Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
48371/15.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: NEGÓCIO UNILATERAL
ÓNUS DA PROVA
CONTRATO VITALÍCIO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RP2019032648371/15.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 880, FLS 217-230)
Área Temática: .
Sumário: I - O negócio unilateral não é em regra fonte de obrigações; só o é nos casos especificamente previstos na lei (art. 457º do Código Civil).
II - No negócio unilateral contemplado no art. 458º CC, não declarada a causa, presume-se que a obrigação a tem, cabendo ao devedor a prova de que inexiste a relação fundamental.
III - Do exposto resulta que, por força da inversão do ónus da prova mesmo reconhecendo uma dívida unilateralmente, ou prometendo uma prestação, o devedor pode depois provar que afinal, ela não existe destruindo destarte os efeitos da declaração documental; se, porém não conseguir fazer essa prova destruidora, permanecerá a presunção de crédito e de causa que o devedor não ilidiu.
IV - As declarações unilaterais da Ré juntas aos autos, na qual a Autora/apelante fundou a sua pretensão condenatória, não impediram pois a Ré de infirmar a causa do débito que reconheceu assumir com as despesas com o internamento das suas irmãs no hospital da Autora, ao demonstrar que aquelas haviam celebrado com Autora um contrato, mediante o qual se obrigou a prestar-lhes tais serviços de forma gratuita e vitalícia, onde as mesmas se incluíam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n. Proc. nº: 48371/15.6YIPRT.P1
Tribunal de origem: Tribunal da Comarca do Porto- Instância Local Cível- J9

Relatora: Alexandra Pelayo
1º Adjunto: Vieira e Cunha
2ª Adjunta: Maria Eiró

SUMÁRIO:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
A Autora, B... intentou contra a Ré C... a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo:
- a condenação da ré no pagamento da quantia de 20.316,13 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, ascendendo os vencidos, na data da propositura da ação, ao montante de 3.126,44 euros.
Fundamentou a sua pretensão na responsabilidade assumida pela Ré de pagamento dos custos inerentes ao internamento das suas irmãs na B1... da Autora, constantes das faturas que juntou aos autos.
A ré regular e pessoalmente citada contestou e pugnando pela improcedência da pretensão da autora.
Foi proferido despacho com indicação do objeto do processo, e indicação dos temas da prova.
Veio a realizar-se a audiência de julgamento.
No final foi proferida sentença que decidiu a ação nos seguintes termos: “Nestes termos, decido julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo a ré do pedido formulado.
Custas a cargo da autora – art.º 527.º do Código de Processo Civil.”
Inconformada, a Autora B..., veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
“1ª- A sentença recorrida é nula nos termos do artº 615º do C.P.C por sofrer dos seguintes vícios: n.º 1 al. b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e al. c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
2.ª - A sentença recorrida julgou incorretamente a matéria de facto e a matéria de direito aplicável, tendo violado as normas jurídicas aplicáveis designadamente os artºs 607º n.º 4 do Código do Processo Civil e artigo 236º, 239º e 458º n.º 1 do Código Civil, senão vejamos:
A Análise dos documentos juntos aos autos e a prova produzida em audiência demonstram que os serviços e medicamentos faturados não foram pelos médicos e pessoal de enfermagem da autora.
Tal facto foi incorretamente julgado e constam do processo os concretos meios probatórios incluído o registo e as gravações nele realizadas que impunham decisão diversa sobre tais pontos da matéria de facto.
Impõe-se pois e requer-se que seja alterada a decisão da matéria de facto considerando-se provado que os serviços e medicamentos faturados não foram pelos médicos e pessoal de enfermagem da autora.
3.ª - A Recorrida não pagou as facturas juntas aos autos e relativas a serviços médicos e fornecimentos de medicamentos às falecidas irmãs (D. D... e D. E...) dos quais a Recorrida é única herdeira legal, e facturas relativas à própria Recorrida
4.ª - Em consequência, a Recorrida C..., como Requerida e na qualidade de herdeira de suas irmãs, D... e E..., é devedora à Recorrente da quantia de € 20.316,13, a qual terá de acrescer os respectivos juros.
5ª- A Recorrida em algumas situações de agudização de seus problemas de saúde e das suas irmãs decidiu e reiterou que ela e as mesmas fossem tratadas no Hospital B1..., ou seja, que não fossem transferidas para o Hospital F..., tendo para isso, assinado declarações nas quais assumia a obrigação do pagamento de todas as despesas inerentes.
A Ré, ela mesma, confirmou em depoimento de parte que assinou tais documentos, livre e consciente, e que fez pagamentos por conta e várias testemunhas afirmaram que a Recorrida aquando da assinatura dos documentos em que se responsabiliza pelas despesas se encontra em perfeitas condições de fazer a declaração e compreender o conteúdo do documento que assinou.
6.ª - A Recorrida, livre e voluntariamente, não quis que as suas irmãs fossem transportadas para o Hospital Público com o objetivo certo e definido assinou as declarações a responsabilizar-se por todas as despesas inerentes aos seus internamentos no Hospital B1....
7ª- Acontece que, a Recorrente como não tem serviço de cuidados intensivos, celebrou com o Serviço Nacional de Saúde um protocolo no qual os seus pacientes/doentes/vitalícios em caso de agudização de problemas seriam atendidos no Hospital F....
Hospital muito próximo do local onde se encontra a residências das B2....
8ª- Esta informação foi prestada a todos os B2... no qual se enquadra a Recorrida e as suas duas falecidas irmãs e todos aceitaram o facto.
9.ª - A Ré Recorrida já pagava pessoalmente os serviços que lhe eram prestados no âmbito dos discriminados nas faturas juntas aos autos há pelo menos 15 anos.
10.ª - O Hospital B1... onde trabalham médicos e enfermeiros que são trabalhadores independentes da B... e sobre os quais a B... não exerce qualquer tipo de direção, tem uma organização e gestão diferentes da secção dos B2....
São médicos e enfermeiros alheios à estrutura interna da B..., pelo que, os trabalhos e serviços prestados pelos mesmos estão dependentes do pagamento de honorários médicos a pagar pelos doentes.
11ª-A Recorrida pagou algumas cauções para garantir tratamentos seus e das suas falecidas irmãs que iriam ser prestados no âmbito de internamentos no Hospital B1... por médicos e enfermeiros independentes.
12ª- Se a Recorrida ou as suas falecidas irmãs tiveram em tempos idos tratamentos médicos prestados por médicos externos gratuitamente, deveu-se ao facto, de esses médicos não cobrarem à Recorrida e irmãs em virtude de amizades pessoais.
13ª- A Recorrente sempre cumpriu, rigorosa e completamente, o contrato celebrado, quer dando as refeições estabelecidas contratualmente quer disponibilizando à Recorrida um médico e serviços de enfermagem.
14ª- Como resulta do contrato celebrado “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito de ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B..., podendo também, tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa”.
Ora, se a Recorrida e as suas falecidas irmãs quiseram ser tratadas por pessoal que não é da B..., tem de pagar os internamentos, atos médicos, transfusões de sangue, medicamentos e produtos que solicitaram extraordinariamente e lhe foram prestados.
Tais atos foram faturados e estão discriminados nas facturas peticionadas que a Ré nunca impugnou.
15.ª - Com as declarações assinadas pela Recorrida estabeleceu-se uma presunção da existência da dívida prevista no artigo 458º n.º1 do Código Civil.
As declarações contêm a assinatura da Recorrida que em audiência de julgamento confirmou que era a sua assinatura e contêm a causa da obrigação (assumir de responsabilidade por todas as despesas inerentes ao internamento das suas irmãs no Hospital B1...).
A Recorrente não afastou a presunção, uma vez que, não provou a inexistência de relação, pelo contrário, afirmou que lhe foram prestados serviços médicos, bem como, às suas falecidas irmãs.
“As declarações assinadas pela ré, verdadeiras assunções de dívida, têm a virtualidade de permitir à autora reclamar o pagamento das quantias indicadas nos autos.”
O tribunal, trabalhosamente, elaborou uma reflexão e tomou uma decisão absolutamente contrária à construção que edifica demolindo-a sem qualquer justificação.
De facto as declarações assumidas pela Recorrida, verdadeira assunção da dívida, como a sentença refere, estabeleceu uma presunção da existência da dívida prevista no artigo 458º n.º1 do Código Civil.
Decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em 01-02-2011, proc. n.º 192/10.0TBCNT-B-C1 “1. Resulta do artigo 458.º,n.º 1 do Código Civil que o reconhecimento de dívida, sem indicação da respectiva causa, faz presumir que a dívida existe e que tem uma causa.”
A vontade declarada corresponde rigorosamente à vontade livre e consciente da subscritora dos documentos a Ré.
A mesma demonstrou em audiência a sua absoluta consciência e vontade de assumir a obrigação de pagar as dívidas discriminadas nas faturas e a razão de o fazer.
Pagou até parte dessas dívidas antecipadamente.
Não fez nos autos nem em audiência qualquer referência a qualquer facto que pudesse ilidir tal presunção, pelo contrário, mentirosa e condenavelmente, nos autos nega que tenha assinado tais documentos.
É imperativo que tal presunção seja respeitada nos termos legais por não ter sido ilidida por qualquer forma.
O tribunal errou clamorosamente ao julgar a matéria de direito nesta parte desrespeitando a lei – artº 458º n.º 1 do C.C. e toda a doutrina e jurisprudência em vigor.
Impõe-se pois a alteração do julgamento de direito feito erradamente pelo tribunal e decidir que as declarações em causa obrigam a Ré a pagar a quantia peticionada à A., revogando-se a sentença recorrida também nessa parte.
As declarações emitidas pela Recorrida são certas, conscientes, livres e vinculativas
16.ª – A sentença recorrida julgou mal a matéria de direito violando os preceitos citados, invertendo o ónus da prova e desrespeitando flagrantemente a presunção legalmente estabelecida em consequência das declarações (autênticas confissões de divida) subscritas pela Ré, impondo-se retificar tal julgamento e decidir em conformidade.”
Nos termos pede que seja revogada a sentença proferida, substituindo-a por outra que julgue provada e procedente a ação e condene a Ré no pedido.
Não foram juntas contra-alegações.

II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se com as seguintes questões.
-nulidade da sentença;
-modificabilidade da matéria de facto;
-saber qual o valor das declarações unilaterais assinadas pela Ré e se das mesmas decorre a obrigação da Ré de pagamento das faturas apresentadas pela Autora.

III-DA NULIDADE DA SENTENÇA
Invoca a Recorrente a nulidade da sentença nos termos do artº 615º do C.P.C por sofrer dos seguintes vícios: n.º 1 al. b) não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e al. c) os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Não obstante esta imputação de nulidade, desde logo refutada pela Srª Juíza, que sobre a mesma se pronunciou, indeferindo-a, nos termos do disposto no art. 617º nº 1 do C.P.C., verifica-se que a Recorrente não a concretiza. Não diz quais os pontos de facto ou de direito que não se mostram fundamentados, assim como não concretiza a imputada contradição, quer na motivação de recurso, quer nas suas conclusões, o que impede desde logo o seu conhecimento e apreciação.
Uma vez que se trata de vícios de natureza formal e não substancial (ocorre uma situação de nulidade quando os fundamentos de facto e/ou de direito não se mostram exteriorizados e quando de forma clara e evidente, não são passíveis de logicamente conduzir à decisão concreta escolhida), sempre se dirá, não obstante, que lida a sentença, não se verifica a ocorrência das nulidades apontadas, encontrando-se a mesma devidamente fundamentada, com explicitação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão tomada, assim como não se vislumbra a existência de qualquer contradição.
A sentença mostra-se clara, de forma que na sua interpretação se conheça claramente o seu alcance, inexistindo por conseguinte as apontadas e não concretizadas nulidades de sentença.

IV - DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.
Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Assim sendo, se a decisão do julgador se mostra devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.
Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspectiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
À luz destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que se mostra impugnado pela Apelante, que é o seguinte:
Facto julgado não provado: “1.Os serviços e medicamentos faturados não foram (prestados) pelos médicos e pessoal de enfermagem da autora”.
Na sentença, o tribunal entendeu que quanto a este facto o seguinte: “A não prova do facto incluído nos factos não provados resultou da circunstância de sobre ele não ter sido produzido qualquer meio de prova que o demonstrasse com a certeza necessária á sua inclusão nos factos provados” .
É contra este raciocínio que se insurge a Recorrente dizendo que, ao invés, ficou plenamente demonstrado tal facto, com base nos seguintes meios de prova:
-Depoimento de parte da Ré, que reconheceu que sempre que as suas irmãs tiveram que sair do quarto para ir para o internamento pagaram sempre; que nunca permitiu que as irmãs fossem para um hospital público e que até à morte, as suas irmãs quer a E... quer a D..., foram tratadas e todos os tratamentos médicos que elas precisavam foram prestados.
-Depoimento de parte da Ré, feito através do seu Provedor, que esclareceu que a B1... tem médicos contratados, tem médicos próprios a quem paga uma mensalidade e que são os médicos que atendem as “B2...” e que Os outros médicos que prestam serviço na B1... que não são médicos da B1..., são médicos que trabalham por iniciativa própria na B1... e que por tradição não cobravam os serviços que prestavam às “B2...”. Só que “atualmente os médicos entendem que não podem dar essas facilidades às pessoas e desistiram de tratar gratuitamente as B2..., é uma opção deles nós não temos nada a haver com isso, é esse o caso”. E disse também que “porque a B1... não tem neste momento cuidados intensivos e portanto não temos também contratos com a rede pública de cuidados continuados e todas as pessoas que estão abrangidas por esses contratos estão lá internadas em local próprio, quando tem situações agudas, está estipulado com o Estado que temos que recorrer ao SNS e eles serão atendidos no Hospital F....”
-Depoimentos das testemunhas G..., que explicou que no hospital B1..., tem o hospital e tem consulta externa, sendo que os médicos contratam um espaço, um consultório que a B1... lhes fornece e vão ao hospital fazer operações, cirurgias e depois internam as pessoas lá, mas tais médicos individualmente, são médicos independentes, mais referindo que “Muitas vezes as cirúrgicas são cobradas ao doente”; de H..., que afirmou que todas as pessoas tratadas no internamento tinham de pagar; de I..., que referiu que os “B2...” tiveram sempre acompanhamento médico e de enfermagem; J... que confirmou que há sempre médico e pessoal de enfermagem da B1... a prestar assistência e que se as pessoas quiserem ser tratadas por médico de fora, isso já é diferente; de K..., que confirmou que a B1... prestou serviços às irmãs da Ré e que eram internadas nomeadamente a D. E..., esteve internada na parte do Hospital; de L... que confirmou que aquelas tiveram sempre direito a ser tratados por médicos e pessoal da enfermagem; de M... que declarou que a Ré começou a pagar efetivamente estas coisas que antes não pagava, medicamentos e internamentos, já há uns anos; do Prof. N..., médico que presta serviços á B1..., que referiu que “não cobrei honorários clínicos por causa desse tipo de discussão que existia, não é por causa dos honorários clínicos que ela vai deixar de ter assistência”, tendo referido que sempre que o chamavam ia ver a Ré e as irmãs e que existia o “chamado médico da policlínica e uma das suas obrigações é prestar assistência aos B2...”.
Entende a Recorrente que dos documentos juntos e dos aludidos depoimentos resulta cabalmente demonstrado que os atos e produtos faturados pela Recorrente foram prestados por médicos enfermeiros que não estão por qualquer forma dependentes ou vinculados a tal por relações de qualquer natureza com a B1..., e de a própria Ré ter pago parte desses serviços.
Vejamos então agora se os meios de prova indicados pela Apelante impõe uma decisão diversa da decisão do tribunal em julgar não provado o aludido facto.
Entendemos que não.
Com efeito, o que estava em causa era saber se os serviços e medicamentos faturados não foram prestados pelos médicos e pessoal de enfermagem da autora.
Tais serviços e medicamentos encontram-se descritos nas faturas juntas aos autos a fls. 62 a 81.
Delas resulta a faturação de diversos itens, desde medicamentos aí discriminados e outros bens e serviços, como “fraldas”, esponjas”, “agulhas “oxigénio”, “seringas”; “máscaras de nebulização”, “soro fisiológico”, “análises clínicas”, e “transfusões de sangue” entre outros.
Quanto a serviços médicos que tenham sido prestados, mostram-se cobradas, para além de diárias de internamento, o seguinte: “taxa médica permanente dia” (ver fatura de fls. 68, 74, 76, 81 d), 81 h), 81 j), 81 m), 81 o)) e “taxa de urgência médica permanente – fatura de fls. 81 b).
Ou seja das faturas não consta a prestação e serviços médicos pelo médico A, B ou C, mas sim de uma “taxa médica permanente” cobrada pela Autora. Não há identificação do médico que prestou serviços às irmãs da Ré.
Não foi feita prova documental de quais os médicos ou enfermeiros que procederam á prestação e serviços, tudo levando a crer tratar-se de pessoal da B1..., pela forma como esta faturou os serviços às suas clientes, mediante a cobrança de “taxas”.
Na verdade, não se compreende muito bem, como é que a Autora cobra uma “taxa” para o paciente ter médico á sua disposição (é isto o que aparece discriminado nas faturas analisadas), pretendendo agora fazer crer que se tratam de médicos ou enfermeiros “estranhos” ao seu serviço.
Com efeito, considerando os contratos celebrados pelas chamadas “B2...” com a B1..., que se serão analisados mais á frente, o que está em causa é saber se, os serviços foram prestados por “médicos e pessoal de enfermagem da B1...” ou por “médicos estranhos”, pois que naqueles ficou consagrada uma cláusula com o seguinte teor: “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B1... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.”
Ou seja o facto que a Autora pretende demonstrar e que entende ter sido erroneamente apreciado pelo tribunal de primeira instância, não resulta do teor das faturas que apresentou em juízo para cobrança. E também não resulta inequivocamente dos depoimentos prestados que invoca. Dos mesmos não resulta que os serviços médicos e medicamentosos concretos prestados às irmãs da aqui Ré e demais bens fornecidos tenham sido prestados por médicos e pessoal que não seja pessoal médico e de enfermagem da própria autora.
Daí que improceda a impugnação da matéria de facto efetuada.

V-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos:
1. A autora é uma instituição particular de solidariedade social que se dedica à proteção de pessoas carentes de proteção social promovendo a assistência e a beneficência, extensivos aos cuidados de saúde e, ainda, a instrução, o culto religioso no seu templo privativo e a execução das disposições de vontade dos seus benfeitores.
2. Em 27/2/1995 a autora e a ré acordaram que “A segunda outorgante (a ré) fica com o direito de habitar o atual quarto número trinta e nove.”, “A mesma segunda outorgante terá direito a quatro refeições diárias (…) as quais lhe serão fornecidas no seu quarto.”, “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.” e que “Para pagamento das regalias aqui consignadas, a segunda outorgante pagará à B... a quantia de vinte e oito milhões de escudos, da seguinte forma: nesta data um milhão de escudos como sinal e em doze de abril do corrente ano a quantia de vinte e sete milhões de escudos, dos quais dois milhões de escudos são pela jóia de admissão como Irmã da B....”
3. Em 21/11/1994 a autora e E... acordaram que “A segunda outorgante fica com o direito de habitar o atual quarto número trinta e oito.”, “A mesma segunda outorgante terá direito a quatro refeições diárias (…) as quais lhe serão fornecidas no seu quarto.”, “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.” e que “Como retribuição das regalias aqui consignadas, a segunda outorgante pagará à B... a quantia de vinte e três milhões de escudos.”
4. Em 13/12/1994 a autora e D... acordaram que “A segunda outorgante fica com o direito de habitar o atual quarto número quarenta e um.”, “A mesma segunda outorgante terá direito a quatro refeições diárias (…) as quais lhe serão fornecidas no seu quarto.”, “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.” e que “Para pagamento das regalias aqui consignadas, a segunda outorgante pagará à B... a quantia de vinte e sete milhões de escudos, da seguinte forma: nesta data um milhão de escudos como sinal e em dezassete de fevereiro de mil novecentos e noventa e cinco a quantia de vinte e seis milhões de escudos, dos quais dois milhões de escudos são pela joia de admissão como Irmã da B....”
5. A D... faleceu em 9/2/2013, no estado de solteira, sem ascendentes, nem descendentes.
6. Por habilitação de herdeiros lavrada em 8/3/2013, no Cartório Notarial situado na Rua ..., n.º ..., 1.º andar esquerdo, no Porto, a ré foi habilitada como única e universal herdeira de D....
7. A D... deixou um testamento no qual instituiu “suas únicas e universais herdeiras, em comum e partes iguais as suas irmãs E... e C...”.
8. A E... faleceu em 18/10/2014, no estado de solteira, sem ascendentes, nem descendentes.
9. Por habilitação de herdeiros lavrada em 19/11/2014, no Cartório Notarial situado na Rua ..., n.º ..., 1.º andar esquerdo, no Porto, a ré foi habilitada como única e universal herdeira de E....
10. A E... deixou um testamento no qual instituiu “suas únicas e universais herdeiras, em comum e partes iguais as suas irmãs D... e C...”.
11. No período compreendido entre 15/10/2012 e 8/2/2013 a autora prestou serviços de assistência hospitalar médica e medicamentosa a D... no valor global de 13.260,24 euros, tendo emitido em nome desta as faturas n.ºs 4028, 5005, 4355, 4655, 4849, 4852 e 1/269, datadas de 18/10/2012, 31/12/2012, 14/11/2012, 5/12/2012, 20/12/2012, 20/12/2012 e 14/2/2013, respetivamente.
12. A autora emitiu a favor da D... as notas de crédito n.ºs 727, 726, 773, 744 e 1/55, datadas de 5/12/2012, 5/12/2012, 20/12/2012, 20/12/2012 e de 15/2/2013, nos montantes de 110,11 euros, 501,40 euros, 252,00 euros, 234,75 euros e 300,53 euros.
13. No período compreendido entre 9/5/2013 e 18/4/2014 a autora prestou serviços de assistência hospitalar médica e medicamentosa a E... no valor global de 8.262,77 euros, tendo emitido em nome desta as faturas n.ºs 1/955, 5/192, 5/242, 5/279, 1/1580, 5/344, 1/610, 1/1953, 1/1989, 709, 710, 715, 1085, 1087, 1311, 665, 666, 938, 986, 1081, 1176, 1390, 1612, 1752, 5387, 5858, 6339, 6343, 6419, 7307, 8075, 8513, 8527, 8878, 9002, 9471, 9931, 9934, 9935, 10445, 10526, 11020, 11021, 11742, 12163, 13100, 13178, 13592, 14347, 14874, 14 e 2877, datadas de 14/5/2013, 30/4/2013, 31/5/2013, 31/7/2013, 1/8/2013, 5/8/2013, 26/9/2013, 2/10/2013, 8/8/2013, 8/8/2013, 8/8/2013, 13/8/2013, 13/8/2013, 16/8/2013, 26/85/2013, 26/8/2013, 3/9/2013, 4/9/2013, 6/9/2013, 10/9/2013, 16/9/2013, 23/9/2013,25/9/2013, 4/10/2013, 9/10/2013, 14/10/2013, 14/10/2013, 15/10/2013, 23/10/2013, 29/10/2013, 1/11/2013, 1/11/2013, 5/11/2013, 6/11/2013, 14/11/2013, 14/11/2013, 14/11/2013, 19/11/2013, 20/11/2013, 25/11/2013, 25/11/2013, 29/11/2013, 3/12/2013, 11/12/2013, 11/12/2013, 16/12/2013, 20/12/2013, 27/12/2013, 2/1/204 e 24/4/2014, respetivamente.
14. A autora emitiu a favor da E... as notas de crédito n.ºs 1/225, 1/457, 1/465, 1/1571 e 1/585 datadas de 14/5/2013, 1/8/2013, 5/8/2013, 26/9/2013 e 2/10/2013, nos montantes de 143,18 euros, 97,40 euros, 54,00 euros, 27,00 euros e 108,00 euros.
15. A ré, em 9/5/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Eu, C... recuso que a minha irmã E... residente dos B2..., quarto n.º .., seja encaminhada para o hospital.
Assim sendo, assumo todas as responsabilidades pelo internamento da minha irmã na B....”
16. A ré, em 15/6/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Eu, C... recuso a transferência da minha irmã E... residente na B1... – B2... - quarto .., para um hospital público, em caso de agravamento do seu estado clínico.
Assim sendo, assumo os custos inerentes ao internamento, bem como toda a medicação necessária ao tratamento da minha irmã.”
17. A ré, em 25/9/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Internamento 25.9.2015
Eu, C..., residente nas B2... da B1... (qto ..) autorizo o internamento da minha irmã E... (qto ..) das B2..., do 2.º piso da B1..., responsabilizando-me pelos pagamentos, conforme anteriores internamentos inerentes ao tratamento da minha irmã por agravamento do quadro respiratório.
Médico responsável pelo internamento – Sr. Prof. N....
Por ser verdade dato e assino esta declaração”.
E foi julgado não provado o seguinte facto:
1. Os serviços e medicamentos faturados não foram pelos médicos e pessoal de enfermagem da autora.

VI-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS.
A grande questão a que importa dar resposta no presente recurso é a de saber se a Ré assumiu a ou não perante a Autora, a obrigação de pagamento das faturas juntas aos autos.
A resposta a esta questão, passa desde logo pela análise e valoração das declarações unilaterais juntas aos autos, a fls. 58, 59 e 60, que se mostram assinadas pela Ré.
Encontra-se na verdade, provado que a Ré assinou as seguintes declarações:
Em 9/5/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Eu, C... recuso que a minha irmã E... residente dos B2..., quarto n.º .., seja encaminhada para o hospital. Assim sendo, assumo todas as responsabilidades pelo internamento da minha irmã na B....”
Em 15/6/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Eu, C... recuso a transferência da minha irmã E... residente na B1... – B2... - quarto .., para um hospital público, em caso de agravamento do seu estado clínico. Assim sendo, assumo os custos inerentes ao internamento, bem como toda a medicação necessária ao tratamento da minha irmã.”
E em 25/9/2013, assinou uma declaração manuscrita por terceiro com o seguinte teor “Internamento 25.9.2015 Eu, C..., residente nas B2... da B1... (qto ..) autorizo o internamento da minha irmã E... (qto ..) das B2..., do 2.º piso da B1..., responsabilizando-me pelos pagamentos, conforme anteriores internamentos inerentes ao tratamento da minha irmã por agravamento do quadro respiratório.
Médico responsável pelo internamento – Sr. Prof. N....
Por ser verdade dato e assino esta declaração”.
Na declaração prestada em 15.6.2013, a Ré declarou que “assume os custos inerentes ao internamento, bem como toda a medicação necessária ao tratamento da minha irmã” e em 25/9/2013 declarou que “responsabilizando-me pelos pagamentos, conforme anteriores internamentos inerentes ao tratamento da minha irmã por agravamento do quadro respiratório.”
Dispõe o art. 457º do Código Civil, o seguinte: A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.
Por sua vez, dispõe o artigo 458º nº 1 do Código Civil, o seguinte: “se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado e provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”.
Vigora assim o princípio de que o negócio unilateral só é reconhecido como fonte de obrigações nos casos previstos na lei, sendo o contrato, consequentemente a fonte normal das obrigações ex negotio.
O negócio unilateral - e aquilo que a Apelante esgrime consubstancia-se num negócio unilateral - não é em regra fonte de obrigações; só o é nos casos especificamente previstos na lei (art. 457º citado.)
Na verdade, o nosso legislador foi sensível à tradição clássica de fazer emergir a obrigação prestacional ou de contratos reciprocamente aceites pelas partes (a doação, negócio gratuito e de um só sentido é o exemplo paradigmático) ou dos institutos expressamente previstos nesse sentido.
O negócio unilateral, dispensando a aceitação da contraparte e criando sem ela uma obrigação, está por isso fora dos cânones clássicos.
Sem embargo, a lei permite o reconhecimento de dívida como negócio unilateral, mas não o desliga da causa que caracteriza o negócio jurídico. Por isso mesmo, o nº 1 do art. 458º não consagra o negócio abstrato (verdadeiramente excecional no nosso direito como sucede com os títulos de crédito) mas cria, apenas, uma inversão do ónus de prova dispensando o credor de provar a relação subjacente já que possui um documento que reconhece o seu crédito.
Temos, assim, que o reconhecimento documental de dívida é válido, mas passível de contraprova pelo devedor para infirmar a literalidade do documento, pondo em xeque a causa oculta da dívida reconhecida.
“A justificação da ideia de tipicidade ou do numero clausus dos negócios unilaterais enquanto fonte de obrigações – ponto muito controvertido entre os autores – estará essencialmente no facto de não ser razoável (fora dos casos especiais previstos na lei) manter irrevogavelmente obrigado perante outrem com base numa simples declaração unilateral de vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expectativas do beneficiário dignas de tutela, anteriormente á aceitação, que á lei cumpra salvaguardar (Antunes Varela, Obrigações, 1970, pg 278 e 279).
O artigo 458º nº 1 do Código Civil, respeita aos negócios unilaterais, às figuras da promessa de cumprimento e do reconhecimento de dívida.
Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3ª ed., em anotação a este artigo dizem o seguinte: “Sublinhe-se que o nº 1 deste artigo não consagra um desvio ao princípio do contrato. Nenhum dos atos a que se alude (promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui com efeito, fonte autónoma de uma obrigação. (…) Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação.”
E acrescentam com muito interesse para o que aqui se discute, o seguinte: “Se o declarante ou seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (porque o negócio não chegou a constituir-se; porque é nulo ou foi anulado; porque caducou; porque os seus efeitos se extinguiram entretanto; porque não foi afinal o promitente o autor do dano que pretende reparar; porque contra a sua convicção inicial, não há responsabilidade objetiva naquele tipo de casos, tec), a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento, nem o reconhecimento de dívida”.,
Como refere António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, VII, pg 693, o único papel deste preceito é o de dispensar o beneficiário de indicar a verdadeira fonte da obrigação em jogo; fonte essa cuja existência se presume, até prova em contrário.
E acresce: “Em bom rigor, existe aqui, ainda, um negócio unilateral: só que com uma mera eficácia declarativa, limitada á inversão do ónus da prova. Antes caberia ao beneficiário que invocasse uma obrigação, provar a sua fonte ou origem (a “causa”); agora, pode o mesmo contentar-se com a apresentação de “promessa” ou do “reconhecimento”, cabendo ao devedor demonstrar que, afinal, ela não existia. E naturalmente: poderá ainda ter de explicar, na hipótese de não existir, porque fez uma declaração errónea.”.
Também Almeida e Costa refere o seguinte, in Introdução ao Estudo do Direito, pg 108: “A lei admite que através de ato unilateral se efetue a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental. Mas trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta de ilicitude ou da imoralidade da causa dos negócios jurídicos. Trata-se de negócios causais apenas se dando uma inversão do ónus da prova.”.
Ora, no caso em apreço, em todas as declarações unilaterais que faz, a Ré recusa que as suas irmãs E... e D..., com residência “B2...” na B1... sejam internadas noutros hospitais.
É o que resulta das expressões:
(…) recuso que a minha irmã E... residente dos B2..., quarto n.º .., seja encaminhada para o hospital (…)”- declaração datada de 9.5.2013;
“(…) recuso a transferência da minha irmã E... residente na B1... – B2... - quarto .., para um hospital público, em caso de agravamento do seu estado clínico.”- declaração datada de 15.6.2013 e,
“(…) autorizo o internamento da minha irmã E... (qto ..) das B2..., do 2.º piso da B1... (… ) - declaração datada de 25.9.2013.
Na sequência da recusa das suas irmãs serem medicamente assistidas/internadas fora das instalações da B1..., a Ré declara assumir a responsabilidade pelos custos dos internamentos das suas irmãs.
É o que resulta das expressões:
“(…) assumo todas as responsabilidades pelo internamento da minha irmã na B....” (…)” - declaração datada de 9.5.2013;
“(…) responsabilizando-me pelos pagamentos, conforme anteriores internamentos inerentes ao tratamento da minha irmã por agravamento do quadro respiratório”. .” - declaração datada de 15.6.2013 e,
“(…) a aqui Ré, assumo todas as responsabilidades pelo internamento da minha irmã na B....” (…) -declaração datada de 25.9.2013.
A Ré assume os custos médicos e medicamentosos do internamento das suas irmãs E... e D..., na B1....
Tais declarações traduzem-se assim na assunção pela aqui Ré das dívidas pelo internamento das suas irmãs, na B1... da Autora.
Das mesmas decorre, por força do disposto no art. 458º do C.Civil que a obrigação assumida pela declarante tem uma causa idónea, que se presume em termos de presunção simples.
Porém, como também vimos, a Ré, na qualidade de devedora pode afastar a presunção e provar que inexiste a relação fundamental.
Ora, foi precisamente isso o que a Ré fez nesta ação, ao provar, tal como resulta dos factos supra nºs 2, 3 e 4 que as suas irmãs E... e D... estavam contratualmente ligadas á Autora (tal como a própria Ré), mediante um contrato que lhes conferia o direito “vitalício”, isto é até ao fim da sua vida, a serem tratadas “gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B1... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.”
Com efeito provou-se que, em 21/11/1994 E... e a aqui Apelante e Autora acordaram entre si, que “A segunda outorgante fica com o direito de habitar o actual quarto número ....”, “A mesma segunda outorgante terá direito a quatro refeições diárias (…) as quais lhe serão fornecidas no seu quarto.”, “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.” e que “Como retribuição das regalias aqui consignadas, a segunda outorgante pagará à B... a quantia de vinte e três milhões de escudos.”
Em 13/12/1994 a Apelante e D... acordaram entre si que “A segunda outorgante fica com o direito de habitar o atual quarto número quarenta e um.”, “A mesma segunda outorgante terá direito a quatro refeições diárias (…) as quais lhe serão fornecidas no seu quarto.”, “Quando doente, fica a segunda outorgante com o direito a ser tratada gratuitamente pelos médicos e pessoal de enfermagem da B1... podendo também tratar-se com médicos estranhos, aos quais, porém pagará à sua custa.” e que “Para pagamento das regalias aqui consignadas, a segunda outorgante pagará à B... a quantia de vinte e sete milhões de escudos, da seguinte forma: nesta data um milhão de escudos como sinal e em dezassete de fevereiro de mil novecentos e noventa e cinco a quantia de vinte e seis milhões de escudos, dos quais dois milhões de escudos são pela joia de admissão como Irmã da B....”
A própria Autora celebrou idêntico contrato com a aqui Ré.
Daqui resulta que, não se tendo provado, como não se provou, que as despesas faturadas pela autora se relacionem com serviços prestados por “médicos estranhos” à própria Autora, ou por pessoal de enfermagem também ele “estranho” á Autora, inexiste qualquer obrigação de pagamento das faturas dos autos, devidas pelos internamentos das irmãs da Ré na B..., pois que se tratam de serviços e bens, os quais, mediante os aludidos contratos, a autora se obrigou a fornecer gratuitamente á Ré e às suas irmãs.
O que se verifica no caso em apreço é assim que, tal como a Ré demonstrou, inexiste relação fundamental subjacente á obrigação assumida pela Ré, nas declarações unilaterais de assunção de dívida que protagonizou.
A “devedora”, onerada com a prova do contrário, logrou demonstrar a inexistência da relação fundamental (presumida nos termos do disposto no art. 458º do C.Civil).
Veja-se neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt: o acórdão de 8.3.2005 (Lopes Pinto): “I- No negócio unilateral contemplado no art. 458 CC, não declarada a causa, presume-se que a obrigação a tem cabendo ao devedor a prova de que inexiste a relação fundamental. II - Por força da inversão do ónus da prova, à executada não bastava instalar a dúvida sobre a existência da relação fundamental, havia que alegar, para poder vir a demonstrar, factos que permitissem concluir pela inexistência da relação fundamental; o acórdão de 13.1.2005 (Salvador da Costa): “Deste artigo não decorre, assim, a existência de obrigação sem a correspondente fonte ou situação jurídica base, sendo que dele apenas resulta a presunção juris tantum da existência dessa relação, susceptível de ser ilidida pelo devedor (artigo 350º do Código Civil). Dele decorre, com efeito, que a obrigação assumida pelo declarante tem uma causa idónea, que se presume em termos de presunção simples, sem prejuízo de o sujeito obrigado poder provar o contrário, no quadro da inversão do ónus de prova da existência da relação fundamental.”; e o acórdão de 09-03-2004 (Noronha do Nascimento): “I) O reconhecimento unilateral de dívida previsto no art. 458 do C.Civil inverte o ónus de prova mas não obsta a que o devedor possa provar que afinal não existe a relação subjacente que é a causa justificativa daquela; II) Daí que o reconhecimento de uma dívida de determinado montante proveniente de danos emergentes de um acidente de viação em que se interveio, não impeça o devedor de provar que o acidente foi provocado por terceiro e que, por isso, ele - devedor - nada deve.”
Do exposto resulta que, mesmo reconhecendo uma dívida unilateralmente, ou prometendo uma prestação, o devedor pode depois provar que afinal, ela não existe destruindo destarte os efeitos da declaração documental; se, porém não conseguir fazer essa prova destruidora, permanecerá a presunção de crédito e de causa que o devedor não ilidiu.
As declarações unilaterais da Ré juntas aos autos, na qual a Autora fundou a sua pretensão condenatória, não são impeditivas da Ré poder infirmar a causa do débito que reconheceu assumir. Ao fazê-lo, como fez, através desta ação, deixou de subsistir relação fundamental, inexistindo causa para o pagamento das faturas dos autos, impondo-se por isso a absolvição da Ré do pedido contra si formulado, confirmando-se assim a sentença recorrida.

VII-DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Porto, 26.3.2019
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró