas que podem ser resultado de abuso sexual designadamente sintomas de “culpa, baixa auto-estima e auto-responsabilização”, “comportamentos erotizados” e “problemas de revitimização em áreas funcionais como a área sexual, as relações interpessoais e a escola”.
Concluiu-se: “Tudo indica que o longo processo em tribunal e o longo processo de acompanhamento psicológico poderão ter provocado fenómenos de revitimização e não terão protegido adequadamente a vítima. Aparentemente a sua história de vida particularmente difícil provocou-lhe gravíssimos problemas de auto-estima que tem tentado superar de forma patológica, mentindo/confabulando com um objectivo, provavelmente inconsciente, de projectar uma imagem de si omnipotente em vários contextos, em particular nos Tribunais, onde chega a ter a percepção de controlar os adultos. Assim, o examinando deve continuar a ser perspectivado como uma vítima, com problemas de auto-conceito, de auto-imagem, de ambivalência em relação à pertença a uma família de afecto. Nada como testar os que gostam de nós até à exaustão para saber se os seus sentimentos são verdadeiros ou meras palavras (uma mãe/“mãe” nunca abandona um filho, ou abandona?). O examinando deve ser objecto de intervenção psicoterapêutica.”
22. Já no relatório social incidente sobre o menor e o agregado familiar em que vem vivendo (elaborado pelas técnicas coordenadoras da Segurança Social), assinalou-se:
“O B… não imagina outro projecto de vida que não seja o de crescer junto da família que o acolheu desde Agosto de 2005. A família que o acolhe tem proporcionado ao B… todos os cuidados de segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento de que o mesmo necessita e deseja continuar a acolher o B… até este se tornar adulto e autónomo. Ao fim de um ano e meio de convívios semanais com a mãe biológica, supervisionados por duas técnicas de serviços diferentes, nos primeiros seis meses pela Técnica da EMAT no "Espaço Família" do ISS, IP - Centro Distrital do Porto, com acompanhamento psicológico do GEAV e há um ano pela Dra. K… no J…, sem acompanhamento psicológico, o B… mantém a mesma posição do início. Continua a rejeitar a mãe biológica, embora faça um esforço para ser educado nas visitas e mostre alguma compaixão em relação à progenitora, não se registando qualquer evolução significativa desde que as visitas passaram a ser supervisionadas pela Técnica do J…, mediadora familiar. O B… aceita ir às visitas porque se sente obrigado pelo Tribunal, sob ameaça de institucionalização por parte da progenitora, mas refere sistematicamente que já não
aguenta mais estes contactos, sentimento reforçado depois de conhecer o resultado da Perícia Médico-legal a que foi submetido.”
“Atendendo ao exposto, consideramos que deve manter-se a medida de confiança a pessoa idónea, aplicada a favor do B…, que deverá continuar integrado no agregado que o acolhe desde os 4 anos de idade. Consideramos também que deverá ser retomado o acompanhamento psicoterapêutico ao B… no GEAV, entretanto suspenso após a última diligência judicial.”
“Face ao resultado das perícias médico legais efectuadas ao B…, à progenitora e à D. C…, consideramos que deverá ser tomada em consideração a opinião do B…, no que concerne às visitas da progenitora, bem como no que concerne à necessidade de apoio psicoterapêutico.”
23. No exame pericial médico-legal de psiquiatria, realizado no Instituto de Medicina Legal em 4/11/2015, relativamente à progenitora, observou-se: “Apresenta um trajecto de vida, nas suas diferentes áreas, afectiva, social e laboral, caracterizadas por instabilidade e impulsividade. A examinanda revela alguns valores negativos contra o filho, desqualificando a importância da educação, do seu ambiente familiar, da estabilidade e do seu bem-estar, revelando um sentimento punitivo e de vingança, preferindo que o filho seja institucionalizado do que permaneça no local em que vive e deseja continuar. A examinanda apresenta uma convicção bem estruturada de que a família de adopção recebe uma quantia avultada de dinheiro da Segurança Social com o qual governa toda a sua família e está convicta de que esse valor, que rondaria os €1.000 mensais, passariam a reverter em seu favor, a partir do momento em que o filho voltar para a sua casa ou para uma instituição. Refere ser acompanhada em consulta de psiquiatria desde o ano de 2005, estando actualmente medicada com terapêutica antipsicótica. Terá feito algumas tentativas de suicídio, aparentemente de carácter apelativo e nunca terá estado internada.
Em conclusão, aduziu-se: “Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta das peças processuais é possível afirmar que a examinanda apresenta um conjunto de falsas crenças e valores que lhe prejudica o exercício responsável da parentalidade. Apresenta ainda uma história biográfica caracterizada por fases de instabilidade emocional e impulsividade que interferem negativamente no exercício das responsabilidades parentais e no desenvolvimento cognitivo, afectivo e social harmónico do filho.”
24. No exame de psicologia forense, efectuado no I.M.L. em 18/9/2015, também na pessoa da progenitora, escreveu-se: “A análise e integração dos dados clínicos obtidos sugerem, ainda, que a examinanda evidencia características de personalidade e modo de funcionamento que podem dificultar o desempenho, autónomo e responsável, das responsabilidades parentais. Mais especificamente, revelam que a examinada apresenta uma personalidade pouco diferenciada, sendo imatura, insegura. Apresenta elevada instabilidade afectiva com reactividade de humor marcada. Não satisfeita consigo própria nem com a sua vida. Apresenta elevação nos índices de depressão e ansiedade. Apresenta, ainda, um pobre sentido de vida e ausência de objectivos claros, com locus de controlo externo. É pouco diligente, pouco organizada, pouco conscienciosa, pouco autodisciplinada (i.e., sem capacidade para se motivar para a prossecução de um objectivo, independentemente dos contratempos que possa enfrentar) e descuidada, não consegue iniciar projectos ou fazer coisas por sua conta. Tende também a ser menos rigorosa no que toca a padrões de conduta, princípios éticos e obrigações morais. Parece evidenciar também um nível de auto e hétero confiança muito reduzidos (facto a que não deve ser alheia a sua trajectória de vida, pautada pela sucessão de experiências negativas e potencialmente traumáticas) - o que, decisivamente, parece dificultar o estabelecimento de padrões relacionais seguros e estáveis com as outras pessoas significativas. Destacam-se o padrão de pobreza geral nas suas principais relações afectivas, assim como a tendência da examinanda para a descompensação e desorganização emocional e comportamental. A examinanda tende a manifestar uma baixa tolerância a situações de stress ou afectivamente complexas, tendendo a experienciar sentimentos negativos e a ficar facilmente transtornada e ofendida nos seus sentimentos. Apresenta ainda extrema sensitividade a críticas e/ou repreensões, tendendo a repelir a opinião dos outros. Reage fortemente a sinais (mesmo que subtis) sugestivos de zombaria ou troça. Tem tendência a esconder a verdade, ou a não mostrar os seus verdadeiros sentimentos. Em termos de coping (que traduz, genericamente, a forma como a pessoa lida com as situações) a examinanda nem sempre parece conseguir adoptar estratégias assertivas e adequadas, especialmente quando se trata de situações emocionalmente complexas e exigentes (e.g., situações de tensão/frustração ou de elevado investimento emocional). Desta forma, em situações de elevada exigência emocional e afectiva parece manifestar dificuldades na modulação dos afectos e, consequentemente, na regulação emocional e comportamental, o que comprometerá a sua capacidade de resposta à contrariedade e à frustração, podendo também diminuir a sua capacidade de entendimento e gestão de situações problemáticas. A examinanda apresenta também marcada irritabilidade, com fraco controlo inibitório (competências de auto-regulação) de impulsos tendencialmente agressivos. De acrescentar que a examinanda tende também a ser volúvel e a culpar os outros, recorrendo à mentira ou mesmo à vitimização e/ou ao fornecimento de racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que a leva a entrar em conflito com a sociedade, revelando dificuldades acentuadas de analisar criticamente os seus comportamentos e atitudes, ou mesmo motivações e pretensões. Não podemos menosprezar, ainda, a existência de outros factores que aumentam exponencialmente o risco de a examinanda não conseguir desempenhar adequadamente as responsabilidades parentais, nomeadamente: (a) a precariedade económica; (b) a indefinição em termos de recursos habitacionais a curto-prazo; (c) a trajectória laboral indiferenciada e irregular, com situação de desemprego actual, sem perspectivas nem procura activa de alternativas para reverter esta situação; (d) relação marital disfuncional/desestruturada, pautada pela hegemonia total do marido, com completa anulação e subjugação da examinanda, agravada pela dependência financeira desta última. Os relatos da examinanda denotam claramente a presença de desigualdade em termos do poder e tomada de decisão dos diferentes elementos do casal, revelando inúmeros episódios de abuso emocional e psicológico; de conflitos sucessivos; de desautorizações constantes (inclusive na presença do filho do casal); de minimização, desvalorização e humilhação da examinanda por parte do marido; (e) a relação claramente instrumental que a examinanda mantém com o marido (por força das condições socioeconómicas); (f) a diferenciação expressa da examinanda em relação aos filhos, sem análise crítica do seu comportamento e do impacto que o mesmo pode ter na estabilidade e equilíbrio psicoafectivo das crianças; (g) a enorme lacuna presente em termos de competências parentais, com limitações em termos de imposição de regras e limites; da capacidade de gestão de situações de conflito e oposição; da dificuldade de negociação e respeito pela individualidade da criança e, de promoção do bem-estar emocional da mesma. De sublinhar a existência de clara divergência em termos do casal no que toca às formas de educar, com desautorizações constantes, altamente desajustadas (na medida em que não permitem à criança o reconhecimento de um padrão comportamental, um modelo relacional estável, previsível e promotor de regulação interna); (h) a instabilidade emocional evidenciada pelo Sr. N… (inferida pelo discurso da examinanda), havendo suspeitas de que o mesmo não esteja a cumprir com o tratamento psiquiátrico recomendado; (i) isolamento deste agregado; (j) inexistência de retaguarda familiar. Face ao exposto, concluímos pela presença de um conjunto de factores de risco que colocam a examinada numa posição de grande vulnerabilidade, não se reconhecendo que a mesma tenha, na actualidade, a capacidade de assumir um projecto de vida que tutele de forma adequada e nas múltiplas vertentes os direitos e interesses dos dois filhos menores.”
25. No exame médico-legal de psiquiatria, efectuado em 4/11/2015, relativamente à pessoa guardiã, C…, escreveu o mesmo perito: “A examinanda revela uma vinculação afectiva bem estruturada com o filho afectivo, uma preocupação pelo seu bem estar e pela sua educação, indistinguível daquela que manifesta pelos seus filhos do casamento. Não apresenta sintomatologia ansiosa nem ideação depressiva. Sem evidência de alterações de natureza perceptiva, nem sintomatologia delirante e a sua capacidade de juízo crítico encontra-se conservada. Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta das peças processuais é possível afirmar que a examinanda não sofre de nenhuma doença psiquiátrica. Da análise da história biográfica da examinanda, não revela nenhum facto ou circunstância que lhe prejudique o exercício responsável da parentalidade.”
26. Não obstante o que consta de tais relatórios, a progenitora F…, em 12/7/2016, requereu a retirada imediata do menor B… da guarda de C…, determinando-se o acolhimento em instituição o mais próxima possível da morada da progenitora, pelo tempo estritamente indispensável à reaproximação e restauração dos laços sócio - afectivos e estabilidade emocional do menor com a progenitora e família, à imagem do determinado no acórdão de 21/6/2010.
27. Por despacho de 14/7/2016, foi indeferido a requerida substituição imediata da medida de promoção e protecção.
28. Interposto recurso desse despacho, foi o mesmo julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida, por acórdão deste Tribunal de 13/9/2016.
29. Em 15/11/2016, o J…, através da técnica gestora K…, informou nos autos comportamentos estranhos do B…, designadamente como que entrando em convulsões perante a exibição de um preservativo e relatando episódios em que identificava “ter dentro de si” um B… “bom” e um “mau”, surgindo este quando se olhava ao espelho, altura em que chegava a auto mutilar - se, e que também o fazia mentir, o que acabaria por desdizer afirmando que era mentira. Acrescentou, no entanto, que «durante as visitas à progenitora “sonhava em fazer-lhe um broche” e que não tinha remorsos do que fazia ou pensava, embora soubesse que “era errado”». Afirmou, ainda, que o seu “maior desejo era fazer um filho à F…” e que “tinha esse desejo durante as visitas”, mais afirmando “que os pais tinham o direito de manter relações sexuais com os filhos e que um dia que fosse pai, iria fazer o mesmo”, “sublinhando que era natural, mas só com os pais de “sangue””.
30. No relatório social de 18/11/2016, elaborado pela gestora do processo G…, consta, além do mais, o seguinte:
Em resultado da “reunião de supervisão de grupo orientada por Psicólogo externo à Segurança Social”, ocorrida no dia 15/11/2016, ficou claro “que o B… tem vindo a comunicar o que sente, não só verbalmente como também a nível comportamental, só que ninguém o ouve”…. “o B… demonstrou claramente que não queria as visitas da progenitora e usou a mentira para mostrar a quem tem poder, nomeadamente ao Tribunal, que não queria visitas. Usou a mentira como um recurso para permanecer junto daqueles de quem gosta (perante a ameaça de ser colocado numa Instituição), mas são essas figuras significativas na vida do B… que o “rejeitam” depois do episódio da mentira (dizendo que não confiam mais nele e que ele é um mentiroso compulsivo)”…. “…consideramos que o mais adequado não será retirar o B… da família que o acolheu…”.
“Concluímos que neste processo não tem havido um fio condutor e que o inevitável aqui é implementar ordem e organização. Sendo que para criar alguma organização é necessário entender, de uma vez por todas, que as visitas com a progenitora têm prejuízos visíveis na saúde mental do B… e que têm riscos para este, sendo que a questão das visitas deveria ser deixada à consideração do B…, no sentido de não o obrigar mas sim de ser uma opção dele… As perícias já realizadas serviram para demonstrar que: … não se reconhece que a progenitora tenha, na actualidade, a capacidade de assumir um projecto de vida que tutela de forma adequada e nas múltiplas vertentes o interesse dos dois filhos menores; e que a actual responsável pelo B… apresenta competências parentais adequadas”.
31. No relatório social, datado de 17/7/2017, elaborado pela mesma técnica coordenadora, com intervenção das entidades nele referidas, consta designadamente:
“O B…, actualmente com 16 anos, continua bem integrado no agregado que o acolheu e onde está inserido desde os 4 anos de idade.”
“No ano lectivo de 2016/2017, o B… frequentou o 10.º ano de escolaridade no Colégio de … Desde o início do ano lectivo o seu rendimento escolar subiu significativamente ao ponto de ser considerado o melhor aluno da turma. Transitou assim para o 11.º ano, com média de 16 valores, que irá frequentar no mesmo estabelecimento de ensino”.
“O B… sente-se perfeitamente integrado no agregado que o acolhe desde os 4 anos de idade e deseja continuar a viver com esta família. Relativamente às visitas da progenitora, o B… sempre se opôs às mesmas, às quais comparece para cumprimento de decisão judicial”.
E, na síntese final, pode ler-se:
«O B… não imagina outro projecto de vida que não seja o de crescer junto da família que o acolheu desde agosto de 2005. A família que o acolhe tem proporcionado ao B… todos os cuidados de segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento de que o mesmo necessita e deseja continuar a acolher o B… até este se tornar adulto e autónomo.
Decorridos dois anos e meio de convívios semanais com a mãe biológica, supervisionados por duas técnicas de serviços diferentes, nos primeiros seis meses pela Técnica da EMAT no “espaço Família” do ISS, IP- Centro Distrital do Porto, com o acompanhamento psicológico do GEAV e há dois anos pela Dr.ª K… no J…, sem acompanhamento psicológico durante um ano e meio que veio a ser retomado nos últimos seis meses, o B… mantém a mesma posição do início. Continua a rejeitar os convívios com a mãe biológica, embora faça um esforço para comparecer às visitas, não se registando qualquer evolução significativa desde que as visitas passaram a ser supervisionadas pela Técnica do J…, mediadora familiar. A referida Técnica, Dr.ª K…, considera “não existirem condições para a continuação deste modelo de ponto de encontro, por manifesta vontade do jovem que os considera penosos e porque houve uma involução da qualidade dos mesmos”.
O B… aceitava ir às visitas porque se sentia obrigado pelo Tribunal, sob ameaça de institucionalização por parte da progenitora, mas referia sistematicamente que já aguentava mais esses convívios, No último contacto com o B…, o jovem, agora com 16 anos, assumiu que irá deixar de comparecer às visitas agendadas.
A progenitora, por seu turno, atendendo à recusa do B…, entende que o mesmo deve ser “castigado”, propondo a substituição da medida aplicada pela medida de acolhimento residencial com visitas da mãe e do irmão D…».
32. Foram tomadas declarações à Técnica K… que confirmou o ambiente presenciado durante as visitas; à Coordenadora G… que reiterou o teor do relatório por si elaborado, realçando o carácter pernicioso da institucionalização; e ao menor que confirmou o seu aproveitamento escolar, manifestou vontade em continuar com a família que o acolheu, onde “está muito bem e feliz”, recusou voltar para a família biológica e manter visitas com a progenitora, “pois sabe que é vontade dela colocá-lo numa instituição”.
33. A progenitora requereu, em 8/8/2017, a substituição da medida aplicada pela medida de acolhimento em instituição situada o mais próximo possível da sua residência, em regime aberto, com vista a promover a integração do menor B… na família natural, pelo prazo máximo
de seis meses, com transferência para a escola pública e fixação de visitas a mediar por tal instituição e acompanhamento pedopsiquiátrico por médica que indica do Hospital T….
34. Apreciando esse requerimento, foi exarado no despacho recorrido:
“… dizer que o B… não está bem na família que o acolhe é carecido de fundamento, razão porque, na ausência de uma resposta em sede tutelar cível, se não vê qualquer razão para substituir a medida em vigor, muito menos por aquela que é configurada pela lei como de ultima ratio: o acolhimento institucional, ainda que “em regime aberto” ….
E, após citação de um excerto do acórdão deste Tribunal de 13/9/2016, “por considerar reforçados, nomeadamente pela vontade do B…, as razões que determinaram a aplicação em seu favor da medida de confiança a pessoa idónea”… determinou a prorrogação, por mais seis meses, da medida em vigor, acrescentando: “Em face dos nefastos resultados do regime de visitas acordado nos autos – que conduziu ao efeito contrário do desejado (com o agravamento do afastamento mãe/filho, em termos cada vez mais irreversíveis), decide-se que os convívios do B… com a progenitora ocorrerão sempre que (mas apenas quando) aquele expresse vontade para o efeito, caso em que incumbirá à técnica que acompanha o caso agendar a visita”.
2. De direito
Como já tivemos oportunidade de escrever noutras ocasiões[2], a lei de protecção de crianças e jovens em perigo (doravante LPCJP), aprovada pelo art.º 1.º da Lei n.º 147/99, de 1/9, a ela anexo e que dela faz parte integrante, posteriormente actualizada pela Lei n.º 31/2003, de 22/8[3], “tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral” (cfr. art.º 1.º).
Quando este desenvolvimento é posto em causa, por acção ou omissão dos familiares, a intervenção do Estado deve atender ao superior interesse da criança, sem prejuízo, porém, da consideração que for devida a outros interesses legítimos, no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, e cuja intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida.
Tal intervenção justifica-se, nos termos do n.º 1 do art.º 3.º da citada lei, “… quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo elenca várias circunstâncias ou situações reveladoras da situação de perigo.
A intervenção do Estado, neste domínio, pauta-se por um conjunto de princípios orientadores, enunciados no art.º 4.º da mesma lei, os quais funcionam como critérios a atender na promoção do processo e na determinação da medida a aplicar e que são:
a) o interesse superior da criança e do jovem;
b) a privacidade;
c) a intervenção precoce;
d) a intervenção mínima;
e) a proporcionalidade e actualidade;
f) a responsabilidade parental;
g) o primado da continuidade das relações psicológicas profundas;
h) a prevalência da família;
i) a obrigatoriedade da informação;
j) a audição obrigatória e participação;
k) a subsidiariedade.
Assim, e realçando aqui os que mais relevam, desde logo, a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. É o que impõe o princípio do interesse superior da criança e do jovem [cfr. alínea a) do referido art.º 4.º].
Para além de ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida, como manifestação do princípio da intervenção precoce [cfr. alínea c)], a intervenção deve ser mínima, isto é, “deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo” [cfr. alínea d)].
Deve, ainda, “ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade”, por forma a observar os princípios da proporcionalidade e da actualidade [cfr. al. e)].
Como resulta do princípio da responsabilidade parental, “a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem” [cfr. al. f)].
E, segundo o princípio da prevalência da família, “na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção” [cfr. al. g)].
Nos termos do art.º 34.º da LPCJP, as medidas de promoção e protecção das crianças e dos jovens em perigo visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
As medidas de promoção e protecção aplicáveis estão previstas no n.º 1 do art.º 35.º da mesma lei e vão desde o apoio junto dos pais, junto de outro familiar, passando, entre outras, pela confiança a pessoa idónea, pelo acolhimento em instituição, até à confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção [cfr. alíneas a) a g)].
Não vem questionada a necessidade de medida de promoção e protecção, decorrente da situação de perigo em que o menor B… se encontra, reconhecida e aplicada há muito, mas a revisão da que lhe foi aplicada e revista na última decisão proferida.
Quanto a esta, rege o art.º 62.º da LPCJP.
O perigo continua e é admitido pela própria progenitora ao propugnar por medida diferente da aplicada.
Nem sequer sustenta a cessação da medida decorrente do decurso do prazo máximo previsto no art.º 60.º, n.º 2, da LPCJP, ao abrigo do art.º 63.º, n.º 1, al. a), da mesma Lei.
Ainda assim, importa realçar a situação peculiar dos autos, onde a primeira medida foi decretada em 28/9/2005 e posteriormente revista por decisões transitadas em julgado, nomeadamente uma alicerçada em acordo celebrado entre a progenitora, o menor e a guardiã, em 12/11/2014, no sentido de ser aplicada ao menor B… a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea.
Por isso, mal se compreende que a progenitora venha sustentar, agora, o seu recurso no acórdão deste Tribunal da Relação de 21/6/2010, com a agravante de já o ter feito no recurso interposto para o mesmo Tribunal decidido pelo citado acórdão de 13/9/2016.
Como ali, também aqui dizemos que aquela “constatação serve, desde logo, para afastar a possibilidade de represtinação do comando inserido no dispositivo do douto acórdão desta Relação de 21/6/2010, posto que superado por outras decisões judiciais transitadas, proferidas nos autos, uma delas, por igual, um acórdão deste mesmo Tribunal da Relação que encarou a possibilidade de alteração das circunstâncias, face ao anteriormente decidido – o que veio a ser constatado nessas outras sobreditas decisões posteriores de 1.ª instância (veja-se, a título de exemplo, o despacho de fls. 4015)”.
Nem se diga que não se verificaram circunstâncias supervenientes. Tais circunstâncias existiram e foram verificadas naquelas decisões, transitadas em julgado, após a prolação do acórdão deste Tribunal de 7/7/2011, que equacionou essa possibilidade, em face das circunstâncias analisadas, tendo mandado proceder a diligências de prova relativamente à estabilização afectiva do menor junto da família de acolhimento, tendo-se apurado sensível relutância do mesmo em regressar ao convívio com a sua família de origem e alteração da sua realidade biológica, na sequência da procedência da acção de impugnação de paternidade.
Tais decisões estribaram-se em prova isenta, com diversa origem, nomeadamente pericial, repudiando-se as insinuações feitas pela apelante.
Além disso, para além do “relatório” do J… de 15/11/2016, que pouco releva para o caso, por conter mera informação, nada é invocado, neste recurso, posterior ao que já fora analisado no citado acórdão de 13/9/2016.
Acresce que, tal como ali, também aqui importa considerar a natureza deste processo – de jurisdição voluntária (cfr. art.º 100.º da LPCJP) -, onde “o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (cfr. art.º 987.º do CPC).
Esta solução atende, prioritariamente, ao superior interesse da criança e do jovem, o qual deve prevalecer, no confronto com os demais interesses, mesmo que atendíveis, nomeadamente o interesse dos progenitores, decorrente do princípio inferior da prevalência da família.
Na ponderação desses interesses não pode deixar de ser considerada a manifestação de vontade da criança maior de 12 anos, cuja audição é obrigatória [cfr. art.ºs 4.º, al. j), 84.º e 107.º, n.º 1, al. a), todos da LPCJP].
Por maioria de razão, deve ser atendida a vontade de um jovem com quase 17 anos de idade, como é o caso do B….
Recordando, mais um vez, o acórdão deste Tribunal de 13/9/2016, que a apelante olvidou ou parece não querer acatar:
“Da conjugação destes elementos legais e doutrinais resulta, em concreto, que é abundante a prova de que o menor teria a maior relutância e rejeição em ser afastado do meio familiar da pessoa ou pessoas idóneas a quem foi confiado, reagindo negativamente, com oposição e confronto, à presença da mãe.
Esta opinião, fundamentada por certo nas condições de vida que ao menor se depararam, e que não se podem agora questionar, deve ser sobre o mais respeitada, pois que é do interesse do menor que cuidamos, não sendo lícito ou justo invocar dogmaticamente disposições legais, quando não são apodícticas e, ao menos, permitiram e têm permitido que o processo se tenha desenrolado através da sucessiva prorrogação ou da tomada de novas medidas de promoção e protecção.
Não pode estar em causa, portanto, a institucionalização do menor, presumivelmente para proporcionar um melhor contacto com a mãe – o que nunca por nunca o processo evidencia que viesse a acontecer – e muito menos se justifica a adopção de medidas cautelares ou urgentes que conduzissem ao afastamento do menor da pessoa cuidadora, com cuja família tem uma relação consolidada e pacífica, pelo que tudo aconselha a confirmação do douto despacho recorrido.
Isto dito, temos presente o aconselhamento do exame médico-legal para que o menor seja objecto de intervenção psicoterapêutica continuada. A veemente rejeição da mãe cuidadora na primeira infância, podendo ser uma atitude justificada por uma reacção adolescente ao seu anterior passadio de vida em criança (até aos 4 anos), no que ainda recorda, não concorre à adequada compreensão das suas atitudes caracterizadas como menos adequadas (veja-se o exame de psiquiatria forense – a tendência para a efabulação, a hipérbole, a ilusão de domínio, um certo isolamento na TV, a líbido acentuada).
Todavia, aquilo que é fundamental é que o menor B… venha a ser feliz como tiver vontade de ser, não para que dê amor ou suporte o amor de outros (mesmo que se tratem dos pais biológicos), mas para que contribua também para a escolha do seu futuro agregado familiar, das suas figuras parentais, mesmo que diversas das biológicas, das suas companhias e amizades.”
A apelação tem, pois, que improceder, havendo que manter a decisão recorrida.
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Sumariando:
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III. Decisão
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.
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Sem custas [art.º 4.º, n.º 1, al. i) do RCP].
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Porto, 6 de Fevereiro de 2018
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] Em que intervieram os Desembargadores aqui Adjuntos, sendo o primeiro o seu Relator e a segunda a 1.ª Adjunta, que aqui seguimos e reproduzimos.
[2] Cfr., v.g., o nosso acórdão de 25 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 316/12.3TBBGC.P1, disponível em www.dgis.pt, e, ainda, o de 13 de Setembro de 2016, processo n.º 47/13.7T6AVR.P1, que aqui reproduzimos na parte que interessa para o presente caso.
[3] E, posteriormente, pela Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação.