Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
223/14.5PCMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: RECONHECIMENTO DE PESSOAS
RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA
Nº do Documento: RP20161012223/14.5PCMTS.P1
Data do Acordão: 10/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1025, FLS.222-229).
Área Temática: .
Sumário: I – A falta de cumprimento de qualquer uma das formalidades previstas no art. 147.º, do CPP, tem a consequência estabelecida no n.º 7, ou seja, o reconhecimento [de pessoas] não tem valor como meio de prova.
II – Assim, também não tem valor como meio de prova o anterior reconhecimento por fotografia, uma vez que a sua validade como meio de prova dependia da validade do reconhecimento posterior.
III – Todavia, daí não decorre que o depoimento da ofendida, no sentido de identificar o arguido como sendo um dos agentes do crime, não possa valer e não possa ser apreciado livremente pelo tribunal, de acordo com as regras gerais de apreciação da prova testemunhal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 223/14.5PCMTS.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
1.1. Na Comarca do Porto, Maia, Instância Local, J3, foram julgados em processo comum e perante tribunal singular os arguidos (i) B…, devidamente identificados nos autos, acusado da prática de um crime de roubo, um previsto e punido no artigo 210º, nº1, do Código Penal e (ii) C…, devidamente identificado nos autos, acusado da prática de um crime de receptação p. e p. no art. 231º, nº1, do Código Penal.
1.2. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Nos termos e fundamentos expostos julgo a acusação parcialmente procedente e, em consequência, e após a requalificação jurídica dos factos que resultaram provados:
-absolvo o arguido C… pela prática de um crime de receptação p. e p. no artigo 231º, nº1, do Código Penal;
-condeno o arguido B… pela prática de um crime de roubo previsto e punido no art. 210º, nº1, do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão que substituo, ao abrigo do disposto nos artigos 43º, nº1, 58º, nº1 e 3, do Código Penal, por 400 (quatrocentas) horas de trabalho gratuito a favor da comunidade;
-condeno o arguido C… pela prática de um crime de receptação p. e p. no artigo 231º, nº2, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão substituo, ao abrigo do disposto nos artigos 43º, nº1, 58º, nº1 e 3, do Código Penal, por 90 (noventa) horas de trabalho gratuito a favor da comunidade
-condeno ainda cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo -crime, cuja taxa de justiça se fixa em 3 UC”.
1.3. Inconformado com tal condenação, o arguido B… recorreu para esta Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões:
“1.º - Por douta sentença, o arguido B… foi julgado autor material de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, 58.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por 400 (quatrocentas) horas de trabalho gratuito a favor da comunidade.
2.º -Salvo o devido respeito, que aliás é muito, não concorda o arguido com a decisão condenatória e daí o presente recurso.
3.º - O Tribunal a quo incorreu em erro ao dar como provados os factos constantes nas alíneas a) a k) e n), no que ao arguido B… respeita.
4.º -Nos presentes autos, consta que foi tida em conta a prova de reconhecimento cuja nulidade foi invocada pelo Arguido.
5.º -Foi decidido pelo Tribunal a quo que a prova de reconhecimento não padecia de vício suficiente para ser excluída por completo do processo.
6.º -Ora um dos vícios ocorridos seria o da dissemelhança entre Arguido e os restantes membros da “linha de identificação”. Apesar de ser de entendimento que a “semelhança” é uma questão largamente subjectiva, a verdade é que existem traços objectivos na mesma, no que importa para o caso concreto.
7.º - Assim serão características como a cor de pele, cabelo, altura, robustez e idade.
8.º -Sendo estas similares, o conceito de semelhança cairá, a partir daí, em elementos subjectivos.
9.º -Ora, no caso em apreço existiam várias diferenças entre o arguido e os restantes elementos da referida linha de reconhecimento.
10.º -É sabido que a ofendida (que pessoa que procedeu à identificação) afirmava que o alegado agressor era jovem adulto, que estaria na casa dos 20 anos.
11.º -A idade aproximada é perceptível aos olhos do homem médio.
12.º -A diferença de idades de 25 anos é-o igualmente.
13.º -Fisicamente não tem a mesma aparência um indivíduo com cerca de 20 anos com outros cuja idade é superior a 40 anos!
14.º -Ora, ao colocarem o Arguido numa linha com outros indivíduos cuja idade nada semelhante era (sendo todos mais velhos no mínimo 25 anos), obviamente que as questões das diferenças dos elementos que compunham a linha de reconhecimento não podem ser consideradas subjectivas.
15.º -Sendo portanto a prova nula.
16.º -É ainda sabido que à ofendida, em momentos anteriores ao reconhecimento, foram mostradas fotografias do aqui arguido.
17.º -Ora, tal aspecto demonstra-se fulcral para a inquinação de todo o procedimento de reconhecimento.
18.º -Sendo ainda que o reconhecimento por fotografia não pode ser visto como prova – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-11-2004, proc. n.º 1683/04 1.
19.º -Mais, foi realizado um reconhecimento em audiência de julgamento.
20.º -Contudo tal não poderá ter qualquer valor probatório (inserto ou não no depoimento testemunhal), uma vez que sem sede de audiência o arguido é visto sentado no lugar que lhe é especificamente destinado, sendo tal suficiente para invalidar tal reconhecimento como meio de prova.
21.º -Além de tal reconhecimento já padecer dos vícios psicológicos dos anteriores reconhecimentos – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-11-2013, proc. n.º 21/12.0PBVLG.P1.
22.º -“III - A firmeza da convicção da testemunha – exteriorizada em audiência – pode justificar-se pelo facto de ter havido um “reconhecimento” anterior e, portanto, corresponder à defesa de uma posição anteriormente assumida.” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2011, proc. n.º 82/08.7SFPRT.P1.
23.º -Deverão assim ser declaradas nulas todas as provas seguidas de tal reconhecimento viciado – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-12-2011, proc. n.º 1276/08.0PAMAI.P1.
24.º -Sendo declaradas nulas as referidas provas, não é possível ao Tribunal afirmar que foi o aqui arguido o autor dos factos a si imputados.
25.º -Desta feita, sendo declarada a nulidade de tais provas, deverá ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada e, por consequente, ser absolvido o Arguido.
26.º -Sem prescindir do supra-referido, sempre se dirá que: toda a prova realizada no processo parte, verdadeiramente, da Ofendida.
27.º -Ao apreciar as provas dos presentes autos é necessário ter em conta que o ofendido tem a pretensão de que o desfecho do processo lhe seja favorável, ou seja, que o processo termine com uma decisão de condenação.
28.º -Ora, este aspecto aliado com o referido anteriormente, em especial com a demonstração das fotografias, tem o efeito de criar na ofendida (pessoa que pretende, com especial interesse, ver o infractor punido) uma convicção psicológica de que determinada pessoa é culpada, devendo por isso ser punida.
29.º -A Ofendida sempre soube identificar, estranhamento, o aqui Arguido, mas nunca foi capaz de pormenorizar características dos outros dois agressores.
30.º -Assim sendo apenas existe a convicção da Ofendida contra palavra do Arguido, que rejeita categoricamente os factos a si imputados.
31.º -Posto isto é impossível afirmar, com todas as certezas face ao exposto, que o agente do crime foi o aqui Arguido, deverá este ser absolvido, em vénia ao princípio in dubio pro reo.
32.º -É referido na alínea k) dos factos dados como provado que “Na posse do dito telem6vel, o arguido B… logo tentou vendê-lo a terceiros de modo a tentar obter quantias monetárias imediatas que pudesse gastar em proveito próprio.”.
33.º -Ora ao longo do processo não é possível encontrar provas cabais de tal acontecimento.
34.º -Tal é inclusive referido pelo Tribunal ad quo na sua fundamentação que afirma que não se provou que o arguido B… tenha vendido o telemóvel.
35.º -Face ao exposto, deverá o Tribuna ad quem por falta de prova para tal, revogar a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo e, em por conseguinte, eliminar tal facto da lista dos factos dados como provados.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, deve ser dar provimento ao presente recurso e: a) Declarada nula a prova por reconhecimento realizada em sede de inquérito; b) Declaradas nulas todas as provas ulteriores que identifiquem o arguido B…, por as mesmas estarem viciadas pela prova nula referida na alínea anterior; c) Revogar as decisões de facto constantes nas alíneas a) a k) e n) dos Factos provados da douta sentença judicial recorrida; e, por fim, d) absolver o arguido B….”
1.4. Respondeu o MP na 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.
1.5. Nesta Relação, a Ex.ª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.6. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.7. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
a) No dia 10.03.2014, cerca das 18h40m horas, o arguido B…, juntamente com mais duas pessoais do sexo masculino seus conhecidos e cuja identidade concreta não foi possível apurar, avistaram a ofendida D… que se encontrava junto à Escola Secundária …, sita na Rua …, área desta Comarca da Maia.
b) De imediato, o arguido B… e seus acompanhantes resolveram de comum acordo e em união de esforços, através do amedrontamento e de agressões sobre a ofendida D…, apoderar-se do telemóvel de que esta fosse possuidora.
c) Assim, o arguido B… e seus acompanhantes caminharam na direcção da aludida ofendida e, quando chegaram junto desta e, sempre na sequência do plano traçado, os outros dois indivíduos de sexo masculino que acompanhavam o arguido, colocaram-se um em cada lado da ofendida cercando-a.
d) Entretanto, o arguido B… aproximou-se da ofendida, pela sua retaguarda e empurrou-a com violência contra um muro, tendo esta batido com a cabeça no muro bem com ainda lhe desferiu um soco na face.
e) Concomitantemente, o arguido B… voltou-se para a ofendida e exigiu-lhe o seu telemóvel, e a ofendida pediu-lhe para não lho retirar, tendo o arguido de imediato a agredido mais uma vez.
f) A ofendida porque temeu pela sua integridade física acedeu ao exigido pelo arguido B…, entregando-lhe o seu telemóvel de marca “Samsung”, modelo “…” de cor …, no valor de 94,99 euros que retirou dos bolsos da calças que trajava.
g) Já após estar na posse do telemóvel da ofendida, o arguido B… ainda agrediu novamente a ofendida com socos e exigiu que a ofendida lhe fornecesse o código de activação do dito telemóvel e dirigiu-se à mesma e disse-lhe com tons de seriedade: “ se tu fizeres queixa já sabes o que te acontece”.
h) Após isto, o arguido abandonou de imediato o local na posse do telemóvel que retirou à ofendida nos moldes supra descritos.
i) Com a descrita actuação e mediante a violência física descrita e a intimidação causada pela superioridade numérica de agentes, o arguido B… apropriou-se do telemóvel da ofendida acima mencionado.
j) Em consequência da actuação do arguido B… sofreu a ofendida as lesões descritas e examinadas a fls. 31 e ss. dos autos, nomeadamente: “dor referida à palpação da região parietal esquerda, sem lesões traumáticas objectiváveis; uma equimose arroxeada ténue na região mandibular à direita, com 1.5cm de centímetro de diâmetro, com reacção de defesa à apalpação e referida como dolorosa; uma equimose violácea ténue na região zigomática esquerda; com 1cm de diâmetro, com dor referida à apalpação; discreto edema de hemiface direita; sem crepitações ou instabilidades palpáveis ao nível das articulações temporo-mandibulares”, as quais foram causa directa e necessária de um período de 5 dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e formativa.
k) Na posse do dito telemóvel, o arguido B… logo tentou vendê-lo a terceiros de modo a tentar obter quantias monetárias imediatas que pudesse gastar em proveito próprio.
l) Em data não concretamente apurada mas situada entre o dia 10.03.2014 e o dia 12.03.2014, pelas 18h30m, indivíduo cuja identidade não se apurou cruzou-se com o arguido C…, em local não concretamente apurado, situado nesta cidade da Maia e propôs ao arguido C… a venda do dito telemóvel, que transportava consigo, pelo preço de 15 euros.
m) O arguido C… aceitou tal proposta e adquiriu o dito telemóvel pelo referido valor (15 euros) com o intuito de obter para si próprio vantagem económica, apropriando-se do dito telemóvel não obstante não ter cuidado previamente de se assegurar da sua legítima proveniência, apesar de, atentas as circunstâncias em que o adquiriu, ser de suspeitar que o mesmo provinha de facto ilícito contra o património.
n) O arguido B… actuou livre, voluntária e conscientemente, no desenvolvimento de decisão que tomou e em comunhão de esforços e objectivos com os seus dois acompanhantes não identificados, fazendo do supra descrito telemóvel coisa sua, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua legítima dona, usando da violência física, bem como da superioridade numérica sobre a ofendida, para conseguir os seus descritos intentos.
o) Por seu lado, o arguido C… actuou com o propósito concretizado de fazer seu aquele telemóvel, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, apesar de atentas as circunstâncias em que o adquiriu ser de suspeitar que o mesmo provinha de facto ilícito contra o património.
p) Agiram ambos arguidos livre, voluntária e conscientemente, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e sancionadas por lei.
Mais se provou que:
q) Por acórdão proferido em 07.05.2013, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo nº752/12.5JAPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, o arguido B… foi condenado pela prática, em 24.04.2012, de um crime de detenção de arma proibida p e p. no art. 86º, nº1, al. c) d Lei nº5/2006, de 23/02, na pena de 66 dias de prisão substituída por 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que tal pena posteriormente foi substituída por 100 horas de trabalho a favor da comunidade e já se encontra extinta pelo cumprimento.
r) Por acórdão proferido em 08.10.2010, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo nº297/09.0GOVR do J2 do Juízo de Criminal de Ovar da Comarca do Baixo Vouga, o arguido C… foi condenado pela prática, em 31.05.2009, de um crime de furto simples p. e p. no art. 203º, nº1, do Código Penal e de um crime de furto qualificado p. e p. no art. 203º, nº1, e 204º, nº2, a. e) do Código Penal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pena essa que já se encontra extinta nos termos do art. 57º do Código Penal.
s) Por sentença proferida em 24.05.2011, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo nº63/09.3PEMTS do 2º Juízo Crimina do Tribunal Judicial da Maia, o arguido C… foi condenado pela prática, em 02.11.2009, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor quantidades p e p. no art. 25º, nº1 do DL nº15/93, de 22/01, na pena de 1 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pena essa que já se encontra extinta nos termos do art. 57º do Código Penal.
t) O arguido B… é solteiro, mas encontra-se casado pela lei cigana, concluiu o 4º ano de escolaridade, exerce a actividade de feirante pela qual retira cerca de €250,00 por mês. Vive com a companheira, que é doméstica, e dois filhos de 5 e 7 anos, que frequentam a escola pública, em casa arrendada da Câmara Municipal do Porto pela qual pagam uma renda mensal de €12,00. O agregado familiar beneficia de RSI no valor de €320,00 mensais.
u) O arguido C… é solteiro, concluiu o 9º ano de escolaridade, com um curso profissional de pintor de automóveis e encontra-se desempregado sem receber qualquer subsídio. Faz alguns biscates que lhe rendem cerca de €200,00 mensais. Vive em casa de seus pais que o ajudam no seu sustento.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provado que:
Foi o arguido B… que vendeu o telemóvel ao arguido C….
O arguido C… tinha perfeito conhecimento que o telemóvel que adquiriu havia sido ilicitamente subtraído pelo arguido B… ao seu legítimo dono.
CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
A matéria de facto dada como provada assentou desde logo nas declarações da ofendida D… que não obstante a sua especial ligação com os factos depôs de forma isenta e objectiva, merecendo a inteira credibilidade do tribunal. Explicou como tudo ocorreu no momento em que abordado na rua pelo arguido, cuja identidade só de apurou posteriormente e mais dois indivíduos cuja identidade não se chegou a apurar.
Explicou que fez queixa logo no dia da agressão, em que o arguido a empurrou contra o muro e lhe exigiu o telemóvel e lhe deu um soco na cara. Disse que viu bem a cara do arguido B… que foi quem sempre falou com ela, lhe exigiu o telemóvel, lhe bateu, das várias vezes, lhe exigiu o código para desbloquear e que uma vez mais a agrediu para tanto. Explicou que dias depois de apresentar a queixa reconheceu o arguido entre centenas de fotografias que lhe foram exibidas e não teve dúvidas que era ele, e que posteriormente reconheceu-o presencialmente no meio de outros homens e que nunca teve dúvidas que era ele apesar de os outros não serem parecidos. E em audiência olhou para o arguido e apesar de este olhar para a ofendida de forma fixa e até intimidatória a ofendida não esmoreceu, não desviou o olhar e manteve-se firme e peremptória dizendo que não tinha quaisquer dúvidas que o arguido era a pessoa que a agrediu e lhe tirou o telemóvel e que não esquecia a cara dele.
Ora se é certo que o reconhecimento se revela algo fragilizado pelo facto dos senhores funcionários judiciais que compunham a linha de reconhecimento serem de idade bem diferente do arguido (cerca de 45 anos quando aquele tem cerca de 20), a verdade é que a ofendida revela um grande de certeza relativamente ao reconhecimento do arguido, que já havia feito fotográfico e que depois fez em audiência que o mesmo acaba por não ser abalado.
Considerou-se ainda o auto de denúncia de fls. 2, o aditamento de fls. 6 e 7, o auto de reconhecimento fotográfico de fls. 8 e 9, o auto de reconhecimento de fls. 73, o relatório pericial de fls. 31 a 33, a identificação do nº de telefone por IMEI de fls. 72, auto de apreensão de fls. 83
Acresce que de acordo com o depoimento da testemunha E…; agente da PSP, que atendeu a ofendida, no momento em que esta fez o reconhecimento fotográfico, a ofendida fez um relato do sucedido equivalente ao que nos referiu em tribunal e que já na altura explicou que só conseguia reconhecer o indivíduo que a tinha agredido, o que lhe tinha dado com a cabeça contra a parede e que lhe tinha ficado com o telemóvel. Explicou que a ofendida demonstrou grande precisão aquando do reconhecimento, e que apesar de transtornada quando viu a fotografia do arguido, porque claramente teve emoção quando a viu, não teve dúvida que ela reteve o suspeito na memória.
O tribunal desconsiderou as declarações do arguido B… que negou de forma peremptória a prática dos factos, dizendo que “é tudo uma invenção dessa senhora” “”ela está-me a confundir com outro cigano”, e que no momento em que os mesmos ocorreram deveria estar a trabalhar nas feiras e que até nem costuma vir à Maia, quando afinal as feiras acabam a hora que sempre seria possível ter trabalhado e estar cá àquela hora e também já veio outras vezes à Maia, sendo que tais declarações não lograram de todo convencer o tribunal, dado que pretendem tão somente arredar de si factos que impliquem a sua responsabilidade criminal o que é normal e inerente ao comportamento de muitos dos arguidos e por outro lado é completamente antagónica com a versão da ofendida, que como se disse logrou obter a inteira credibilidade do tribunal.
A matéria de facto dada como provada quanto ao crime de receptação assentou desde logo nas declarações do próprio arguido C… que muito embora não tenha querido confessar os factos que lhe são imputados referiu ao tribunal que adquiriu o telemóvel em causa pela quantia de €15,00 a um individuo que o abordou na rua, em frente à paragem do autocarro e cuja identidade desconhece, sendo que não lhe foi dada qualquer factura ou tão pouco a caixa do telemóvel ou o seu carregador. Referiu ainda que sabia perfeitamente que o bem que adquiriu estava em bom estado de conservação e que tinham um valor superior aos referidos €15,00,
A formação da convicção do tribunal quanto aos factos não provados resultou da circunstância de nenhuma prova se ter produzido em audiência que tivesse a virtualidade de os afirmar, pois que nenhuma prova foi feita no sentido de se poder afirmar.
Quanto ao facto que foi o arguido B… que vendeu o telemóvel não foi feita nenhuma prova nesse sentido pois que o arguido C… diz que não a ele que o adquiriu e no que concerne ao facto de que este C… sabia que o telemóvel que adquiriu era efectivamente furtado, no entanto e quanto ao seu elemento subjectivo que resultou provado prova produzida é mais do que suficiente poder afirmar que o arguido sabia perfeitamente que o telemóvel que comprou estava a ser vendido em condições suspeitas e deveria ser produto de furto ou de outro ilícito contra o património, quer pelo preço irrisório que estavam em bom estado, quer pelo facto de ter sido abordado na rua por desconhecidos que não lhe deram qualquer factura comprovativa da sua aquisição, quer ainda pelo facto de adquirir o telemóvel sem o respectivo carregador, o que indicia que o mesmo teria sido subtraído ao seu dono sem aquele acessório que se revela imprescindível para a sua utilização.
Quanto ao carácter dos arguidos B… e C… ouviu-se ainda respectivamente as testemunhas F… e G…, pai e irmã de cada um deles.
Quanto à condição económica dos arguidos foram tidas em conta as suas declarações e no que concerne aos seus antecedentes criminais considerou-se o teor dos CRC junto aos autos 151 a 154 e 155 a 159.”
2.2. Matéria de direito
O arguido B… insurge-se contra a decisão que o condenou pela prática de um crime de roubo, previsto e punido no art. 210º, nº1, do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída, ao abrigo do disposto nos artigos 43º, nº1, 58º, nº1 e 3, do Código Penal, por 400 (quatrocentas) horas de trabalho gratuito a favor da comunidade, por entender que (i) é nulo o reconhecimento de que foi alvo, constante de fls.73 dos autos, nulidade que implica a nulidade de todas as demais provas posteriores que o identificaram e, consequentemente, da prova constantes das alíneas a) a k) e n) dos factos dados como provados e que impõe a sua absolvição.
Esta questão – nulidade do reconhecimento de fls. 73 – foi já apreciada na decisão recorrida, como questão prévia, nos termos seguintes:
“ (…)
O arguido B… invocou em audiência de julgamento a “nulidade” do seu reconhecimento plasmado no auto de fls. 73, alegando para tanto que as pessoas seleccionadas para o acompanharem na fila de reconhecimento – que eram funcionários do tribunal – têm características físicas completamente diferentes das suas.
Cumpre então decidir
De acordo com o disposto no art. 147º, nº7, do Código de Processo Penal (CPP), um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos demais números do mesmo preceito “não tem valor como meio de prova, concluindo-se daqui que o legislador teve uma clara intenção de consagrar uma proibição de prova, o que não nos autoriza a qualificar, a situação nem como uma inexistência nem como uma nulidade processual em sentido estrito, sob pena de se desvirtuar a essência da previsão.
Tentar reduzir esta previsão a uma simples “invalidade processual” (com a agravante da possibilidade de sanação pelo decurso de determinado prazo), é esquecer a necessidade de consolidar, precisamente, estes casos de adequada separação de conceitos, entre as nulidades processuais stricto sensu e as proibições de prova, separação conceptual que o legislador quis consagrar, designadamente no art. 118º nº3 do CPP (cf. João Conde Correia, Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 160, nota 367).
Partindo daqui e admitindo que o legislador processual penal, entendeu desnecessária uma previsão própria reguladora do regime das proibições de prova, será o regime do art. 122º o adequado à sua regulação. Não só porque único na economia do Código, como também pela íntima relação que o legislador estabelece com o regime das nulidades naquele artigo 118/3. Caso o legislador tivesse optado pela regulação específica do regime das invalidades e ineficácias da matéria relativa à prova (proibições de produção e proibições de valoração), o n.º 3 do art. 118º seria inútil.
Assim, chamar-lhe proibição de prova ou nulidade relativa à prova será mera questão terminológica, face à íntima conexão dos dois regimes e à profusão de casos em que o termo “nulidade” se refere a uma efectiva e própria proibição de prova. Mas nunca uma nulidade processual em sentido estrito. É a capacidade probatória do acto o que está em causa, não a sanidade processual do mesmo acto.
Ora, não é isto que ocorre com o reconhecimento em que não tenham sido observadas as formalidades dos n.ºs 1 a 6 do art. 147º. Nesta sede, o legislador previu a sanção e, como se concluiu no Ac. da RC de 5.05.2010 (processo n.º 486/07.2GAMLD in www.dgsi.pt), fê-lo da forma mais adequada possível: a incapacidade de o reconhecimento ser apto a cumprir a sua função de meio de prova. E não assume, por outro lado, a virtualidade de impedir a formação de caso julgado.
Não há, pois, qualquer dúvida sobre a proibição de exame, em audiência de julgamento, de um concreto reconhecimento deficientemente realizado em inquérito ou instrução – proibição de produção de prova – e sobre a proibição da sua valoração na decisão. A equiparação dessa proibição às nulidades é, igualmente, um dado adquirido. A ser assim, melhor seria afirmar que se trata de uma proibição de prova sujeita ao regime das nulidades insanáveis.
E esta solução vale, a meu ver, não só para os casos em que o reconhecimento é viciado por razões formais (v.g., o reconhecimento físico realizado sem o número mínimo de integrantes da “linha de identificação”), como também para os casos em que houve uma intromissão na fidedignidade do acto, usando, data venia, a expressão do Ac. da RC de 5.05.2010, desde que tal seja grave, como sucede quando se exibem fotografias do suspeito imediatamente antes do acto, quando se permite que o suspeito seja visto pela pessoa que vai proceder à identificação a entrar, algemado, no local do procedimento; quando se transmitem informações entre pessoas que procederam e as que vão proceder ao reconhecimento; quando são feitas sugestões pelo agente policial que realiza o procedimento; quando, procedendo-se ao reconhecimento em audiência, tal sucede depois de o arguido ter sido visto por todas as testemunhas no lugar que lhe está reservado na sala, ou a entrar nesta, algemado (cf., a propósito, o Ac. da RP de 11.05.2011, proferido no processo n.º 2304/04.4TAGDM também in www.dgsi.pt.).
Outros vícios não merecem tratamento tão gravoso, devendo ser relegados para o campo da livre apreciação do julgador, nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal, sendo de notar que tal não significa o arbítrio, posto que a apreciação da prova está sempre vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Por outras palavras – as de Paulo Saragoça da Matta (“A Livre Apreciação da Prova”, AAVV, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos fundamentais, Coimbra: Almedina, 2004, p. 254) –, “a liberdade concedida ao julgador (…) não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, mas antes um poder que na sua essência, estrutura e exercício se terá de configurar como um dever, justificado e comunicacional.” Para que o exercício de tal poder seja justificado e comunicacional é pressuposto que todo o caminho da prova, desde a sua admissão ou decisão de recolha até à sua valoração, seja susceptível de auto-controlo por parte do julgador e de controlo por parte da comunidade, incluindo os próprios sujeitos prejudicados com a actividade probatória em questão.
Entre vícios deste último grupo inclui-se aquele que o arguido B… imputou ao reconhecimento realizado nos presentes autos: a dissemelhança entre ele e os senhores funcionários judiciais que foram colocados na “linha de identificação.”
Na realidade, a questão colocada pelo arguido não é, desde logo, exclusivamente de direito: para dela conhecer é preciso – como foi – averiguar se as ditas pessoas colocadas na linha de reconhecimento com o arguido são ou não semelhantes fisicamente com ele.
No entanto tenha-se sempre presente que, a semelhança dos indivíduos sujeitos ao acto de identificação não é um requisito essencial da validade do acto, pois o que se pede é que as pessoas (duas, pelo menos) que se chamam ao acto apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive no vestuário, com a pessoa a identificar (art. 147/2). E, como se pondera no Ac. do STJ de 15.03.2007 (processo n.º 07P659 in www.dgsi,pt), não só a “semelhança” nem sempre é objectivável, podendo duas pessoas serem semelhantes para determinado observador e não o serem para outros e vice-versa, como também nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter. No mesmo sentido, nota-se no Ac. da RL de 11.11.2008 (processo n.º 9746/2008-5 in www.dgsi.pt) que a lei fala em semelhanças “possíveis”, e não podia deixar de ser de outra maneira, pois os órgãos de polícia criminal não têm ali junto deles, a qualquer momento e sempre que necessário, sósias dos arguidos que é necessário reconhecer, sendo certo que, nos casos de extrema semelhança (para não dizer igualdade – gémeos, por exemplo), tornar-se-ia bem mais difícil, se não mesmo impossível, o reconhecimento. O que se pretende é que as pessoas colocadas juntamente com o suspeito apresentem algumas semelhanças com este, de modo a garantir que o escolhido ou identificado – se o houver – corresponda ao verdadeiro autor dos factos. Obviamente que, para isso, terá o ofendido ou testemunha – a pessoa que reconhece – de estar verdadeiramente consciente da responsabilidade do acto, só devendo apontar o dedo quando está de facto convencido, com base nas características que reteve do autor do crime, que este está entre as pessoas a identificar e é a pessoa que concretamente identifica. Caso contrário, terá de dizer claramente que não reconhece o autor dos factos entre os presentes, ou, tendo dúvidas, deverá manifestá-las e tal menção deverá constar do auto respectivo.
Neste sentido, a alegada ausência de semelhança dos indivíduos sujeitos ao reconhecimento não torna nula (no sentido supra preconizado) a prova obtida; acarretando apenas uma maior fragilidade na livre apreciação que o julgador deve fazer das provas obtidas, nos termos do art. 127º do CPP.
E compreende-se que assim seja, pois, como informa Amâncio da Costa Pinto (“Uma análise experimental sobre a credibilidade das identificações efectuadas por testemunhas ocultares”, Revista de Investigação Criminal, 21, 67 a 72), as investigações efectuadas no domínio da identificação e reconhecimento de faces têm revelado, com um certo grau de surpresa, a grande falibilidade dos processos cognitivos. A capacidade humana de reconhecimento de faces parece ser impressionante, já que a maioria das pessoas é capaz de reconhecer centenas, talvez milhares, de rostos vistos anteriormente a partir de encontros pessoais ou através dos meios de comunicação social. Há até pessoas que afirmam orgulhosamente ser difícil deixar de reconhecer a familiaridade de um rosto que viram no passado.
Nesta conformidade, improcede a questão prévia suscitada pelo arguido B….
Vejamos a questão, procurando antes de mais saber se deve manter-se este entendimento, ou seja, o de que a alegada irregularidade do reconhecimento não é geradora de nulidade, mas antes um aspecto a ter em conta na valoração global da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Da análise do processo resulta que a ofendida reconheceu o arguido, através de fotografia (fls. 8) e, mais tarde, em Auto de Reconhecimento (folhas 73 a 78). Apesar de constar dos Autos de Reconhecimento que “as pessoas que participaram no presente reconhecimento foram, com o seu consentimento, fotografadas, ficando as respectivas fotografias juntas aos presentes autos”, o certo é que tais fotografias não constam dos autos.
Deste modo, não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do art. 147º, do CPP, ou seja, não foram juntas aos autos as fotografias das pessoas que intervieram no processo de reconhecimento.
A falta de cumprimento de qualquer uma das formalidades previstas no referido art. 147º do CPP tem a consequência prevista no seu n.º 7, isto é, “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova”.
Assim, também não tem valor como meio de prova o anterior reconhecimento fotográfico, uma vez que, nos termos do art. 147º, 5 do CPP, a sua validade como meio de prova dependia da validade do reconhecimento posterior, nos termos e com as formalidades previstas no n.º 2 do mesmo preceito. Com efeito, diz-nos o n.º 5 do art. 147º, do CPP que “o reconhecimento por fotografia (…) realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2”. Ora, este reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2 (que confere força probatória ao reconhecimento fotográfico anterior) deve ser um reconhecimento válido, ou seja, que tenha ele mesmo força probatória, e não um reconhecimento presencial que não cumpra todas as formalidades previstas no citado artigo 147º do CPP.
Do exposto decorre que, no caso, quer o reconhecimento fotográfico, quer o reconhecimento presencial, não valem como meio de prova, isto é, não valem como prova por reconhecimento, ou seja, como meio de prova autónomo e com específica força probatória.
Todavia, daí não decorre que o depoimento da ofendida, no sentido de identificar o arguido como sendo uma das pessoas que a roubou, não possa valer como meio de prova. Se a ofendida não tiver dúvidas sobre a pessoa que praticou, na sua pessoa, os factos em análise, esse depoimento pode ser avaliado (apreciado livremente) pelo Tribunal, de acordo com as regras gerais de apreciação da prova testemunhal. A invalidade do reconhecimento fotográfico e presencial apenas afasta estes especiais meios de prova, mas não contamina algo que lhes é anterior, como a percepção física que a ofendida captou de uma das pessoas que a “roubou” e que a mesma afirma ter reconhecido.
Em suma, deve conceder-se parcialmente razão ao recorrente, na parte em que o mesmo entende que os reconhecimentos fotográficos levados a cabo nos presentes autos não têm qualquer valor probatório; mas já não se lhe reconhece razão quando o mesmo pretende que a falta de cumprimento das formalidades previstas no artigo 147º do CPP impede a valoração do depoimento da ofendida.
Deste modo, impõe-se averiguar se a matéria dada como provada, relativa à participação do arguido/recorrente está (ou não) justificada no depoimento da ofendida e se este merece a credibilidade que lhe foi reconhecida pelo julgador.
Vejamos este aspecto.
Na motivação da matéria de facto, o Tribunal referiu desde logo ter acreditado no depoimento da ofendida que, “não obstante a sua especial ligação aos factos, depôs de forma isenta e objectiva, merecendo a inteira credibilidade do tribunal” (fls. 214). Sublinhou ainda o facto de a ofendida ter afirmado nunca ter tido quaisquer dúvidas sobre a identificação do arguido/ recorrente: “Explicou que dias depois de apresentar queixa reconheceu o arguido entre centenas de fotografias que lhe foram exibidas e não teve dúvidas que era ele, e que posteriormente reconheceu-o presencialmente no meio de outros homens e que nunca teve dúvidas que era ele apesar dos outros não serem parecidos. E em audiência de julgamento olhou para o arguido e, apesar de este olhar para a ofendida de forma fixa e até intimidatória, a ofendida não esmoreceu, não desviou o olhar e manteve-se firme e peremptória, dizendo que não tinha quaisquer dúvidas que o arguido era a pessoa que a agrediu e que lhe tirou o telemóvel e que não esquecia a cara dele”.
A decisão recorrida acabou, é certo, por dar relevância ao reconhecimento presencial do arguido e, nessa parte, não o poderia ter feito. Mas, em boa verdade, deu relevância a esse reconhecimento porque acreditou no depoimento da ofendida de que esta não teve quaisquer dúvidas em identificar o arguido como sendo aquele que a agrediu e lhe tirou o telemóvel.
Ora, ao aceitar como “inteiramente credível” o depoimento da ofendida (prestado em audiência de julgamento), referindo claramente que foi agredida pelo arguido e que não tinha quaisquer dúvidas na sua identificação, o tribunal justificou a sua convicção sobre os factos num meio de prova válido, ou seja, no depoimento da ofendida que, em seu entender, foi bastante para dar como provada a matéria de facto constante dos factos provados.
Por outro lado, a argumentação do arguido não é bastante para impor prova (decisão) diversa da recorrida.
Na verdade, o arguido argumenta com o facto de a ofendida apenas ter conseguido reconhecer um dos intervenientes, o que é irrelevante. O que levou a ofendida a chegar ao arguido foi o facto de lhe terem sido mostradas centenas de fotografias e de o arguido figurar numa delas (como ela disse) “sem quaisquer dúvidas”. O reconhecimento de apenas uma das pessoas envolvidas (o arguido) nem sequer é de estranhar, pois o arguido foi a pessoa que directamente agrediu a ofendida e a enfrentou, exigindo-lhe a entrega do telemóvel e do respectivo código de activação, ameaçando-a de que não fizesse queixa do sucedido.
O outro argumento do arguido é o de que não existem provas no processo de que o arguido tentou vender o telemóvel a terceiros (al. k dos factos provados)), tanto mais que na fundamentação da sentença o Tribunal “afirma que não se provou que o arguido tenha vendido o telemóvel”.
Esta argumentação também não é concludente. Tendo-se provado que o arguido B… se apoderou do telemóvel e que este foi vendido (não se apurou por quem) ao co-arguido C…, a inferência (facto da al. k) de que o arguido B… se apropriou do mesmo para o tentar vender é inatacável. De facto, e de acordo com as regras da experiência comum, se alguém rouba um telemóvel que é vendido mais tarde, é porque quem o roubou tentou vendê-lo, o que veio efectivamente a acontecer.
Do exposto resulta que o recurso não merece provimento. Na verdade, apesar de os reconhecimentos feitos não poderem valer como meios de prova autónomos, a verdade é que o depoimento da ofendida, cuja isenção, rigor e objectividade “mereceu a inteira credibilidade do tribunal”, é bastante para suportar a prova dos factos imputados ao recorrente.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 12/10/2016
Élia São Pedro
Donas Botto