Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2181/06.0TMPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FGADM
RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO
PENHORABILIDADE
Nº do Documento: RP201706052181/06.0TMPRT-B.P1
Data do Acordão: 06/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 652, FLS.248-253)
Área Temática: .
Sumário: I - O rendimento social de inserção é uma prestação a cargo da Segurança Social e concedida no âmbito do subsistema de solidariedade (artigo 40º, nº 1, alínea a), da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
II - Essa prestação, à semelhança das demais prestações da Segurança Social é parcialmente penhorável nos termos gerais (artigo 72º,nº 2, da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
III - Deste modo, tendo em atenção que está em causa nos autos a não satisfação de um crédito alimentar, visto o disposto no artigo 738º, nº 4, do Código de Processo Civil, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que é de €203,35, neste ano de 2017.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2181/06.0TMPRT-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2181/06.0TMPRT-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. O rendimento social de inserção é uma prestação a cargo da Segurança Social e concedida no âmbito do subsistema de solidariedade (artigo 40º, nº 1, alínea a), da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
2. Essa prestação, à semelhança das demais prestações da Segurança Social é parcialmente penhorável nos termos gerais (artigo 72º,nº 2, da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
3. Deste modo, tendo em atenção que está em causa nos autos a não satisfação de um crédito alimentar, visto o disposto no artigo 738º, nº 4, do Código de Processo Civil, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, que é de €203,35, neste ano de 2017.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 27 de novembro de 2015, junto da Instância Central de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em representação de B…, nascido em 17 de Janeiro de 2006, o Ministério Público suscitou incidente de incumprimento contra C… e D…, requerendo que efetuadas as diligências tidas por necessárias e apurando-se alguma das situações do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, se ordenem os descontos adequados para satisfação dos montantes alimentares vencidos e vincendos e, constatada que seja a eventual impossibilidade de os requeridos pagarem os alimentos, se ordene o prosseguimento do incidente com vista à fixação de prestação substitutiva a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, caso se preencham os pressupostos legais necessários.
Em 09 de novembro de 2016, após notificação dos requeridos para, querendo, se pronunciarem sobre o incidente suscitado pelo Ministério Público e realização das diligências tidas por necessárias, foi proferida a seguinte decisão[1]:
I. Relatório
O(a) Digno Ministério Público, em representação do(a/s) menor(es), B…, veio deduzir acção de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra o(s) seu(s) progenitor C… e D…, alegando o não cumprimento da sua obrigação de pagamento de alimentos em favor do(a/s) mesmo(a/s), anteriormente fixada, nos termos do artº 41º, n. 1, do RGPTC.
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O(a/) requerido(a/s) foi(ram) regularmente notificado(s).
O(a/) requerido(a/s) estiveram presentes na conferencia realizada no dia 25/10/2016, fls. 76.
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Não existem questões prévias que importe conhecer.
II. Fundamentação
Factos provados
1. Por decisão proferida a 28 de Fevereiro de 2008, transitada em julgado, no âmbito do Apenso A, processo Tutelar Comum, o(a/s) aqui Requerido(a/s) C… e D… ficaram obrigados pagar, a título de alimentos ao(à/s) seu(ua/s) filho(a/s) menor(es), B…, nascido(a/s) a 17/1/2006, a quantia mensal de €100.
2. O(A) Requeridos nunca pagaram a prestação de alimentos devida ao(à/s) menor(es).
3. A requerida C… encontra-se desempregada.
4. Beneficia de RSI no montante de €579.
5. Vive com o companheiro e tem mais três filhos menores de idade.
6. O requerido D… encontra-se desempregado.
7. Faz biscates, trabalha duas a três semanas por mês, de onde retira €50/€60 por semana.
8. Vive com a companheira, e um filho comum, de três anos de idade.
9. A companheira beneficia de RSI no montante de €180.
Motivação
A decisão relativa à matéria de facto resultou provada com base nas declarações confessórias dos requeridos e dos elementos processuais juntos aos autos e certidões junta no Apenso A.
Análise dos factos e aplicação da lei.
Determina o art. 41.º RGPTC, que «Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver siso acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligencias necessárias para o cumprimento coercivo e as condenações do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos».
Nos termos do artigo 293º, n.º 1 e 3 do CPC, aplicável por força dos artigos 986º, n.º 1 do CPC e 41º da Lei nº141/2015 de 8/9, posto que está em causa apenas a questão relacionada com os alimentos devidos pelo(a) progenitor(a), e não outras questões das responsabilidades parentais, considero confessados os factos alegados pelo(a) requerente(s), designadamente que o(a/s) requerido(a/s) não cumpriram com a sua obrigação para com o(a/s) se(ua/s) filho(a/s), incumprimento que se presume culposo, atento o disposto no artigo 799º, n.º 2 do C. Civil.
In casu, cabia aos requeridos a prova do cumprimento da sua obrigação, conforme resulta do disposto no artigo 342º, n.º 2 do C. Civil, aqui aplicável por via do artº 33º, do RGPTC.
Neste contexto, tendo os requeridos confessado o não pagamneto da pensâo de alimentos, concluímos que os mesmos não cumpriram com a obrigação em favor do(a/s) se(ua/s) filho(a/s), incumprimento que se presume culposo, atento o disposto no artigo 799º, n.º 2 do C. Civil.
Em consequência, e nos termos do artigo 41º, da Lei nº141/2015 de 8/9, julgo procedente a acção de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais relacionado com o(a/s) menor(es), no que ao pagamento da prestação de alimentos diz respeito.
III.Decisão
Julgo procedente a acção de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais relacionado com o(a/s) menor(es), B…, no que ao pagamento da prestação de alimentos diz respeito.
Custas pelo(a/s) requerido(a/s) fixando-se a taxa de justiça em ½ Uc – artigo 7º, n.º 3 do RCP e Tabela Anexa II.
Registe e Notifique.
Após a realização de algumas diligências, em 16 de fevereiro de 2017, foi proferida a seguinte decisão[2],[3]:
I. O(a) Digno Ministério Público, em representação do(a/s) menor(es), B…, deduziu acção de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra o(s) seu(s) progenitor C… e D…, alegando o não cumprimento da sua obrigação de pagamento de alimentos em favor do(a/s) mesmo(a/s), anteriormente fixada.
Foi proferida decisão a julgar procedente o incidente de incumprimento, a fls. 79 a 81.
Cumpre decidir - art. 3.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, alterada pela Lei n. 66-B/2012, de 3/12.
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Não existem questões prévias que importe conhecer.
II. - Fundamentação
Fundamentação de facto
1. Por acordo realizado a 28 de Fevereiro de 2008, homologado por sentença em 31/3/2008, transitada em julgado, no âmbito do Apenso A, processo Tutelar Comum, o(a/s) aqui Requerido(a/s) C… e D… ficaram obrigados pagar, a título de alimentos ao(à/s) seu(ua/s) filho(a/s) menor(es), B…, nascido(a/s) a 17/1/2006, a quantia mensal de €100, até ao dia 15 de cada mês.
2. O(A) Requerido(s) nunca pagou(aram) a prestação de alimentos devida ao(à/s) menor(es).
3. Encontram-se em divida 104 prestações, no valor total de €10.400, a cargo de cada um dos progenitores.
4. O(s) menor(es) vive(m) no agregado da avó paterna, constituído por cinco elementos, dos quais dois são crianças, com rendimento Per Capita de €277,12.
5. A requerida C… encontra-se desempregada.
6. Beneficia de RSI no montante de €579.
7. Vive com o companheiro e tem mais três filhos menores de idade.
8. O requerido D… encontra-se desempregado.
9. Faz biscates, trabalha duas a três semanas por mês, de onde retira €50/€60 por semana.
10.Vive com a companheira, e um filho comum, de três anos de idade.
11.A companheira beneficia de RSI no montante de €180.
Motivação
A decisão respeitante aos fundamentos de facto resultou dos documentos juntos aos presentes autos, designadamente, informação da SS de fls. 42 a 44, 46, 49 a 51, 54, relatório social de fls. 60 a 62, a que acresce o(s) assento(s) de nascimento e sentença homologatória, juntos ao Apenso A, fls. 6, 123 e 128
Foram, ainda, valoradas as declarações dos requeridos, fls. 76, dos presentes autos.
Análise dos factos e aplicação da lei
Garantia pelo Estado dos alimentos devidos a menores.
Determina o art. 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11, alterada pela Lei n. 66-B/2012, de 3/12 - ‘Garantia dos alimentos devidos a menores’ - que, «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS- para o ano 2017, no valor de €421,32, cfr. artº 2º, da Portaria n. 4/2017, 3/1), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação».
São requisitos da garantia pelo Estado dos alimentos devidos a menores:
a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida, voluntária ou coercivamente - arts. 1.º da Lei n.º 75/98, alterada pela Lei n. 66-B/2012, de 3/12, e 3.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, alterado pela Lei n. 64/2012, de 2012;
b) o menor não tenha rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre - art. 3.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 2012.
c) as prestações atribuídas não podem exceder, mensalmente, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores - art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, alterada pela Lei n. 66-B/2012, de 3/12 e 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 2012.
Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele - cfr. o 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 20/12.
O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado - cfr. os arts. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 75/98, alterada pela Lei n. 66-B/2012, de 3/1, e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 20/12.
Sem necessidade de maiores considerações, verifica-se que, no caso vertente, encontram-se reunidos os pressupostos legais, dado que o valor de capitação do agregado familiar em que o(a) menor se integra não é superior ao indexante social em vigor (actualmente fixado, em 2017, em €421,32).
Por outro lado, em face das factos provados, considero que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores deve assegurar o pagamento de uma prestação igual ao montante da prestação de alimentos fixada e não paga, pois o(a/s) menor(es) carece(m) deste montante para ter(em) uma vida minimamente condigna.
A primeira prestação é devida no mês seguinte ao da notificação da presente decisão ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - cfr. o art. 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 2012.
III. Decisão
Pelo exposto, determino que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores garanta o pagamento da prestação que fica a cargo de C… e D…, devida ao(à) menor(es) a titulo de prestação de alimentos no valor mensal de €75, de cada um dos progenitores.
A(s) primeira(s) prestação(ões) é(são) devida(s) no mês seguinte ao da notificação da presente decisão ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e deverá(ão) manter-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado, salvo alteração das circunstâncias.
A referida quantia deve ser entregue ao(à) progenitor(a), ficando este(a) obrigado a comunicar ao ISS qualquer circunstância que implique a cessação ou alteração dos daqueles pressupostos.
Sem custas.
Registe e Notifique - art. 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99, alterado pela Lei n. 64/2012, de 2012.
Notifique, ainda, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9º, n.º 4, artº 9º, n. 4, do DL n. 164/99, de 13/5.
Em 09 de março de 2017, inconformado com a decisão que precede, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
Requisitos legais para a intervenção do FGADM.
I. São os seguintes os requisitos cumulativamente exigidos para a atribuição de prestações de alimentos nos termos da Lei nº 75/98 de 19/11, face às alterações introduzidas no DL 164/99 de 13/05 pelo DL 70/2010 de 16/06 e pela e pela Lei nº 64/2012, de 20/12:
1. a existência de uma decisão judicial que tenha fixado os alimentos devidos a menores (nos termos do disposto na 1ª parte da alínea a) do nº 1 do art. 3° do DL 164/99 de 13 de Maio);
2. que o menor beneficiário resida em território nacional;
3. que não seja possível a satisfação pelo devedor das quantias em dívida, pelas formas previstas no art. 189° da OTM (2ª parte da alínea a) do nº 1 do art. 3º do DL 164/99 de 13 de Maio);
4. que o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, entendendo-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor (art. 3º, nº 1, alínea b) e nº 2 do DL 164/99 de 13/05).
Falta de verificação do terceiro requisito relativamente à obrigada C… - impossibilidade de recurso à cobrança coerciva da prestação, nos termos do art. 48º do RGPTC – anterior 189º da OTM.
II. Nos termos do nº 4 do art. 738º do CPC, quando o crédito exequendo for de alimentos, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.
III. Em 2017 o valor da pensão social do regime não contributivo é de €203,35, pelo que o valor impenhorável para o que aos autos interessa é de €203,35.
IV. Encontra provado nos autos que a obrigada C… beneficia de RSI no montante de €579,00.
V. Tal subsídio é penhorável nos termos conjugados do art. 48º do RGPTC e do nº 4 do art. 738º do CPC, pois fica salvaguardado o limite imposto nesta disposição legal, já que restarão €529,00 (€579,00 – €50,00 = €529,00), valor que é superior ao valor da pensão social do regime não contributivo.
E o mesmo sucederá caso se considere, por mera hipótese de raciocínio e sem prescindir, o valor fixado na decisão recorrida, já que restarão € 479,00 (€579,00 – €100,00 = €479,00).
VI. É, pois, manifesto que em relação à obrigada C… é possível fazer operar o dispositivo legal que permite a cobrança coerciva das quantias em dívida em causa nos autos.
VII. Consequentemente, não se verifica em relação à obrigada C… um dos pressupostos necessários à intervenção do FGADM, a saber, a impossibilidade de efectuar a cobrança coerciva da prestação de alimentos nos termos do art. 48º do RGPTC, pelo que não será possível em relação a esta determinar o pagamento pelo FGADM da prestação substitutiva de alimentos a favor do menor.
VIII. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo, o disposto na 2ª parte da alínea a) do nº 1 do art. 3º do DL 164/99 de 13 de Maio, com a redacção dada pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.
Sem prescindir,
Condenação do FGADM em valor superior ao legalmente permitido
IX. Na decisão recorrida, considerou-se provado que: “Por acordo realizado a 28 de Fevereiro de 2008, homologado por sentença em 31/03/2008, transitada em julgado, … os aqui requeridos C… e D… ficaram obrigados a pagar, a título de alimentos ao seu filho menor, E…, … a quantia mensal de €100, …”.
X. Do teor do incidente de incumprimento deduzido pelo MP, constata-se que a pensão de alimentos no montante global de €100,00 era devida na proporção de €50,00 por cada um dos progenitores.
XI. Na decisão recorrida decidiu-se “… que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores garanta o pagamento da prestação que fica a cargo de C… e D…, devida ao menor a título de prestação de alimentos no valor mensal de €100, de cada um dos progenitores.”.
XII. Verifica-se, assim, que pelo Tribunal a quo foi atribuída uma prestação alimentar a ser suportada pelo FGADM a favor do menor no valor de €200,00 (€100,00x2), valor bem diferente do fixado judicialmente aos progenitores em incumprimento €100,00 (€50,00x2).
XIII. No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 19.03.2015, proferido no âmbito do proc. 252/08.8TBSRP-B.E1.S1-A, - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2015, publicado no Diário da República, 1.ª Série — N.º 85 — 4 de Maio de 2015, decidiu-se uniformizar jurisprudência nos termos seguintes: “Nos termos do disposto no artigo 2º da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.” (reproduzimos).
XIV. Tal Acórdão, como os restantes Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, não obstante não ser vinculativo, não deixa de merecer uma maior ponderação, por contribuir para a unidade da ordem jurídica, não se encontrando na decisão recorrida a verificação de fortes razões ou outras especiais circunstâncias que, porventura ainda não tenham sido ponderadas para que aquele Acórdão seja contrariado.
XV. A douta decisão ora recorrida, tendo sido proferido no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, encontra-se em contradição com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
XVI. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo, o disposto no nº 2 do art. 2º, no nº 5 do art. 3º, e no nº 1 do art. 5º do DL 164/99, de 13 de Maio, todos com a redacção dada pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.
O Digno Magistrado do Ministério Público contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso, referindo, em síntese, na senda do acórdão desta Relação de 09 de Outubro de 2012, proferido no processo nº 88/09.9TBRSD.P1, acessível na base de dados da DGSI, que o valor do rendimento social de inserção, constitui um limite mínimo imune à cobrança do crédito de alimentos a menores e que o valor de cem euros devido a título de prestação alimentar é devido por cada um dos progenitores.
Atenta a natureza estritamente jurídica das questões decidendas e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo, decidiu-se dispensar os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da inverificação dos pressupostos legais para a substituição do FGADM relativamente à obrigação alimentar a cargo da mãe do menor;
2.2 Da fixação de montante a cargo do FGADM superior àquele a que estavam obrigados os progenitores do menor alimentando.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida e que não foram impugnados pelo recorrente, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.1
Por acordo realizado a 28 de Fevereiro de 2008, homologado por sentença em 31/3/2008, transitada em julgado, no âmbito do Apenso A, processo Tutelar Comum, o(a/s) aqui Requerido(a/s) C… e D… ficaram obrigados pagar, a título de alimentos ao(à/s) seu(ua/s) filho(a/s) menor(es), B…, nascido(a/s) a 17/1/2006, a quantia mensal de €100, até ao dia 15 de cada mês.
3.2
O(A) Requerido(s) nunca pagou(aram) a prestação de alimentos devida ao(à/s) menor(es).
3.3
Encontram-se em dívida 104 prestações, no valor total de €10.400, a cargo de cada um dos progenitores.
3.4
O(s) menor(es) vive(m) no agregado da avó paterna, constituído por cinco elementos, dos quais dois são crianças, com rendimento Per Capita de €277,12.
3.5
A requerida C… encontra-se desempregada.
3.6
Beneficia de RSI no montante de €579.
3.7
Vive com o companheiro e tem mais três filhos menores de idade.
3.8
O requerido D… encontra-se desempregado.
3.9
Faz biscates, trabalha duas a três semanas por mês, de onde retira €50/€60 por semana.
3.10
Vive com a companheira, e um filho comum, de três anos de idade.
3.11
A companheira beneficia de RSI no montante de €180.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da inverificação dos pressupostos legais para a substituição do FGADM relativamente à obrigação alimentar a cargo da mãe do menor
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, na parte em que determinou a sua intervenção em substituição da mãe do menor, pagando à avó materna[4] a prestação fixada pelo tribunal a quo, porquanto, em seu entender, a prestação do rendimento social de inserção no montante de €579,00 que a mesma aufere é passível de ser penhorada para pagamento da prestação alimentar devida ao menor, o que afasta a necessidade de intervenção do recorrente, nesta parte.
O Digno Magistrado do Ministério Público contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso, referindo, em síntese, na senda do acórdão desta Relação de 09 de outubro de 2012, proferido no processo nº 88/09.9TBRSD.P1, acessível na base de dados da DGSI, que o valor do rendimento social de inserção, constitui um limite mínimo imune à cobrança do crédito de alimentos a menores.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 3º, do decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores depende, além do mais, de que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do decreto-lei nº 314/78, de 27 de Outubro, a que corresponde atualmente, o artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pela Lei nº 141/2015, de 08 de setembro.
No caso em apreço, está em causa saber se à prestação do rendimento social de inserção recebida pela mãe do menor pode ser deduzida a prestação alimentar que está obrigada a pagar a seu filho B….
O rendimento social de inserção é uma prestação a cargo da Segurança Social e concedida no âmbito do subsistema de solidariedade (artigo 40º, nº 1, alínea a), da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro).
Essa prestação, à semelhança das demais prestações da Segurança Social é parcialmente penhorável nos termos gerais (artigo 72º,nº 2, da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro). Deste modo, tendo em atenção que está em causa a não satisfação de um crédito alimentar, visto o disposto no artigo 738º, nº 4, do Código de Processo Civil, apenas é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo. Por força do disposto no nº 1, do artigo 17º da Portaria nº 98/2017, publicada em 07 de março de 2017, no corrente ano, o montante da pensão social do regime não contributivo é de €203,35.
Assim, se pode concluir que o rendimento social de inserção, na parte em que excede o montante de €203,55, é penhorável, estando em causa um crédito alimentar.
Esta nossa conclusão não colide com a jurisprudência citada pelo Digno Magistrado do Ministério Público e, pelo contrário, antes é com ela consonante no que aos princípios gerais respeita.
Assim, o acórdão de 09 de outubro de 2012, já antes citado, relatado por Henrique Araújo, apenas concluiu pela impenhorabilidade do montante de €189,52, valor então correspondente ao valor base do rendimento social de inserção.
Já o acórdão de 02 de outubro de 2008, relatado por Barateiro Martins, no processo nº 0835440, também acessível na base de dados da DGSI, em ambiente normativo diverso daquele em que presentemente se labora[5], concluiu pela inconstitucionalidade material da interpretação segundo a qual sendo o crédito exequendo de alimentos, nenhuns limites à penhorabilidade existiriam, sustentando-se que se deveria recorrer ao rendimento social de inserção como referência para definir o mínimo vital que sempre se deveria colocar ao abrigo da penhora ou do desconto, ainda que para satisfação de crédito alimentar.
Ora, nesta decisão, conclui-se pela preservação do mínimo vital do devedor de alimentos no limite fixado legalmente no nº 4, do artigo 738º do Código de Processo Civil, valor que até é um pouco mais elevado do que o valor base do rendimento social de inserção[6].
Assim, face a quanto precede, conclui-se que nesta parte o recurso do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, procede, pois que estão reunidas as condições legais para que a prestação alimentar devida a B… lhe seja entregue depois de descontado o valor correspondente da prestação de rendimento social de inserção que a mãe do menor recebe mensalmente, não estando por isso reunidas as condições legais para a intervenção do aludido fundo, em substituição da progenitora.
4.2 Da fixação de montante a cargo do FGADM superior àquele a que estavam obrigados os progenitores do menor alimentando
O recorrente pugna pela revogação parcial da decisão recorrida, mesmo na parte em que se substitui ao pai do menor B…, porquanto o valor fixado, excede a prestação alimentar a que aquele estava obrigado, colidindo com o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2015, publicado na primeira série do Diário da República de 04 de maio de 2015, devendo assim reduzir-se o montante a seu cargo e a tal título para €50,00 mensais.
O Digno Magistrado do Ministério Público sustenta que os termos do acordo homologado judicialmente apontam no sentido de cada um dos progenitores estar obrigado a entregar cem euros à avó paterna, a título de alimentos ao filho de ambos.
Cumpre apreciar e decidir.
No acordo judicialmente homologado e incumprido por ambos os progenitores ficou estabelecido que C… e D… ficam obrigados a pagar, a título de alimentos a seu filho menor B…, a quantia mensal de cem euros, até ao dia quinze de cada mês.
A obrigação de prestação de alimentos, em caso de menoridade, constitui parte do conteúdo das responsabilidades parentais (artigo 1878º do Código Civil). Trata-se de uma obrigação que recai sobre cada um dos progenitores e, atendendo às regras que disciplinam a medida da prestação alimentar, a obrigação que recai sobre cada um dos progenitores não tem que ser em igual montante (veja-se o nº 1, do artigo 2004º, do Código Civil).
Destas regras decorre, a nosso ver, que a cláusula do acordo que foi judicialmente homologado é no sentido de que a prestação de cem euros mensais cabe a cada um dos progenitores e não em partes iguais a ambos os cônjuges, como pretende o recorrente.
Se acaso se pretendesse que o valor de cem euros era o valor global a prestar por ambos os progenitores, em condições normais, ter-se-ia o cuidado de determinar quanto desse montante global competiria pagar a cada um dos progenitores, tanto mais que dificilmente ambos teriam as mesmas possibilidades de prestar alimentos ao filho de ambos.
De todo o modo, em sede de fundamentos de facto da decisão recorrida, o tribunal a quo, sem reação do recorrente, julgou provado: “encontram-se em dívida 104 prestações, no valor total de €10.400, a cargo de cada um dos progenitores”, não tendo este juízo de facto sido alvo de qualquer impugnação por parte do recorrente.
Assim, tudo sopesado, afigura-se-nos que do texto do acordo incumprido se retira que cada um dos progenitores se obrigou ao pagamento mensal de cem euros ao filho menor de ambos.
Por isso, a prestação fixada a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores conteve-se dentro do montante a que cada um dos progenitores se obrigou, improcedendo o recurso no que tange esta questão.
Pelo exposto, conclui-se pela parcial procedência do recurso de apelação interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, devendo revogar-se a decisão recorrida proferida em 16 de fevereiro de 2017, na parte em que determinou que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores garanta o pagamento da prestação alimentar no montante de cem euros, a cargo de C…, mantendo-se intocada no mais, ainda que com o óbvio esclarecimento quanto à pessoa com direito a receber a prestação e obrigada a comprovar a manutenção das condições subjacentes a essa concessão.
O recurso é sem custas, ex vi artigo 4º, nº 1, alínea l) e v), do Regulamento das Custas Processuais.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida proferida em 16 de fevereiro de 2017, na parte em que determinou que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores garanta o pagamento da prestação alimentar no montante de cem euros, a cargo de C…, mantendo-se intocada no mais.
Sem custas.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 05 de junho de 2017
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] Notificada às partes mediante cartas registadas em 19 de novembro de 2016.
[2] Notificada às partes mediante cartas registadas em 20 de fevereiro de 2017.
[3] O dispositivo desta decisão foi retificado por despacho proferido em 21 de fevereiro de 2017, nos seguintes termos: “Por lapso, no segmento decisório, fls. 91, 1º parágrafo, 4ª linha, ficou a constar €75 ao invés de €100, como resulta dos factos provados em 1), fls. 88. Porque se trata de erro material, procede-se, de imediato, à sua correcção e onde consta €74 passará a ler-se €100. Notifique, incluindo o FGAM.
[4] Embora na fundamentação de direito da sentença recorrida se refira que a quantia fixada “deve ser entregue ao(à) progenitor(a), ficando este(a) obrigado a comunicar ao ISS qualquer circunstância que implique a cessação ou alteração daqueles pressupostos”, a decisão foi também notificada à avó paterna, a Sra. E…, que tem a guarda de B…, sendo advertida de que deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm as atuais condições pelas quais lhe foi atribuído o benefício. Assim, se é pertinente a observação do recorrente de que nesta parte a decisão recorrida enferma de lapso, vicissitude em grande medida decorrente da “formatação” decisória adoptada certamente como resguardo para o grande volume processual, também é certo que a mesma decisão foi entendida de forma correta pela secção de processos e pelo próprio recorrente, o que torna dispensável a formal retificação da aludida decisão, pretensão que a recorrente acabou por não deduzir formalmente.
[5] De facto, se o artigo 189º, nº 1, alínea c), da Organização Tutelar de Menores tem perfeita correspondência na alínea c), do nº 1, do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ao nível do processo civil inexistia uma norma de conteúdo similar ao do atual nº 4, do artigo 738º do Código de Processo Civil.
[6] Por força do disposto na Portaria nº 5/2007, publicada no Diário da República de 03 de janeiro de 2007, o valor do rendimento social de inserção corresponde a 43,634 % do valor do indexante dos apoios sociais (IAS), ou seja, no corrente ano de 2017, a €183,8387688 (€421,32 x 43,634%= €183,8387688).