Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1653/12.2JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERDA ALARGADA
PATRIMÓNIO
Nº do Documento: RP201409171653/12.2JAPRT.P1
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – São pressupostos da aplicação da perda alargada:
- a condenação por um dos crimes do catálogo (artº 1º al.a) da Lei 5/2002)
- a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
- a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos;
II – A noção ampla de património ali prevista abrange tudo o que estiver ao dispor do condenado ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros em especial com quem coabite ou viva em economia comum ainda que na titularidade destas, e abrange as vantagens que auferiu no período em que vigora a presunção independentemente do destino que tenham tido;
III – Para quantificar os rendimentos lícitos não basta a prova de que o arguido durante o período em causa exerceu actividade profissional ou auferiu rendimentos de trabalho, sendo necessário demonstrar os rendimentos daí resultantes para afastar a presunção do valor incongruente a declarar perdido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 1653/12.2JAPRT.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunta: Maria Dolores Sousa

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 1653/12.2JAPRT, da 4ª Vara Criminal do Porto, na sequência da condenação dos arguidos B… e C…, ambos com os demais sinais dos autos, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21º n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, foram, além do mais, julgados parcialmente procedentes os incidentes de liquidação contra eles deduzidos pelo Ministério Público, nos termos dos arts. 7º e 8º, da Lei n.º 5/2002, de 11/1, e declarados perdidos a favor do Estado os montantes de, respectivamente, €72.985,53 (setenta e dois mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) e €275.803,22 (duzentos e setenta e cinco mil oitocentos e três euros e vinte e dois cêntimos), equivalentes ao património incongruente com os seus rendimentos lícitos, com a consequente condenação de cada um dos arguidos na quantia devida e manutenção do arresto de bens.
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Inconformados com tal decisão interpuseram recurso os mencionados arguidos e ainda D…, com os demais sinais dos autos, esta estribada na circunstância de haver bens arrestados que considera serem sua propriedade, rematando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques)
Arguido B…
1 - No caso dos presentes estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, é a primeira condição para a decisão da perda ampliada.
2 -Só que, não basta.
3 - Efectivamente e é o que falta no caso, há que explicitar e fundamentar a incongruência do património global com aquele que resulta de uma fonte lícita.
4 - Aqui e desde logo no apuramento do património global leva-se à soma parcela de registo de movimentos bancários que podem muito bem ser movimento de rendimentos lícitos e levam-se à colação bens sem expressão económica da actividade do recorrente.
5 - Efectivamente ao recorrente não foram apreendidas quantias avultadas nem provas de depósitos de quaisquer quantias.
6 - Ao recorrente foi apreendido 120 euros e em casa tinha l.000,00 euros.
7 - Levam-se à soma do património bens que não têm ligação com a actividade de tráfico:
Um não foi comprado com proventos do tráfico (seat); Outro foi depois de finda a actividade (Renault) e Outro sem qualquer utilização na actividade.
8 - Mas como quer que seja, sem expressão económica da actividade lucrativa do recorrente e sem expressão ou referência de ganhos e lucros deste como resultado da prova colhida quanto a si a decisão ora recorrida nesta parte não se sustenta por não ser nem clara nem explícita no apuramento da "incongruência" do património.
9 - Nem a explicitação pormenorizada do co-arguido no que ele - co-arguido -escreveu e explicou - como quis e entendeu - chegam para a decisão proferida quanto ao recorrente, pois não resulta outra prova que as complemente ou acompanhe ou corrobore, nomeadamente resultante de depósitos ou saldos ou dinheiro apreendido que sustente aquelas declarações.
10 - A decisão recorrida nesta parte impugna-se por estar ferida de nulidade nos termos do artigo 379º, n.º l al. a) do CPP e por ter violado o artigo 12º da Lei 5/2002.
***
Arguido C…
1 - Entende o recorrente que o douto acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação.
[1] 3 - Na verdade, dispõe o artigo 97º n.º 5 do C.P.P, que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
4 - Dispõe ainda o preceito no artigo 379º n.º 1 do C.P.P. n.º 1 al. c):
"É nula a sentença (....), quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (....)
5 - No caso em apreço, o Acórdão recorrido deu como parcialmente procedente, o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público nos termos dos Arts. 7º e 8º da Lei 5/2002 de 11/1, contra o Arguido C… e, declarou perdido a favor do Estado, o montante de € 275.803,32, valor esse que o Arguido foi condenado a pagar, mantendo o arresto dos bens anteriormente decretado.
6 - Ora, a decisão supra descrita padece de fundamentação, uma vez que, o tribunal, quanto a esta matéria, se limita, a remeter a decisão, para os factos provados e a concluir "tout court", que o valor do património total do arguido C…, é € 296.154,64, sendo que o rendimento lícito obtido é de € 20.351,42, pelo que, presume que o valor indicado no ponto 5 das conclusões, se mostra incongruente com o rendimento lícito por este declarado, considerando que não foi ilidida a presunção da Lei 5/02, e como tal declara que este valor tem origem ilícita determinando-o perdido a favor do Estado.
7 - Ora, o Tribunal "a quo" não fundamenta, nem especifica como lhe cabia, o motivo da redução e consequentemente, da diferença entre o valor por si alcançado, e o do Ministério Público sendo que, ao longo do Douto Acórdão não se vislumbra quais os bens arrestados que são abrangidos por aquela diferença.
E muito menos, reitera-se, a base de recalculo matemático para a retirada do referido valor.
8 - Nomeadamente o Douto Acórdão não faz qualquer referência aos documentos anexos aos autos, solicitados à E…, e aos documentos juntos em audiência pelo arguido, reportados a valores auferidos pela avó da companheira, que de acordo com as suas declarações foram utilizados na aquisição de alguns dos bens móveis e imóveis por si adquiridos.
9 - A situação supra descrita, na perspectiva da defesa faz com que a decisão enferme da nulidade p. p no artigo 379º n.º 1 al. c) do C.P.P.
10 - Devendo nos termos do n.º 2 do citado aresto ser suprida, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 414º n.º 4 do C.P.P.
11 - Violou-se o disposto no arts 97º n.º 5 e 379º n.º 1 al. c) ambos do C.P.P.
12 - Acresce ainda, que, contrariamente ao sufragado pelo tribunal, entende o recorrente, ter ainda que parcialmente ilidido a presunção da Lei 5/02, e retira tal ilação da conjugação da factualidade apurada e não apurada, descriminada no acórdão ora recorrido.
13 - Na verdade, o tribunal dá como provado que para além dos valores legalmente declarados, o arguido desenvolveu actividade laboral, desde há vários anos, estando inclusive a trabalhar aquando da sua detenção. (Cfr. pag. 27 dos factos provados do acórdão.)
14 - Ora ainda que, a acusação tenha fixado o período entre Agosto de 2011 a Maio de 2013, para o exercício da actividade ilícita, resultou provado, que o arguido desenvolveu essa actividade ente Abril e Maio de 2013.
15 - Pelo que, não se tendo apurado, que o mesmo utilizasse os bens móveis e imóveis na referida actividade, nem fossem tais bens adquiridos com dinheiro proveniente desta, conjugando, com a actividade laboral por si exercida, tal circunstancialismo teria sempre que ser valorado em seu benefício, e ainda que não tendo sido declarados na totalidade os rendimentos obtidos pelo trabalho, resulta, que o mesmo auferiu tais rendimentos, podendo estes ser a origem dos proventos que estiveram na base da aquisição dos referidos bens.
Tanto mais, que a actividade por si exercida, na loja "F…", não foi considerada como fachada do negócio ilícito.
16 - Pelo que, da conjugação dos factos provados e não provados, não se pode concluir, como fez o Tribunal "a quo", que todo o património do Arguido C… foi obtido ilicitamente, muito menos, declará-lo como perdido a favor Estado e ainda, condená-lo no pagamento desse valor.
17 - Condenação essa que, face à elisão da presunção não pode operar.
18 - Violou-se o disposto nos arts. 7º e seguintes da Lei 5/02.
19 - Sem prescindir, considera ainda o recorrente, que o valor do património apurado quanto a si, não é o vertido no douto acórdão, porque, para o seu cálculo não foram observados, os critérios legais, previstos nas alíneas do n.º 2 do Art. 7º da Lei 5/2002 de 11/01.
20 - Na verdade, o Ministério Público indicou e contabilizou o valor de bens que já não pertenciam ao C… à data da sua constituição como Arguido (15.05.2013) ou seja, que já não se encontravam na sua esfera jurídica, nem tão pouco foram indiciados como instrumentos, ou adquiridos, com proventos de atividade ilícita (vide. Pag. 29 do Acórdão).
Como é o caso do veículo de marca Opel …, com a matrícula ..-AX-.. avaliado em € 6.000,00 e o veículo Seat …, com a matrícula ..-EI-.., avaliado em € 11.000,00.
21 - Assim, o valor porque ambos foram avaliados € 17.000,00 (€ 6.000,00 + € 11.000,00) não podia, nem pode, ser contabilizado como fazendo parte do património do Arguido C….
22 - Contabilizou ainda, erradamente o Ministério Público, o montante de € 149.029,09, referente a "supostos" depósitos bancários existentes em contas tituladas pelo Arguido C… e pela D…, o que também não podia ter feito, por não corresponder à verdade.
23 - De acordo com as informações constantes nos autos fornecidas pela E… as únicas contas, de que era titular, era a conta identificada a fls. 312 e ss. que em Maio de 2015 apresentava um saldo de € 703,45, e a conta identificada a fls. 320 e ss. que em Maio de 2013 apresentava um saldo de € 9.045,58, o que totaliza € 9.749,03.
24 - Montante manifestamente inferior, aos erroneamente contabilizados pelo Ministério Público.
25 - Contas essas, tituladas quer pelo Arguido C…, quer em co-titulariedade com a sua irmã e não com a D…, sua companheira.
26 - Também, quanto aos bens imóveis, e embora se entenda, que deveria ser indicado apenas um, o imóvel sito na Rua … n.º … casa . no Porto, por ser o único que é da exclusiva propriedade do Arguido C….
27 - Ainda assim e sem conceder, mesmo que tivessem sido considerados os três bens imóveis, o valor a ser contabilizado seria o das aquisições, por ser esse que retraía o valor pago pelo Arguido e não, o valor patrimonial ou comercial dos mesmos. Valor indicado no ponto 45 da motivação de recurso e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
28 - Pelo que, deveriam ter sido estes (os valores da aquisição € 12.000,00, € 40.000,00 e € 8.000.00 constantes das escrituras) e não outros, por serem os que retraíam o património real do Arguido, que o Ministério Público deveria ter considerado aquando da liquidação do seu património.
29 - Ao somatório do valor apurado haverá ainda que deduzir:
- Os montantes, referentes ao veículo Audi .. de matrícula ..-MH-.., Audi .., com a matrícula ..-LS-.. e viatura da marca Smart, modelo …, dado à factualidade não provada (vide Pag. 29 do Douto Acórdão), que aqui se dá por reproduzida, nomeadamente, que tais viaturas fossem adquiridas com os proventos da actividade de tráfico ou utilizadas na referida actividade.
30 - Face ao exposto, o valor real/líquido do património global do Arguido C… ascende a € 66.749,03.
31 - Ora, aos € 66.749,03 temos ainda de descontar os seguintes valores de rendimento obtidos pelo ora Arguido e considerados lícitos, € 6.300,00 e € 700,00 respeitantes aos rendimentos dos anos de 2011 e 2012 declarados à Autoridade Tributária pelo Arguido,
32 - Concluindo, o valor do património que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, e que o Arguido poderá ser eventualmente condenado a pagar, ascende a € 39.397,61 (€ 66.749,03 - € 27.351,42).
33 - Ora, face ao aduzido, o valor do incidente de liquidação, do Arguido C… é manifestamente inferior, quer ao liquidado pelo Ministério Público, quer ao agora arbitrado pelo Tribunal "a quo", o que e, em observância até, ao disposto no Art. 12.º n.º 2 da Lei 5/2002 de 11/01 impunha a redução do arresto decretado, ordenando-se o levantamento do mesmo, sobre os seguintes bens, cuja titularidade é de terceiro, e cuja prova se efetivou como não tendo sido utilizados, nem adquiridos por produto de atividade ilícita, designadamente:
- o imóvel sito na Rua … n.º …, casa ., no Porto o qual é propriedade de D…, propriedade de D…;
- o imóvel sito na Rua … n.º …., no Porto, pertencente em compropriedade ao Arguido e a D…;
- viatura da marca Audi .., com a matrícula ..-MH-.., propriedade de D….
34 - Tanto mais que os restantes bens que se encontram arrestados são suficientes para garantir o pagamento do incidente da liquidação, do Arguido C….
35 - Assim, no que respeita à perda ampliada de bens a favor do estado, concretamente quanto à aplicação ao caso em apreço da Lei 5/2002 de 11/01, mal andou o Tribunal" a quo" ao decidir, como decidiu.
36 - Ao fazê-lo violou, designadamente os Arts. 97º, n.º 5, 379º n.º 1 al. c) e n.º 2 do C.PP, 7º, 9º, 12º da Lei 5/2002 de 11/01.
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Interveniente D…
A - A Recorrente tem legitimidade e interesse em agir, na medida em que o Tribunal “ a quo”, no Douto Acórdão em cotejo, mantém o arresto sobre bens que são da sua propriedade no âmbito de um processo-crime a que, é totalmente alheia.
B - O Tribunal “ a quo” deferiu parcialmente o incidente de liquidação deduzido pelo Ministério Público contra o Arguido C…, mantendo o arresto sobre os mesmos bens quando não o podia ter feito porquanto, no cálculo efetuado (liquidação), contabilizou valores respeitantes a bens que são propriedade apenas da ora Recorrente, que não é parte nos autos.
C - Não se mostrando correta a referida liquidação porque da mesma não resulta o valor do património real do arguido pelo que, terá de ser descontado ao valor alcançado pelo Ministério Publico, o valor dos bens propriedade da Recorrente.
D - Encontram-se arrestados á ordem dos autos os seguintes bens, propriedade da Recorrente:
1) Um prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua … …, casa ., Porto, freguesia …, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º 5535 e inscrito na matriz sob o artigo 4825;
2) Uma fração autónoma, designada pelas letras DD, correspondentes a um estabelecimento comercial, sito na Rua … n.º …. r/c, Porto, descrita na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º 1181 freguesia … e inscrita na matriz sob o art. 3437 DD;
3) Veículo automóvel da marca Audi, modelo .., matrícula ..-MH-...
E - No caso em apreço, o arresto dos bens da Recorrente, foi concretizado nos termos do Art. 10º da Lei 5/2002 de 11/01 a qual consagra o mecanismo de perda ampliada de bens a favor do Estado, que decorre essencialmente da presunção contida no seu Art.º 7º que opera apenas nos crimes de catálogo enunciados no Art.º 1º, que é direcionável às vantagens derivadas da atividade criminosa, e supõe a condenação com trânsito em julgado, de um desses crimes.
F - Este diploma consagra também, no seu Art.º 9º, a possibilidade do Arguido poder ilidir essa mesma presunção.
G - No caso “sub judice”, o arresto dos bens da Recorrente foi decretado com base numa acusação deduzida contra o Arguido C… da qual consta, entre outras coisas, que este se “dedicava á atividade de tráfico pelo menos desde Agosto de 2011”, “que não possuía qualquer atividade profissional para além da atividade de tráfico de estupefacientes de onde lhe vinham todos os proventos”, e que por isso, todos os seus bens, teriam sido obtidos com rendimento ilícito assim como, os da Recorrente, por ser sua companheira. O que não corresponde á verdade, tanto assim que, foi realizado julgamento e tais factos não foram dados como provados.
H - Quanto á suposta atividade ilícita do Arguido C…, ficou provado ter decorrido apenas “….desde pelo menos Abril de 2013 e até 15 de Maio de 2013…”, tendo sido dado como provado que ao longo dos anos o Arguido C… teve várias atividades laborais, que lhe permitiram obter rendimentos lícitos e com eles, adquirir muitos dos seus bens.
I - Repare-se ainda que, todos os bens arrestados foram adquiridos em data muito anterior a Abril de 2013, basta consultar as escrituras juntas aos autos e os respetivos registos, constando dos factos provados no âmbito da liquidação para perda ampliada (págs. 19 e 20 do Acórdão):
“(…) C… (…) dedicou-se ao desempenho de diferentes atividades com as de eletricista e de operário da construção civil, em regime de biscates, em conjunto com familiares e companheira. Contraído o matrimónio no ano de 2004, o casal procurou concretizar a autonomização conjugal em agregado independente em vivência diária suportada pelos rendimentos auferidos pelo arguido naquele tipo de tarefas conseguindo suprir as necessidades básicas dos dois adultos e do filho entretanto nascido com diversas atividades laborais como a exploração de estabelecimento de cafetaria e de uma peixaria. (…)”
“(…) Divorciado desde 2008 (….) dedicou-se a diversas atividades laborais consoante as oportunidades laborais obtidas através de empresas de trabalho temporário bem como dos familiares da ex-cônjuge.
(…) Á data de ocorrência dos factos inscritos na acusação proferida nos autos, C… mantinha o relacionamento com a atual companheira em agregado familiar próprio composto pelo filho do casal, dedicando-se o casal a exploração da loja de Desporto, sita na Rua … ….. Porto (…)."
J - Face designadamente aos factos provados, o Arguido C… conseguiu, ilidir a presunção contida no Art.º 7º da Lei 5/2002 (vide Art.9º n.º 3 al. a) do mesmo diploma), o que aproveita á Recorrente.
K - Ilidida a presunção do Art. 7º da Lei 5/2002, somos remetidos para o regime geral, previsto nos Arts. 109º a 112º do C.P., ora, não tendo ficado provado que os bens arrestados serviram para a prática de atividade ilícita, nem que foram adquiridos com proventos da mesma e, encontrando-se provado que pertencem a terceiro, neste caso, á Recorrente impõem-se, o levantamento do mesmo.
L - Tratando-se de um arresto concretizado nos termos do Art. 10º da Lei 5/2002, o Ministério Público não está dispensado de provar que embora a titularidade dos bens arrestados seja de terceiro que não o arguido, o domínio e o benefício cabiam aquele, prova essa, que o Ministério Publico no caso em apreço, não logrou fazer.
M - No que respeita á casa de habitação sita na Rua … …, casa . no Porto, trata-se de um bem imóvel propriedade apenas da ora Recorrente, encontrando-se registada a seu favor, pelo que, goza a mesma da presunção contida no Art. 7º do Código do Registo Predial, que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
N - Não resultou provado que o referido imóvel, inicialmente pertença do Arguido C… tenha sido por aquele adquirido com dinheiro de atividade ilícita, nem tão pouco utilizado para esse fim! Motivo suficiente por si só, para que o arresto não se possa manter.
O - O facto da Recorrente o ter adquirido ao C…, depois da constituição dele como Arguido não é suficiente de “per si”, para que se possa tratar de um bem, enquadrável numa das alíneas do n.º 2 do Art.º 7º da Lei 5/2002.
P - Além disso, como consta dos autos, foi inicialmente titulado pelo Arguido C… em 26.03.2010, ou seja, em data muito anterior ao do início da atividade ilícita daquele, tratando-se de um bem sobre o qual o C… não tinha domínio, até face á existência do contrato promessa muito anterior a sua constituição como arguido, além disso, também não foi transferido “gratuitamente”, na medida em que ocorreu “compensação” de valores.
Q - Quanto ao estabelecimento comercial, sito na Rua … n.º …. R/C, Porto, trata-se de um bem registado em compropriedade em nome do Arguido C… e da Recorrente, pelo que goza a mesma quanto a este, da presunção contida no art. 7º do C.R.P, também não resultou provado que o referido bem foi adquirido com dinheiro de atividade ilícita, muito menos, que era utilizado como “fachada” para algum “negócio ilícito”.
R - Constando dos factos não provados (pág. 28 e 29 do acórdão): “Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
“(…) Que com o propósito de dissimular a atividade de tráfico de estupefacientes e os proventos auferidos com a mesma, o arguido C… possuía, desde Fevereiro de 2013, uma loja de desporto, denominada “F…”, sita na Rua …, …., loja …, nesta cidade e Comarca.
(…) Que a atividade de exploração da loja F…, pelo arguido C…, servia apenas para dissimular a atividade de tráfico a que se dedicava…”
S - Sem conceder, face á existência da compropriedade nunca poderá o arresto incidir sobre a totalidade do bem, dado a Recorrente ser terceira, completamente alheia ao processo criminal e também porque tem de respeitar designadamente os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.
T - Não se mostra admissível a manutenção do arresto sobre o veículo automóvel da marca Audi, modelo .., matricula ..-MH-.. pois, trata-se de um bem que é unicamente propriedade da Recorrente, que se encontra registado a seu favor, pelo que também quanto a este bem, beneficia da presunção do registo, para além disso, não se provou que a referida viatura foi adquirida pelo Arguido C… muito menos, com proventos de atividade ilícita, não sendo obviamente tal bem, subsumível, em nenhuma das alíneas do n.º 2 do Art.º 7º da Lei 5/2002.
U - Constando dos factos não provados (pág. 29 do Acórdão):“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente: (...)
“Que a viatura da marca Audi .., com a matrícula ..-MH-.. e a viatura, marca Audi .., com a matrícula ..-LS-.., pertencentes ao C… foram por ele adquiridas com os proventos da atividade de tráfego. (…)
V - A Recorrente não se encontra acusada da prática de qualquer crime, nem teve qualquer intervenção nos autos criminais, nem tão pouco foi para os mesmos citada e/ou notificada, sendo totalmente alheia a estes, é pois, “terceiro”, na medida em que não é parte nos presentes autos, muito menos responsável, pelo pagamento da qualquer quantia.
W - Mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela manutenção do arresto relativamente aos bens da ora Recorrente, ao fazê-lo violou, designadamente o disposto nos artigos 7º, 9º e 10º da Lei 5/2002 de 11/01, 7º da C.R.P, 109º n.º 1 e 110º n.º 1 do C.P., pelo que, deverá ser revogado parcialmente o douto Acórdão em crise, substituindo-se por outro que ordene o levantamento do arresto sobre os bens da Recorrente, com o consequente cancelamento dos respetivos registos.
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Admitidos os recursos por despacho proferido a fls. 1890/91, respondeu o Ministério Público sufragando, sem alinhar conclusões, a sua improcedência e manutenção do decidido.
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos, acompanhando e reforçando a aludida resposta.
Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, apenas respondeu o arguido B… insistindo na sua tese.
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Realizou-se o exame preliminar e, nada obstando ao conhecimento do mérito, foram colhidos os vistos legais, prosseguindo os autos para conferência, na qual foi observado o formalismo legal.
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II- Fundamentação
1. Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[2] que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso (art. 410º n.º 2, do mesmo Código).
Assim, no caso sub judicio é apenas questionada a perda ampliada do património dos arguidos e consequente arresto de bens e invocando a nulidade da decisão por falta de fundamentação (arguidos B… e C…) e omissão de pronúncia (arguido C…) e, todos os recorrentes, a elisão da presunção legal e a não verificação dos requisitos para aquele efeito.
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2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, no que ao caso interessa, é a seguinte:
A) Factos Provados
Desde data não concretamente apurada mas, pelo menos, desde Abril de 2013 e até 15 de Maio de 2013 (data em que os arguidos B… e C… foram detidos e sujeitos à medida de coação de prisão preventiva) que os arguidos B… e C… se vêm dedicando ao tráfico de estupefacientes, designadamente de heroína e cocaína, sendo responsáveis pela comercialização de quantidades dessas substâncias, abastecendo diversos indivíduos, cuja identificação não se logrou apurar, para consumo destes ou revenda, fazendo-o de comum acordo e em conjugação de esforços.
Para o efeito, e por forma a não serem detectados pelas autoridades policiais, os arguidos B… e C… decidiram arrendar casas que não habitavam e que utilizavam, única e exclusivamente, como casas de “recuo”.
No ano de 2013 estes arguidos arrendaram uma casa sita na Rua …, n.º …, nesta Cidade e Comarca, cujo contrato de arrendamento foi celebrado no dia 1.04.2013.
(…)
Os arguidos B… e C… possuíam as chaves daquela habitação, deslocando para a mesma sempre que fosse necessário preparar ou abastecerem-se de estupefaciente para venderem a terceiros.
O arguido C… possuía, desde Fevereiro de 2013, uma loja de desporto, denominada, “F…”, sita na Rua …, …., loja …, nesta Cidade e Comarca.
Assim na prossecução da sua actividade e conforme acordado, no dia 8 de Maio de 2013, pelas 15h35min., os arguidos C… e B… deslocaram-se para junto do café “G…”, sito na Rua …, nesta Cidade e Comarca, para onde e, conforme combinado entre todos, se dirigiu, pelas 15h55, o H… – individuo, este, a ser investigado em inquérito resultante da extracção de certidão.
Após breve troca de palavras entre os arguidos B…, C… e H…, este último entregou, ao arguido B…, um embrulho, em formato de cassete VHS, contendo quantidade não apurada de estupefaciente.
O arguido B…, como previamente acordado com o arguido C…, deslocou-se à habitação, sita na Rua …, nesta Cidade – casa de recuo - onde guardou o estupefaciente antes entregue pelo H…, para depois venderem.
No dia 15 de Maio de 2013, pelas 16h20min., os arguidos B… e C…, em continuação do plano previamente delineado, deslocaram-se ao apartamento, sito na Rua …, no Porto, onde prepararam o estupefaciente para venderem, tendo para o efeito, o arguido C… se deslocado na viatura SMART, com a matrícula ..-NN-.. e o arguido B… na viatura Mini, com a matrícula ..-MV-...
Decorridos 35 minutos, o arguido C… abandonou aquela habitação tendo ali permanecido o arguido B…, que continuou a preparar o estupefaciente.
Pelas 18h00min., este arguido também abandonou aquela residência, deitando fora um saco que acondicionara o estupefaciente, momentos antes preparado pelos arguidos.
I.
Assim, pelas 18h00min., do dia 15 de Maio de 2013, foram encontrados e apreendidos, na cozinha do apartamento, sito na Rua …, n.º …, Porto:
a) uma embalagem de cocaína (Ester metílico), com o peso líquido de 445,405 gramas;
b) uma embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 5,562 gramas;
c) uma embalagem de cocaína ( cloridrato), com o peso líquido de 138,499gramas;
d) uma embalagem de cocaína ( Ester metílico), com o peso líquido de 53,565 gramas;
e) uma embalagem de cocaína ( Ester metílico), com o peso líquido de 70,694 gramas;
f) uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 395,545 gramas;
g) uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 500,798 gramas,
h) uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 501,275 gramas;
i) uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 101,247 gramas;
j) uma embalagem contendo fenacetina/lidocaína, com o peso bruto de 66,768 gramas;
k) uma embalagem de norcaina, com o peso bruto de 783,250 gramas;
l) uma embalagem de fenacetina/lidocaína, com o peso bruto de 1119,430 gramas;
m) uma embalagem de bicarbonato de sódio, com o peso bruto de 301,184 gramas;
n) uma balança decimal, marca Genius, com resíduos de cocaína;
o) uma balança decimal, marca Soehnle, com resíduos de cocaína;
p) uma balança decimal, marca Orbegoso, com resíduos de cocaína;
q) uma espátula com cabo em madeira, castanho e vermelho, com resíduos de cocaína;
r) uma espátula com cabo plástico preto, com resíduos de cocaína;
s) uma espátula com cabo plástico preto e amarelo, com resíduos de cocaína;
t) um x-ato de cor amarelo e azul, com resíduos de cocaína e heroína;
u) um x-ato de cor vermelho, com resíduos de cocaína e heroína;
v) três pincéis com resíduos de cocaína e heroína;
w) uma máquina de calcular, da marca CASIO;
x) uma máquina prensadora a calor, da marca Proficook, modelo ………;
y) três acessórios – copos trituradores- para varinha mágica com resíduos de canabis, cocaína e heroína;
z) 3 varinhas mágicas, da marca BRAUN e BOSCH;
aa) um copo triturador Braun, modelo Minipimer;
bb) um saco de plástico com diversos elásticos;
cc) diversas embalagens de sacos de plástico transparentes;
dd) uma mochila castanha, da marca David Jones, utilizada para o transporte do estupefaciente;
ee) um bloco de apontamentos com anotações manuscritas sobre a actividade de tráfico a que os arguidos C… e B… se dedicavam;
ff) uma capa com os dizeres “Quinta …”, contendo no seu interior os contratos de arrendamento, águas do Porto e EDP em nome de I… e referente à habitação sita na Rua …;
gg) um rádio CD, marca KUNFT, modelo ….
Os produtos constantes nas alíneas j) a m) pertenciam aos arguidos C… e B… e serviam de substâncias de “corte” aos produtos estupefacientes que destinavam à venda.
Os objectos das alíneas n) a cc) pertenciam àqueles dois arguidos e eram por eles utilizados na preparação, dosagem e embalamento dos produtos estupefacientes.
II.
Pelas 18h30min., do dia 15 de Maio de 2013, no Estabelecimento comercial, denominado “F…”, sito na Rua …, n.º …., loja …, nesta Cidade e Comarca, que pertencia ao arguido C…, foram encontrados e apreendidos:
1. Um computador portátil, Samsung, modelo …….. com mala própria, da marca “Salsa”;
2. Um telemóvel IPHONE, preto, contendo no seu interior um cartão da rede J…,
3. Um telemóvel Nokia, contendo no seu interior um cartão da rede J… e,
4. Um molho de chaves, com 15 chaves diferentes, entre as quais as da porta da entrada do prédio sito na Rua … em Gaia.
O telemóvel Nokia pertencia ao arguido C… que o havia adquirido com os proventos da actividade de tráfico a que se dedicava e servia para contactar com os compradores, fornecedor do estupefaciente e ainda com o arguido B….
III.
Ainda nesse dia, pelas 19h45min., foram encontrados e apreendidos na residência do arguido B…, sita na Rua …, n.º …, R/C, Porto:
Na sala:
I. diversos papéis, relacionados com facturas,
II. um telemóvel, marca Samsung … e um IPHONE modelo …...
No quarto de dormir:
III. uma câmara digital Nikon, modelo …, ………, com duas objectivas e mochila de transporte;
IV. 26 relógios de diversas marcas e modelos,
V. uma caixa em couro castanho e tampo de vidro própria para acondicionar colecções de relógios e,
VI. a quantia de € 1.000,00 (mil euros), proveniente das vendas de heroína e cocaína efectuadas pelos arguidos C… e B…, e diversos papéis e documentos guardados no interior de um cofre.
IV.
Nas mesmas circunstâncias de tempo, foi apreendido o veículo automóvel Mini, …, com a matrícula ..-MV-.., que o arguido B… utilizava, onde foram encontrados e apreendidos:
- O documento único do veículo, em nome do arguido B…;
- Certificado de seguro em nome de K…; e
- Vários documentos e facturas – factura da EDP e água em nome de I… e referente à casa de “recuo”, sita na Rua …, n.º …, …, Porto e,
- um relógio da marca TW Stell, de cor preta.
Ainda naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido B… detinha:
- a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros) em notas do BCE; proveniente das vendas de estupefaciente efectuadas;
- um telemóvel da marca Nokia e um IPHONE;
- uma chave própria para viatura da marca Mini; e
- um porta-chaves, com a letra D, contendo várias chaves, entre as quais se encontravam as 3 chaves que dão acesso ao apartamento da Rua …, n.º …, …, Porto (casa de recuo).
V.
Pelas 19h00 daquele dia, foram encontrados e apreendidos na residência do C…, sita na Rua …, n.º …, casa ., Porto:
No quarto:
- a quantia de € 2.300,00 (dois mil trezentos euros), em notas do BCE, que se encontrava no cofre situado no interior de um dos roupeiros
- um relógio da marca Maverick, acondicionado no respectivo estojo;
- a quantia monetária de € 1.810,00 (mil e oitocentos euros), em notas do BCE, que se encontrava no interior de uma bolsa, colocada dentro de um dos armários;
- a quantia monetária de €210,00 (duzentos e dez euros), em notas do BCE, acondicionada numa bolsa feminina;
- um recibo da "L…", em nome do arguido C…, relativo à aquisição de um fio em ouro e um pingente de 26 diamantes num total de €788,
- um televisor LCD de 37”, da marca Samsung
- um tablet da marca Samsung, modelo …
- um I-Pad Apple, com a respectiva capa;
Na sala:
- Um computador portátil HP, modelo …;
- Um televisor LCD 55”, marca Samsung;
- Um monitor para computador da marca Asus, modelo …..;
- Um leitor Blu-ray, marca Samsung;
- uma consola de jogos, da marca SONY, modelo …;
- uma consola de jogos, da marca X-box, modelo …;
- duas colunas de som, da marca BOSE;
- dois recibos de depósito da E…, nos valores de €4.000,00 e €5.000,00, respectivamente, efectuados na conta pertencente a C…;
- várias facturas/recibos de bens/produtos adquiridos pelo arguido C… com os proventos da actividade de venda de estupefaciente;
- nota de encomenda de mobiliário em nome do arguido C… e,
- duas cadernetas da E… em nome do arguido C….
O dinheiro apreendido pertencia ao arguido C… e era proveniente da actividade de tráfico a que se dedicava.
VI.
Ainda nesse dia, foi apreendida a viatura da marca Smart, modelo …, pertencente ao arguido C….
VII.
Para além das viaturas acima referidas, os arguidos C… e B… ainda possuíam outras.
Assim foram ainda apreendidas as seguintes viaturas:
- pertencentes ao C… e por ele adquiridas:
viatura da marca Audi .., com a matrícula ..-MH-.., na qual foram apreendidos uma factura da J…, um recibo de seguro e o documento único referente à viatura;
. viatura, marca Audi .., com a matrícula ..-LS-..
- pertencente ao arguido B… e por ele adquirida.
viatura, marca Seat, modelo …, com a matrícula ..-GS-...
VIII.
No dia 15 de Maio de 2013, pelas 18h55min., na residência da arguida M…, irmã do arguido B…, sita na Rua …, n.º .., Porto, foram encontrados e apreendidos: (…)
O produto estupefaciente apreendido e acima mencionado pertencia à arguida M….
IX.
Também nesse dia, pelas 20h00min., na habitação pertencente à mãe do arguido C…, sita na Rua …, n.º .., .º dtº, Porto, e por este utilizada para guardar produto estupefaciente, foi encontrado e apreendido um saco vermelho que, momentos antes havia sido lançado para o exterior da residência pelo N…, cunhado do arguido C…, e que, de imediato, foi recuperado pelos Inspectores da PJ e no qual continha:
- uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 149,115 gramas e,
- uma embalagem de bicarbonato de sódio com o peso bruto de 301,184 gramas (substância de corte).
Com excepção da exploração pelo arguido C… da loja F…, os arguidos C… e B… não possuíam qualquer actividade profissional estruturada para além da actividade de tráfico de estupefacientes de onde lhes vinham todos os proventos.
Os produtos estupefacientes apreendidos nas habitações, sitas na Rua … e na Rua …, pertenciam aos arguidos C… e B… que os destinavam à venda a terceiros mediante contrapartida monetária de valor não apurado.
Os arguidos C… e B… detinham os produtos estupefacientes, nas datas acima indicadas com vista à sua venda a terceiros, por um preço superior ao da sua aquisição e com vista a auferirem, como auferiram, o lucro correspondente.
Sendo que, só por força da descrita intervenção policial os arguidos C… e B… não concretizaram a venda da parte dos produtos que lhes veio a ser apreendida.
Conheciam os arguidos C… e B… a natureza e as características das substâncias estupefacientes que compravam, vendiam e/ou tinham na sua posse e não ignoravam que a respectiva compra, detenção e venda lhes estavam legalmente vedadas.
(…) Agiram todos os arguidos C…, B… e M… de forma livre e consciente, sendo que o C… e B… fizeram-no de comum acordo e em conjugação de esforços, sabendo todos eles que as suas condutas não eram permitidas por lei.
***
Da liquidação para perda ampliada de bens
Quanto ao arguido B…:
O arguido B… viveu em união de facto com K…, comungando de mesa, cama e habitação desde pelo menos 1999, tendo entretanto casado com a mesma em Março de 2010, sob o regime de comunhão de adquiridos.
O arguido B… foi beneficiário do Rendimento Social de Inserção, nos seguintes períodos:
- entre Janeiro de 2008 a Dezembro de 2008 – o valor global de €4.120,56
- entre Janeiro a Julho de 2009, o valor global de € 3236,45
- entre Agosto 2009 a Fevereiro de 2010 – o valor global de € 2536,45
- entre Março de 2010 a Julho de 2010 – o valor global de € 1853,85 - de Julho de 2010 até Julho de 2012 – o valor global de € 7079,04
num valor total de € 18 826,35
O arguido B… declarou, conjuntamente com a sua esposa K…, perante a administração tributária:
- no ano de 2010 – a quantia de € 2.956,46 de rendimentos.
- no ano de 2011 – a quantia de €2.651,42 de rendimentos.
Apesar de ter auferido apenas estes rendimentos de origem lícita, o arguido B… ainda possui o seguinte património:
Foi titular de contas de depósitos à ordem no O… e da E…, nas quais foram registados movimentos bancários/financeiros a crédito no valor total de € 31.095,53
No ano de 2012, o arguido B… adquiriu uma viatura, marca Mini, com a matrícula ..-MV-.., avaliada em € 25.000,00, apreendida nestes autos
Em 2011, adquiriu a viatura Seat …, com a matrícula ..-GS-.., no valor de € 13.000,00, apreendida também nestes autos e,
Em 2013, uma viatura da marca Renault …, com a matrícula ..-..-VF, no valor de 3.500,00.
Em Abril de 2013, o arguido B… arrendou, por intermédio do seu cunhado, uma habitação, sita na Rua …, n.º …, pelo período de seis meses, tendo sido paga metade da renda total, no valor de 780,00.
Quanto ao arguido C…:
Este arguido viveu em união de facto com D…, desde pelo menos 2009, comungando de mesa, cama e habitação.
O arguido C… adquiriu, em compropriedade com a sua companheira, um imóvel sito na Rua …, n.º …., avaliado em € 44.750,00 onde explorou, desde pelo menos Fevereiro de 2013, uma loja de desporto, denominada “F…”.
Declarou perante a administração tributária rendimentos nos anos de 2010 e 2011, respectivamente de € 6.300,00 e € 700.
A loja supra descrita, facturou no primeiro mês de actividade 772,47 euros, no 2° trimestre (Abril, Maio Junho 8.016,40 euros), no 3° trimestre (Julho, Agosto e Setembro) 6.032 euros e no 4° trimestre 5.523.72 euros. Isto é, desde a abertura a loja facturou 20.351,42 Euros.
Foi titular, assim como a sua companheira, de contas de depósitos à ordem na E…, nas quais foram registados movimentos bancários/financeiros a crédito no valor total de € 130.129,09 (C… no valor de € 79.135,12 e D… no valor de € 50.993,97).
No ano de 2010, o arguido C… adquiriu dois imóveis sitos na Rua …, n.º …, Porto, no valor de €51.275,55, tendo transmitido a propriedade para a companheira D… em Setembro de 2013, de um destes imóveis (a casa . do n.º …), pelo valor de € 58.000,00.
O arguido C… ainda adquiriu:
- no ano de 2011, uma viatura, de matrícula ..-LS-.., marca Audi .., avaliada em cerca de €22.000,00;
- no ano de 2012, a viatura, marca Opel …, com a matrícula ..-AX-.., avaliada em €6.000,00 e,
- no ano de 21013 a viatura, marca Smart …, de matrícula ..-NN-.., avaliada em €12.000,00 .
A companheira do arguido, D…, que não apresentou qualquer rendimento lícito, desde 2009, nem beneficiou de qualquer prestação social, registou em seu nome em 2011 a viatura da marca Audi .., com a matrícula ..-MH-.., no valor de €19.000,00 e em 2013 a viatura Seat …, com a matrícula ..-EI-.., no valor de €11.000,00.
Em Abril de 2013, o arguido C… arrendou, por intermédio do cunhado do arguido B…, uma habitação, sita na Rua …, n.º …, pelo período de seis meses, tendo sido paga metade da renda total, no valor de €780,00
Outros factos
O arguido B… tem 35 anos de idade e é casado. O processo de crescimento e de socialização de B… decorreu no agregado de origem, composto pelos dois irmãos e os pais. A dinâmica funcional familiar era gerida pelo pai, figura com autoridade baseada em valores tradicionais, impondo uma atitude educativa rígida, em contraste com a da mãe, protectora e desculpabilizante. Durante a frequência do 2º ciclo da escolaridade registou várias retenções, por desinteresse, pelo que os pais o retiraram da formação para iniciar a inserção laboral na construção civil, por conta de um vizinho, e especializou-se como pintor. O agregado estava inserido no bairro social do …, conotado com elevada incidência de problemáticas sociais relacionadas com o consumo e o negócio ilegal com drogas, e este contexto terá potenciado a situação reclusão de B… aos dezasseis anos, privado de liberdade durante catorze meses, por crime de tráfico de estupefacientes. Quando iniciou o cumprimento do período de seis meses do serviço militar obrigatório, já estava afectivamente relacionado com o actual cônjuge, então grávida do primeiro dos três filhos que conceberam, tendo ele integrado o espaço do agregado de origem dela. Tinha cerca de vinte e dois anos quando no âmbito de queixas ao nível da saúde foi detectado estar afectado com a doença de Crohn, situação que promoveu a alteração de comportamentos a nível pessoal, cessando adições, alguns hábitos alimentares, e também laboral, pela realização de actividades mais leves, e começou a receber o rendimento social de inserção. Há cerca de dez anos o arguido e respectivo agregado autonomizaram a residência na morada actual, e há quatro formalizou pelo casamento a relação que mantinha, pelo que cessou a atribuição do rendimento social, já que o cônjuge prestava trabalho em situação formal com descontos. À data da reclusão actual, o arguido estava integrado no seu agregado constituído, composto pelo cônjuge e os três filhos, com idades de 14, 11 e 8 anos, sendo a dinâmica descrita por aquela como equilibrada, e normal o relacionamento conjugal, descrevendo o arguido como colaborante no acompanhamento educativo e nos cuidados a prestar aos descendentes. Actualmente existe a intenção de ambos na continuidade da vida em comum, sendo que o cônjuge comparece nas visitas semanais autorizadas. A economia familiar estaria equilibrada, baseada no rendimento laboral do cônjuge, €515, nos ganhos variáveis do arguido nas actividades remuneradas no âmbito da construção civil, por conta de uma empresa de mudanças e na comercialização informal de viaturas usadas, não colectado, e nos abonos de família respeitantes aos filhos. A habitação de tipologia 2 é arrendada, dotada com condição de habitabilidade, correspondendo ao rés-do-chão da casa da senhoria. Do ponto de vista familiar, o conhecimento do presente processo e dos factos imputados ao arguido causou forte impacto, pela surpresa e desgosto sentido pelo cônjuge e pela mãe, e ainda pelas consequências negativas para a economia e dinâmica familiares, destacando-se a falta de apoio aos filhos que anteriormente era prestado pelo arguido. O arguido reconhece o significado penal que representam os factos dos autos, assim como inventaria a existência de vítimas/lesados como consequência do negócio ilegal com drogas, enquanto revela a expectativa que em julgamento fique esclarecido o nível do seu pretenso envolvimento. Os co-arguidos são seus familiares directos e por afinidade, pelo que mantinham relacionamento próximo. No cumprimento da medida de coacção tem apresentado uma postura de respeito face ao regulamento interno e adaptada no relacionamento interpessoal com funcionários e outros reclusos. Concretizou o interesse em aproveitar o tempo na instituição ensaiando a ampliação de competências escolares, pelo que se inscreveu e frequenta o 2º ciclo, com assiduidade e empenho.
Do CRC do arguido B… não constam condenações.
O arguido C… tem 34 anos de idade e é divorciado. C… é o segundo novo da prole de quatro da união dos progenitores, em agregação familiar perturbada pela toxicomania agressiva paterna e ocorrência de episódios de violência contra a figura materna, agravada pelos constrangimentos financeiros decorrentes dos reduzidos rendimentos maternos, activa como auxiliar num Lar de Idosos, e pelas convivências sociais estabelecidas no meio comunitário de residência como o do Bairro … do Porto. Habilitado com o 7º ano de escolaridade iniciou actividade laboral enquadrado naquela instituição prosseguida durante um ano seguida de um período de 3 anos de inactividade, período coincidente com parte do tempo em que esteve preso preventivamente entre 25-11-1997 e 05-07-1999, à ordem do processo 2819/97.9, no qual estava acusado da autoria de um crime de tráfico de estupefacientes. Recuperada a liberdade, C… retornou ao meio familiar e estabeleceu vivência em união de facto com a sua namorada e dedicou-se ao desempenho de diferentes actividades como as de electricista e de operário de construção civil, em regime de biscates, em conjunto com familiares da companheira. Contraído o matrimónio no ano de 2004, o casal procurou concretizar a autonomização conjugal em agregado independente em vivência diária suportada pelos rendimentos auferidos pelo arguido naquele tipo de tarefas conseguindo suprir as necessidades básicas dos dois adultos e do filho entretanto nascido com diversas actividades laborais como a exploração de estabelecimento de cafetaria e de uma peixaria. Condenado na pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes em 29-10-2002, deu entrada no Estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo em 14-03-2005 para cumprir aquela pena. O percurso penal decorreu de modo adequado e empenhado na ocupação laboral tendo beneficiado de diversas medidas de flexibilização de pena e da concessão da liberdade condicional em 01-10-2007 e o período subsequente de acompanhamento efectuado pela equipa da DGRSP do Porto Penal 1, C… voltou a corresponder às obrigações impostas com alteração do local de residência do agregado do cônjuge para o da progenitora por ocorrência da ruptura conjugal. Divorciado desde 2008, o arguido estabeleceu outro relacionamento com a actual companheira e dedicou-se a diversas actividades laborais consoante as oportunidades laborais obtidas através de empresas de trabalho temporário bem como dos familiares da ex-cônjuge. Em 24-03-2010 foi concedida a liberdade definitiva. À data de ocorrência dos factos inscritos na acusação proferida nos autos, C… mantinha o relacionamento com a actual companheira em agregado próprio composto pelo filho do casal, dedicando-se o casal a exploração da loja de Desporto, sita na Rua …, …., Porto, em regime de parte parcial do horário de funcionamento da respectiva loja. Mantinha relacionamento com os familiares do ex-cônjuge e com o filho mais velho, menor que integrava o seu agregado aos fins-de-semana. C… apresenta as aptidões psíquicas e físicas que lhe permitem desempenhar actividade laboral, ter noção do trajecto de vida empreendido e beneficiar do suporte afectivo, material e familiar prestado pela sua companheira, com agregado na Rua …, … Casa .. Porto, e poder retomar as funções anteriores, primeiramente em apoio à loja de desporto. C… é um indivíduo educado e prestativo pelo que mantém sempre uma relação social de cordialidade. C… encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto desde o passado dia 17-05-2013, à ordem dos presentes autos, acusado da co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes. Conhecedor do ambiente de encarceramento C… facilmente se adaptou ao disciplinado exigido e estabeleceu os seus objectivos de ocupação do tempo frequentando o curso de mecânica automóvel com dupla certificação do 9º ano de escolaridade. Com a presente reclusão a companheira do arguido teve que recorrer ao apoio da uma sua familiar para concretizar o horário da loja. As sucessivas intervenções do sistema de administração da justiça impostas ao arguido desde os seus 17 anos de idade não foram suficientes à emergência dos necessários censores de modelação da conduta e de afastamento da actividade criminal, dos malefícios dos fenómenos do narcotráfico e da toxicodependência. Ainda que se responsabilize pelos seus actos, as consequências dos mesmos são unicamente avaliadas pelos danos tiveram nas pessoas próximas, principalmente no futuro da companheira e dos seus filhos.
Do CRC do arguido C… constam as seguintes condenações: (…)
(…)
*
B) Factos Não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
- Que pelo menos, desde finais de Agosto de 2011 que os arguidos B… e C… se vêm dedicando ao tráfico de estupefacientes.
- Que em Agosto de 2011 os arguidos B… e C… arrendaram uma casa, sita na Rua …, em Vila Nova de Gaia e acordaram com o arguido I… que este celebraria, em seu nome, o contrato de arrendamento daquela habitação, não obstante incumbir àqueles dois arguidos (C… e B…) todos os encargos relativos a tal arrendamento (nomeadamente pagamento das rendas).
(…)
- Que com o propósito de dissimular a actividade de tráfico de estupefaciente e os proventos auferidos com a mesma, o arguido C… possuía, desde Fevereiro de 2013, uma loja de desporto, denominada, “F…”, sita na Rua …, …., loja …, nesta Cidade e Comarca.
- Que o rádio CD, marca KUNFT, modelo …, apreendido na Rua …, nº …, Porto foi a adquirido com os proventos da actividade de tráfico a que se dedicavam os arguidos C… e B….
- Que o computador portátil, Samsung, modelo … com mala própria, da marca “Salsa” e o telemóvel IPHONE, preto, foram adquiridos proventos da actividade de tráfico a que se dedicava o arguido C… e serviam para contactar com os compradores, fornecedor do estupefaciente e ainda com o arguido B….
- Que o telemóvel, marca Samsung … e IPHONE modelo ….., apreendidos ao arguido B… eram utilizados para contactar o arguido C…, compradores e fornecedor do estupefaciente e foram comprados com os proventos da actividade de tráfico a que se dedicava.
- Que a câmara digital Nikon, modelo …, ………, com duas objectivas e mochila de transporte e os 26 relógios de diversas marcas e modelos e a caixa em couro castanho e tampo de vidro própria para acondicionar colecções de relógios, apreendidos ao arguido B… haviam sido adquiridos com os proventos da actividade de tráfico a que se dedicava.
- Que o arguido B… utilizava o veículo automóvel Mini, …, com a matrícula ..-MV-.., na actividade de tráfico de estupefacientes.
- Que o relógio da marca TW Stell, de cor preta, foi adquirido com os lucros da actividade de trafico desenvolvida pelo arguido B….
- Que o telemóvel da marca Nokia e um IPHONE, foram adquiridos pelo arguido B… com os ganhos obtidos na venda de estupefaciente e que serviam para contactar com o arguido C…, bem como com o fornecedor e compradores de tais produtos;
- Que os telemóveis apreendidos ao arguido C… foram, pelo mesmo, adquiridos com os lucros da actividade de venda de estupefaciente e serviam para estabelecer contactos com o arguido B… bem como com os compradores e fornecedor da tais produtos.
- Que os restantes objectos acima mencionados e apreendidos na residência do arguido C… pertenciam-lhe e foram por ele adquiridos com o dinheiro obtido nas vendas de heroína e cocaína.
- Que a viatura da marca Smart, modelo …, …, pertencente ao arguido C…, era por ele utilizada na actividade de tráfico de estupefaciente e que foi adquirida com os lucros provenientes da mesma.
- Que a viatura da marca Audi .., com a matrícula ..-MH-.. e a viatura, marca Audi .., com a matrícula ..-LS-.., pertencentes ao C… foram por ele adquiridas com os proventos da actividade de tráfico.
- Que a viatura marca Seat, modelo …, com a matrícula ..-GS-.., pertencente ao arguido B… foi por ele adquirida com os proventos da actividade de tráfico.
(…)
- Que a actividade de exploração da loja F…, pelo arguido C…, servia apenas para dissimular a actividade de tráfico a que se dedicava em conjugação de esforços com o arguido B….
(…)
- Que o arguido B… tem outros rendimentos além dos supra descritos.
- Que o veiculo automóvel Seat … não está pago na íntegra.
- Que o veículo Clio foi adquirido por 2500 euros depois da apreensão do seu veículo habitual, para as deslocações para o trabalho.
- Que o veículo Mini foi comprado, tendo sido dado em troca o veículo Smart.
- Que todas as aquisições do arguido B…, nomeadamente a do veículo de marca Mini, são o investimento de rendimentos com origem licita: subsídios ou vencimentos.
- Que o arguido C… trespassou um café em finais de 2009 pelo valor de 30 mil euros.
- Que parte do dinheiro apreendido na rua … era proveniente da venda de viaturas, das vendas efectuadas na loja, nomeadamente 1,810 euros, e 210 euros, acondicionados no interior de uma bolsa feminina, referentes a uma parte do rendimento auferido pela companheira do arguido C… na sua actividade profissional.
- Que os depósitos da E…, correspondem a valores de facturação que a loja apurou e foram utilizados para o pagamento a fornecedores das marcas de desporto com quem trabalha.
- Que a viatura Audi .., com matrícula ..-LS-.., foi adquirida pelo arguido C… através de financiamento bancário em 13-04-08, no montante de 23 mil, setecentos e dezassete e 70 cêntimos, estando a serem pagas mensalmente as prestações em dívida, no montante de 405.38 €, contrato que terá o seu fim em 13 de Março de 2015.
- Outros factos que se encontrem na acusação ou nas contestações e não se encontrem descritos entre os provados, se encontrem em oposição com estes, ou constituam mera repetição, matéria instrumental, irrelevante ou conclusiva.
*
C) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, a qual segundo as regras da experiência e do normal suceder das coisas, foi suficiente para, além da dúvida razoável, dar por assentes os factos que resultaram provados, nomeadamente quanto à matéria imputada aos arguidos C…, B… e M….
Com efeito, conjugando as declarações parcialmente confessórias dos arguidos C… e B… com os depoimentos das testemunhas de acusação, inspectores da Polícia Judiciária que relataram as diligências em que participaram e que se encontram documentadas nos autos, a que acresce o resultado das apreensões bem como com as regras do normal suceder das coisas e da prática habitual do tráfico de estupefacientes, chegou o tribunal aos factos que resultaram provados. Muito relevante também para a apreensão e compreensão da dimensão da realidade em apreciação nos autos, além das elevadas quantidades de estupefaciente apreendidas, bem como dos instrumentos e produtos destinados à sua preparação, foi o documento fls. 217 e segs., o qual só por si e explicado pelo arguido C… nas suas declarações revela a dimensão das quantidades e valores de estupefaciente em causa (só nesse documento atinge-se um valor de cerca de 130.000 €).
Também quanto aos factos referentes ao incidente de liquidação, a prova documental junta, nomeadamente a constante do apenso do GRA e do Apenso I, é reveladora dos movimentos e activos e passivos encontrados. É, também de ter em especial conta, a quase ausência de (ou os muito baixos) rendimentos lícitos conhecidos e os valores elevados dos patrimónios revelados na documentação junta.
Quanto aos factos não provados e em especial quanto aos factos imputados ao arguido I…, a prova produzida não se mostrou suficiente para que, além daquela dúvida, o tribunal os pudesse dar por provados.
(…)
Assim e descendo aos concretos meios de prova o Tribunal teve em conta, designadamente:
As declarações do arguido B… que tiveram relevo na parte em que se mostraram convincentes, começando por dizer que não falava da actividade dos outros arguidos, tendo confessado parcialmente os factos, relatando nomeadamente que está envolvido nos factos relativos à casa sita na Rua …, nomeadamente que levava droga às pessoas e recebia dinheiro, que guardava a casa a Rua … e que vigiava essas casa. Referiu que no dia da detenção (15 de Maio e 2013) foi ter com uma pessoa, que trouxe dinheiro e que discutiu porque tal pessoa dizia que a droga não prestava, tendo o arguido levado a droga e colocado a mesma numa mochila, tendo posto o saco no lixo. Referiu ainda que levava embrulhos que lhe pediam pare levar, o que ocorreu duas ou três vezes desde Abril d 2013. Referiu também que no dia 8 de Maio de 2013 um senhor de Braga lhe entregou dinheiro referente a droga que tinha entregue uns dias antes. Referiu ainda que pediu ao arguido I… para arrendar a casa, o que ocorreu no mês de Abril, que não lhe disse para que é que queria a casa e que foi o arguido e o arguido C… que pagaram a renda da casa, sendo que o arguido I… entregou o dinheiro à senhoria. Referiu ainda que só entregava a droga e arrumava a casa, não preparava a droga. Referiu também que não escreveu nada no bloco de apontamentos apreendido nos autos. Mencionou ainda que os 1.000€ apreendidos eram provenientes do tráfico. Referiu depois que o Mini foi adquirido com a venda do Seat; que tinha 2 telemóveis comprados com dinheiro próprio; e que o Seat … é da mulher; acrescentou que vendia automóveis por conta própria; e que em Abril surgiu a oportunidade e «meteu-se nisto», encontrando-se arrependido. Mencionou ainda que decidiram alugar a casa para guardar lá a droga, e que não conhece a casa da Rua … em Gaia.
As declarações do arguido C…, que foram tidas em conta na parte em que se mostraram convincentes, tendo confessado parcialmente os factos. Referiu que iniciaram a actividade de tráfico em Abril de 2013, transacionando heroína e cocaína. Mencionou que arrendou a casa de Gaia para servir de casa de recuo, mas que não a chegaram a utilizar porque tinha sido assaltada. A casa da Rua … funcionava como «casa de recuo» para guardar a droga e instrumentos e preparar a droga, tendo sido arrendada em nome do arguido I…, mas que era o declarante e o arguido B… que pagavam e utilizavam, não tendo dito nada ao I… para que é que queriam a casa, tendo este confiado e aceite ficar como arrendatário. Que lhe entregaram dinheiro e este pagou seis meses de renda. Referiu que sempre teve a loja de artigos de desporto em laboração, para ganhar dinheiro e que tinha actividade laboral e do crime. Mencionou ainda que em 8.05.2013 houve uma transacção ligada à actividade de tráfico. Referiu que no dia 15.05.2013 estiveram (o declarante e o arguido B…) na casa de recuo a preparar estupefaciente. Quanto aos bens apreendidos no seu estabelecimento, referiu que o telemóvel Nokia foi comprado com dinheiro do tráfico, mas que o computador e o Iphone não. Quanto à apreensão realizada em sua casa referiu que tinha dinheiro da economia do seu trabalho, nomeadamente 1810 € do apuro da Loja e 2.300 € de vendas de carros. Quanto aos demais «objectos apreendidos» referiu que o único dinheiro que obteve do tráfico consiste em dois depósitos, um de 4.000 € e outro de 5.000 €. Mencionou ainda que o Audi .. não é seu, tendo sido comprado pela D… e que o Audi .. o tem desde 2008. Referiu que a droga que foi apreendida em casa da sua mãe pertencia ao declarante. Referiu ainda que vive com D… desde 2009 e que comprou a Loja em 2012, e os imóveis em 2010. Que vendeu a casa a D… e que esta pagou com dinheiro da sua (dela) avó. Referiu que teve sempre actividade laboral, nomeadamente como vendedor de automóveis desde que saiu da cadeia em 2007. Acrescentou em relação ao negócio de tráfico de estupefacientes que dividiam (o declarante e o arguido B…) o dinheiro de maneira igual, sendo que a droga lhes chega às mãos à consignação, sendo fornecida ao preço de 22.000€ (Kg de heroína), vendendo por 23.000€/23.500€, que em cada kg metiam 100/200 gr. de «traço»; sendo as despesas partilhadas pelos dois. Explicou ainda pormenorizadamente os apontamentos constantes de fls. 217 e segs., nomeadamente o valor do montante do material recebido (valor de venda), nomeadamente que receberam no total, de acordo com os apontamentos, 130.000 € de estupefaciente. Referiu ainda que a companheira trabalha, auferindo o salário mínimo e que a Loja custou 16.000 €, tendo o declarante pago 8.000 € e a companheira 8.000 €; que a casa da rua … custou 40.000 € e a outra casa 12.000 €. Referiu ainda que em 2008 explorou um café na Rua … e que o trespassou a P… por 30.000 €, em duas prestações de 15.000 €. Referiu que comprou as casas da rua … a prestações ao Sr. Q…, que pagou em dinheiro com dinheiro obtido do trespasse do café e da venda de automóveis à comissão. Em relação ao veículo Audi referiu que vendeu a primeira carrinha Audi e fez um empréstimo para adquirir a segunda Audi.
O depoimento isento e sincero de S…, Inspector da Policia Judiciária, a quem estava distribuído o processo, e que referiu o modo como se iniciou o processo, bem como as diligências efectuadas e aquelas em que interveio. Referiu a vigilância de 15.10.2012 (RDE de fls. 18) e que no dia da detenção o arguido C… ainda tinha a chave da porta de entrada do prédio de Gaia. Referiu-se À vigilância do dia 8.05.2031, encontro entre o arguido B… e o «H1…», com entrega ao arguido B… de um objecto. A vigilância do dia 15.05.2013, as movimentações e a discussão entre o arguido B… e o «H1…». Referiu-se ainda às buscas realizadas e ao facto de a arguida M… ser consumidora de «haxixe».
O depoimento sincero e isento de T…, Inspector da Polícia Judiciária, que relatou as vigilâncias que efectuou, as quais confirmou e se encontram documentadas nos autos.
O depoimento sincero e isento de U…, Inspector da Polícia Judiciária, que referiu a sua intervenção no processo, nomeadamente no dia da intercepção dos arguidos, a vigilância e abordagem ao arguido B… na Rua … e as anteriores movimentações deste nesse dia. Referiu ainda a busca à casa do arguido B…, a busca à residência da arguida M…, a sua ida à loja do arguido C… no V… próximo da Junta de freguesia ….
O depoimento sincero e isento de W…, Inspector da Polícia Judiciária, que referiu as diligências em que interveio, nomeadamente no dia das detenções, a vigilância que efectuou, as movimentações que observou, a busca domiciliária à residência do arguido B….
O depoimento sincero e isento de X…, Inspector da Polícia Judiciária, que relatou as diligências em que interveio, nomeadamente relatando as vigilâncias que efectuou aos arguidos, que se encontram documentadas nos autos e que confirmou; bem como as buscas em que interveio (casca de recuo da Rua …, residência da arguida M… e Loja de desporto do arguido C…). Referiu ainda que nas investigações não detectaram qualquer ocupação laboral dos arguidos C… e B….
O depoimento sincero e isento de Y…, Inspector da Polícia Judiciária, que relatou as diligências em que interveio, nomeadamente as vigilâncias dos dias 29.11.2012 e 13.05.2013, bem como a busca a casa do arguido C… e a busca à residência da mãe do arguido C….
O depoimento isento e sincero de Z…, Inspector da Polícia Judiciária, que relatou as diligências em que interveio, nomeadamente as vigilâncias que efectuou nos dias 8.05.2013 e 15.05.2013, e as movimentações que observou, bem como a busca realizada na «casa de recuo», a busca a casa do arguido C… e a busca em casa da mãe do arguido C….
O depoimento isento e sincero de AB…, Inspectora da Polícia Judiciária, que relatou as diligências em que interveio, nomeadamente as vigilâncias do dia 8.05.2013 e 15.05.2013, bem como as movimentações observadas. Referiu ainda a busca a casa da mãe do arguido C….
O depoimento isento e sincero de AC…, que arrendou o apartamento da Rua … ao arguido I… por um período de 6 meses, pelo preço de 760 € que foi todo pago de uma só vez pelo arguido I… que se encontrava na companhia do arguido B….
O depoimento de AD…, amigo do arguido B…, que referiu ser amigo do arguido B… e que referiu as condições pessoais deste e o carácter deste. Referiu que o ajudou na compra e venda de automóveis e referiu-se ao negócio da compra pelo B… do veículo «Mini», mas de modo algo confuso e pouco convincente.
O depoimento de P…, empregado de mesa e que referiu que falou com o arguido C… em 2009 e que ficou com o café por 30.000 €, tendo passado cheques pré-datados para o pagamento do trespasse em prestações de 5.000 €, mas o seu depoimento foi algo confuso, chegando a esquecer-se do nome da rua e depois a referir que teve o café à exploração com um cunhado, referindo um documento de rescisão junto aos autos, mas que esse documento afinal era duma primeira rescisão. Assim, o seu depoimento pouco interesse teve.
O depoimento de AE…, TOC, que presta serviços de contabilidade ao arguido C… e à sua companheira D…, tendo referido que a «F…» se encontra em nome do arguido C… e que se dedica à venda de artigos de desporto, confirmando o teor do documento de fls. 1391, relativo à facturação da Loja, cujos valores aí inscritos foram retirados dos mapas mensais da caixa registadora.
O depoimento de Q…, industrial de obras, que conhece o arguido C…, sendo amigo do pai deste, tendo referido que vendeu a este a casa n.º . do n.º … da Rua … pelo preço de 40.000 € e que o preço da venda é o que consta da escritura.
Importante também foi a prova pericial, designadamente Exames periciais de fls. 856-860 e o Auto de exame pericial de fls. 1134-1137.
Teve também o Tribunal em conta a prova documental dos autos, designadamente: o Auto de apreensão de fls. 241, 269, 289, 342; Auto de busca e apreensão de viatura de fls. 323-324, 330-331, 347-348, 359; 3. Auto de busca e apreensão de fls. 191-192, 242-243, 246-247, 299-301, 366-367, 380-381; Teste rápido de fls.223-224, 226-227, 229-230, 232-233, 235-236, 238-239, 349, 370-371; 5. Reportagem fotográfica de fls.193-204, 225, 228, 231, 234, 237,240, 350, 368-369, 1003; Certidão de fls. 582-660; Relatório de inspeção judiciária de fls. 823-841, 967- 969 e 988-998; Auto de revista e apreensão de fls. 293; Exame as viaturas de fls. 1010-1037; Auto de exame e avaliação de objectos de fls. 1094-1096, 1115; Documentos de fls. 205-222, 248-265, 70-288,290-292, 302-322, 325-329, 332-341, 351-358, 360-362, 880-882, 898-927; Relatórios de diligência externa de fls. 18, 22-23, 27-28, 33, 37, 160-163, 180-189. Apenso I – documentação respeitante à consulta à base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira relativa aos arguidos C… e B…. Anexo I – documentos relativos aos rendimentos declarados, bens móveis e imóveis e movimentos a crédito, relativos aos arguidos C… e B…. Doc. de fls. 1377; 1379-1382; fls. 1391; 1392-1415; 1470;1471-1501;1530-1534; 1699-1707;1708-1715; 1716-1717;1718-1722, 1713-1735, 1736-1737.
Quanto às condições pessoais, modo de vida e antecedentes criminais dos arguidos teve o tribunal ainda em conta os relatórios da DGRS e os CRCs juntos.
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3. Apreciando e decidindo
Com vista à cabal delimitação e compreensão das questões suscitadas importa, em ponto prévio, esclarecer o seguinte:
a) Todos os recorrentes, de um modo ou outro, fazem apelo à liquidação apresentada pelo Ministério Público [bens, valores e fundamentos], às provas disponíveis [valor e credibilidade na interpretação que delas fazem] e/ou a matéria que entendem não ter resultado demonstrada.
Como é bom de ver, estando em causa a impugnação de decisão do tribunal colegial [acórdão – art. 97º n.º 2, do Cód. Proc. Penal], carece de relevo a referência à factualidade constante de quaisquer outras peças processuais para efeitos de verificação dos pressupostos legais do concreto acto questionado, ou seja a perda ampliada de património, determinada pelo tribunal a quo ao abrigo do disposto na Lei n.º 5/2002, de 11/2.
Depois, sendo consabido que os recursos não se destinam a proporcionar o “julgamento do julgamento” antes se configurando como remédios jurídicos destinados a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo especificamente indicados pelo recorrente, é também incontestável que a reapreciação da prova pelo tribunal superior apenas é permitida se houver impugnação especificada nos termos previstos no art. 412º n.º 3 [e também n.º 4 quando exista gravação da prova e se pretenda a sua análise], do Cód. Proc. Penal.
Assim, a aludida impugnação pressupõe a título necessário que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas. Havendo registo da prova a impugnação deve ser feita por referência ao consignado na acta, nos termos do art. 364º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, e com indicação das concretas passagens da gravação em que se apoia a pretensão ou, inexistindo referência em acta ao início e termo das declarações, através da transcrição dos segmentos probatórios que se entenda imporem decisão diversa, consoante jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 3/2012, de 8/3/2012.[3]
In casu, nenhum dos recorrentes lançou mão de tal faculdade pelo que, falhando o ónus de impugnação legalmente estatuída, é impossível proceder ao cotejo da prova produzida nos autos e gravada em audiência, razão porque, neste preciso contexto, são inócuas e inatendíveis as referências que, a propósito desta ou daquela prova, aparecem nos seus requerimentos de recurso.
b) Depois, estando em causa um regime especial de perda de bens a favor do Estado [v. art. 1º n.º 1, da citada Lei n.º 5/2002], instituído como medida de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, o seu âmbito e filosofia diverge profundamente do regime geral, previsto no art. 109º e segs., do Cód. Penal, distanciando-se e prescindindo do nexo ao acto delituoso aqui essencial [tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, nos termos do n.º 1, deste normativo] e introduzindo um conceito de “património” claramente distinto e muito mais lato que o tradicional, como adiante melhor se verá. Daí que, a argumentação dos recorrentes relativamente ao facto de haver bens que não foram utilizados na actividade de tráfico, que dela não eram instrumentos ou que não foram adquiridos com proventos daí resultantes, seja manifestamente irrelevante para o fim em vista já que, a perda de bens aqui em apreço, escapa à previsão quer dos mecanismos específicos previstos nos arts. 35.º a 38.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, quer do regime geral estatuído no Código Penal, únicos que contemplam tal ligação ao facto ilícito.
Isto posto, cumpre agora descer ao caso concreto.
*
3.1 Da nulidade da decisão
3.1.1 Da insuficiência da fundamentação
Implementando a exigência constitucional e legal de fundamentação das decisões judiciais, estatuída nos arts. 205º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 97º n.ºs 1 e 5, do Cód. Proc. Penal, é requisito obrigatório da sentença criminal, a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, sob pena de nulidade, como decorre do n.º 2, do art. 374º e 379º n.º 1 a), do último diploma citado.
A enumeração da matéria de facto provada e não provada visa garantir, para além de qualquer dúvida, que o tribunal contemplou todos os factos submetidos à sua apreciação, sendo pacificamente aceite que tal obrigação se restringe aos factos essenciais à caracterização do crime/questão controvertida e suas circunstâncias juridicamente relevantes.
Por seu turno, a indicação e exame crítico das provas decorre da necessidade de potenciar a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao teor da decisão criminal e de garantir a observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção. Assim, a exigência de fundamentação, no segmento que ora nos ocupa, pressupõe que o julgador motive a convicção adquirida por referência ao acervo probatório disponível – já que não podem ser atendidas provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas na audiência – e de modo perceptível aos interessados em geral e ao tribunal superior, dispensando a referência e o resumo descritivo de todo e cada um dos meios de prova disponíveis mas impondo a exteriorização do raciocínio lógico subjacente à convicção adquirida de molde a possibilitar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado.
In casu, ambos os arguidos B… e C… aludem à insuficiência da fundamentação.
O primeiro sustenta que a decisão recorrida não explicita nem fundamenta a incongruência do património global com aquele que resulta de uma fonte lícita, invocando dúvidas sobre a proveniência de determinados bens e afirmando que outros não se relacionam, por qualquer modo, com a actividade ilícita.
Por sua vez, o segundo alega que o tribunal a quo não explicita nem fundamenta os motivos da redução da liquidação deduzida pelo Ministério Público, limitando-se a remeter para os factos provados e a concluir que o valor do património é um e o do rendimento outro pelo que o que resta se mostra incongruente, desconhecendo-se, porém, a base do recalculo e quais os bens arrestados que são abrangidos pela diferença.
É, pois, evidente que, em ambos os casos, está unicamente em causa o inconformismo dos recorrentes relativamente à convicção probatória do tribunal a quo e apreciação e subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que não se imputa qualquer omissão relevante ao elenco factual nem se aponta qualquer imperceptibilidade à opção probatória firmada na decisão.
Depois, como evidencia a motivação supra transcrita, o tribunal a quo explicitou clara e abundantemente as provas atendidas, bem como a valoração e credibilidade que lhe mereceram, e que logicamente concatenados ajudaram a firmar a convicção expressa na decisão.
Poderá discordar-se do juízo assim formulado. Porém, a questão não pode ser reconduzida à nulidade por falta/insuficiência de fundamentação.
Conclui-se, pois, que o tribunal a quo expressou em moldes adequados e suficientemente claros o processo lógico e racional que seguiu para alcançar a convicção expressa, não se mostrando a decisão recorrida inquinada pela nulidade prevista no art. 379º n.º 1 a), do Cód. Proc. Penal.
Resta a questão da nulidade densificada na alínea c), do mencionado normativo legal.
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3.1.2 Da omissão de pronúncia
O recorrente C… pretende a invalidade da decisão recorrida invocando que aí não foi devidamente contemplada determinada prova documental que fez juntar aos autos e que releva para efeitos de determinação dos seus rendimentos como decorre das declarações prestou.
Pois bem.
Como já referimos, está vedada a este tribunal ad quem a possibilidade de reapreciar a prova, já que tal não foi requerido, em tempo, sede e moldes próprios, por qualquer dos interessados.
Depois, é pacificamente aceite que a omissão de pronúncia se relaciona com o dever que impende sobre o julgador de apreciação e decisão da matéria que constitui o thema decidendum submetido à sua análise por imposição da lei ou a requerimento dos sujeitos processuais, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. Incumbe, pois, ao julgador pronunciar-se sobre questões e não sobre opiniões ou argumentos esgrimidos pelos interessados quanto a determinada matéria.
Daí que, mais uma vez, está unicamente em causa o modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma valoração que o tribunal a quo efectuou e que não coincide com a perspectiva do recorrente relativamente à graduação e credibilidade que o mesmo lhe atribui por contraponto com a diversa opção do julgador [veja-se que a motivação é bem clara quando refere que as declarações do arguido apenas foram atendidas na parte que se mostrou convincente no cotejo com toda a demais prova disponível], sendo insusceptível de traduzir uma qualquer omissão do dever de pronúncia, uma vez que ao tribunal apenas incumbe valorar as provas de harmonia com o critério legal, não tendo que analisar detidamente todo e cada um dos meios de prova disponíveis, fazer dissertações cientificas ou doutrinárias a tal propósito nem havendo graduações probatórias sobre as quais tivesse que elaborar qualquer tese especial.[4]
Tinha sim que explicar porque se baseou em determinadas provas e afastou outras, o que fez sem evidência de violação das regras de experiência, único limite imposto à sua livre convicção, ao abrigo do princípio estatuído no art. 127º, do Cód. Proc. Penal.
Nesta conformidade, tendo presente o anteriormente exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida não se mostra inquinada por qualquer nulidade tendo o tribunal a quo cumprido cabalmente a obrigação de fundamentação imposta pelo art. 374º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, e apreciado e decidido o complexo de problemas concretos sobre os quais lhe incumbia pronunciar-se.
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3.2 Da verificação dos requisitos e legalidade da determinada perda de bens
Consoante se apura do exposto, todos os recorrentes questionam o âmbito da perda patrimonial decretada na decisão recorrida, invocando, além do mais e no que ao caso interessa e ainda subsiste, ter sido ilidida a presunção legal que impendia sobre os arguidos, visto ter-se apurado que dispunham de fonte de rendimentos lícita já que sempre trabalharam, tendo sido indevidamente consideradas somas e bens pois que bem podiam daí resultar.
O arguido C… invoca ainda que não foram explicados os motivos da redução do montante da liquidação apresentada pelo Ministério Público nem os bens arrestados abrangidos pela diferença.
E a requerente D… afirma terem sido considerados nessa perda e consequente arresto bens que lhe pertencem e insusceptíveis de integrar a previsão legal da Lei n.º 5/2002.
Sendo evidente que grande parte da argumentação dos recorrentes olvida a matéria de facto considerada (definitivamente) assente, continuando a insistir em hipotéticas proveniências dos bens e valores atendidos como se tal questão permanecesse em aberto, o certo é que são invocadas algumas circunstâncias que, a verificarem-se, poderiam indiciar uma contradição da fundamentação (designadamente ao não se considerar devidamente os rendimentos de trabalho ou outra fonte lícita de rendimentos) e desta com a decisão, vício subsumível à previsão do art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, que por ser de conhecimento oficioso cumpre acautelar.
Neste conspecto, tendo já sido precedentemente transcrita a factualidade provada e não provada na decisão, e não sendo controvertida a condenação dos arguidos por um dos crimes de catálogo inseridos na Lei n.º 5/2002 [tráfico de estupefacientes do art. 21º n.º 1 – art. 1º n.º 1 a)], que estes acataram e transitou em julgado, consoante despacho e liquidação de penas que se podem ver a fls. 1890, 1891 e 1911 a 1913, vejamos agora e antes de mais os fundamentos que, neste segmento, foram atendidos pelo tribunal a quo: (transcrição)
“A Lei n.º 5/2002 consagrou um regime de perda alargada, baseado na diferença entre o património do arguido e aquele que seria compatível com o seu rendimento lícito (cfr. sobre este regime, João Conde Correia “Da Proibição do Confisco à Perda alargada” e Ana Patrícia Cruz Duarte “O Combate aos Lucros do Crime – O mecanismo da “perda alargada” constante da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro”, Dissertação de Mestrado em Direito Criminal UCP PORTO 2013).
Dispõe o artigo 7º da Lei n.º 5/2002:
«1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.»
São pressupostos da aplicação do mecanismo da perda alargada:
a) A condenação por um dos crimes do catálogo (cfr. artigo 1º, al. a) da citada Lei, no qual se inclui o tráfico de estupefacientes do artigo 21º.).
b) A existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e benefício do condenado, património este em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos.
É necessário ter em conta que a noção de património consagrada neste artigo 7º é uma noção algo ampla, abrangendo mais do que aquilo que está meramente na titularidade do condenado, compreendendo também tudo o que estiver efetivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros. Por outro lado, também estarão em causa as vantagens que o condenado auferiu no período em que vigora a presunção, independentemente do destino que tenham tido.
c) A demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos que tenham uma origem lícita.
Do exposto resulta que o artigo 7º da Lei 5/2002 estabelece uma presunção “juris tantum” tendente à aplicação desse mecanismo.
Com efeito, uma vez verificados os pressupostos atrás referidos (condenação por crime de catálogo, património, incongruente com o rendimento lícito), o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detectado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de actividade criminosa. Quer dizer, o conhecimento daqueles factos permite afirmar, com a necessária segurança, um facto desconhecido: a verdadeira origem dos bens. É nisto que se traduz a presunção da proveniência do património desconforme. O arguido pode ilidir a presunção legal, demonstrando que, afinal, apesar de todas as aparências, o património não tem nada de incongruente. Dispõe-se no artigo 9º da Lei n.º 5/2002 que a presunção poderá ser afastada através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou, provando ainda que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido.
Finalmente dispõe o artigo 12º, n.º 1 que «Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 7.º
Descendo aos factos provados, e como expusemos acima, temos de concluir por se ter preenchido o pressuposto do cometimento, pelos arguidos B… e C…, de um dos crimes do catálogo: o de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do Decreto-Lei 15/93.
Vejamos quanto ao resto.
Começando pelo arguido B… e descendo aos factos provados verificamos que o património total deste arguido é no valor global de 97.419,76 €, sendo que o rendimento lícito obtido é de 24.434,23 €. Verifica-se assim um património no valor de 72.985,53 € incongruente com o rendimento lícito, pelo que se presume nos termos da Lei 5/2002 (e o arguido não ilidiu a presunção) que este valor tem origem ilícita devendo por isso ser declarado perdido a favor do Estado.
Passando ao arguido C… e descendo aos factos provados verificamos que o património total deste arguido é no valor global de 296.154,64€, sendo que o rendimento lícito obtido é de 20.351,42 €. Verifica-se assim um património no valor de 275.803,22€ incongruente com o rendimento lícito, pelo que se presume nos termos da Lei 5/2002 (e o arguido não ilidiu a presunção) que este valor tem origem ilícita devendo por isso ser declarado perdido a favor do Estado.”
Tendo presente a apreciação que antecede e a factualidade que foi considerada provada, única que aqui pode ser invocada e atendida, cremos que a falta de razão dos recorrentes é manifesta.
Na verdade e no que concerne à equivalência que o arguido C… parece fazer entre a perda e arresto de bens [ao invocar que o tribunal reduziu o valor da liquidação pedida pelo Ministério Público sem explicar quais os bens arrestados abrangidos pela diferença] cumpre recordar que o mecanismo sob censura, previsto no art. 12º n.º 1, da citada Lei, não incide propriamente sobre bens determinados, mas sobre um valor - diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, de harmonia com o art. 7º n.º 1 – cujo pagamento pode ser garantido por meio de arresto de bens. Se o arguido prestar caução económica ou pagar o valor declarado perdido o arresto extingue-se. Caso contrário, são perdidos a favor do Estado os bens arrestados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 10º n.º 1, 11º n.º 1 e 12º n.ºs 1 a 4, do citado diploma legal.
In casu, pese embora os valores apurados na decisão não correspondam ao da liquidação, sendo inferiores, o certo é que a matéria disponível não evidencia que os bens arrestados tenham valor superior, a motivar modificação ou redução nos moldes previstos, respectivamente, nos arts. 11º n.º 2 e 12º n.º 2, da mesma lei.
No entanto e caso tal venha a comprovar-se, é óbvio que tal redução é legalmente imperativa e poderá ser objecto de apreciação e decisão no apenso de arresto caso este, entretanto, não se extinga por via do pagamento do valor declarado perdido.
Também não se vislumbra qualquer contradição entre os factos provados e os não provados e a decisão porquanto, conforme já anteriormente explicitado, na perda ampliada de bens e para efeito da presunção estabelecida no art. 7º n.º 1, o conceito de património do arguido tem uma conotação diversa e bem mais ampla que a tradicional, abrangendo bens:
i) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
ii) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
iii) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino – v. n.º 2 alíneas a) a c), do mesmo normativo.
Ora, percorrendo o teor da decisão recorrida não patenteia esta qualquer desvio a tal disciplina, sendo certo que, ao contrário do afirmado pelos recorrentes, não foi infirmada a presunção invocada pelo tribunal a quo como fundamento da decretada perda ampliada de bens.
Com efeito, tendo apurado o valor do património de cada um dos arguidos aqui recorrentes e os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita por eles auferidos, considerou-se resultar um “valor incongruente”, porque não justificado, contraditório e mesmo incompatível com tais rendimentos lícitos, montante esse que foi declarado perdido a favor do Estado.
Na verdade, não basta a prova de que os arguidos, durante o período em causa exerceram actividade profissional ou auferiram rendimentos de trabalho, sendo necessário demonstrar os rendimentos daí resultantes para afastar a presunção em causa. Assim, a mera invocação de que os depósitos e movimentações bancárias podiam resultar de rendimentos lícitos e que determinados bens foram adquiridos em momento anterior à constituição como arguido, é irrelevante para o efeito se o arguido tinha o respectivo domínio nessa data ou se os transferiu para terceiro nos moldes abrangidos pela previsão do art. 7º n.º 2 b), da mesma lei.
Resta concluir que a decisão recorrida, por si ou em conjugação com as regras de experiência, não evidencia lacunas factuais, dando como provados os factos necessários e suficientes ao raciocínio lógico-subsuntivo que integra o thema decidendum, não patenteia contradição insanável da fundamentação ou desta com a decisão, nem expõe conclusão contrária àquela que, para a generalidade das pessoas, seria a adequada. Isto é, não ostenta qualquer dos vícios, de conhecimento oficioso, elencados no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, única que poderia justificar a modificação da matéria fáctica aí descrita ou determinar o reenvio do processo para julgamento parcial atinente a alguma das questões suscitadas, nos moldes previstos nos arts. 426º n.º 1 e 431º, do mesmo Código.
Têm, pois, que decair as pretensões dos recorrentes.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, em negar provimento aos recursos dos arguidos B… e C… e da interveniente D… e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes com 4 (quatro) UC de taxa de justiça, cada um – arts. 513º n.º 1 e 524º, do Cód. Proc. Penal e 8º n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais – sem prejuízo do apoio judiciário, eventualmente, concedido.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 17 de Setembro de 2014
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio – Relatora
Maria Dolores da Silva e Sousa - Adjunta
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[1] Mantém-se a numeração original pese embora o manifesto lapso de escrita que omite o número 2.
[2] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[3] Publicado no DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012.
[4] V., a propósito, Ac. STJ de 27/5/2010, Proc. 11/04.7GCABT.C1.S1, Rel. Pires de Graça, in dgsi.pt.