Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
120/06.8PUPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: BURLA
ERRO
Nº do Documento: RP20100623120/06.8PUPRT.P1
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- No crime de burla, apenas o engano idóneo a provocar um efectivo erro de defraudação na vítima é susceptível de causar um risco jurídico-penalmente relevante.
II- Na conformação do ilícito, exige-se, ainda, o pleno domínio do erro por parte do agente que conduza à participação da vítima no enriquecimento ilegítimo, sem que esta se aperceba que exista esse erro ou engano.
III- O recurso, por parte do titular de um crédito de difícil cobrança, a quem se anunciava como o “Grande Vidente em Portugal (que) ajuda a Destruir a Inveja, Vícios, Impotência Sexual, Retorno de Afeição e Problemas Financeiros”, sabendo que, como contrapartida, tinha de pagar as respectivas compensações monetárias, elide, de per si, a existência de erro ou engano idóneo a defraudar, provocado pelo agente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 120/06.8PUPRT
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.

I.- RELATÓRIO.

1.- Na Instrução n.º 120/06.8PUPRT do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, em que são:

Recorrente/Assistente: B………….

Recorrido: Ministério Público
Recorrido/Arguido: C…………

foi proferida decisão instrutória em 2010/Fev./01, a fls. 1110-1126, que não pronunciou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada da previsão do 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) e de um crime de ofensa à integridade física do art. 143.º, n.º 1, todos do Código Penal.
2.- A assistente interpôs recurso desse despacho por fax expedido em 2010/Fev./26, a fls. 324-336, sustentado a pronuncia do arguido, tal como tinha sido formulado no requerimento de abertura de instrução, concluindo, resumidamente, que:
1.º) O arguido, através dos meios de comunicação social, apresenta-se como um prestador de serviços que “ajuda a destruir a inveja, vícios, impotência sexual retorno de afeições e problemas financeiros”, publicitando que pretende resolver problemas e a atingir resultados [1-8];
2.º) Por outro lado, as promessas de resultados feitas pelo arguido, é que levaram a assistente e demais consulentes a recorrerem aos seus serviços, tendo sido o arguido que convenceu a assistente que possuía os poderes de resolução por ele publicitados [9-12];
3.º) O arguido depois de conquistar a confiança da assistente, por via da narração que fez na primeira consulta de alguns factos efectivamente ocorridos na vida dela, ao prometer-lhe na segunda consulta por si realizada, que conseguia no prazo de um mês a mês e meio que o devedor lhe pagasse a quantia por ela emprestada dos € 500.000, desde que lhe entregasse o montante de € 35.000, praticou, por acção, actos astuciosos [13];
4.º) Pelo que a assistente foi vítima de engano, provocado astuciosamente e por iniciativa do arguido, verificando-se, de forma indiciária, todos os demais elementos constitutivos do crime de burla [14-17];
5.º) Todas as pessoas que recorrem aos serviços prestados pelo arguido é porque acreditam ou no mínimo dão-lhe o benefício da dúvida, sobre os resultados que o mesmo se compromete a atingir, por via dos diversos meios de comunicação social [18-21];
6.º) Não existe qualquer fundamento para que o arguido seja excluído de ser responsabilizado criminalmente, ao contrário do que acontece a todos aqueles que prestam quaisquer tipos de serviço em Portugal, violando-se assim grosseiramente o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e o da legalidade [22-26];
7.º) Só em sede de julgamento é que se deve exigir um juízo de certeza, havendo muitas acusações do Ministério Público que se basearam apenas em versões apresentadas pelos queixosos, por as mesmas serem negadas pelo arguido aquando das respectivas audições em inquérito [27-31];
8.º) A versão dos factos apresentadas pela assistente, conjugado com outros elementos de prova, tais como o auto de ocorrência lavrado pelo piquete da PSP, a versão apresentada pela testemunha D………., pelo pai da assistente E………., que a acompanhou à urgência do Hospital de S. João, no Porto, o relatório completo de episódio de urgência, o recibo da urgência, a receita médica e o exame posteriormente efectuado no IML, constituem indícios suficientes de que ao arguido, em sede de julgamento, pode vir a ser aplicada uma pena pela prática de um crime de ofensas à integridade física da previsão do art. 143.º, n.º 1 do Código Penal [32-39].
3. O Ministério Público respondeu por fax expedido em 2010/Mar./27, a fls. 1170 e ss. pugnando no sentido da improcedência do recurso, porquanto e em suma:
1.º) No que respeita ao crime de burla impõe-se concluir pela não verificação de todos os elementos objectivos do ilícito em questão, nomeadamente, o “erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo agente” conforme se encontra estatuído no art. 217.º do C. P. [1-6];
2.º) Mais concretamente, é “conditio sine qua non” que a conduta da vítima seja, manifesta e exclusivamente, determinada pelas manobras fraudulentas do agente, o que não se verificou no caso em apreço, porquanto a vontade da vítima já se encontrava, previamente, determinada e orientada para a busca de poderes fantásticos e de actividades esotéricas, viessem elas de onde viessem, não podendo falar-se em manipulação da vontade da vítima [7-11];
3.º) Embora as lesões de que se queixa a recorrente se encontrem comprovadas documentalmente, através de perícia forense na Delegação do Porto do INML, o certo é que não existem quaisquer testemunhos dos factos, pois ninguém os presenciou, não tendo sido inquirida qualquer pessoa que, directa ou indirectamente, tivesse tomado conhecimento de tais factos [12-15].
4. O arguido respondeu em 2010/Abr./07 a fls. 1198 e ss. sustentando igualmente que o recurso deve improceder.
5. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer em 2010/Abr./27, a fls. 1216/1217 aderindo, no seu essencial, à anterior resposta dessa mesma Magistratura.
6. Colheram-se os vistos legais, nada opondo que se conheça deste recurso.
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A questão suscitada em recurso e atentas as respectivas conclusões, restringe-se em saber se existem indícios suficientes para se pronunciar o arguido pelos apontados crime de burla agravada e de ofensas à integridade física.
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II.- FUNDAMENTAÇÃO.
1.- O despacho de não pronúncia.
Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens:
“Com interesse para a decisão a proferir, este Tribunal considera indiciados os seguintes factos:
1.) C………. é sócio gerente da sociedade comercial por quotas denominada “ F……… Lda. “, com sede na Rua ……, nº ….., em Lisboa – cfr. fls. 260, 272 e 273;
2) Esta sociedade comercial, tem por objecto a assistência e conselhos a particulares e empresas no âmbito astrológico, social e vivencial, através do contacto directo, da rádio, da televisão, da imprensa e de meios audiovisuais, prestação de serviços de telecomunicações, astrologia;
3) Em 28/10/2004, o arguido e a sociedade comercial, tomaram de arrendamento o 1º andar do prédio sito na Rua ….., nº …., freguesia de …., concelho do Porto, para habitação do arguido e funcionários da sociedade comercial – cfr. fls. 253 a 257 e 142;
4) O arguido e a “ F……… Lda. “, difundiram em lista telefónica, anúncios, jornais, panfletos e rádios locais, diversa propaganda da actividade exercida pela dita sociedade comercial, através do arguido, que se intitulava de “Prof. C1…… “, do seguinte teor: “Prof. C1…… Grande Vidente em Portugal; Ajuda a Destruir a Inveja, Vícios, Impotência Sexual, Retorno da Afeição e Problemas Financeiros. Resultados Muito Rápidos. Consultórios em Lisboa, Porto, Faro, Funchal “ – cfr. fls. 150, 151, 239, 284;
5) Bem como deram a conhecer a existência do arguido e da sociedade comercial “F…….. Lda. “, através de cartões entregues a clientes que se dirigiam à Rua …., onde o dito Prof. C1….. dava “ consultas “, nos nºs 131/133 dessa rua – cfr. fls. 155 a 170, 181 a 190, 239, 454;
6) O que sucedia do seguinte “modus operandi”: por ocasião da marcação da consulta, cada utente era informado do respectivo preço, no montante de € 40,00, e ainda de que deveria fazer-se acompanhar de cheque ou cartão multibanco;
7) Uma vez ali chegado o utente, era preenchida uma ficha com os respectivos dados pessoais – fls. 387, 384 a 386;
8) pelo menos parte dos utentes do arguido, eram pessoas sem habilitações literárias, com pouca cultura, de modesta condição social, ingénuas, facilmente influenciáveis e com parcos recursos económicos;
9) na sala de espera do consultório do arguido, na Rua …., nºs …., no Porto, existia uma máquina ATM;
10) pelo corredor, circulavam indivíduos do sexo masculino, de raça negra, corpulentos, todos eles vestidos de fato escuro;
11) cada utente era então atendido numa sala sem janelas, onde pairavam fumos e incensos, decorada a vermelho e preto, com diversos artefactos africanos, iluminada por uma ténue luz vermelha ou com velas, onde o arguido, envergando vestes brancas e adornado por colares e uma coroa, aguardava sentado atrás de uma grande mesa;
12) na referida sala estavam ainda presentes, um individuo do sexo feminino, de etnia branca, alta e magra, que se intitulava de tradutora do Professor e ainda dois indivíduos do sexo masculino, de raça negra, corpulentos, vestidos com fato escuro, que se posicionavam atrás do utente;
13) uma vez sentado o utente e exposto o problema pessoal que ali o havia conduzido, o arguido falava um francês, que a indicada intérprete traduzia, logo cobrando o preço da consulta - € 40,00 – e ordenando à pessoa/cliente, que colocasse um cheque em branco ou o cartão multibanco, dentro de um cesto que se encontrava pousado na mesa;
14) obedecido, de seguida, o arguido colocava as mãos do utente no cesto, em cima dos € 40,00 que acabara de receber juntamente com o cheque em branco ou cartão de débito, colocava-lhe um pano opaco sobre a cabeça, retirando-lhe a visibilidade, e pousava as suas mãos sobre as do cliente, que por vezes também envolvia em colares de contas, enquanto dizia uma lengalenga em linguagem imperceptível;
15) finda a lengalenga e sempre em francês, o arguido informava o incauto cliente de que o mal ou males de que padecia, era(m) provocados(s) por um ou mais Espíritos, ou “forças negras” que se lhe tinham entranhado, ou de que sofria de um “mal ruim” e, logo de seguida, cobrava quantias monetárias, em regra, de montantes situados entre os € 6.000,00 e os € 20.000,00, que exigia que fossem colocados no cheque ou a pagar com o cartão multibanco, como contrapartida de um “trabalho” prometido para afastar esses espíritos, “ forças negras “, bruxedos, ou eliminar o “mal ruim”;
16) em geral, os utentes, estupefactos, alguns ainda com o pano opaco sobre a cabeça, recusavam-se a pagar tais quantias;
17) porém, para espanto do cliente, o arguido inesperadamente falava em português, mal humorado, em tom de voz cada vez mais elevado, insistindo no pagamento da quantia inicialmente peticionada, mas cujo valor ia descendo, perante as reacções da vítima, até chegar aos € 5.000,00, fazendo profecias de que se tal não sucedesse, mortes, doenças, ou outros males de carácter espiritual, iriam ocorrer na vida do renitente cliente;
18) enquanto tal sucedia, logo a tradutora, sem autorização do utente, ainda com a cabeça sob o pano opaco que o arguido lhe colocara, preenchia o cheque pousado no cesto com as quantias pretendidas pelo arguido;
19) cheque esse que o utente, perante a persistência do mal humorado arguido e atemorizado pelo cenário envolvente, pela presença dos indivíduos corpulentos de raça negra, colocados atrás de si, e pelas pragas rogadas para o seu futuro próximo, assinava contrariado – cfr. fls. 25, 86 a 88, 122, 586 a 590, 780, 781, 908 a 913
20) aqueles que se faziam acompanhar de cartão multibanco, eram conduzidos até à sala de espera onde existia uma máquina ATM e faziam levantamentos de dinheiro que eram entregues ao arguido – cfr. fls. 508, 510, 608, 643;
21) nalguns casos, o arguido entregava ao utente uma garrafa em plástico, contendo um líquido acastanhado – cfr. fls. 279 e 280 – examinado a fls. 683, de composição desconhecida, que justificava as elevadas quantias pecuniárias exigidas, e que o cliente deveria despejar em diversos cantos da casa, simples, ou adicionado de pedrinhas que deveria recolher no cemitério, ou colocá-lo na água do banho, ou lavar a cabeça com ele, “ para se proteger “ até à consulta seguinte;
22) de seguida, eram logo mandados sair, embora sempre com uma próxima “ consulta “ marcada;
23) nas consultas seguintes, os clientes, já receosos, viam repetir-se o mesmo cenário, novos cheques em branco eram preenchidos com quantias monetárias exigidas pelo arguido, sempre superiores a € 5.000,00, às vezes pagas em prestações, acompanhadas de promessas de que o “ tratamento “ projectado, era a salvação do cliente, que em breve veria surtir o efeito pretendido;
24) o arguido nunca entregava ao cliente o recibo correspondente às quantias recebidas;
25) os cheques que ficavam na posse do arguido, eram apresentados a pagamento, ficando o respectivo sacador despojado da quantia monetária nele inscrita e que o arguido integrava no seu património;
26) outras vezes, nos cheques pós-datados, quando o respectivo titular confrontado com a ineficácia do “ trabalho “ do arguido, retornava ao consultório deste, desistindo do “ tratamento “ e solicitando a devolução do cheque, o arguido sempre recusava, alegando que o “ trabalho “ já estava iniciado ou que o cheque já tinha sido encaminhado para a “F……….. Lda.”;
27) alguns dos utentes, entre os quais a aqui assistente, já descrentes e sentindo-se enganados pelo arguido, ou impressionados pelos montantes das quantias monetárias de que se viram desapossados, participaram criminalmente contra o arguido – cfr. fls. 1, 46, 466, 603, 728, 800, 933;
28) em 27/5/2008, foi efectuada uma busca aos consultórios do arguido da Rua ….., nºs …., onde foram apreendidos, cheques, outros documentos bancários, cartões, fichas de clientes, cartões e outros, relacionados com a actividade exercida pelo arguido, descritos a fls. 339 a 341,
362 a 391, 402, 403, 406 a 421 e da Rua ….., nº …., em Lisboa – cfr. fls. 425 a 427;
29) inquirida a fls. 193 a 198, a assistente afirma que « recorreu ao serviço esotérico do “ Professor C1…… “ » ( sic ), porque na altura, atravessava problemas financeiros, decorrentes do empréstimo que fizera aos ex-patrões, da quantia monetária de € 500.000,00 que nunca mais lhe foi devolvida e, após ter consultado advogados, foi informada de que nas circunstâncias em que o empréstimo foi concedido, dificilmente iria conseguir reaver o dinheiro;
30) a assistente afirma ter entregue ao arguido, a pedido deste, a quantia monetária de € 35.000,000 em numerário, em Janeiro de 2006;
31) em consultas anteriores, a assistente entregou ao arguidos quantias monetárias por ele exigidas – cfr. fls. 200 e 200 verso, 584;
32) o que sucedeu, como afirma, após ter já gasto a quantia de € 5.000.00 em consultas de carácter Espiritual com o Prof. G……., alegado colaborador do arguido;
33) também à assistente o arguido entregou, a garrafa de fls. 297 e 298, para nele se banhar, para proteger a sua pessoa;
34) e afirma ainda a assistente que o trabalho do arguido não resolveu o seu problema;
35) perante tal constatação, solicitou-lhe por diversas vezes, todas elas infrutíferas, a devolução da predita quantia monetária, da qual se encontra desapossada até á presente data;
36) afirma ainda a assistente, que no dia 15 de Maio de 2007, quando tentava sair do consultório do arguido, este, agarrou-a violentamente, projectando-a contra uma porta, causando-lhe hematomas na mão, no braço, ombro e joelho, lesões das quais recebeu tratamento hospitalar e foi submetida a perícia forense na Delegação do Porto do INML.
37) teor do registo clínico de fls. 4 do inquérito apenso nº …/07.0PQPRT;
38) em 17 de Maio de 2007, a Delegação do Norte do INML, constatou que a assistente apresentava as lesões descritas a fls. 20 do predito inquérito;
39) o arguido, nascido no …., Senegal, no seu interrogatório enquanto tal, de fls. 116 a 118, 835 e 836, assistido pelos seus advogados, declarou dominar mal a língua portuguesa, mas constata-se dos ditos autos, que o mesmo a compreende perfeitamente, pois não lhe foi nomeado, nem ele ou os defensores, solicitaram a nomeação de intérprete.
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A convicção do Tribunal, para além da prova que se encontra indicada no texto, baseou-se, quanto aos demais factos que considerou indiciados, no depoimento coincidente das várias testemunhas inquiridas.
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Do crime de burla.

No entender da assistente, o comportamento do arguido configura a prática de um crime de burla, pelo facto de a ter enganado, pois exigiu-lhe as quantias monetárias que acima ficaram indicadas para pagamento dos seus trabalhos/tratamentos Espirituais, que, ao fim e ao cabo, não resolveram o problema da assistente, qual seja, o de conseguir, por meio de rezas e/ou outras «mezinhas», que os seus ex-patrões lhe devolvessem os € 500.000,00 que lhes havia emprestado.
Importa então averiguar se a entrega, pela assistente, das preditas quantias monetárias ao arguido, resultou, nos termos da lei, de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados ou aproveitados pelo arguido.
De acordo com o nº 1 do art. 217º do C.P., comete o crime de burla “ Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial (…) “ – carregado nosso.
Por sua vez o art. 218º nº 2 do estabelece:
“A pena é a de prisão de 2 a 8 anos se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado; - alínea a).
O art. 202º b) do mesmo Código define como «valor consideravelmente elevado», aquele que excede 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.
O Ac. da R.P. de 25/3/2009([1]), define com clareza os elementos do crime de burla:
- o emprego de astúcia pelo agente;
- a verificação de erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia;
- a comprovação da prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida;
- a existência de prejuízo patrimonial da vítima…, resultante da prática dos referidos actos.
Para que exista burla, é necessário um propósito de enganar, que precede a celebração do contrato ou concorra no momento da sua celebração, determinando a vontade da outra parte.
O engano da vítima, é consequência da astúcia empregue pelo agente e da iniciativa dele.
O agente, manipula psiquicamente a vítima, através de astúcia enganadora ou indutora de um erro, … determinando a vítima a praticar actos lesivos que não praticaria, se a sua liberdade de entender e a de querer, estivessem intactas([2]).
Como assinala o Ac. da R.C. de 10/9/2008 proferido no proc. nº 901/03.4PAMGR.C1([3]) “ …é necessário que a conduta do agente comporte a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade que envolve a escolha dos meios idóneos para conseguir criar o obter uma representação distorcida e desfocada da realidade em que relação estabelecida se deveria ter desenvolvido “ – carregado nosso.
A astúcia posta pelo burlão pode consistir, entre outros actos, na invocação de uma falsa qualidade. O que importa é que os factos invocados pelo agente, com o fim de enganar, dêem a uma falsidade a aparência de verdade.
É indispensável que os actos além de astuciosos, sejam aptos a enganar, não se limitando o burlão a mentir, mentindo com engenho e habilidade, revelando uma maior intensidade no dolo e uma maior susceptibilidade dos outros serem convencidos([4]).
Continuando ainda a citar o douto Ac. do S.T.J. de 8/11/2007, “ Longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de « economia de esforço », limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. E a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado “.
O enganado, em consequência do erro em que foi astuciosamente induzido, realiza uma disposição patrimonial, ou seja, entrega uma coisa ou presta um serviço; e tanto faz que consista num fazer (realizar um pagamento ) como num omitir (renunciar a um crédito).
Ainda no Ac. do S.T.J. de 19/12/91, se assinalou que “ (...) O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património por que tem um falso conhecimento da realidade. Esse seu falso conhecimento nasce, como no caso de mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser induzida em erro, toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro (...) “ – sublinhado nosso.
No caso vertido, afirmou a assistente a fls. 194, que, depois de se ter aconselhado junto de advogados para, com os mecanismos existentes no ordenamento jurídico, tentar reaver a mutuada quantia de € 500.000,00 aos seus ex-patrões, perante as informações daqueles causídicos no sentido de que tal devolução seria muito difícil de conseguir, atentas as condições em que o empréstimo foi por ela efectuado, desiludida, decidiu procurar “ o serviço esotérico “ do arguido.
Quer dizer, no caso que nos ocupa, não foi por acção do arguido, que a assistente e outras pessoas se deslocaram ao consultório daquele, procurando os seus serviços esotéricos, nem tal conclusão se pode sequer retirar do facto de ele ter colocado anúncios sobre os seus supostos “poderes sobrenaturais”, ou de qualquer outra origem que não conseguimos descortinar, em jornais, panfletos, na rádio, cartões, páginas amarelas, etc., pois que tais anúncios configuram meros convites a contratar.
Na realidade, tal crença em poderes ocultos/fantásticos noutro ser humano, já existia na mente da assistente e demais consulentes do arguido, e, por isso, a ele recorreram; não foi o arguido que convenceu quem quer que fosse, inclusive a assistente, de que possuiria tais dotes.
Ainda que assim se não entenda, que concretos actos ou factos praticou ou afirmou o arguido, com a idoneidade suficiente para enganar? O mesmo é dizer, para, conseguir no devir dos seus utentes, a produção de resultados que a Ciência (tomando por ex. caso dos desesperados pais do toxicodependente) ou, no caso da assistente, os ramos do Direito não conseguem alcançar ?
Dos factos indiciados, verifica-se que se tratava de uma lengalenga em linguagem imperceptível, enquanto lhes remexia no cabelo, ou enquanto lhes envolvia as mãos nas suas, e/ou ainda em colares de contas ( para os que tinham sobre a cabeça um simples pano opaco), acompanhados de rezas prometidas e/ou outras «mezinhas» e, como sucedeu nalguns casos tal como o da assistente, com a ajuda de um líquido de cor acastanhada, de composição desconhecida, ou, conforme os casos, a adicionar de pedrinhas a recolher no cemitério, para ser despejado nos diversos cantos da casa, ou na água do banho, ou a utilizar na lavagem da cabeça.
Tudo isto, para expulsar forças negras, Espíritos, ou mal ruim, supostamente na origem do quotidiano de cada um, sendo, no caso da assistente, do incumprimento dos mutuários.
De acordo com o discernimento do homem médio, com as características e colocado na posição da assistente e demais clientes, a descrita actuação do arguido tem a virtualidade de, no dizer do citado Ac. do S.T.J. de 8/11/2007, “ …dêem a uma falsidade a aparência de verdade …” ? Ou na definição do citado Ac. da R.C. de 10/9/2008 “… para conseguir criar e obter uma representação distorcida e desfocada da realidade “ ?
Entendemos que não.
Na hodierna sociedade do mundo Ocidental, do séc. XXI, é do conhecimento geral, que os factos, os acontecimentos surgidos na vida de todos e cada um, tal como os fenómenos Naturais, não são resultado da acção de Espíritos nem forças negras e que o ser humano, enquanto unidade biopsíquica, não faz milagres, não é dotado dos poderes sobrenaturais que só existem no mundo da fantasia, descritos nos contos infantis, de todos conhecidos, inclusive da assistente.
Aliás, a própria assistente nas declarações que prestou a fls. 196, reconhece que ( perante a “ ameaça “ feita pelo arguido, de revelar ao casal a quem emprestara os € 500.000,00 não devolvidos “ …o porquê de ter recorrido aos seus serviços e que inclusive mostraria ao casal as sessões que havia gravado e que ficariam ao corrente de tudo o que a B…….. foi capaz de fazer…) ficou com receio que o casal pudesse vir a ter conhecimento desta história e do pedido de ajuda ao Professor “.
Como se expendeu no Ac. do S.T.J. de 1/7/98([5]), citando um estudo da autoria do Prof. Costa Andrade publicado na Separata do B.M.J. nº 13 de 1983 intitulado “ Sobre o Estatuto e Função da Criminologia Contemporânea “ , pág. 25 e segs. “ (...) impõe-se ponderar a existência (ou não ) de um critério geral de interpretação da factualidade típica susceptível de em certos domínios (um deles, a burla) permitir valorar a conduta da vítima do ponto de vista da carência da tutela jurídica e, por essa via, excluir determinadas expressões da vida dos âmbitos da factualidade típica. E citando Hassemer, que parte do princípio da subsidiariedade do direito penal (...) segundo o qual a intervenção do direito criminal só é legítima quando a tutela de bens jurídicos em causa não poder ser garantida por outras vias que implicam custos menos drásticos para os direitos do homem, tal princípio vale sem limites, isto é, tanto em relação a outras alternativas estaduais como a alternativas privadas, nomeadamente a auto – tutela que se permite e se reclama aos portadores concretos dos bens jurídicos-penais.
O direito não pode exigir que os indivíduos se fechem à participação social e evitem todo o contacto historico-socialmente adequado mesmo que susceptível de criar risco para os respectivos bens jurídico-penais. Mas já pode reclamar que não sejam eles a elevar as cotas de risco em termos que ultrapassem o limiar de que a lei, de forma abstracta e típica, faz depender a sua intervenção. Pois se aquele limiar só foi atingido e excedido por razões imputáveis à vítima – que não aproveitou as oportunidades de autotutela que lhe era oferecidas e cujo aproveitamento lhe era exigível, então terá de concluir-se, à luz dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade que ela se colocou fora do âmbito de tutela da norma penal incriminatória.
(...). Aplicando esta construção à interpretação da factualidade típica do crime de burla interroga-se Hassemer sobre se deverá considerar-se o elemento erro da vítima em todos os casos em que a sua situação cognitiva se caracteriza pela dúvida concreta: nos casos em que, não sendo de convicção subjectiva quanto à verdade do estado de coisas apresentado fraudulentamente pelo autor, ultrapassa todavia o grau da mera dúvida difusa adequada ao tráfego normal comercial.
(...) « Se o portador do bem jurídico não assume nenhuma destas atitudes alternativas ( alargar o seu campo de informação ou, em alternativa, renunciar à transacção ) embora tal lhe fosse possível e exigível, então falha a sua carência de tutela e, por isso, a aplicabilidade do elemento da factualidade típica erro com a consequência de ter de se excluir, pelo menos a condenação por burla consumada ».
(...).O direito criminal presta apoio, com as suas técnicas específicas, a outros ramos do direito, mas resta saber se tal apoio não deverá, em certas situações particulares (...) sofrer algumas restrições, sobretudo quando os lesados omitem as precauções exigíveis e normais em contratantes prudentes e avisados. (...) “ – sublinhado nosso.
Em suma, pelo que ficou exposto, não se verificam os elementos do tipo objectivo do tipo-de-ilícito em questão e, consequentemente o imputado crime de burla.
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Do crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º nº 1 do C.P.

Diz ainda a assistente, que no dia 15 de Maio de 2007, quando tentava sair do consultório do arguido, este, agarrou-a violentamente, projectando-a contra uma porta, causando-lhe hematomas na mão, no braço, ombro e joelho, lesões das quais recebeu tratamento hospitalar e foi submetida a perícia forense na Delegação do Porto do INML.
Nesse dia, pelas 22.13 horas, a assistente foi observada no S.U. do Hospital de S. João no Porto e apresentava edema e equimose da eminência tenar da mão direita e 1º dedo da mão direita, com equimose na interfalângica de D1 e edema local; discreto edema articulação do cotovelo, região epitroclea – cfr. fls. 4 do inquérito nº 120/06.8PUPRT-B.
E no dia 17 de Maio de 2007, a Delegação do Norte do INML, constatou que a assistente apresentava as lesões descritas a fls. 20 do inquérito nº 120/06.8PUPRT-B.
Comete o crime de ofensa à integridade física simples “ Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa (…) “ – cfr. art. 143º nº 1 do C.P.
Com efeito, dos factos indiciados, resulta que a assistente em 15/5/2007, apresentava alterações na mão direita e cotovelo e no dia 17 desse mês e ano, as descritas no relatório do INML do Norte.
No entanto, desconhece-se a causa dessas lesões, por um lado, porque ninguém presenciou a sua produção no corpo da assistente, por outro lado não foi inquirida qualquer pessoa a quem o arguido tivesse dito ter sido o seu autor, não se verificando também, a hipótese versada no Ac. da R.P. de 7/2/2007 no proc. nº 0645315([6]), segundo o qual “ Não constitui depoimento indirecto a afirmação de uma testemunha de que ouviu o arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação “.
O arguido, por sua vez, nas declarações que prestou a fls. 896 verso, nega a prática dos factos denunciados.
Resta, assim, isolada a versão apresentada pela assistente que, desacompanhada de quaisquer outros elementos indiciários, não preenche, por si só, o conceito de indícios suficientes vertido no nº 2 do art. 283º do C.P.P.”
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2. Os fundamentos do recurso
No culminar da fase de instrução e tendo por base o disposto no art. 308.º do Código de Processo Penal, o juízo de pronúncia deve, em regra e como se refere no Ac. de 2006/Jan./04[7], passar por três fases.
Em primeiro lugar um juízo de indiciação da prática de um crime, mediante a indagação de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada.
Por sua vez e caso se opere essa adequação, proceder-se-á, em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram até então produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação desse(s) facto(s) criminoso(s) ao arguido.
Por último efectuar-se-á um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir, que predomina uma razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.
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i) O crime de burla agravado
Tal ilícito da previsão do art. 217.º do Código Penal pune “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”, com a qualificativa subsequente do art. 218.º, n.º 2, al. a), na qual se visa os casos em que “O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado”, considerando-se como tal, segundo o seu art. 202.º, al. b), “aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”,
O bem jurídico aqui tutelado é o património globalmente considerado, entendido este como qualquer bem interesse ou direito economicamente relevante[8].
A conduta típica deste crime deverá ser astuciosa de modo a induzir em erro ou a enganar outra pessoa, que tanto poderá consistir na afirmação de factos falsos, como numa simulação ou deturpação dos verdadeiros.
Mas essa habilidade em induzir em erro ou de enganar, sob uma perspectiva jurídico-penal, não pode ser qualquer uma, devendo por isso comportar algo mais que uma simples mentira, muito embora se deva atender à própria pessoa que é visada com essa conduta, já que o nível de compreensão e de inteligência de cada um é variável e normalmente são os mais incautos aqueles que são as potenciais vítimas de uma burla.
Porém, o direito penal democrático é um sistema ao serviço das necessidades dos seres humanos, em que os bens jurídicos por si tutelados são a tradução dos seus interesses reais merecedores de uma protecção exigente e necessariamente drástica através do “jus punendi”, de modo a possibilitar uma coexistência e vivência comunitária.
Por isso essa protecção apenas deve incidir nos casos de flagrante ruptura ou interrupção da convivência social entre os cidadãos, surgindo como uma resposta do ordenamento jurídico de “ultma ratio” – as penas e as medidas de segurança não são os únicos meio de protecção da sociedade, mas apenas o seu último recurso – e com “carácter fragmentário” – que deve apenas exercer-se na medida do necessário para essa tutela.[9]
Tal decorre, desde logo, do preceituado no art. 18.º, n.º 2 da C. Rep., ao estabelecer que a restrição dos direitos, liberdades e garantias para além de estarem expressamente previstos na lei, devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Deste modo e ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, a nossa Constituição consagra expressamente o princípio constitucional da intervenção mínima da tutela penal, na vertente da natureza fragmentária ou subsidiária do direito penal.[10]
Este princípio geral tem naturalmente reflexos na parte geral e especial do Código Penal.
Na parte geral mediante o actual art. 40.º, ao estabelecer que as finalidades das penas e medidas de segurança situam-se na protecção dos bens jurídicos (i) e na reintegração do agente na sociedade (ii), não devendo a pena ultrapassar a medida da culpa (iii).
Na parte especial, este princípio da intervenção mínima tem como reverso, entre outros, o princípio de auto-responsabilidade da vítima ou de carência de tutela penal.[11]
Os casos de escola que normalmente se apontam nesta última vertente reconduzem-se às situações de falsificação grosseira, por ser patente a viciação, ou inexistência de uma autêntica dúvida na burla, em virtude desta não chegar a gerar um autêntico estado de erro ou engano na vítima.
A jurisprudência do STJ no seu acórdão de 1998/Jul./01 [CJ (S) II/223], seguiu este posicionamento como de resto nos dá devidamente noticia o despacho recorrido.
Nesta conformidade, só aquele engano que tenha a capacidade ou idoneidade de provocar um efectivo erro de defraudação na vítima é que causa um risco jurídico penalmente relevante, merecedor de tutela de “ultima ratio”[12].
Por outro lado, terá que haver um pleno domínio-do-erro por parte do agente, que conduza à participação da vítima no resultado (enriquecimento ilegítimo), sem que esta se aperceba que exista esse erro ou engano, tornando-se imperioso que a segunda fique indelevelmente sujeita ao processo executivo traçado pelo primeiro.
No caso em apreço temos que foi a assistente quem procurou o arguido, sabendo que este era o tal “Prof. C1………”, o “Grande Vidente em Portugal; (que) Ajuda a Destruir a Inveja, Vícios, Impotência Sexual, Retorno da Afeição e Problemas Financeiros. Resultados Muito Rápidos”.
E procurou-o para resolver problemas financeiros que tinha, decorrentes de empréstimos que fizera aos seus ex-patrões no valor de € 500.000,00, como a mesma dá conta na sua inquirição a fls. 193 a 198.
E isto apesar de ter sido informada por advogados de que nas circunstâncias em que o empréstimo foi concedido, dificilmente iria conseguir reaver esse dinheiro.
Ora no caso concreto não podemos dizer que quando a assistente entrou voluntariamente neste esquema de “espíritos”, “forças negras” ou “bruxedos”, sabendo que, como contrapartida da prestação desses serviços, tinha de pagar as respectivas compensações monetárias, poucas ou muitas, estava ali por erro ou engano provocado pelo arguido.
Naturalmente que o comportamento do arguido é revelador de uma enorme embustice, que poderá ter tutela cível, mas não tem nada de astucioso, típico da defraudação burlista.
E isto porque essas promessas de resolução dos seus problemas por “artes mágicas ou de feitiçaria” são acintosamente elementares, que qualquer cidadão, com um mínimo de diligência ou de cuidado, se aperceberia disso mesmo, como de resto a mesma deu conta, a tal ponto que exigiu a devolução do que tinha pago ao arguido.
Foi só a partir desse momento é que começaram as desinteligências entre a assistente e o arguido.
Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerações, pois remetemos para a fundamentação do despacho recorrido, ao abrigo do art. 425.º, n.º 5, por interpretação extensiva do Código de Processo Penal, improcede este fundamento de recurso.
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ii) O crime de ofensas à integridade física
A assistente considera, fazendo apelo a outras acusações públicas, que basta a existência de meros indícios da prática deste ilícito para que se justifique a pronúncia do arguido.
Como se pode constatar logo pelo intróito motivatório que deixámos expresso, o juízo de prognose condenatório deve ser semelhante ao da fase de julgamento.
Assim e remetendo mais uma vez para o que ficou assinalado na fundamentação do despacho recorrido, concluiremos pela improcedência do recurso igualmente nesta parte.
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III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pela assistente B……….., e, em consequência, confirma-se o despacho de não pronúncia.

Mais se condena a assistente em três (3) Ucs de taxa de justiça – cfr. art. 515.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal

Notifique.

Porto, 23 de Junho de 2010
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
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[1] Proferido no processo nº 0846523, disponível na internet in www.dgsi.pt
[2] Cfr. J. António Barreiros in “ Crimes Contra o Património em Geral “, pág. 148.
[3] Disponível na internet in www.dgsi.pt
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 8/11/2007 proferido no proc. nº 07P3296, disponível in www.dgsi-pt
[5] C.J. Ano VI, Tomo II, pág. 223.
[6] Disponível na internet in www.dgsi.pt
[7] Acessível em www.dgsi.pt e relatado pelo signatário.
[8] ALMEIDA COSTA, A. M., NO “Comentário Conimbricence do Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 275; MUÑOZ CONDE, Francisco, no seu “Derecho Penal- Parte Especial”, Tirant lo blanch, Valência 1999, p. 404.
[9] MIR PUIG, Santiago, “Intoducción a Las Bases del Derecho Penal”, Editora BdeF, Montevideo-Buenos Aires, 2007, p. 108 e ss.
[10] MIR PUIG, Santiago, “Estado, Pena y Delito”, Editora BdeF, Montevideo-Buenos Aires, 2006, p. 334 e 339; MOLINA BLÁSQUEZ, Concepción; LANDECHO VELASCO, Carlos Maria, “Derecho Penal Español – Parte General”, Tecnos, Madrid, 2004, p. 58; FIGUEIREDO DIAS, Jorge, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 125; COSTA ANDRADE, Manuel, em “A dignidade penal e a carência de tutela penal como referência de uma doutrina teleológico-racional do crime”, na RPCC, Ano 2, Fascículo 2 (Abr.-Jun. 1992), p. 182/183.
[11] COSTA ANDRADE, Manuel, “Sobre o estatuto e função da criminologia contemporânea”, no boletim de “Documentação e Direito Comparado”, n.º 13, 1983, p. 53 e ss, dá essencialmente conta do posicionamento de R. Hassemer.
[12] VALE MUÑIZ, José Manuel, QUINTERO OLIVARES, Gonzalo, em “Comentarios al Nuevo Código Penal”, Navarra, Thomson-Aranzadi, 2005, p. 1258.