Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
247/09.4TJPRT-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: VENDA EM INSOLVÊNCIA
BENS INDIVISOS
Nº do Documento: RP20101122247/09.4TJPRT-F.P1
Data do Acordão: 11/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime jurídico da venda previsto para o processo executivo constitui a matriz de toda a venda judicial.
II - O disposto no artigo 826°, 2, do CPC é aplicável ao Processo de Insolvência por força do disposto no artigo 17° do CIRE. .
III - A norma do artigo 826°, 2, do CPC é imperativa e visa acabar com a situação de compropriedade ou comunhão, além de proporcionar uma mais fácil e rentável venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 247/09.4TJPRT-F
Recurso n.º 857/10
TRP – 5ª Secção


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1 –
No processo em epígrafe, em que foram declarados insolventes B………. e mulher, C………., a credora D………., SA, requereu a venda da totalidade do imóvel, de que se encontrava apreendida metade e penhorada outra metade, em Processo de Execução a correr termos na comarca de Felgueiras (correctamente seria o direito a metade e não metade).

2 –
Este Requerimento foi indeferido.

3 –
Do Despacho de indeferimento vem interposto o presente Recurso pela D………., que nas suas Alegações formula as seguintes CONCLUSÕES:
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II – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Face à prova documental junta aos autos – certidões extraídas do processo onde foi apresentado o Requerimento e proferido o Despacho recorrido – há que ter como adquiridos para estes autos os seguintes FACTOS:

1. No processo de Insolvência instaurado contra B………. e mulher, C………., foi apreendida metade indivisa (o direito a) do prédio urbano composto de casa de habitação de dois corpos e quintal, sito no ………., freguesia de ………., concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 105 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 414, do qual os insolventes são comproprietários (ver fls. 71 e 72).
2. O registo desta apreensão foi efectuado a 7-7-2009 (ver fls. 72).
3. Em 27-7-2009 foi registada a penhora da outra metade (o direito a metade), pertencente ao comproprietário E………., no âmbito do Proc. n.º 31144/08.7TBFLG do .º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras em que é Exequente F………. (fls. 72).
4. Cada um dos processos está a aguardar a venda de ½.
5. A credora D………., SA, apresentou no Proc. de Insolvência o Requerimento de que se encontra certidão a fls. 26, no qual solicita a realização da venda da totalidade do referido prédio nesses autos, em que ocorreu o primeiro registo de apreensão, com posterior divisão do produto obtido, nos termos do artigo 826º, 2, do CPC, por tal venda se tornar, certamente, mais vantajosa para todas as partes.
6. Relativamente a este Requerimento foi proferido o seguinte Despacho:
“Pese embora se compreendam as razões invocadas pela requerente para fundamentar a pretensão que a final deduz de que nestes autos seja vendido na sua totalidade – em vez de apenas a metade relativamente à qual os insolventes são proprietários – prédio urbano composto de casa de habitação de dois corpos e quintal, sito no ………., freguesia de ………., concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 105 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 414, de todo o modo não existe fundamento legal que legitime o deferimento de tal pretensão, nem tão pouco por referência ao artº 862º, nº 2, do C.P.C. invocado pela mesma, que em concreto não tem aqui aplicação. Porque assim é, indefiro o requerido. Notifique”.

DE DIREITO

Dispõe o artigo 862º do CPC: “1 - Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução desde a data da primeira notificação efectuada. 2 - É lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo, podendo, ainda, os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objecto todo o património ou a totalidade do bem. 4 - Quando todos os contitulares façam a declaração prevista na segunda parte do n.º 2, procede-se à venda do património ou do bem na sua totalidade.”

Porém, a Recorrente invocara e formulara o seu pedido ao abrigo do disposto no artigo 826º, 2, do CPC, o qual dispõe: “Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido.”
Da leitura destes dispositivos e dos Factos assentes, sem necessidade de qualquer actividade especulativa, verifica-se que estamos perante a hipótese prevista no artigo 826º, 2, do CPC, como constava do Requerimento, e não a prevista no artigo 862º, 2, do CPC.

Aliás, entendemos que é imperativa a norma do artigo 826º, 2, do CPC.
Logo que do processo consta haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso ou direitos não pode deixar de ter lugar uma única venda. Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade de realização da penhora ou seu registo.
No caso concreto, o processo de execução e o de insolvência.
Não está na disponibilidade das Partes, nem do Tribunal.
A norma visa terminar com uma situação de compropriedade, evitando o processo de divisão de coisa comum, além de trazer a vantagem de tornar mais fácil e rentável a venda, com poupança de esforço e gastos. É mais uma manifestação da sabida aversão do legislador pela compropriedade ou comunhão.

Por outro lado, a matriz da venda judicial encontra-se no regime jurídico previsto para o processo executivo.
Não devemos esquecer que a insolvência é um processo de execução universal – ver artigo 1º do CIRE.
De acordo com o disposto no artigo 17º do CIRE no âmbito do processo de insolvência, tudo o que à venda diga respeito será regulado, em primeiro lugar, pelas normas especiais constantes do mesmo CIRE, e, não as havendo, pelas normas do CPC.
Nas disposições do artigo 158º e segs. do CIRE não está prevista a hipótese em apreço, nomeadamente no seu artigo 159º, que, manifestamente, não visa regular o caso presente.
É, pois, aplicável à situação o disposto no artigo 826º, 2, do CPC.

III – DECISÃO

Por tudo o que exposto fica, acordamos em dar provimento ao Recurso, revogamos o Despacho recorrido e determinamos que a venda do imóvel, na sua totalidade, tenha lugar no âmbito do Proc. de Insolvência, no qual foi proferido aquele Despacho.
Custas pela massa falida, incluindo as do incidente em 1ª Instância.

Perante tudo o escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO:

“1 - O regime jurídico da venda previsto para o processo executivo constitui a matriz de toda a venda judicial.
2 - O disposto no artigo 826º, 2, do CPC é aplicável ao Processo de Insolvência por força do disposto no artigo 17º do CIRE.
3 - A norma do artigo 826º, 2, do CPC é imperativa e visa acabar com a situação de compropriedade ou comunhão, além de proporcionar uma mais fácil e rentável venda.”

Porto, 2010-11-22
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
Rui António Correia Moura
António Eleutério Brandão Valente de Almeida