Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9797/16.5T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IMEDIAÇÃO
CRIME DE PREVARICAÇÃO
Nº do Documento: RP20221109797/16.5T9PRT.P1
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A impugnação ampla da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da primeira instância, o qual beneficia da imediação e da oralidade.
II - No crime de prevaricação previsto no artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, o agente, titular de cargo político, tem de "conduzir" ou "decidir" contra direito em processo em que intervenha no exercício das funções em que está investido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 9797/16.5T9PRT.P1


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo comum n.º9797/16.5T9PRT a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 4, por acórdão proferido em 21/1/2022 e depositado na mesma data, foi decidido absolver o arguido AA da prática de um crime de prevaricação p. e p. pelos arts.1.º, 2.º, 3.º, n.º1, alínea i) e 11.º da Lei n.º34/87, de 16/7, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º4/2013, de 14/1 (em concurso aparente com um crime de abuso de poderes p. no art.6º da referida Lei [com referência aos- artºs 3º, 4º, 9º, 69º, nº1, a) e b), 70º, 71º, 72º, do CPA (DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro), artºs 79º, do DL nº 380/99, de 22/09 (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), artºs 25º, nº1, i), da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais), artºs 1º, f), 8º, 9º-A, da Lei nº 64/93, de 26/08 com as alterações introduzidas pela Lei nº 1/2011, de 30/11, Lei das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos)].
Inconformado com a decisão absolutória, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1º. O arguido foi pronunciado para ser julgado pela prática de crime de prevaricação, previsto no art. 11º da Lei n.º 34/87, de 16/7.
2º. Por Acórdão datado de 21/1/2022, foi o arguido absolvido.
3º. É desta absolvição que se recorre, com fundamento na nulidade parcial do Acórdão, por não se ter pronunciado sobre a totalidade dos factos submetidos a julgamento, nos termos do art. 379º, n.º 1, als. a) e c), do Código de Processo Penal, em violação do art. 374º, n.º 2, al. a), do mesmo Código.
4º. Considera-se, contudo, que a prova submetida a julgamento é capaz de, por si só, conduzir à alteração da decisão da matéria de facto fixada no Acórdão, no sentido de dar por provados os factos arredados da decisão.
5º. Impugna-se também a decisão sobre a matéria de facto dada como provada no Acórdão absolutório.
6º. Com efeito, não houve decisão sobre os seguintes factos:
a.- parte do facto 36º da Pronúncia: “pese embora não desconhecesse o litígio entre o Município ... e a K..., em total desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. art. 4º, al. b), iii) e iv), da Lei n.º 29/87, de 30/6), (...)”;
b.- parte do facto 37º da Pronúncia: “A emissão desta procuração forense por AA é contrária aos deveres de isenção e imparcialidade a que estava obrigado e que deve nortear o exercício das funções por força do estatuído nos citados preceitos do Estatuto dos Eleitos Locais e do próprio Código de Procedimento Administrativo, pois existia um conflito de interesses, pelo que se deveria ter abstido de outorgar uma procuração, como representante do Município, onde expressamente consta o nome da K..., e deveria ter declarado este impedimento e ser substituído pelo vereador com poderes de substituição (…)”;
c- parte do facto 40º da Pronúncia: “(…) não existe no Processo Municipal n.º …/2011 qualquer facto objetivo, designadamente parecer, opinião ou informação, que justificasse a alteração da posição jurídica e/ou urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adoptar quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K... e que tinham como objecto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM.”;
d.- parte do facto 50º da Pronúncia: “por força da celebração deste acordo, a CM ... obrigava-se a apresentar em Assembleia Municipal as alterações ao PDM que fossem de encontro às pretensões da K... de construir no terreno que adquirira, ou, em alternativa, obrigavam o Município ... a indemnizar aquela empresa pelo valor que fosse fixado em tribunal arbitral (…)”;
e.- art. 51º da Pronúncia: “Dos termos do compromisso arbitral resultava ainda que aquele tribunal a constituir seria composto por três membros: um indicado pela K...; outro indicado pelo Município a cuja Câmara Municipal o arguido presidia, e o terceiro escolhido de comum acordo com os dois primeiros.”;
f.- partes dos factos 68º da Pronúncia: “o arguido sabia que:
i.- no decurso da ação n.º 3556/10.6BEPRT, onde a K... pedira a declaração de ilegalidade dos artigos 41º e 42º do Plano Diretor Municipal ... de 2006, ou a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização não inferior ao valor de €1.520.000, o Município ..., no âmbito da 1ª alteração do PDM, não acolhera as pretensões da K...;
ii. que não o poderia fazer sem autorização da Assembleia Municipal, a quem cabia decidir sobre a alteração do PDM e sobre a indemnização, (…)”.
7º. Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto que considerou não provados os seguintes factos:
a.- facto não provado: “que o arguido soubesse que a ação estava destinada a improceder, e tenha determinado o Advogado BB a requerer nova suspensão da instância administrativa, com vista a alteração do PDM que viesse a acolher as pretensões construtivas da K..., bem sabendo que tal alteração estava programada apenas para o ano de 2016.” (corresponde a parte do art. 39º da Pronúncia),
b.- facto não provado: “que a posição assumida pelo Advogado BB referida no ponto 40 dos factos provados [rectius, 40º da Pronúncia] tenha sido determinada pelo arguido AA e em consonância com as instruções que recebera deste, e que a mesma seja contrária à vertida na contestação” (corresponde a parte do art. 40º da Pronúncia),
c.- facto não provado: “que a Procuração assinada pelo arguido AA e a Ata de Audiência tenham sido juntas ao processo municipal de acompanhamento n.º 1/2011 daquela ação apenas em Outubro de 2016” (corresponde a parte do art. 41º da Pronúncia),
d.- facto não provado: “que o referido em 40 dos factos provados tenha sido realizado por ordem e de acordo com as instruções do arguido AA” (corresponde a parte do art. 42º da Pronúncia),
e.- facto não provado: “que o referido em 47dos factos provados tenha sido efetuado sob ordens e orientação do arguido AA, que determinou que os funcionários do Município, CC (Chefe de Divisão de Estudos e Apoio Jurídico) e DD (Diretora Municipal da Presidência e Diretora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso), e o Advogado BB apresentassem o texto e os termos do acordo já fechado à Vice-Presidente da Câmara, EE, dias antes da diligência judicial na qual esta se limitou a assinar o mesmo sem que naquele tivesse tido qualquer outra intervenção.” (corresponde a parte do art. 49º da Pronúncia),
f.- factos não provados: “que o arguido soubesse que:
i.- que, em virtude do referido no ponto 64 dos factos provados, não podia, como Presidente da Câmara e em representação do Município, emitir procuração forense em ação judicial em que a K... fosse parte, estando legalmente impedido de o fazer e que devia abster-se de ordenar quaisquer atos no âmbito daquele mandato forense,
ii.- que a ação judicial, intentada pela K..., com vista à nulidade da deliberação de 13.9.05, que mandou suspender os procedimentos de informação prévia de licenciamento e de autorização de operações urbanísticas, que não estivessem de acordo com o Plano Municipal em fase de ratificação, foi judicialmente declarada improcedente; que o PIP relativo à pretensão de edificação da K... fora indeferido (…)” (corresponde a parte do art. 68º da Pronúncia)
iii.- facto não provado: “que o arguido tenha ordenado ao advogado do Município a celebração do compromisso arbitral e da transação judicial acima aludidas e que, ao fazê-lo, retirava a causa da esfera do tribunal judicial administrativo para a entregar a um tribunal arbitral, sem qualquer fundamento para tal”; (corresponde a parte do art. 68º da Pronúncia),
iv.- facto não provado: “que, ao assim agir, o arguido, violando o dever de suscitar impedimento e os deveres de legalidade, de prossecução do interesse público e de imparcialidade, o fazia deliberadamente contra a lei, obrigando o Município aos interesses da K..., com única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios” (corresponde a parte do art. 68º da Pronúncia),
g.- facto não provado: “que o arguido soubesse que a sua conduta era proibida pela lei penal” (corresponde ao art. 69º da Pronúncia).
8º. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto vai agrupada na fundamentação do recurso nos seus pontos a), b), c), d) e e), por se vislumbrarem estes como subtemas da prova produzida, analisada e ajuizada em julgamento:
a. a) A pretensão urbanística da K... e o litígio daí decorrente com o Município ...,
b. b) o procedimento de representação em juízo do Município ..., no litígio com a K..., após a tomada e posse do arguido como Presidente da Câmara Municipal,
c. c) os pressupostos da transação judicial,
d. d) as obrigações e faculdades decorrentes da transação judicial, e. e) determinação do sucesso da ação judicial pelo arguido.
9º.Pode resumir-se a análise que naqueles pontos se fez da prova do modo que segue, desde logo se abordando as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
10º.Ficou provado pelo Acórdão de que se recorre que o arguido, à data em que tomou posse como Presidente da Câmara Municipal ..., em 22/10/13, por si, enquanto sócio da M..., e através dos seus parentes, tinha interesses na empresa K..., a qual, por sua vez, pretendia obter da Câmara Municipal ... título urbanístico para edificação na Calçada ..., desde 2005.
11º.Ficou provado que aquela pretensão urbanística fora apresentada à Câmara Municipal ... em Pedido de Informação Prévia, em 8/11/2005.
12º.E também que aquela pretensão, por via de impugnação de regulamentos e atos da Câmara Municipal ..., fora apresentada aos tribunais administrativos, em providência cautelar (com o n.º 2301/05.2BEPRT do TAF do Porto), em ação principal daquela (com o n.º 2325/05.0BEPRT do TAF do Porto), e, por fim, na ação administrativa n.º 3536/10.6BEPRT do TAF do Porto).
13º.Ficou provado que nas ações n.º 2301/05.2BEPRT e n.º 2325/05.0BEPRT, o Município contestou, não tendo a K... obtido ganho de causa em nenhuma delas.
14º.Por via dos elementos de prova indicados em a) deste recurso, entende-se que está provado que, em 23/11/2008, a Câmara Municipal ... declarou a invalidade do deferimento tácito que ocorrera no PIP da K..., à luz do das normas do Regulamento do PDM ..., entrado em vigor em 2006, por não estar em conformidade com este a pretensão edificatória da K....
15º.Ficou provado no Acórdão de que se recorre que na ação n.º 3556/10.6BEPRT, proposta em momento posterior à declaração de invalidade do deferimento tácito do PIP, peticionou a K... a declaração de ilegalidade das normas dos arts. 41º e 42º do Regulamento do PDM de 2006, com efeitos circunscritos ao caso concreto, e, subsidiariamente, a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização no valor de 1,5 milhões de euros com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto lícito.
16º.Ficou provado também que aquelas normas qualificavam o solo da K... como zona non aedificandi, por se tratar de zona de Proteção de Recursos Naturais (por se tratar de escarpa, de área com declive superior a 25% e de instabilidade geotécnica), para efeitos do art. 42º, e por se tratar de Zona de Enquadramento de Espaço-Canal (por causa da Via Panorâmica ...), para efeitos do art. 41º.
17º.Sucede que, em 26.10.10, como ficou provado, o Município ... abriu formalmente e publicamente o processo de alteração do PDM de 2006, no âmbito do qual, especificamente na participação preventiva dos interessados, veio a K... apresentar sugestão, que fez corresponder à pretensão que discutia na ação n.º 3556/10.6BEPRT.
18º.Pelo que, como ficou provado, o Município ... e a K... requereram a suspensão da instância, já que o Município se encontrava a analisar pretensão idêntica, em procedimento da sua competência, o que aconteceu em 24/1/11 e 19/10/11.
19º.No âmbito de tal procedimento – a participação preventiva – a Direção Municipal de Urbanismo solicitou um parecer ao LNEC, sobre o estatuto de edificabilidade do terreno da interessada K... e, bem assim, à Direção Municipal de Ambiente e de Serviços Urbanos, sobre o corte geotécnico do mesmo terreno, como se deu por provado no Acórdão e se demonstrou estar provado no ponto a) supra.
20º.Perante aqueles pareceres, a Direção Municipal do Urbanismo (pela mão da Chefe de Divisão de Projetos e de Planeamento Urbanístico, FF) concluiu que o terreno deveria permanecer em zona non aedificandi, por se manterem os pressupostos dessa classificação, e que só estudos mais aprofundados, mormente para toda a escarpa da ..., para que se garantisse a igualdade de todos os interessados no respeitante a restrições de uso de solo em terrenos ali situados, é que permitiriam a melhor avaliação do seu global estatuto de edificabilidade, estudos esses que só poderiam vir a ser realizados em sede de revisão do PDM, como se deu por provado no Acórdão e se demonstrou estar provado em a).
21º.Assim, a sugestão da K... não foi acolhida e requereu esta, em 3/9/2012, o prosseguimento da ação n.º 3556/10.6BEPRT, como ficou provado.
22º.O Município contestou então a ação, refutando a ilegalidade dos arts. 41º e 42º do PDM, bem como a pretensão indemnizatória da K..., como ficou provado.
23º.Tendo juntado à contestação o parecer do LNEC que sustentara o não acolhimento da pretensão da K... na participação preventiva.
24º.Tendo o arguido tomado posse da Câmara Municipal ..., em 22/10/2013.
25º.Ficou provado que o arguido sabia que as pretensões da K... não haviam sido acolhidas no processo de alteração do PDM.
26º.Como se demonstrou estar provado em a), o arguido conhecia o litígio entre o Município ... e a K....
27º.Como ficou demonstrado em b), cerca de dez dias depois de ter tomado posse, o arguido e o seu Chefe de Gabinete chamaram à sua esfera todos os processos de contencioso do Município, que se encontravam externalizados, mas apenas estes, sendo que desse lote fazia parte o processo de acompanhamento da acção n.º 3536/10.6BEPRT.
28º.Como ficou demonstrado em b), o arguido, bem sabendo que, dada sua relação pessoal e familiar com a K..., dado o litígio existente entre o Município e a empresa no qual a K... ainda não obtivera qualquer vencimento, estava impedido de intervir em qualquer assunto que lhe dissesse respeito.
29º.Todavia, em lugar de declarar o seu impedimento – ou de solicitar conselho jurídico para saber como o fazer – conferiu procuração com poderes forenses especiais para transigir na ação n.º 3556/10.6BEPRT, ao Advogado BB, como ficou demonstrado em b).
30º.Depois da emissão desta procuração, a sorte da ação mudou definitivamente.
31º.Com efeito, logo na audiência prévia realizada em 10/1/2014, é requerida suspensão da instância, desta vez sem o conforto de procedimento de revisão do PDM que estivesse em curso, como acontecera nas anteriores suspensões da instância, como ficou demonstrado em b).
32º.Naquela audiência, afirmou o Advogado BB que ocorria a possibilidade de se chegar a um acordo, pela assunção por parte do Município do compromisso de alterar o PDM para que passasse a contemplar a pretensão da K..., na próxima revisão do PDM em 2016, por se ter sedimentado, em sede do procedimento de alteração do PDM em 2012, que a pretensão, não sendo ali enquadrável, poderia sê-lo em sede de revisão, como ficou provado.
33º.Pergunta-se, então: quem autorizou o Advogado BB a fazer a previsão de que o Município poderia chegar a um acordo, sem que estivesse em curso, como estava às datas de 24/1/2011 e de 19/10/2011, um processo de alteração/revisão do PDM no qual a K... havia posto o Município na posição de apreciar a sua concreta pretensão urbanística? Quem autorizou o Advogado BB a adiantar que o acordo a realizar passaria pelo compromisso da satisfação da pretensão urbanística da K..., antes de se iniciar o processo de revisão e de neste serem realizados os estudos adicionais cuja indispensabilidade, no processo de alteração, impediram a satisfação da pretensão da K...? A que entendimento sedimentado do Município se referia o Advogado BB e quem lho transmitiu?
34º.Não havendo no processo de acompanhamento da ação na Divisão Municipal de Serviços Jurídicos e de Contencioso, com n.º 1/2011, qualquer facto objetivo, designadamente parecer, opinião ou informação, que justificasse a alteração da posição jurídica e urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adotar, quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K..., e que tinham como objeto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM, conforme se deu por provado em b).
35º.Sendo de lembrar que era o arguido que, por via da procuração e de se não ter declarado impedido, representava o Município em juízo naquela audiência prévia.
36º.Não logrou a testemunha BB explicar quem lhe transmitira o “entendimento sedimentado” do Município ou quem o autorizara a perspetivar um acordo que comprometesse o Município e a requerer a suspensão da instância.
37º.Se apontou CC, Chefe de Divisão dos Serviços Jurídicos e de Contencioso, foi desmentido por esta, como melhor se explanou em b).
38º.E não poderia, sequer, ter sido CC a fazê-lo, a não ser que tivesse esta ousado usurpar competências da Direção Municipal do Urbanismo e ousado ordenar a BB que assumisse a possibilidade de um acordo, com compromissos para o Município, usurpando as competências do arguido.
39º.O que manifestamente não terá feito.
40º.Não há como concluir dos factos que atrás se elencaram, dados como provados no Acórdão ou que se encontram provados pela prova submetida a julgamento e que foi indicada em a) e em b), que não foi outra pessoa que não o arguido que autorizou BB a agir como agiu na audiência prévia.
41º.Não resultaram da prova outros factos ou outros indícios que permitam concluir em sentido diverso.
42º.Após a audiência prévia, DD, Diretora Municipal da Presidência e, em acumulação, Diretora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso, e o Advogado BB, dirigiram-se no início de 2014 à Vice-Presidente da Câmara Municipal, indicando-lhe que o arguido estava impedido de intervir na ação e que seria necessário que a Vice-Presidente o substituísse, conferindo procuração forense, como se demonstrou em b).
43º.Inexplicavelmente, o arguido não declarou o seu impedimento, não foi pedido à Vice-Presidente que conferisse procuração e não lhe foi dito que se perspetivava realizar transação judicial, como se deu por provado no Acórdão e ficou demonstrado em b).
44º.Seguidamente, DD, CC e BB encetaram esforços para lograr a realização da transação judicial, anunciada na audiência prévia.
45º.Em primeiro lugar, em 9/4/2014, BB pediu a CC que indagasse, junto da Direção Municipal de Urbanismo, qual a posição desta sobre a pretensão urbanística da K..., mormente quanto ao acolhimento da sua pretensão em sede de futura revisão do PDM, como se demonstrou em b).
46º.Estranha-se este pedido de informação, quando BB assumira na audiência prévia que estava sedimentado o entendimento do Município quanto ao acolhimento da pretensão da K... em sede de PDM.
47º.CC suscitou informação à Direção Municipal de Urbanismo, que, pela mão de FF, emitiu informação, em 11/4/2014, reportada à que dera em 2012, em sede do processo de alteração do PDM, referindo que se iniciara a monitorização do PDM para registo das situações em escarpa, a serem tratadas no âmbito do procedimento de revisão do PDM, conforme se demonstrou em b).
48º.Relembre-se que, em sede de processo de alteração do PDM, FF afirmara a necessidade de fazer estudos mais aprofundados, para toda a escarpa, para todos os titulares de direito de propriedade na escarpa da ..., o que poderia ser feito em sede de revisão do PDM.
49º.E, ainda assim, não acolhera a pretensão da K..., que requereu, em consequência, o prosseguimento da instância judicial.
50º.Esta informação, do ponto de vista de DD, CC e BB, amparou que se prosseguissem as negociações com vista à transação, concretamente com troca de minutas, de transação e de compromisso arbitral, conforme se demonstrou em b).
51º.A consideração desta informação como sustentação decisiva da transação judicial é falaciosa, já que a informação apenas acrescenta, à necessidade de estudos mais aprofundados, “o início da monitorização do PDM, no sentido de registar todas as situações”.
52º.E, sendo tão decisiva para aqueles intervenientes, a informação não foi junta ao processo de acompanhamento da ação n.º 1/2011, conforme se demonstrou em b).
53º.No dia 22/4/14, o Advogado BB informou a ação judicial que as partes se encontravam a finalizar as negociações, com vista a transigir na demanda, conforme se deu por provado no Acórdão.
54º.Cabe perguntar, novamente: quem autorizou o Advogado BB, a quem se juntaram agora DD e CC, a concretizar o acordo anunciado na audiência prévia, a iniciar negociações, a solicitar informações à Direção Municipal de Urbanismo para conforto do acordo e a trocarem minutas de acordo com a K...?
55º.E a assumirem, mormente, um compromisso arbitral?
56º.Uma resposta àquelas perguntas é certa: não foi a Vice-Presidente da Câmara Municipal ..., a quem não fora sequer transmitido que um acordo estava em marcha, como se demonstrou em b).
57º.E uma outra: permanecia vigente a procuração emitida pelo arguido em 28/11/2013.
58º.Também aqui, a prova indiciária converge, sem que a isso nada se oponha, para o arguido, por ser o único que podia autorizar tais atos e porque beneficiavam a K....
59º.Seguiu-se, em julho de 2014, uma reunião entre CC, BB e EE, onde aqueles transmitem a esta que haviam chegado a acordo para transação judicial com a K..., acordo que que era imperioso adotar, por se estar na iminência de perder a ação e de se pagar uma avultada indemnização, conforme se demonstrou em c).
60º.Nada mais longe da verdade, já que a declaração de ilegalidade dos arts. 41º e 42º do Regulamento do PDM esbarraria, por certo, no depoimento de FF, indicado como prova, a qual deporia certamente como fez neste processo criminal, no sentido de que, pelo menos os estudos disponíveis, não eram capazes de extrair o terreno da K... de zona non aedificandi e de atribuir capacidade construtiva à K... na Calçada ..., como se demonstrou em c).
61º.E ainda que assim não fosse, àquela data todos os resultados estavam em aberto, já que nem a prova pericial peticionada pela K... havia sido produzida, não ocorrendo iminência de resultado desfavorável, como se demonstrou em c).
62º.Quanto à subsidiária indemnização, não ia o pedido fundado no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, de aplicação especial à situação urbanística em apreço, por não ter a K... qualquer posição preexistente e juridicamente consolidada que lhe garantisse tal direito, mas sim fundado em responsabilidade extracontratual por facto lícito, conforme demonstrado em a) e d).
63º.Perguntando-se que dano sofreu a K... caso se reconhecesse que, por via do PDM de 2006, foi impedida de construir numa escarpa não consolidada, em zona de declive acentuado e em zona de instabilidade geotécnica.
64º.Pergunta-se que iminência de prejuízo para o Município descortinaram CC e BB, que os fez garantir à Vice-Presidente que a Transação e o Compromisso Arbitral eram bons para o Município.
65º.Tendo a Vice-Presidente procurado certificar-se de que o acordo satisfazia os interesses do Município, perante as garantias dadas pelos seus interlocutores, a Vice-Presidente conferiu então, a 18/7/2014, procuração forense com poderes gerais para a ação ao Advogado BB, em 28/7/14, assinou o Compromisso Arbitral em 28/7/14, conforme se deu por provado no Acórdão e conforme demonstrado em d).
66º.Pela Transação, obrigou-se o Município a diligenciar por rever o PDM de 2006 de encontro à pretensão da K..., conforme se demonstrou em d).
67º.E, ainda que o Município estivesse na iminência de perder a ação, aquilo que concedeu na Transação à K... iguala-se ao que a K... ganharia, caso obtivesse vencimento na ação, não se vendo que interesses do Município ele serviu.
68º.Iguala-se e vai-se mais além, pois na Transação o Município compromete-se a diligenciar por fazer reconhecer à K... capacidade construtiva à luz do PDM de 1993, pretensão que expressamente lhe fora negada em 2010, por decisão transitada em julgado na ação n.º 2325/05.0BEPRT, conforme demonstrado em d) e em a).
69º.E quanto à indemnização nada se resolveu, apenas se deteriorou a posição do Município que viu perpetuar-se o litígio nessa parte, com novação da instância e do petitório (aqui se incluindo o valor da indemnização), conforme demonstrado em d).
70º.A novação da instância para instância arbitral acarretou ainda a perda de um grau de jurisdição, conforme demonstrado em d).
71º.A Vice-Presidente nada opinou sobre o acordo e nada nele escreveu, tendo-o assinado já fixado nos seus termos e fechado, conforme se demonstrou em b).
72º.Tendo toda a fase de elaboração da Transação e do Compromisso Arbitral decorrido sem que a Vice-Presidente tivesse substituído o arguido, sem que nada tivesse dirigido quanto a tais negociações ou quanto aos termos de tais acordos, tendo-se limitado a assinar o Compromisso Arbitral, como demonstrado em b);
73º.e decorrido sob a validade da procuração conferida pelo arguido em 28/10/2013 ao Advogado do Município, como demonstrado em b).
74º.Quem, senão o arguido dirigiu aqueles momentos, por ser o único que podia autorizar DD, Diretora Municipal do Jurídico e do Contencioso, sua subordinada hierárquica direta (por tal cargo e por ser Diretora Municipal da Presidência), CC, subordinada hierárquica de DD, e o Advogado BB, que nenhuma liberdade forense teria para acordar, transigir ou comprometer arbitralmente o Município?
75º.Quem, senão o arguido, teria interesse em que a K... pudesse alcançar, finalmente, o que se propôs conseguir no ano de 2005, que era construir na Calçada da ..., com a capacidade construtiva definida no PDM de 1993?
76º.Depois de assinado o compromisso arbitral, a Vice-Presidente transmitiu ao arguido tão somente que havia assinado um acordo, na ação para a qual o arguido estava impedido.
77º.Em 21/10/14, entre a primeira adenda e a segunda adenda ao Compromisso Arbitral, conforme 52. dos factos provados do Acórdão, o arguido, bem sabendo do seu impedimento e da vigência daquele Compromisso Arbitral, continuou a receber informação sobre o litígio (ainda pendente, porquanto a revisão do PDM apenas se viria a iniciar em 2015).
78º.Do conjunto da prova produzida, analisada, criticada e avaliada, dúvidas não restam que o arguido conhecia todos os factos indicados como estando provados, e que, querendo praticá-los, o fez com intenção de beneficiar a K....
79º.Pelos que os factos incorretamente julgados por não terem sido dados como provados deverão, ao invés, ser dados como provados, como sejam:
80º.Parte do facto constante de 36. da Pronúncia “pese embora não desconhecesse o litígio entre o Município ... e a K..., em total desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. art. 4º, al. b), iii) e iv) da Lei n.º 29/87, de 30/6), (...)”,
81º.deverá ser dado como provado, por estar diretamente provado pelos factos-base 3., 4., 37. dados como provados no Acórdão,
82º.e pelas declarações do arguido, transcritas em b) da fundamentação.
83º.Parte do facto 37. da Pronúncia “A emissão desta procuração forense por AA é contrária aos deveres de isenção e imparcialidade a que estava obrigado e que deve nortear o exercício das funções por força do estatuído nos citados preceitos do Estatuto dos Eleitos Locais e do próprio Código de Procedimento Administrativo, pois existia um conflito de interesses, pelo que se deveria ter abstido de outorgar uma procuração, como representante do Município, onde expressamente consta o nome da K..., e deveria ter declarado este impedimento e ser substituído pelo vereador com poderes de substituição”,
84º.deverá ser dado como provado, por estar diretamente provado pelos factos-base 3., 4., 37. dados como provados no Acórdão, pelas declarações do arguido, transcritas em b) da fundamentação.
85º.O facto dado por não provado e que corresponde a parte do art. 39ºda Pronúncia “que o arguido soubesse que a acção estava destinada a improceder, e tenha determinado o Advogado BB a requerer nova suspensão da instância administrativa, com vista a alteração do PDM que viesse a acolher as pretensões construtivas da K..., bem sabendo que tal alteração estava programada apenas para o ano de 2016.”,
86º.deverá ser dado como provado, por estar indiretamente provado pelos factos-base 3. a 39. dados como provados no Acórdão,
87º.pelos depoimentos de EE e de GG, transcritos na al. e) da fundamentação,
88º.tendo-se motivado a inferência da prova no ponto e) da fundamentação.
89º. O facto 40. da Pronúncia “esta posição ora assumida pelo Advogado BB, em consonância com as instruções que recebera do arguido AA, é contrária à vertida na contestação, entretanto desentranhada, e não existe no Processo Municipal n.º …/2011 qualquer facto objetivo, designadamente parecer, opinião ou informação, que justificasse a alteração da posição jurídica e/ou urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adoptar quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K... e que tinham como objecto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM.”,
90º.deverá ser dado como provado, por estar indiretamente provado pelos factos-base 3. a 39. dados como provados no Acórdão,
91º.pelos depoimentos de EE e de GG, transcritos na al. e) da fundamentação e pelo Anexo 4.,
92º.tendo-se motivado a inferência da prova no ponto e) da fundamentação.
93º.Parte do facto 50. da Pronúncia “Por força da celebração deste acordo, a CM ... obrigava-se a apresentar em Assembleia Municipal as alterações ao PDM que fossem de encontro às pretensões da K... de construir no terreno que adquirira, ou, em alternativa, obrigavam o Município ... a indemnizar aquela empresa pelo valor que fosse fixado em tribunal arbitral (…),
94º.deverá ser dado como provado por via de fls. 191-192 do Anexo 1.
95º.O facto 51º da Pronúncia “Dos termos do compromisso arbitral resultava ainda que aquele tribunal a constituir seria composto por três membros: um indicado pela K...; outro indicado pelo Município a cuja Câmara Municipal o arguido presidia, e o terceiro escolhido de comum acordo com os dois primeiros.”,
96º.deverá ser dado como provado, por via de fls. 222-226 do Anexo 4.
97º.O facto dado como não provado correspondente a parte do art. 41º da Pronúncia: “que a Procuração assinada pelo arguido AA e a Acta de Audiência tenham sido juntas ao processo municipal de acompanhamento nº 1/2011 daquela acção apenas em Outubro de 2016”,
98º.deverá ser dado por provado, por via do depoimento da testemunha BB, transcrita no ponto b) da fundamentação, de fls. 219-221 do Anexo 4, do Anexo 11 e de fls. 567-594 dos autos.
99º.O facto dado por não provado, correspondente a parte do art. 41º da Pronúncia: “que o referido em 40º dos factos provados tenha sido realizado por ordem e de acordo com as instruções do arguido AA”;
100º. Deverá ser dado como provado, por estar indiretamente provado pelos factos-base 3. a 40. dados como provados no Acórdão, pelos depoimentos de EE e de GG, transcritos na al. e) da fundamentação,
101º. tendo-se motivado a inferência da prova no ponto e) da fundamentação.
102º. O facto dado por não provado, correspondente a parte do art. 49º da Pronúncia: “que o referido em 47 dos factos provados tenha sido efectuado sob ordens e orientação do arguido AA, que determinou que os funcionários do Município, CC (Chefe de Divisão de Estudos e Apoio Jurídico) e DD (Directora Municipal da Presidência e Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso), e o Advogado BB apresentassem o texto e os termos do acordo já fechado à Vice-Presidente da Câmara, EE, dias antes da diligência judicial na qual esta se limitou a assinar o mesmo sem que naquele tivesse tido qualquer outra intervenção.”;
103º. Deverá ser dado como provado, por estar indirectamente provado pelos factos-base 3. a 45. dados como provados no Acórdão,
104º. pelos depoimentos de EE, de GG, de FF, de HH, de DD, de BB, de CC, transcritos em b) e e) da fundamentação, por fls. 161 do Anexo 4,
105º. tendo-se motivado a inferência da prova no ponto c) e e) da fundamentação.
106º. Parte do facto 68. da Pronúncia: “Que o arguido sabia que:
107º.não podia, como Presidente da Câmara e em representação do Município, emitir procuração forense em ação judicial em que a K... fosse parte, estando legalmente impedido de o fazer,
108º.que por tal via, devia abster-se de ordenar quaisquer atos no âmbito daquele mandato forense,
109º.que a ação judicial, intentada pela K..., com vista à nulidade da deliberação de 13.9.05, que mandou suspender os procedimentos de informação prévia de licenciamento e de autorização de operações urbanísticas que não estivessem de acordo com o Plano Municipal em fase de ratificação, foi judicialmente declarada improcedente,
110º.que o PIP relativo à pretensão de edificação da K... fora indeferido, 111º.que no decurso da ação n.º 3556/10.6BEPRT, onde a K... pedira a declaração de ilegalidade dos artigos 41º e 42º do Plano Diretor Municipal ... de 2006, ou a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização não inferior ao valor de €1520.000, o Município ..., no âmbito da 1ªalteração do PDM, não acolher as pretensões da K..., ainda assim, em 2014, ordenou ao advogado do Município a celebração de compromisso arbitral e de transação judicial onde aquele se obrigava a alterar o PDM de acordo com a pretensão da K..., no ano de 2016, ou a indemnizar a K... caso tal não se viesse a verificar,
112º.que ao fazê-lo, retirava a causa da esfera do tribunal judicial administrativo para a entregar a um tribunal arbitral, sem qualquer fundamento para tal,
113º.que não o poderia fazer sem autorização da Assembleia Municipal, a quem cabia decidir sobre a alteração do PDM e sobre a indemnização,
114º.que, ao assim agir, violando o dever de suscitar impedimento e os deveres de legalidade, de prossecução do interesse público e de imparcialidade, o fazia deliberadamente contra a lei, obrigando o Município aos interesses da K..., com única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios.”
115º. Deverá ser dado como provado, por estar indiretamente provado pelos factos-base 3. a 53. dados como provados no Acórdão,
116º. pelas declarações do arguido e dos depoimentos de BB, II, JJ, CC, DD, EE, FF, KK e HH, transcritos nos pontos a) a e) da fundamentação,
117º. da prova de:
118º. fls. 2 a 29, 40 e 41, 53 a 63, 39, 121 a 124, 150 a 151 do Anexo 8, 119º. fls. 99, 111, 127 a 132 do Anexo 2,
120º. fls. 3 a 22 e 37, 47 a 49, 54, 71 e 72, 82 a 87, 102 e 103, 112 a 125 e 145 a 156, 178 a 190, 242 a 259, 290 a 312 do Anexo 7.1,
121º. fls. 162 a 165, 176 a 186 do Anexo 3, 122º. fls. 3 a 43, 66 a 93, 114 do Anexo 1,
123º. fls. 568 a 600, 638 a 640, 641, 641A e 641B do Anexo 5,
124º. fls. 55, 111 a 118, 152, 159, 161 e 162, 158 a 163, 166 a 174, 175 a 181, 182 a 188, 201 a 204, 211 a 221 e 247 do Anexo 4,
125º. Anexo 11,
126º. fls. 567 a 594 dos autos, 127º. fls. 369 dos autos,
128º. fls. 528 e 533 dos autos, 129º. fls. 3 anexo 13,
130º. tendo-se motivado a inferência da prova no ponto e) da fundamentação.
131º. Parte do facto 69. da Pronúncia: “Que o arguido sabia que a sua conduta é proibida por lei penal.” (deverá ser dado por provado por referência à mesma indicada para a prova do facto 68.)
132º. Dados por provados estes factos e modificando-se a decisão sobre a matéria de facto, integra a mesma a prática, pelo arguido, de crime de prevaricação, previsto no art. 11º da Lei n.º 34/87, de 16/7 (e, em concurso aparente, a prática de crime de abuso de poderes, previsto no art. 26º da mesma Lei).
133º. Pelo que deve o arguido ser condenado pela prática de crime de prevaricação em pena de prisão suspensa na sua execução, incorrendo ainda na pena acessória de perda de mandato.
Termos em que se pugna pela modificação da decisão da matéria de facto operada no Acórdão recorrido e, em consequência, pela condenação do arguido.”
O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência (referência 31876376).
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento (referência15692990).
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos a que se seguiu a respetiva motivação:
FACTOS PROVADOS:
1- No dia 29 de Março de 2001 e por escritura de justificação notarial exarada no Cartório Notarial de …, LL e marido MM, invocando usucapião, adquiriram a propriedade do prédio urbano situado na Calçada ..., no … composto por terreno para construção, com a área de 2260 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 30.000.000$00 (cf. fls. 49 a 51; 1243-1275 dos autos). Esta aquisição veio a ser registada na Segunda Conservatória do Registo Predial ... pela apresentação nº ... de 25/05/2001 sob o nº ...
2- Por escritura pública celebrada a 03/07/2001, no primeiro Cartório Notarial ..., a K..., Lda (a seguir sempre identificada como K...) adquiriu este prédio aos justificantes LL e marido MM, pelo preço de trinta e cinco mil contos e procedeu ao registo a seu favor na CRP a 31/07/2001.
3- A K..., NIPC ..., é uma sociedade por quotas constituída em 1979 e com objecto social relativo a gestão e promoção de investimentos imobiliários, construção, compra e venda de seus imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, prestação de serviços comerciais e industriais, com sede na Avenida ..., ..., ….
4- Constituída com o capital social de €150.000, €142.500 eram detidos pela sociedade M... SGPS, S.A., e €7.500, em comum e sem determinação de parte ou de direito pelo arguido e por NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, todos irmãos do arguido e por UU, mãe do arguido.
5- A M... SGPS, S.A. é uma sociedade anónima com o NIPC ..., com sede na Quinta ..., Lugar ..., ... de ..., Aveiro, com o capital social de €500.000, sendo o seu objecto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas. Por deliberação de 13/09/2005 (Edital nº 60/05), a CM... determinou aplicar a partir da data da caducidade das medidas preventivas e até à entrada em vigor do Plano Director Municipal em ratificação, o disposto no artigo 117º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, nos termos do qual se suspenderam os procedimentos de informação prévia de licenciamento e de autorização de operações urbanísticas que não estivessem de acordo com o Plano Municipal em fase de ratificação”.
6- A 08 de Novembro de 2005, a sociedade K... apresentou, na CM ..., um Pedido de Informação Prévia de Operação de Obras de Edificação, a seguir sempre designado por PIP, ao qual foi atribuído o n.º ....../..-CM.. sobre a viabilidade da construção de um edifício de apartamentos multifamiliar (12-T4), de 5 pisos, com uma área total de 5.314 m2, e um volume de construção de 48.662 m2, no terreno referido em 1.
7- A 15 de Novembro de 2005, não se conformando com o teor da deliberação da CM ... de 13/09/2005, a K... instaurou perante o TAF do Porto um procedimento cautelar a que foi atribuído o número ......, de suspensão de eficácia daquela deliberação.
8- O Município ... contestou tal providência, defendendo que tal deveria ser recusada, tendo tal instância cautelar vindo a ser extinta por inutilidade superveniente da lide por decisão proferida a 08/03/2006, dado que havia já sido ratificado pelo Conselho de Ministros o novo PDM ..., aprovado e publicado no DR, I- Série B, n.º 25, de 3-02- 2006.
9- A K... intentou ainda a 18 de Novembro de 2005, no TAF do Porto, a acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, com vista à declaração de nulidade da referida decisão camarária, a que foi atribuído o número de processo 2325/05.0BEPRT, ali pretendendo impugnar aquela deliberação de 13 de Setembro de 2005.
10- O Município ... contestou esta acção, defendendo a manutenção daquela deliberação.
11- A sociedade K... foi notificada, por duas vezes, no âmbito daquele processo 2325/05.0BEPRT para, querendo, aperfeiçoar o pedido de reparação de danos, entretanto apresentado, sob pena de absolvição da instância por inutilidade superveniente da lide, dada a entrada em vigor do PDM, o que nunca fez.
12- Por sentença proferida a 22/09/2006, o TAF do Porto absolveu o Município ... da instância por inutilidade superveniente da lide.
13- A 04/12/2006, a K... interpôs recurso de tal decisão para o TCA Norte, tendo o Município ... junto as suas contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.
14- A 23/11/2008, a CM... decidiu indeferir o PIP, ordenando a notificação da K... para audiência prévia, tendo em consequência aquele sido arquivado em 29/01/2009.
15- A decisão do TCA Norte de 17/03/2009 proferida no processo 2325/05.0BEPRT foi a de revogar a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos para apreciação dos requerimentos formulados pela K..., o que foi feito, tendo-se ordenado que os autos prosseguissem os seus termos para apreciação dos pedidos iniciais, tendo as partes mantido as suas posições anteriores, nos articulados que então apresentaram.
16- Neste Processo foi proferida sentença em 4 de Junho de 2010 favorável ao Réu Município ..., julgando-se válida a deliberação tomada a 13/09/2005.
17- Em 15 de Dezembro de 2010, a K... deu entrada no TAF do Porto de uma ação administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos que deu origem ao Processo n.º 3556/10.6BEPRT, contra o Município ..., cujo pedido era a declaração de ilegalidade, com efeitos circunscritos ao caso concreto, dos artigos 41º e 42º do Plano Diretor Municipal ..., ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006 de 3-02, bem como se assim não se entendesse e se considerasse que aquelas normas eram válidas e legais, subsidiariamente, a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização não inferior ao valor de €1.520.000 pelos danos causados pela aplicação daquelas normas ao terreno que fora objecto do PIP.
18- Os artigos 41º e 42º do Regulamento do PDM ... tratam, respectivamente, das “Áreas verdes de enquadramento de espaço-canal” e da “Estrutura ecológica municipal”, sem se referir especificamente a um qualquer terreno ou prédio. O nº1 do artigo 41º destina as áreas verdes de enquadramento a servir de “protecção físico, visual e sonora aos diferentes usos urbanos que marginam os corredores de transporte e a requalificam os espaços que lhe são adjacentes ou a garantir o enquadramento de vias panorâmicas”, pelo que “essas áreas devem ser totalmente ocupadas por revestimento vegetal, admitindo-se a instalação de estruturas de protecção sonora e de protecção física” (nº 2 do artigo 41º, do PDM ...).
19- O nº 2 alínea f) do artigo 42º do PDM ... atribui nas áreas de protecção de recursos naturais identificadas na planta de ordenamento o estatuto non edificandi às "Escarpas e respectivas faixas de protecção delimitadas a partir do rebordo superior e da base e outras zonas de declives superiores a 25% e ou de instabilidade geotécnica identificadas na carta geotécnica".
20- Em 24/01/2011, VV, à data presidente da CM ..., outorgou uma procuração com poderes gerais forenses constituindo procuradores do Município ... no processo n. 3556/10.6BEPRT um advogado, BB, e um solicitador, WW.
21- No decurso do prazo da contestação, e com data de entrada no TAF de 24/01/2011, a K... e o Município ... requereram a suspensão da instância pelo período de 5 meses uma vez que se vislumbrava a possibilidade de acordo, o que foi deferido por despacho judicial de 26/01/2011.
22- Posteriormente, e respondendo à notificação do despacho judicial de 26/09/2011 que determinava que as partes informassem se havia sido alcançado acordo quanto ao objecto do litígio, a 19/10/2011, a K... e o Município ..., em requerimento conjunto, renovaram o pedido de suspensão da instância até ao termo do processo de alteração do PDM em curso, ou, em alternativa por um período não inferior a 6 meses, tendo sido proferido despacho judicial, em 24/10/2011, “até ao termo do processo de alteração do PDM ...”, então em curso (cf. Aviso nº23316/2010 publicado em DR, 2ª serie, nº 220, de 12/11/2010).
23- A CM ..., no procedimento de acompanhamento da acção, solicitou um parecer ao LNEC sobre a questão da edificabilidade em zona de escarpas da ..., e em Março de 2012 foi remetido o respectivo Parecer preliminar, o qual considerou que, pelo menos parte do terreno no qual se pretendia construir era “escarpa da ...”, e portanto, era zona “non aedificandi”. Das considerações finais do referido parecer destacam-se as seguintes: «1. (…) o mesmo é parte integrante daquele elemento geomorfológico maior - escarpa da .... 2. Não obstante o referido no número 1, a parte nascente e central da parcela estão espacialmente confinadas a norte e a leste pelos eixos vários anteriormente referidos e a sul pela urbanização existente. Admite-se, por isso, que os critérios geomorfológicos (escarpa…) que determinam a inclusão como Área de Protecção de Recursos Naturais, não são aplicáveis, para a zona em causa (áreas nascente e central da parcela). Deste modo poderá haver continuidade de edificado entre a urbanização existente a sul e os eixos vários. 3. Inversamente, a restante parcela poente/sudoeste, deve constituir uma zona de transição gradual para a vertente no seu estado natural ou pouco intervencionada considerando-se que a sua classificação se deva basear na aplicação de critérios geomorfológicos que definem as áreas de protecção de recursos naturais (…) o seguimento do que é apresentada a figura 1 com apresentação de planta do dito terreno, representando a tracejado a parcela do mesmo com aréa de enquadramento non aedificando. 5. Previamente à elaboração de estudos de projecto de eventuais estruturas a construir deverá ser realizado um estudo geológico-geotécnico sobre as condições locais baseado nos resultados obtidos em programa de reconhecimento específico. Além deste estudo deverá igualmente ser implementado um sistema de observação que permita a monitorização prévia, durante e após a fase construtiva, de eventuais movimentos superficiais e profundos na área da parcela e respectiva envolvente (…).
24- No âmbito da discussão pública da 1ª alteração ao PDM ..., em face de nesta consulta se ter pronunciado a K..., com a data de 05/06/2012 foi emitida pela Direcção Municipal de Urbanismo da CM ... a informação nº ...../../CM..., na qual se considerava que o terreno da K... se inseria em Estrutura Ecológica Municipal, integrando a qualificação de solo de áreas verdes de enquadramento de espaço canal e área de protecção de recursos naturais, com estatuto de “non aedificandi”, concluindo-se que só no âmbito da revisão do PDM, e tendo por base estudos específicos, é que se poderia reavaliar o estatuto de edificabilidade.
25- A 24 de Julho de 2012 a Câmara Municipal ... deliberou submeter à apreciação da Assembleia Municipal a proposta de alteração ao PDM ..., na qual nenhuma alteração fez ao artº 41º da anterior versão, tendo sido parcialmente alterado o artº 42º, da anterior versão, mas não na parte judicialmente impugnada pela K....
26- Não se tendo logrado obter acordo, a K... requereu (processo 3556/10.6BEPRT), a 03/09/2012, a “prossecução dos autos, com todas as demais consequências”.
27- Em 14/09/2012 foi apresentada contestação pelo Município ..., que foi declarada extemporânea e veio a ser desentranhada por despacho judicial de 14/11/2012, o que porém não tinha efeito cominatório, nem impedia o Município ... de apresentar prova.
28- Nesta contestação, o Réu Município ..., representado em juízo pelo Advogado BB, impugnou o invocado direito de construir no terreno propriedade da K..., defendeu a inexistência de ilegalidade das normas do RPDM em questão, e consequentemente rejeitou qualquer direito indemnizatório por entender que do ponto de vista urbanístico, não haveria qualquer fundamento para alterar a qualificação do solo e o estatuto de protecção (cfr. Processo Municipal nº …/2011).
29- Em 17 de Setembro de 2012 a Assembleia Municipal ..., acolhendo a proposta da Câmara Municipal, deliberou a 1ª alteração ao PDM ... (Aviso nº 14332/2012 do Município ..., publicado em DR. 2ª serie, nº207, de 25/10/2012).
30- Por requerimento datado de 08/02/2013, o Município ... veio juntar àquela acção os originais dos processos administrativos relativos à discussão pública no âmbito da alteração do PDM [participação preventiva nº .../CM... (anexo 3) e a discussão pública ...: ..../CM...).
31- AA tomou posse como Presidente da Câmara Municipal ... em 22 de Outubro de 2013, sendo que, à data, os seus irmãos eram gerentes da K....
32- De 2010 a 2017, o Conselho de Administração da M... era composto por QQ, RR, e SS, irmãos de AA e também eles sócios da K....
33- Em 12/11/2013 foi proferido despacho judicial no processo nº 3556/10.6 BEPRT, que designou “[…] para realização da diligência/audiência prévia, mormente com as finalidades exaradas nas alíneas c), e), e f) do n.º 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil [não se afastando, é certo, a possibilidade de lançar mão da alínea a), atento o carácter perene/disponível de tal solução para o litígio] designo o próximo dia 10 de Janeiro de 2014, pelas 14.30h”.
34- Com data de 28 de Novembro de 2013, o arguido AA na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... e legal representante do Município, através de procuração forense, “constituiu seus procuradores. Dr. BB, Dra. XX, Dra. YY e o Solicitador WW […] aos quais concedeu poderes especiais para confessar, desistir ou transigir no âmbito do processo número três mil quinhentos e cinquenta e seis/dez.seis BEPRT que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que é autor K..., Lda, requerendo e assinando tudo o que necessário for para os respectivos efeitos.”.
35- Após cerca de 8 meses, o arguido declarou-se impedido e foi substituído pelo vereador com poderes de substituição.
36- Esta Procuração foi junta ao Processo n.º 3556/10.6BEPRT e no dia 10 de Janeiro de 2014 foi realizada a audiência prévia no TAF do Porto, Unidade Orgânica 5, encontrando-se presentes, em representação da K..., o Advogado ZZ, e em representação do Município ..., o Advogado BB. Do teor da acta de audiência prévia consta o seguinte: “Aberta a audiência, pelo ilustre mandatário do Réu foi apresentada procuração com poderes especiais que antecede, que o Mmo Juiz depois de examinar e rubricar ordenou fosse junta aos autos.--- --Seguidamente o Mmo. Juiz suscitou aos ilustres mandatários das partes se pretendiam apresentar qualquer requerimento, dando a palavra ao ilustre mandatário da autora, o qual disse: a autora requer à luz do artigo 598º do CPC o aditamento de um quesito ao requerimento de prova pericial oportunamente deduzido com a petição inicial, aditamento a efetuar nos seguintes termos: é possível construir um edifício no terreno da Autora em condições de segurança […] dada a palavra ao ilustre mandatário do réu, pelo mesmo foi dito nada a opor ao requerido”; --“Neste momento e após conversações, os ilustres mandatários das partes avançaram a possibilidade de conseguirem um acordo designadamente pela assunção por parte do réu do compromisso de aquando da próxima revisão do PDM em 2016, adoptar uma redacção que contemple a pretensão da aqui autora, inclusivamente tal possível solução colocou-se com maior premência na sequência da última alteração do PDM em 2011 (que findou em 2012) na sequência da qual se sedimentou o entendimento de que a pretensão da Autora não sendo enquadrável no âmbito de uma mera alteração poderia sê-lo no âmbito de uma próxima revisão”.
37- O arguido sabia que as pretensões da K... não haviam sido acolhidas no processo de alteração do 1º PDM, findo em 2012.
38- Foi feito o aditamento de um quesito ao requerimento de prova pericial apresentado pela K....
39- A Procuração assinada pelo arguido AA e a Acta de Audiência foram juntas ao processo municipal de acompanhamento nº ... daquela acção, tendo então recebido os números de páginas 221 – Procuração; e 219-220- Acta (cfr. anexo 4).
40- Por requerimento subscrito pelo Advogado BB, que deu entrada naqueles autos de Processo n.º 3556/10.6BEPRT a 22/04/2014, aquele, em representação do Município ..., informou o Tribunal “que as partes se encontram a finalizar as negociações com vista a transigir na presente demanda.” (cfr. fls. 187 do anexo 1).
41- Com data de 18 de Julho de 2014, EE, na qualidade de Vice-Presidente da Câmara Municipal ..., Vereadora do Pelouro da Educação, Organização e Planeamento e legal representante do Município em substituição do Presidente, através de procuração forense, “constitui seus procuradores Dr. BB, Dra. YY e o Solicitador WW […] aos quais concede poderes especiais para confessar, desistir ou transigir no âmbito do processo número três mil quinhentos e cinquenta e seis/dez.seis BEPRT que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que é autor K..., Lda, requerendo e assinando tudo o que necessário for para os respectivos efeitos”.
42- Por documento, sem data, AA assinou uma declaração invocando o seu impedimento com fundamento no artigo 4º, alínea b) do ponto iv) do Estatuto dos Eleitos Locais para intervir no Processo 3556/10.6BEPRT em que é autora a K..., declaração essa que consta do processo municipal nº…/2011 com a numeração de página 204.
43-No dia 24/07/2014 foi celebrado compromisso arbitral entre a K..., representada por OO, e por SS, irmãos do arguido AA, e o Município ..., representado pela Vice-Presidente EE, cuja redacção era a seguinte:
a) A K... intentou uma acção administrativa especial contra o Município, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o 3556/10.6BEPRT, em que demandava pela declaração de ilegalidade, com efeitos circunscritos ao caso concreto, dos artigos 41º e 42º do Plano Director Municipal ..., ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros 19/2006, de 3 de Fevereiro, bem como, caso se entendesse que aquelas normas eram válidas e legais, a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização pelos danos causados pela aplicação daquelas normas ao terreno de que aquela é proprietária sito na Calçada ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
b) Na pendência daquele processo, e durante o procedimento de Alteração do PDM ... que ocorreu em 2012, o Réu Município declarou que a pretensão da Autora quanto à classificação do seu terreno descrito no considerando anterior poderia vir a ser acolhida no âmbito de um processo de revisão do PDM.
c) O Município iniciou os trabalhos preparatórios para a revisão do Plano Director Municipal (PDM) do, que antecipa vir a concretizar-se durante o ano 2016.
d) As Partes acordaram na desistência da instância do processo referido no considerando A) mediante o compromisso assumido pelo Município em diligenciar pela alteração da qualificação do solo do terreno da Demandante, seja pela alteração da tipologia da qualificação do solo actualmente vigente, seja pela alteração das regras que conformam a utilização do solo de acordo com a qualificação actualmente vigente, garantindo um nível de edificabilidade equivalente ao que detinha antes da entrada em vigor do PDM actualmente vigente, ou, caso tal não seja possível, a integração do terreno descrito no considerando A) em mecanismos de perequação compensatória adequados às restrições existentes ou outras que vierem a ser estabelecidas pela revisão do PDM referida no considerando C).
e) Ficou ainda estabelecido que caso não resulte da revisão do PDM referida no considerando C), a satisfação integral das pretensões da K..., as partes submeterão o litígio decorrente da não alteração das normas do PDM aplicáveis ao terreno em causa, ou resultante da aplicação das novas regras do PDM revisto que não satisfaçam aquela pretensão, com vista à fixação da justa indemnização devida, através de um tribunal arbitral a constituir para o efeito.
As Partes acordam livre e voluntariamente o presente compromisso arbitral, nos termos e condições seguintes:
Cláusula Primeira (Objecto do Litigio)
1. As Partes submetem a arbitragem a apreciação e decisão do litígio que, a partir da entrada em vigor da revisão do PDM referida no Considerando C) as poderá opor, o qual, sem prejuízo de ulterior redefinição nos articulados, tem por objecto a determinação da justa indemnização que a Demandante entende ter direito por força das restrições de uso impostas pelo PDM ... ao terreno de que aquela é proprietária, melhor identificado no considerando A).
2. O Município renuncia à invocação de qualquer efeito no direito da Demandante emergente do decurso do tempo decorrido até à entrada em vigor da revisão do PDM referida no considerando C).
Cláusula Segunda (Designação de Árbitros)
1. O Tribunal Arbitral será composto por três árbitros, um nomeado por cada parte e o terceiro escolhido de comum acordo pelos árbitros que as partes tiverem designado.
2. A Demandante designa o seu árbitro no prazo de 10 dias a contar da entrada em vigor da revisão do PDM prevista na cláusula anterior, comunicando-o à parte contrária por carta registada com aviso de recepção.
3. A Demandada designa o seu árbitro no prazo de 10 dias a contar da recepção da comunicação prevista no número anterior, comunicando-o igualmente à parte contrária.
4. Os árbitros designados pelas partes designarão o terceiro árbitro, que actuará como presidente do tribunal arbitral, no prazo de 10 dias a contar da recepção pela parte da comunicação prevista no número anterior.
5. Se os árbitros designados pelas partes não acordarem na escolha do árbitro presidente no prazo fixado nos números anteriores, observar-se-á o disposto no Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial do.
Cláusula Terceira (Regras Processuais)
A arbitragem a que se refere o presente compromisso arbitral estará sujeita às regras do Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial doem vigor no momento da verificação do litígio, com as únicas derrogações estipuladas no presente compromisso.
Cláusula Quarta (Lugar da Arbitragem)
A arbitragem terá lugar no Porto, em local o que caberá ao tribunal fixar. Cláusula Quinta (Nomeação de Secretário) O tribunal indicará a pessoa ou entidade que deverá secretariar a arbitragem prestando todo o apoio logístico ao tribunal e às partes.
Cláusula Sétima (Prazos)
1. A Demandante apresentará a sua petição inicial no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor da revisão do PDM referida no considerando A). 2. A Demandada deverá apresentar a sua contestação no prazo de 30 dias a contar da recepção da citação da petição inicial.
3. Se for deduzido pedido reconvencional ou suscitadas excepções, o Demandante dispõe de um prazo de 30 ou 15 dias, respectivamente, a contar da recepção da notificação da contestação para apresentar réplica; sendo deduzidas excepções ao pedido reconvencional, o Demandado dispõe de um prazo de 15 dias a contar da recepção da notificação da réplica para responder.
4. O Tribunal Arbitral deverá proferir e notificar às partes a sentença final sobre o litígio dentro do prazo de seis meses a contar da data de aceitação do árbitro presidente.
5. O prazo previsto no número anterior poderá, com a concordância das partes, ser prorrogado por mais 30 dias.
6. O prazo que termine em sábado, domingo ou feriado oficial (nacional ou municipal) transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Cláusula Oitava
(Equidade e irrecorribilidade das decisões)
O Tribunal Arbitral decidirá o litígio segundo a Equidade e as suas decisões são insusceptíveis de recurso.”
44 - A 01 de Agosto de 2014, as partes, representadas pelos irmãos do arguido AA, OO e SS, pela K..., e pela parte do Município ... representada pela Vice-Presidente EE, assinaram uma primeira adenda ao compromisso arbitral que contém uma única cláusula com o seguinte teor:
1. “O Município iniciou os trabalhos preparatórios para a revisão do Plano Director Municipal ... que nos termos da lei deverá estar concluída no ano de 2016.
2. No número 1 da cláusula sétima passa a ter a seguinte redacção” A Demandante apresentará a sua petição inicial no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor da revisão do PDM ou do termo do prazo previsto para o efeito no considerando c) sem que a referida revisão tenha entrado em vigor.
45 - Em 11 de Agosto de 2014 foi apresentado no Processo nº 3556/10.6BEPRT uma transacção judicial assinada entre K..., representada pelo Advogado ZZ, e o Município ..., representado pelo Advogado BB, nos seguintes termos (cfr. fls. 191 e 192 do ANEXO 1 e fls. 201-202; 243 a 246 do ANEXO 4):
TRANSACÇÃO JUDICIAL
A) Considerando que o Réu Município ... iniciou os trabalhos preparatórios para a revisão do Plano Director Municipal (PDM) ...., revisão essa que antecipa vir ficar concluída e aprovada durante o ano 2016.
B) Considerando que durante o processo de alteração do PDM ... que ocorreu em 2012, o Réu Município declarou que a pretensão da Autora quanto à classificação do seu terreno sito na Calçada ..., freguesia ...,, podia ser atendida nesse processo de revisão;
C) Considerando que, na pendência do actual processo judicial o Réu Município ... reiterou esse mesmo entendimento;
Fica entre as partes acordado o seguinte:
Cláusula
O Réu Município ... compromete-se a, no processo de revisão do PDM ... referido no considerando A), diligenciar pela alteração da qualificação do solo do terreno da Autora, seja pela alteração da tipologia da qualificação do solo actualmente prevista, seja pela alteração das regras que conformam a utilização do solo de acordo com a qualificação actualmente prevista.
Cláusula
A referida alteração deverá garantir à Autora um nível de edificabilidade equivalente ao que detinha antes da entrada em vigor do PDM actualmente vigente, ou, caso tal não seja possível, a integração do terreno descrito no considerando B) em mecanismos de perequação compensatória adequados às restrições existentes ou outras que vierem a ser estabelecidas pela revisão do PDM referida no considerando A).
Cláusula
Caso a revisão do PDM referida no considerando A) não garanta à Autora o resultado previsto na cláusula anterior, as partes desde comprometem-se a dirimir o litígio pendente, com vista ao apuramento da existência de um eventual direito a indemnização através de um tribunal arbitral a constituir para o efeito, nos termos do compromisso arbitral celebrado nesta mesma data.
Cláusula As partes acordam na desistência da instância.
Cláusula
As partes prescindem de custas e procuradoria, sendo que as custas em dívida serão repartidas em partes iguais.”
46- Tal transacção judicial foi homologada por despacho de 05/09/2014.
47- Os termos de tal transacção e compromisso arbitral foram negociados e fixados entre a K... e a CM ....
48- Na acção a K... havia avaliado o terreno, pelo menos, em €1.520.000,00.
49- O assunto da transacção judicial e compromisso arbitral nunca foram levados a reunião de Assembleia Municipal antes da assinatura dos mesmos.
50 - Por deliberação tomada em reunião pública realizada no dia 10/03/2015, apenas nesta data a CM ... iniciou o processo da 2ª revisão do PDM, conforme Aviso nº3118/2015, publicado em DR, 2ª série, nº58, de 24/03/2015, prevendo a sua concretização até 31 de Dezembro de 2016.
51- O arguido AA propôs e fez aprovar na Câmara, por deliberação tomada a 10/02/2016, o adiamento do prazo de conclusão da revisão do PDM para 25 de Março de 2018, conforme Aviso nº 2627/2016, publicado no DR, 2ª serie, nº 41, de 29/02/2016.
52- Por carta datada de Dezembro de 2016, e assinada por OO, representante da K... e irmão do arguido AA, esta propôs à CM ... a prorrogação do prazo previsto no compromisso arbitral, o que a CM... aceitou, comunicando à K..., por carta assinada pelo Director Municipal dos Serviços Jurídicos, AAA, datada de 30/12/2016, que o Município ... aceitava a prorrogação do prazo previsto no compromisso arbitral, de 31/12/2016, para 31/03/2018.
53- Assim, a 10/02/2017 foi celebrada uma segunda adenda ao compromisso arbitral, assinada pelos irmãos do arguido AA, OO e SS, em representação da K..., e por parte da Câmara Municipal ... representada pela Vice-Presidente EE, com a cláusula única: 1. “A redacção do considerando C) do Compromisso Arbitral celebrado pelas partes passa a ser o seguinte: “O Município iniciou os trabalhos preparatórios para a revisão do Plano Director Municipal (PDM), o qual, nos termos da deliberação tomada em reunião pública (55.a) realizada no dia 10 de fevereiro de 2016, conforme consta do Aviso 2627/2016 publicado em Diário da República Série 41, de 29 de fevereiro de 2016, deverá estar concluída em 25 de Março de 2018”. 2. No número 1 da Clausula Sétima passa a ter a seguinte redacção “A Demandante apresentará a sua petição inicial no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor da revisão do PDM, ou do termo do prazo previsto para o efeito considerando C) sem que a referida revisão tenha entrado em vigor”.
54- No ano de 2016, foi recebida pela Direção Municipal da Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos do Município ... uma reclamação apresentada pelo condomínio do edifício ... para limpeza de um terreno confinante, situado junto à Calçada ....
55- De modo a determinar se o Município ... era responsável pela limpeza de tal terreno, a Direção Municipal da Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos solicitou à Divisão Municipal de Gestão do Património (atual Divisão Municipal de Cadastro e Inventário) da Direção Municipal de Finanças e Património do Município ... informação de dominialidade, visando apurar a titularidade da sua propriedade.
56- Em 14 de dezembro de 2016, pela Direção Municipal de Finanças e Património foi produzido o documento com a referência ......, intitulado Informação sobre a dominialidade de terrenos municipais, tendo por objeto a propriedade do terreno referido em 1 dos factos provados, no contexto da sua edificação pela K..., tendo aqueles serviços apurado que tal terreno havia entrado na propriedade da CM ..., por força de expropriação, exarada em sentença transitada em julgado a 17/06/1950, conforme cadastro nº 137/63.
57- O Município ... tinha registado a seu favor, mediante a inscrição Ap. ..., de 18/12/1962, a aquisição por expropriação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... na ficha nº ..., Freguesia ..., …, sendo expropriados BBB e CCC, casados, com morada na Calçada ..., ….
58- Este prédio esteve descrito em livro, com o nº ... do Livro ..., Secção 3, a ..., ..., confrontando pelo norte com Calçada ..., pelo nascente e sul com DDD e pelo poente com Companhia dos ..., com a área de 2400 m2, com registo de aquisição a favor de BBB.
59- Na sequência desta informação, a 18/05/2017, o Director Municipal de Serviços Jurídicos, AAA, elaborou e remeteu informação ao Executivo e à Assembleia Municipal, propondo a interposição de acção judicial em que se formulasse pedido de declaração de existência ou de inexistência dos direitos de propriedade conflituantes, a fim de que fosse judicialmente determinada a titularidade dos direitos em causa.
60- Este processo judicial foi efectivamente instaurado a 09 de Junho de 2017, e tomou o número 12708/17.7 T8PRT, que correu termos no Juiz 5, Juízo Central Cível do Porto, sendo ali autor o Município ... e Réus LL, MM e K..., Lda
61- Não obstante a existência e divulgação pública de tal informação, já em Dezembro de 2016, tendo o assunto passando a ser discutido na comunicação social e nas reuniões da Câmara Municipal, foi realizada uma terceira adenda ao compromisso arbitral, a 29/05/2017, relativo à realização de arbitragem por árbitro singular, cabendo a sua designação a entidade terceira (T.C.A. do Norte).
62- No processo 12708/17.7 T8PRT foi proferido a 05/05/2020 acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a decisão da sentença da primeira instância e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tendo em consequência sido decidido: “ a) Julgar procedente a impugnação da escritura de Justificação notarial outorgada por LL e MM no Cartório Notarial dea 29/03/2001, por não terem estes adquirido por usucapião o terreno dela objecto; b) Ordenar o cancelamento da inscrição AP ... de 25/05/2001 (Aquisição da titularidade do prédio descrito sob a ficha nº ..., da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ..., a favor de LL e MM); c) Julgar nulo o contrato de compra e venda formalizado por escritura pública outorgada a 03/07/2001 no primeiro Cartório Notarial ..., no qual eram outorgantes LL e MM e a K..., respeitante ao terreno descrito como prédio sob a ficha nº ..., da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ...; d) Ordenar o cancelamento da inscrição AP-… de 2001/07/31 (Aquisição da titularidade do referido prédio a favor da K...); e) Ordenar a inutilização da descrição da ficha nº ..., da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ..., respeitante à descrição do terreno sito na Calçada ... a área total de 2260 m2; f) Declarar que os Réus LL e MM e a K... não adquiriram a propriedade, em todo ou em parte, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... na ficha ..., da Freguesia ...,, anteriormente descrito em livro, com o número ..., do Livro ..., Secção 3, a ..., ..., nem adquiriram a propriedade do terreno descrito como prédio urbano descrito sob a ficha nº ..., da freguesia ..., na Conservatória do Registo Predial ....
63- Em consequência desta decisão, a Chefe de Divisão Municipal de Contencioso proferiu despacho datado de 26/06/2020, considerando que o pedido de declaração de ilegalidade a que se referia a acção nº 3556/10.6 BEPRT que correu termos no TAF do Porto, e o pedido subsidiário de condenação da CM ... numa indemnização no valor de €1.520.000 se encontrava irremediavelmente prejudicada, pelo que ficaria sem efeito a transacção ali efectuada, e subsequentes adendas.
64- Sabia o arguido que tinha sido sócio da K... até 06.06.2008, da qual também eram sócios irmãos seus e a sua mãe e gerentes irmãos seus, assim como sabia que o Conselho de Administração da M..., também sócia da K..., era composto por irmãos seus.
65- O arguido não tem antecedentes criminais.
Condição Pessoal do arguido:
AA é o mais velho de oito filhos. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, de classe socioeconómica favorecida, tendo contado com a proximidade dos avós paternos, residentes em casa contígua. Recorda terem-lhe sido proporcionadas boas condições de vida, com dinâmica equilibrada e promotora de proximidade familiar, orientada por regras e valores tradicionais, com a presença quotidiana de uma das avós, paterna ou materna, no sentido de apoiarem a mãe nos cuidados a dispensar à numerosa prole. O pai mantinha atividade profissional como industrial em unidade fabril sedeada em ..., sendo a família possuidora de outras empresas direccionadas para a área da navegação. Durante a adolescência, como ocupação dos tempos livres, manteve prática desportiva de vela, tendo sido campeão nacional da modalidade. AA apresenta um percurso escolar regular, maioritariamente em escolas públicas, tendo após conclusão do ensino secundário, em 1974, seguido a tradição da família que privilegiava a prossecução dos estudos no estrangeiro no sentido de promover a autonomia e a responsabilidade. Nessa conformidade foi para Inglaterra, onde concluiu licenciatura em Gestão na Universidade .... Durante este período foi confrontado com a perturbação que se instalou pós 25 de Abril de 1974 na empresa “W...” que o pai explorava, tendo a mesma sido tomada pelas então denominadas forças revolucionárias, que também congelaram as contas da família, assinalando como consequência mais gravosa a prisão do pai em 1975, durante um ano, face à qual verbaliza sentimentos de incompreensão e inconformismo. Nessa sequência o arguido, a estudar em Londres, refere que teve que procurar trabalho que lhe permitisse a subsistência, nomeadamente em bares, como empregado de copa ou balcão. AA, após conclusão da licenciatura e por ter sido o melhor aluno do curso, foi convidado por uma universidade americana para ali efetuar “master business administration” (MBA), oportunidade que refere ter recusado, no sentido de satisfazer um pedido da mãe, que pretendia que viesse apoiar o pai na gestão das empresas familiares em situação precária. Nessa sequência refere que foi trabalhar para a empresa “E..., Lda.”, posteriormente transformada em sociedade anonima (S.A.), tendo-se deslocado quase de imediato (em 1978) para a Noruega, onde permaneceu durante 6 meses, no sentido de potenciar a relação comercial que mantinham com empresas de navegação daquele país. A empresa foi vendida em 1992, segundo referiu. Seguiu-se o seu ingresso na empresa “T...”, onde refere ter iniciado funções como 1º oficial nos serviços administrativos, e fez toda a progressão na carreira até ocupar o cargo de presidente do conselho de administração da empresa, o que o pai considerava fundamental para deter cabal conhecimento para melhor gestão. Seguiu-se a assunção da função de administrador de outra empresa familiar (“X..., S.A.”) onde permaneceu até 2004/2005, tendo a empresa, onde a família já não detinha quotas, sido liquidada. Naquela sequência desempenhou funções de consultoria e deu aulas na Universidade Católica a convite de um Professor. Paralelamente dedicou-se à escrita, também de artigos de opinião em dois jornais diários e participou em programas na televisão, quer como comentador/analista na área da economia, quer em programas de comentário/debate desportivo. Em termos de intervenção cívica, em 2001 e durante 12 anos, assumiu a presidência da Associação de Comerciantes ..., não sendo remunerado. Em 2005 foi convidado e assumiu a presidência (não remunerada) da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), direcionada para a recuperação da zona histórica. Em 2013 refere que foi desafiado por um grupo de amigos a encabeçar um movimento independente para candidatura à Câmara Municipal ... (CM...) projeto que abraçou, tendo sido eleito. Nessa sequência abandonou os cargos que detinha e passou a trabalhar em exclusividade como Presidente da Câmara Municipal .... O arguido orgulha-se do seu percurso profissional, quer nas empresas familiares, quer em prol da cidade e dos seus comerciantes, salientando a projeção que deu à Associação Comercial ... e as melhorias fruto da intervenção iniciada pela SRU na zona histórica. Valoriza, em especial, a relação com as pessoas, sentindo que ainda hoje é bem-recebido por todos com quem trabalhou. Em termos pessoais, o arguido esteve casado duas vezes, tendo um filho de cada união matrimonial que terminaram em divórcio por mútuo consentimento. Nets sequência o filho do primeiro matrónimo ficou à sua guarda e relativamente ao segundo filho foi regulado um regime de guarda conjunta ao nível das responsabilidades parentais. O arguido refere que mantém relacionamento cordato com as ex-mulheres e assinala o bom relacionamento entre os filhos, que sempre cresceram juntos, o que nos foi confirmado pelo irmão e médico/amigo que contactamos. Durante o decurso do primeiro casamento foi-lhe diagnosticado um problema renal grave, tendo tido necessidade de se submeter a hemodiálise diária durante tês anos, vindo posteriormente em janeiro de 1986 a deslocar-se a Inglaterra, onde foi sujeito ao transplante de um rim doado por um irmão. O arguido mantém acompanhamento/tratamentos no Instituto de Oncologia .... Referiu que a toma de medicação imunossupressora, que tem efeitos secundários, lhe exige um estilo de vida regrado e disciplinado, o que respeita. Apesar do apoio incondicional da família, AA recorda aquele período da vida como difícil, inclusivamente ao nível do relacionamento conjugal, tendo a mulher, após o ter acompanhado no período de recuperação pós-operatório, pedido o divórcio. O médico que acompanhou o arguido desde início da doença veio a estabelecer relacionamento de amizade com o mesmo, realçando a sua atitude empática e humilde com os outros pacientes durante todo o processo de hemodiálise, apoiando-os e esclarecendo-os, quando solicitado.
À data dos factos na origem do presente processo o arguido encontrava-se a cumprir o primeiro mandato como Presidente da Câmara Municipal .... AA auto avalia-se como um bom negociador, enquanto geriu as empresas familiares, e bom mediador, referindo que o exercício enquanto Presidente da Câmara requer uma atitude de permanente negociação na procura de acordos/parcerias com a oposição, tanto mais que nunca conseguiu maioria na Assembleia Municipal, no que considera vir sendo bem-sucedido, fundamentando com o facto de ter sido recentemente reeleito para o terceiro e último mandato. Esta opinião vai de encontro à que nos foi transmitida pela fonte do meio profissional que contactamos, que destacou a sua preocupação pela boa gestão da “coisa pública”, sendo rigoroso com o cumprimento das regras, assinalando, ainda, o bom relacionamento que estabelece com as pessoas em geral. A nível familiar, os filhos já se autonomizaram, tendo ambos concluído a formação superior no estrangeiro, dando continuidade à tradição familiar. As fontes do meio sócio familiar contatadas destacaram a especial dedicação do arguido aos filhos e à mãe, elementos com quem mantém contacto próximo, bem como com os irmãos, e a forma empática como se relaciona com as pessoas em geral. AA reside sozinho na morada constante do presente processo, em moradia própria situada numa das zonas nobres da cidade, que o arguido valoriza pela tranquilidade que proporciona. Indica como rendimento fixo mensal o seu salário como Presidente da Câmara Municipal ... (3.211,80 Euros líquidos), a que acrescem poupanças provenientes de herança; descrevendo ma situação económica favorecida. Em termos pessoais desde há 3 anos mantém um relacionamento afetivo, sem coabitação, que avalia positivamente. AA refere preocupação em manter a privacidade da sua vida pessoal e familiar, descrevendo um estilo de vida caseiro e regrado, o que também decorre dos problemas de saúde que apresenta, com a obrigação de efetuar uma caminhada de 2 horas/dia. O arguido refere ser grande apreciador de eventos culturais, assistindo frequentemente a espetáculos de música, teatro e dança, onde enquadra a ocupação dos tempos livres, a par da fotografia, leitura e escrita. Como projeto de vida indica o de, terminado o mandato com Presidente da CM..., retomar a atividade como escritor, a fotografia e a leitura, não perspetivando voltar à vida política, mas continuando disponível para intervenção no âmbito cívico. O arguido é referenciado pela dedicação aos filhos e à família de origem, bem como pelo relacionamento empático que estabelece com as diferentes pessoas com quem se relaciona.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos (por uma razão de facilidade de identificação dos factos não provados na apreciação da impugnação da matéria de facto, passa-se a atribuir-lhes alíneas):
a) - que a Procuração assinada pelo arguido AA e a Acta de Audiência tenham sido juntas ao processo municipal de acompanhamento nº 1/2011 daquela acção apenas em Outubro de 2016.
b) - que o arguido soubesse que a acção estava destinada a improceder, e tenha determinado o Advogado BB a requerer nova suspensão da instância administrativa, com vista a alteração do PDM que viesse a acolher as pretensões construtivas da K..., bem sabendo que tal alteração estava programada apenas para o ano de 2016.
c) - que a posição assumida pelo Advogado BB referida no ponto 40 dos factos provados tenha sido determinada pelo arguido AA e em consonância com as instruções que recebera deste, e que a mesma seja contrária à vertida na contestação.
d) - que o referido em 40 dos factos provados tenha sido realizado por ordem e de acordo com as instruções do arguido AA.
e) - que o referido em 47 dos factos provados tenha sido efectuado sob ordens e orientação do arguido AA, que determinou que os funcionários do Município, CC (Chefe de Divisão de Estudos e Apoio Jurídico) e DD (Directora Municipal da Presidência e Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso), e o Advogado BB apresentassem o texto e os termos do acordo já fechado à Vice-Presidente da Câmara, EE, dias antes da diligência judicial na qual esta se limitou a assinar o mesmo sem que naquele tivesse tido qualquer outra intervenção.
f) - que a adenda referida no artigo 61 dos factos provados tivesse sido motivada por pressões da opinião pública e políticas.
g)- que o arguido soubesse:
g).1 - que, em virtude do referido no ponto 64 dos factos provados, não podia, como presidente da câmara e em representação do Município, emitir procuração forense em acção judicial em que a K... fosse parte, estando legalmente impedido de o fazer e que devia abster-se de ordenar quaisquer actos no âmbito daquele mandato forense;
g).2 - que a ação judicial, intentada pela K..., com vista à nulidade da deliberação de 13.9.05, que mandou suspender os procedimentos de informação prévia de licenciamento e de autorização de operações urbanísticas, que não estivessem de acordo com o Plano Municipal em fase de ratificação, foi judicialmente declarada improcedente; que o PIP relativo à pretensão de edificação da K... fora indeferido;
g).3 - que o arguido tenha ordenado ao advogado do Município a celebração do compromisso arbitral e da transação judicial acima aludidas e que, ao fazê-lo, retirava a causa da esfera do tribunal judicial administrativo para a entregar a um tribunal arbitral, sem qualquer fundamento para tal;
g).4 - que, ao assim agir, o arguido, violando o dever de suscitar impedimento e os deveres de legalidade, de prossecução do interesse público e de imparcialidade, o fazia deliberadamente contra a lei, obrigando o Município aos interesses da K..., com única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios;
g).5 - que o arguido soubesse que a sua conduta era proibida pela lei penal.

MOTIVAÇÃO E EXAME CRÍTICO DA PROVA PRODUZIDA
Como dispõe o art.127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, tendo o julgador liberdade para formar a sua convicção com base em juízo o qual procura a sua fonte no mérito objectivo e concreto do caso, tal como ele foi exposto e representado no processo.
A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos, análises e pareceres técnicos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos pessoais – e estes em função das respectivas razões de ciência, das certezas e/ou das lacunas denotadas, de contradições, hesitações, (im)parcialidade, serenidade, ‘linguagem silenciosa e do comportamento’, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência. A actividade probatória é, pois, constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção do julgador sobre a existência, ou inexistência, de certo facto. Na formação da convicção judicial concorrem provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos permitem inferir. A prova directa refere-se imediatamente aos factos probandos, enquanto a prova indirecta se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Na prova indirecta, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do julgador. Esta prova pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica. Aliás, é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho.
Há aspetos sobre os quais a prova produzida – assente nos documentos juntos ao processo e/ou nas declarações do arguido – não suscita debate. Referimo-nos, entre outros, aos aspectos que conduziram à aquisição do terreno da ... pela empresa K..., da qual era sócio o arguido; os termos de processamento dos processos administrativos e interno que constam dos vários Anexos juntos aos autos principais; a assinatura de Procuração com poderes especiais por parte do arguido para junção ao Processo 3556/10.6BEPRT; a celebração da transação e do compromisso arbitral, ou a natureza da função exercida pelo arguido.
Perante a prova obtida em audiência de julgamento com vista à descoberta da verdade, urge apreciar a actuação do arguido, o qual na qualidade de Presidente da Câmara ..., outorgou uma Procuração a favor de mandatário da autarquia (avençado) para intervenção em audiência prévia, em processo no qual a autora era a Sociedade K..., Lda, e onde aquele foi sócio, e aferir se tal traduz um conflito de interesses do qual aquele se alheou com vista à obtenção de benefício para si ou para terceiro.
Analisemos então os depoimentos prestados em audiência.

Em audiência de julgamento o ora arguido prestou declarações, quer iniciais quer a final, esclarecendo o tribunal acerca das origens da Empresa K..., a qual foi constituída inicialmente pelo seu progenitor e funcionários regressados das antigas Colónias e ligada à produção de suínos. Cessada tal actividade, por razões ecológicas e exigências do Município de ..., o objecto da empresa reverteu para a actividade imobiliária. O ora arguido nunca teve qualquer actividade profissional ligada à Empresa K..., limitando-se a ser, a par dos seus 7 irmãos e da sua mãe, sócio da holding familiar resultante da herança do seu progenitor. A gestão da K... cabe a dois dos seus irmãos. Aquando da sua candidatura à Camara Municipal ... tinha conhecimento da pretensão da K..., a qual queria construir no terreno em causa nestes autos. O conhecimento que tinha de tal pretensão advinha do quadro meramente familiar onde a questão era colocada como a “questão da ...”. Em concreto, mercê das reuniões informais e familiares, sabia que, aquando da aquisição do terreno, a questão da edificabilidade tinha sido prejudicada com o PDM que terá entrado em vigor após a aquisição do terreno e que a K... estaria a litigar pela recuperação de tal direito. Mais referiu que, no âmbito das suas funções, o Presidente apenas pode nomear o Chefe de Gabinete e dois adjuntos. Após a sua tomada de posse, procurou então uma solução de governabilidade dado que não tinha maioria. Nesse início de mandato a Dr. DD chamou-lhes a atenção, a si e ao seu chefe de gabinete JJ, para alguns casos mais prementes, nomeadamente a questão da EDP. Cerca de 4 dias após tomar posse, foi a Dr.ª EE que lhe chamou a atenção para o Fundo ..., o qual necessitava de reforço de fundos. As questões iam-lhe chegando à medida que os Serviços chamavam a atenção para os mesmos. O caso da S... e o caso de ... e os supra indicados foram os quatro processos para os quais lhes chamaram maior atenção dada a sua vertente jurídica e urbanística. Isto porque na Câmara estavam “queimados” pelo montante indemnizatório em que havia sido condenada no caso do Parque da Cidade. A questão da K... surgiu quando é confrontado com vários documentos e procurações vindos do serviço jurídico da Câmara para assinatura. É quando lê uma das procurações que se apercebe que se tratava de processo em que a K... era parte. Nessa altura dirigiu-se ao gabinete do seu chefe de gabinete questionando-o se tal documento havia passado por ele e colocando-o a par da sua relação e participação nessa empresa. À exceção de documentos muito simples, não assina qualquer documento sem que aquele ou um adjunto o reveja. Queria saber se podia e devia assinar ou não a referida procuração e porque é que deveria assinar a mesma. Este respondeu-lhe que deveria assinar porque era aquela procuração que permitiria que a Câmara continuasse a estar representada em determinado ato judicial que o ora depoente não conhecia em pormenor. A dimensão dos poderes conferidos através das Procurações que assina são determinados pelo Departamento Jurídico. Desconhecia em concreto qual o estado do processo judicial e nunca falou com ninguém a propósito do mesmo, à exceção das conversas familiares já acima mencionadas. Passados alguns meses, a Dr.ª DD, à data Diretora Municipal da Presidência, referiu-lhe que, atenta a ligação familiar existente, era conveniente declarar o seu impedimento dado que se avizinhava um acordo, no seguimento do que veio a assinar a correspondente declaração. Pensa que terá sido assinada entre janeiro e julho de 2014, mas não se recorda da concreta data em que o fez. Apesar de o surpreender não achou estranho a falta de datação da declaração dado que vários documentos têm inserida uma nude onde é aposta posteriormente a data. Desconhece em concreto quem na Câmara saberia da sua ligação à empresa K... ou em que momento terão acedido a tal informação, com exceção do chefe de gabinete a quem deu directamente conhecimento de tal facto nos termos acima esclarecidos. Presumiu que, pelo menos após ter dado conhecimento ao Chefe de Gabinete, os serviços jurídicos o soubessem também através daquele. Nunca se imiscuiu na tramitação de qualquer processo da área dos Serviços Jurídicos da Câmara nem mesmo dos serviços urbanísticos do Município. Nunca falou com o advogado externo, encarregado do processo que corria no tribunal administrativo. Também não conhecia a chefe de divisão que naquela data dirigia os serviços jurídicos. Note-se que é o Departamento Jurídico que determina se cada processo é tramitado por advogado da Câmara ou externo à mesma. Nunca falou com a Dr.ª CC embora saiba quais as suas funções na Câmara. Desde o início do século que não tinha actividade relacionada com o sector imobiliário. Reafirma que, aquando da sua chegada à Câmara, não tomou qualquer iniciativa no sentido de aferir qual o estado da litigância da Câmara com a empresa K....
Confrontado o arguido com o teor das declarações prestadas em sede de inquérito e em interrogatório de arguido, cujo auto consta de fls. 644-654, confirmou as mesmas, referindo ainda que lhe reforçaram a necessidade urgente da subscrição da Procuração.
Os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento, e cuja credibilidade, em alguns dos casos, se encontra sedimentada também nas demais provas apresentadas nos autos, caracterizaram-se pela sua clareza e capacidade de enquadramento espácio-temporal dos factos, alicerçando a convicção do tribunal. Foram, a esse nível, atendidos os seguintes depoimentos:
EEE, id. a fls. 186, que actualmente exerce as funções de engenheiro mecânico no Instituto da Ciência e Inovação, confirmou que foi vereador na CM... entre o ano de 1999 e o ano de 2011. Actualmente é deputado da Assembleia Municipal, esclarecendo que entre o ano de 2011 e 2017 não teve qualquer ligação à autarquia do …. Entre 2001 e 2005, durante o mandato do Dr. VV como Presidente da Câmara ..., foi vereador do ambiente e da reforma administrativa, com ligação ao Pelouro do Urbanismo onde superentendia todas as operações urbanísticas da cidade. No que toca ao terreno em apreço nestes autos, confirmou que o mesmo, de acordo com o PDM de 1993, não teria capacidade construtiva, a qual apenas veio a obter em 1999, com a entrada em vigor das normas provisórias. Posteriormente, vieram a ser aprovadas medidas preventivas que retiraram capacidade edificandi. No que se refere à concreta questão do terreno referente à K..., esclareceu que só tomou conhecimento da mesma através dos meios de comunicação social. Acrescentou que manifestou alguma perplexidade face aos termos da transação constante dos factos provados dado que a aprovação do PDM sempre dependeria da Assembleia Municipal, a qual não havia sido auscultada previamente, ainda que informalmente. Sublinha, no entanto, que, dada a complexidade que envolve a revisão do PDM, e o timing daquela transacção, certo é que seria prematuro uma consulta não oficial à Assembleia no que toca aos termos daquela. Confirma que o processo de revisão do P.D.M é de grande complexidade, sendo que a sua aprovação está na competência da Assembleia Municipal, razão pela qual qualquer compromisso assumido por outro órgão da autarquia nunca comprometeria aquele processo. Esta testemunha esclareceu ainda que é habitual e recorrente os serviços jurídicos da autarquia orientarem e decidirem processos judiciais à revelia do departamento de urbanismo. A mesma testemunha confirmou que a condução de qualquer processo judicial em que a autarquia seja parte é levada a cabo pelo Pelouro dos Serviços jurídicos respectivos e sem qualquer acompanhamento do Poder Politico, com excepção de um ou outro caso em que a especial complexidade do processo exija algum diálogo. A testemunha relembrou ainda que, ainda que a autarquia recorra a pareceres técnicos, certo é que a mesma exerce um poder discricionário no que toca à concessão de capacidade construtiva em sede de revisão de PDM, decisão esta de mera natureza politica. Sublinha que, em concreto e quanto ao caso em apreço, nada sabe, pois que não era autarca no período em que foi celebrada a transação judicial ou o compromisso arbitral (julho e agosto de 2014). No mais, a ora testemunha apresentou a sua interpretação e conclusões pessoais no que se reporta aos factos em discussão nos autos.
FFF, id. a fls. 192, professor de Engenharia Electrotécnica reformado e deputado da Assembleia Municipal entre 2013 e 2017. Esclareceu o tribunal de que apenas tomou conhecimento do litígio que opunha a CM... à empresa K... Imobiliária no Verão de 2017 e no quadro de uma intervenção do vereador KK em reunião do executivo municipal. A questão foi levada a Assembleia Municipal e chegou aos meios de comunicação social. Nesse seguimento, os eleitos municipais tiveram acesso a todos os processos da Câmara que envolviam a K..., pelo que realizou um estudo minucioso do assunto entre junho e outubro de 2017. Analisada a documentação disponibilizada, decidiu-se a apresentar a questão à Procuradoria Geral da República Portuguesa, uma vez que, quando estava a consultar o processo 1/2011, que corresponde ao processo de acompanhamento interno (pelos serviços jurídicos da autarquia) do processo judicial 3556/10.6BEPRT, verificou que tinham sido colocados dois documentos (ata da audiência prévia e procuração forense, datados, respetivamente, de 10/Jan/2014 e 28/Nov/2013) a que correspondem as folhas 219 a 221, sendo que as folhas imediatamente anteriores são uma guia de conta de processo e o respetivo comprovativo, datadas de 22/Jan/2015 e 30/Jan/. Por outro lado, a declaração de impedimento do ora arguido, enquanto Presidente da Câmara, não se encontra datada. Esta testemunha apresenta então em audiência de julgamento as conclusões a que chegou após consulta dos elementos disponibilizados aos eleitos municipais, interpretação essa colhida dos pareceres técnicos que entende plasmarem uma posição da autarquia manifestamente contrária às pretensões edificativas da K..., posição essa assumida em sede de contestação apresentada pela autarquia no processo judicial 3556/10.6BEPRT (apesar da mesma ter sido desentranhada por extemporânea). No seu entendimento, o acordo obtido em sede judicial e arbitral deveria ter tido suporte politico.
KK, id. a fls. 1277, economista, tendo exercido o cargo de Vereador na CM... entre novembro de 2011 e 2017, após ter sido deputado municipal pela Assembleia nos 2 anos anteriores. Teve conhecimento do processo administrativo 3556/10.6BEPRT por volta do ano de 2016, altura em que vários deputados municipais requereram a consulta do processo administrativo de acompanhamento do processo judicial. Confirmou que, após ter acesso aos termos da transacção em apreço nos autos, ficou com a impressão de que o Município ficava comprometido no quadro das suas opções aquando da revisão do PDM, parecendo-lhe que os termos daquela alteravam a posição da autarquia no que se reporta à qualificação do solo. Foram estas dúvidas e o facto da questão não ter sido discutida em reunião camarária que o levaram a colocar a questão em sede de reunião da Câmara. Nesta sede foi o então Director do Departamento Jurídico, Dr. AAA, que respondeu às dúvidas suscitadas, esclarecendo, em suma, que havia pareceres técnicos com abertura para uma eventual edificação no dito terreno, que eventualmente poderia existir um eventual direito da autora face às normas provisórias anteriormente vigentes, o que poderia levar à procedência da acção administrativa, garantindo ainda que os termos da transação em nada comprometiam a autarquia aquando da revisão do PDM. Esta testemunha referiu desconhecer quais as posições das partes no ano de 2012, nomeadamente, quanto à existência de negociações com vista a um eventual entendimento.
GGG, id. a fls. 1279, foi deputado da Assembleia Municipal ... entre 2005 e 2017. Esclarece que foi após as notícias publicadas em meios de comunicação social que teve conhecimento do processo administrativo 3556/10.6BEPRT, por volta do ano de 2016, altura em que vários deputados municipais requereram a consulta do processo administrativo de acompanhamento do processo judicial. Afirmou que o teor do acordo o surpreendeu face ás premissas que presidem a qualquer revisão do PDM. Fez parte da comissão de acompanhamento do PDM de 2005 e, por isso, estava genericamente a par da situação da escarpa, designadamente a questão de ser zona de não construção, sendo essa, pelo menos, sempre a habitual posição do Urbanismo. Acompanhou os trabalhos e votou o PDM de 2006, o qual, no quadro das cláusulas e restrições genéricas em que se traduz, não abarcava a pretensão da K.... Apesar de considerar que os termos da referida transacção comprometiam a posição da Câmara não esclareceu, em concreto, em que termos tal comprometimento se traduziria.
HH, id. a fls. 529, engenheiro civil e Diretor da Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal ... desde 2010. Começou a trabalhar na CM... em final de 2002 como Diretor de Gestão Urbanística até 2008. Até 2010 foi Diretor Municipal da Via Pública. Admitiu que, na qualidade de director do departamento de urbanismo, teve acesso ao processo de apresentação de pedido de informação prévia apresentada pela K... e também à Reclamação apresentada face à deliberação de suspensão de todos os pedidos de informação prévia, licenciamentos e outros, a qual improcedeu. Confrontado com o teor da Participação preventiva para alteração ao PDM apresentado pela K... (Processo ... – Anexo III dos autos) em que esta requer que a área de terreno identificada de que é proprietária não fique sujeita, quer à qualificação como área de enquadramento de espaço canal, quer como área de proteção de recursos espaços naturais, assim como com o teor do Parecer da Direção Municipal do Ambiente e Serviços Urbanos de 8/2/2011, esclareceu que a visão do Urbanismo era a de que não era possível construir em escarpa e só numa revisão do PDM se poderia equacionar a alteração da qualificação dos solos. Perante o Parecer técnico formulado pelo Departamento de Espaços Verdes e Higiene Pública (fls.189 do anexo 3), assim como face ao Parecer dos Serviços Urbanos (fls.186 do anexo 3), esclareceu que era usual o seu departamento de urbanismo consultar os demais departamentos e que só após tais consultas era elaborada uma proposta de ordenamento do território. Confrontado com o Parecer do LNEC (fls.69 a 73 do anexo 5) conclui que a construção naquela área não é de todo uma hipótese inviável, como aliás o LNEC no seu parecer prévio sublinha, pelo que a ideia de que uma revisão do PDM, após estudos gerais e não casuísticos, permitiria no futuro que aquela e outro tipo de áreas similares no ... obtivessem permissão para construir não foi afastada em definitivo. Segundo esta testemunha, a partir do momento em que se afere que apenas em sede de revisão seria possível alterar a qualificação do solo, dependente de discussão pública, quer no caso em apreço, quer face a outros terrenos (dado que a requalificação do solo era uma questão que abrangia toda a zona de escarpa), a questão deixou de poder ser decidida ou apreciada em sede diversa, razão pela qual não se iniciaram quaisquer estudos geotécnicos pois que estes apenas podiam ter lugar aquando daquele outro processo mais abrangente. Ora, este processo de revisão do PDM só se iniciou no ano de 2015. Confrontado com os termos da transacção e do compromisso arbitral não vislumbra que os mesmos revelem mais do que uma mera possibilidade de se equacionar a hipótese de alteração da qualificação dos solos em sede de revisão, reduzindo-se a um compromisso de analisar essa possibilidade. Sublinhou ainda que nunca o arguido, na qualidade de presidente da Câmara ou outra, o abordou a propósito da empresa K.... Confrontado com o email de fls.193 do Anexo Análise de emails Apreendidos, referiu que o mesmo apenas reflecte a dúvida da Dr.ª CC quanto ao compromisso assumido - se era o de edificabilidade, o que não poderia ser assumido pela Câmara, ou o de mera garantia de que a possibilidade de edificabilidade seria objecto de análise e discussão em sede de revisão -, sendo esta última a que efetivamente transparece do compromisso arbitral. Confrontado com todo o percurso percorrido pelos vários serviços e departamentos da Câmara Municipal ..., no que se reporta ao processo K..., referiu que o caminho trilhado pelos mesmos foi o habitual, não refletindo o mesmo qualquer alteração da posição da Câmara. Foi, sim, abordada a questão do momento e processo adequado para uma tomada de posição relativamente à edificabilidade, posição essa que apenas poderia ser discutida e decidida em sede de revisão do PDM;
HHH, técnica superior na CM..., id. a fls. 361. No âmbito das funções que exerceu na Direcção Municipal de Urbanismo (Divisão de Gestão Urbanística), confirmou que foi gestora do processo com o nº.../CM... – Pedido de Informação Prévia. Enquanto gestora do processo, limitou-se a tramitá-lo na sequência dos vários pareceres que foi recolhendo junto das respetivas divisões ou departamentos ou entidades externas, como por exemplo o Batalhão de Sapadores de Bombeiros, o Gabinete do Ambiente, Gabinete de Apreciação de Projectos da sua divisão que faz a análise arquitetónica, sendo que este último era desfavorável por não estar de acordo com as Medidas Preventivas (20.º do RGUE). Este último foi determinante para que viesse a ser emitida a Informação datada de 21.04.2008, de fls.119 a 121. do anexo 2, a qual reflecte a Apreciação Final do Pedido de Informação Prévia, a qual foi desfavorável com base nos Pareceres do GAP e da DMASU. Na sequência de um requerimento apresentado pela K..., de caráter jurídico, em que esta refere que o processo deve aguardar pela decisão do Tribunal, solicitou um parecer jurídico através da informação ....... No seu entendimento, o parecer jurídico veio afirmar que a sua proposta deveria ser no sentido de declarar a nulidade do deferimento tácito ocorrido, o que veio a propor, nesses exatos termos, na informação .../CM... e obtida a concordância superior do seu superior hierárquico. Finalmente, em Janeiro de 2009 propôs o arquivamento do processo obtendo a concordância superior. Dado que os serviços jurídicos foram do parecer que esta Informação deveria ter sido no sentido de considerar um deferimento tácito, foi emitida nova Informação de 09.12.2008, a fls.133 desse anexo, novamente desfavorável, mas agora com fundamento da sua incompatibilidade com o PDM em vigor e no seguimento da declaração de nulidade do deferimento tácito. Não voltou a ter qualquer contacto com este processo.
BB, id. a fls. 707, advogado, esclareceu o tribunal que exerce as suas funções no quadro de uma Sociedade de Advogados a qual tem um contrato de patrocínio e assessoria especializada com o Município ..., o que ocorre desde 2009 (ainda que inicialmente inserido em sociedade de advogados diversa). Como tal, é com o Departamento Jurídico centralizado interno da Câmara Municipal ... que estabelece os necessários contactos para levar a bom termo os processos que aquele mesmo departamento lhe atribui. Desde 2009 nunca esteve, a título profissional e em reunião de trabalho, com qualquer Presidente da Câmara a propósito de qualquer processo, até porque existem chefias intermédias, sendo que a testemunha só respondia perante a Divisão do Contencioso daquele executivo. A sua acção como advogado externo apenas exigia que contactasse com o departamento jurídico da Câmara, nomeadamente com o chefe de divisão. Até lhe ser atribuído, em janeiro de 2011, por aquele departamento, o Processo da K..., desconhecia a existência desta empresa assim como não conhecia qualquer dos familiares do ora arguido. Nesse processo o Município era demandado. Normalmente, nesta e noutras acções, solicitava os elementos necessários para contestar a acção, o que normalmente era providenciado pelo solicitador daquele departamento, o Dr. WW. Nesse departamento também se relacionava com a Chefe de Contencioso e com a Directora de serviço, a saber, Dr.ª GG e Dr.ª III. Pouco depois de ter recebido o processo foi-lhe referido pela Dr.ª III que tal acção não seria para contestar porque existiam conversações entre a autora e a Câmara que seriam discutidas em sede de alteração de PDM, sendo iminente um acordo. Foi-lhe transmitido, nesse mês de janeiro de 2011, que a pretensão da K... seria contemplada em sede de alteração do PDM, razão pela qual a acção judicial deveria até ser alvo de um pedido de suspensão da instância. Efectivamente, do seu processo interno consta um email subscrito por ZZ (advogado da K... naqueles autos) dirigido à Dr.ª III, no qual é abordada a questão da suspensão dos autos. Foi no seguimento de tais informações que requereu o primeiro pedido de suspensão que dá entrada no processo em 24.01.2011. O segundo pedido de suspensão apresentado nos autos teve por fundamento o teor do Aviso de fls.114 do anexo I (deliberação para alteração do PDM), estando, pois, aberta a possibilidade da pretensão da autora ser acolhida em sede de alteração de PDM, informação que sempre lhe foi sendo transmitida pela divisão do Contencioso do Município.
Posteriormente notificado, no quadro do processo, no que se refere à suspensão da instância, pediu informação ao serviço de contencioso quanto ao estado do processo de alteração do PDM e se a pretensão da autora tinha ou não colhido deferimento nessa sede. Enquanto aguardava foi novamente notificado, no quadro do processo judicial, de que a autora havia requerido o prosseguimento dos autos – em 04.09.2012. Voltou a instar a Divisão de contencioso (pensa que na pessoa da Dr.ª CC) a qual lhe transmitiu que a pretensão da K... não tinha sido atendida em sede de alteração de PDM; foi quando verificou que o prazo para contestar havia precludido. Não obstante, e bem sabendo que a contestação era extemporânea, e porque em processo administrativo não há efeito cominatório, apresentou-a nos autos, tentando salvaguardar a posição da parte que representava, atacando o que é referenciado em sede de petição inicial, pugnando, obviamente, pela improcedência da acção (na esperança de que o conteúdo da mesma sempre fosse conhecido apesar de vir a ser eventualmente desentranhada). Em contestação e nos seus requerimentos um advogado deve pugnar no sentido que lhe é favorável até às ultimas consequências, sendo certo que, muitas vezes, a jurisprudência vai por caminhos nunca antes calcorreados graças à luta dos advogados nas suas peças processuais. Daí ter pugnado pela tempestividade da contestação e pelos seus termos. Esclareceu que o seu “modus operandi”, no que se refere ao relacionamento com o seu cliente, o Município ..., não sofreu alterações face à alteração do mandato do Presidente da Câmara VV para o Presidente AA, nem face à alteração do cargo de director do departamento jurídico. Após a tomada de posse deste último foi notificado, em 19.11.2013, no quadro daquele processo judicial, para a realização de uma audiência prévia, a ter lugar em 10.01.2014; dligência essa que, no quadro das alterações entretanto sofridas pelo processo civil (que abandonou as audiências preliminares em beneficio das audiências prévias) impõe que as partes estejam presentes ou representadas através de Procuração com poderes especiais dado que um dos seus fins é o ultimar de uma eventual transacção. Foi por essa razão que se dirigiu ao serviço de contencioso da Câmara (na pessoa do solicitador WW) dando conta da necessidade de uma Procuração com poderes especiais, sem a qual aquela diligência judicial não poderia ter lugar (cfr.fls.152 a fls.154 do anexo 4). E tal procuração surgiu única e exclusivamente para ser apresentada nessa diligência, o que aliás fez, apresentando-a em mão ao Juiz dos autos (no ano de 2013 o SITAF não era utilizado com frequência). E foi colocada posteriormente no processo interno (dossier) do departamento (Anexo 4) porque só após a referida diligência é que a ora testemunha diligenciou por a fazer juntar, o que explica a falta de sequência temporal alegada por um eleito municipal que posteriormente o analisou. Note-se, porém, que apesar de ter acesso ao mesmo, a organização do dossier interno de acompanhamento de processo que corre em tribunal judicial (1/2011) não era da sua competência mas do departamento jurídico do Município. Tal procuração sempre teria que ser junta a tal dossier para estar acessível para outras diligências ou para outros colegas que o viessem a substituir. Aquando da realização da audiência prévia o que estava “em cima da mesa” era que a pretensão da K... não seria possível em sede de alteração do PDM mas “não estava fechada a porta” em sede de revisão do PDM. Confrontado com o requerimento de aditamento de um quesito (para efeitos de prova pericial requerida) e com o teor deste último, esclareceu que a tal não se opôs uma vez que o mesmo entroncava na matéria que estava em discussão naqueles autos. Recorda que nessa altura ainda existia a possibilidade da pretensão da autora ser aceite em sede de revisão do PDM, o que, aliás, ficou plasmado na ata de audiência prévia como fundamento da suspensão da instância. Após tal audiência prévia, e porque não era possível manter suspensa a instância, recebeu da parte contrária (através do Dr. ZZ) uma minuta de acordo, sendo que recusou a primeira versão por entender que a posição do Município não estaria devidamente salvaguardada. A ideia de realizarem uma transacção, que passava pelo recurso a um compromisso arbitral, era uma forma de salvaguardar também a posição do Município, uma vez que, não podendo recorrer-se a nova suspensão, aquela solução pareceu-lhe adequada. Por um lado, salvaguardava-se a posição da Câmara (sem contestação nos autos), por outro lado ia no seguimento da solução que já havia sido pensada em termos gerais na audiência prévia e que fundamentou então aquela suspensão, a qual continuou a ser trabalhada entre mandatários a partir daquela data. Como mandatário do Município ... entendeu que a transação efetuada era favorável ao seu cliente pois que, em juízo, existiam três problemas que não eram despiciendos. Nesta acção administrativa estava em causa, primeiro, a legalidade ou ilegalidade de normas do PDM em vigor, em segundo, a existência ou não de um direito a indemnização por parte da autora e, terceiro, a vicissitude processual que se traduzia no facto do Município ... não ter contestação. Este último facto não era uma vantagem para o mandatário da ré (CM...) face ao aumento de incerteza que tal acarretava em termos de decisão judicial final. O acordo, na sua perspectiva, permitia pôr termo a um processo judicial no qual se pedia a impugnação de normas que o Urbanismo referia que poderiam vir a sofrer alterações passados dois anos e já em sede de revisão do PDM (aliás, os termos do acordo foram do conhecimento do Director Municipal do Urbanismo, o Eng.ª HH, o qual não levantou obstáculos face ao teor das minutas que lhe foram apresentadas). A minuta de acordo foi apresentada à Chefe de Divisão Municipal do Contencioso da Câmara, nomeadamente, reuniu com a Dr.ª CC e com o Eng.º HH de modo a certificarem-se sobre a salvaguarda da posição da Câmara. A fls.171 e 172 do anexo Análise de emails apreendidos, resulta também a consulta que a ora testemunha realizou junto do município e, concretamente, no que toca a questões levantadas pelo mesmo junto dos serviços do urbanismo. No seu sexto parágrafo está traduzida a posição do Urbanismo quanto a uma abertura para rever a questão das Áreas de Protecção de Recursos Naturais sobre as escarpas, sendo que o terreno da autora se localizava em Escarpa. Olhando para os termos da transacção, dos mesmos resulta um Considerandum inicial que acompanhava a Minuta e o Departamento do Urbanismo não levantou qualquer objecção àquele, nomeadamente, quanto à menção da pretensão da autora poder ser equacionada em sede de revisão do PDM; revisão esta que se verifica de 10 em 10 anos, prevendo-se a mesma para o ano de 2016. Chamou a atenção para o facto de, dos termos da transacção não resultar qualquer afirmação da Câmara no sentido de que iria alterar o que quer que fosse; o que se retira do teor dos 3 considerandos, a saber, que foram iniciados trabalhos preparatórios para revisão do PDM, revisão essa que antecipa ficar concluída e aprovada em 2016, que durante o processo de alteração do PDM que ocorreu em 2012, o réu município declarou que a pretensão da autora quanto à classificação do seu terreno sito…podia ser atendido nesse processo de revisão; considerando que, na pendência do atual processo judicial o réu município reiterou esse mesmo entendimento. Sublinhou que, aquando da audiência prévia desconhecia que a empresa K... pertencia a familiares do Presidente AA e até essa data nunca teve qualquer contacto com qualquer sócio da K... que posteriormente viesse a saber que era familiar do arguido. Foi após esta audiência que o Dr. ZZ (que conheceu apenas também nessa diligência) lhe referiu que o Dr. AA estava ligado à autora, sendo que, de imediato, entrou em contacto com os serviços jurídicos para aferir de tal situação e chamar a atenção para a necessidade de uma declaração de impedimento. Ficou convencido que no departamento jurídico também ficaram surpreendidos com tal informação. Mesmo antes do mandato do arguido, as negociações que levaram à primeira suspensão da instância, no mandato de VV, foram-no sem qualquer procuração com poderes especiais e sem contacto com o então presidente da Câmara. Sublinhou que nunca falou com o arguido no que toca ao Processo que opunha o Município à empresa K..., assim como nunca falou com o mesmo a propósito de qualquer processo do Município que patrocinava. Nunca se sentiu pressionado por aquele ou por qualquer outro elemento da Câmara.
JJ, id. a fls. 708, Professor de Direito Internacional e Chefe de Gabinete durante os dois anos iniciais do mandato do Presidente da Câmara AA, tendo exercido funções entre novembro de 2013 e novembro de 2015; tais funções traduziram-se essencialmente em funções de aconselhamento, ainda que não do foro jurídico pois essas cabiam à Dr.ª DD, a qual exercia, funções de Directora Municipal da Presidência, e, desde 25.09.2013, também Directora do Departamento jurídico e Contencioso. Aquando da transição do mandato, solicitou ao anterior chefe de gabinete do Presidente VV que o informasse acerca de qualquer dossier relevante ou mais complexo do ponto de vista camarário (politico ou outro). Na altura foram-lhe referenciados as questões reportadas à EDP, ao Fundo ... e a do Aeroporto .... Igual solicitação foi dirigida ao Departamento jurídico. Apenas quando foi abordado pelo próprio Presidente da Câmara, que se questionava sobre a possibilidade de assinar a Procuração que o Departamento Jurídico lhe havia remetido, é que aquele o informou da sua ligação à empresa K...; e que à questão do Presidente “Disseram-me que era muito urgente assinar…achas que posso assinar?…isto é da minha família.” respondeu que seria necessário
que o fizesse para que a Câmara continuasse a ser representada em juízo. Referiu ainda que desconhecia a natureza da Procuração. Em nenhuma das duas primeiras reuniões com tal departamento, e ainda sob a anterior direcção do Dr. II, foi informado quanto à questão da K... e nem sequer o mesmo, nessa fase, tinha conhecimento de quem era a empresa, os seus sócios e da sua ligação ao ora arguido. E não retirou qualquer conhecimento no que a esses factos importa perante os vários processos que o Dr. II encaminhou para o seu gabinete.
GG, id. a fls. 541, Directora do Departamento do Serviço Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal ..., desde o ano de 2003 até Outubro de 2013, data em que foi para a Comissão de Coordenação onde esteve até 2017. No exercício daquelas funções, só os processos judiciais mais complexos chegavam ao seu conhecimento, pelo que os demais processos judiciais eram do foro da Chefe de Divisão do Contencioso (era esta que em primeira mão acompanhava os processos judiciais). Neste quadro, era usual os processos finalizarem por meio de transacção entre as partes ou serem pedidas suspensões da instância. No que toca ao caso concreto do processo do TAF 3556/10.6BEPRT, que opunha a Câmara à empresa K..., não teve conhecimento do mesmo, sendo que aquando da data da transacção em causa neste julgamento, a testemunha já não exercia funções na Câmara Municipal ..., razão pela qual, em concreto, nada pode esclarecer. Relembrou o caso aquando da sua inquirição em sede de instrução. Mencionou que a suspensão dos autos terá tido fundamento na informação de que a questão em litígio estaria a ser equacionada pelo Urbanismo e em sede de solução no quadro do PDM. No mais, apenas tem conhecimento indirecto através de conversações ou através dos meios de comunicação social. O restante depoimento prestado passou pela interpretação que a testemunha faz do teor da transacção constante do libelo acusatório, referindo, desde logo, que nunca antes analisou o dito acordo. Se caso se entendesse que a cláusula primeira ultrapassava a natureza de mera promessa, antes vinculando o Município, haveria que previamente consultar instâncias superiores, nomeadamente o Presidente.
II, id. a fls. 544, tendo exercido funções de direção do departamento jurídico e contencioso da Câmara Municipal ..., a título provisório e em regime de substituição, durante cerca de três meses em 2013 (de setembro a 11.12.2013).
Esclareceu, desde logo, que já anteriormente havia sido vereador no departamento da habitação e recursos humanos no último mandato de VV. Informou o tribunal que não teve qualquer intervenção no processo do TAF 3556/10.6BEPRT e desconhecia o que passava em concreto com a empresa K.... Cerca de dez dias após o início do mandato do Presidente AA foi chamado ao gabinete daquele, onde o mesmo se encontrava acompanhado de JJ, Chefe de Gabinete, tendo sido este último quem solicitou o acesso aos processos judiciais em que a representação da Câmara era realizada “off shore”, assim como uma relação das avenças existentes. No dia seguinte, acompanhado Drª CC, Chefe de Divisão, levou ao Dr. JJ a listagem dos processos acompanhado de dossiers. Nessa altura o Presidente não se encontrava no gabinete do Prof. JJ.
FF, id. a fls. 446, Chefe de Divisão Municipal de Projetos e Planeamento Urbanístico na Câmara Municipal ... entre 2008 a Julho de 2014. Confrontada com o teor da Informação subscrita pela DMPPU da DMU, assinada pela testemunha, (cfr. fls.641 do anexo 5) esclareceu que a elaborou no âmbito do Processo de Alteração do PDM e no quadro do qual os particulares podem apresentar reclamações ou pedir alterações. Tal Informação data de junho de 2012, no âmbito do pedido de alteração de PDM peticionado pela K... a qual queria ver reconhecida uma expectativa de construção naquela área. Referiu a testemunha que a alteração da qualificação do solo pretendida pela K... não caberia em sede de processo de alteração do PDM mas tão só no de “revisão” de PDM. E tal como a testemunha mencionou no parecer, tal estaria sempre dependente da realização de um estudo (sectorial) intensivo de todas as escarpas, ou seja, ter-se-ia que identificar todos os casos geográficos similares, o que permitiria à Câmara rever a sua política do PDM. No caso concreto, a visão do LNEC (que assume que o terreno é uma escarpa) exigia demasiadas condicionantes para se poder construir, sendo que, no contexto do PDM, tais condições de construção em escarpa não estavam previstas. Confrontada com o teor de fls.533 dos autos principais, referiu que concorda com o teor do mesmo reforçando que o mesmo não obsta a que fosse assumido um compromisso no sentido de que as questões levantadas em sede de reclamação no Processo de Alteração fossem novamente abordadas em sede de Processo de revisão. Esclareceu que este documento/Informação consubstancia uma mera informação técnica.
LL, id. a fls. 264, e marido MM, id. a fls. 266, prestaram esclarecimentos, corroboraram os factos descritos na acusação nos pontos 1, 2 e 3, os quais já decorrem de prova documental.
DD, id. a fls. 548, a qual foi Diretora Municipal da Presidência desde finais de 2011 e até julho do ano de 2014, altura em que foi para o Conselho de administração do ..... Referiu que sempre exerceu cargos nos quadros técnicos da Câmara desde o ano de 1999. Entre o final do ano de 2013 e até julho de 2014 cumulou, de modo transitório, a Direção do Departamento dos Serviços Jurídicos da Câmara Municipal .... Na altura em que assumiu este último cargo não tinha qualquer conhecimento relativamente a nenhum dos processos pendentes, nomeadamente, o que implicava a K.... Foi o Dr. BB e a Dr.ª CC, dos Serviços de Contencioso, que a informaram de que existia um processo com ligação ao Presidente da Câmara (relações familiares) o que acarretava a necessidade de cessar a intervenção daquele porque estava impedido de representar o município. Conversou com o Presidente assim que soube de tal situação, até para a formalização escrita da declaração de impedimento, que passou a constar do dossier de acompanhamento do processo judicial que existe no departamento. Foi-lhe transmitido que o referido processo do TAF 3556/10.6BEPRT já estava pendente há vários anos e que vinha sofrendo suspensões de instância dada a possibilidade de dirimir o litigio por decisão extra-judicial. Foram também abordados os termos do acordo, o qual lhe foi explicado pelo Dr. BB, tendo previamente existido uma ligação com os serviços de urbanismo e outros departamentos no que tocava à questão da abrangência daquele, e que o terão informado em conformidade (auscultações realizadas por diversos meios, quer por email, quer em reuniões, que vão constando dos respectivos processos internos). Posteriormente, teve acesso aos termos escritos da minuta do acordo. Num processo judicial cabe ao advogado tratar das questões jurídicas, aos outros departamentos da Câmara caberá a avaliação das questões fácticas associadas àquelas e é o Departamento Jurídico que coordena a ligação entre ambos. No caso em apreço a possibilidade de transação foi equacionada pelo Dr. BB, o qual terá levado essa possibilidade à Dra. CC, Chefe do Contencioso. No caso concreto e porque a questão passava pelo direito a edificar, esta questão passou sempre pelo Eng.ª HH e pela Arquitecta FF, ambos do departamento do Urbanismo. Confrontada com o teor dos emails constantes de fls.161 a 163 do anexo 4, os quais consubstanciam comunicações datadas de 9.04.2014 entre o Dr. BB (solicitando este informação quanto às intenções da Câmara no quadro da revisão do PDM em alterar o actual quadro do PDM nomeadamente no que se reporta aos art.º41 e 42 do RPDM) e a Dr.ª CC e entre esta e Eng.ª HH (remetido com conhecimento à ora testemunha), esclareceu as circunstâncias em que foram trocados os referidos emails. Estas comunicações deveriam ser junta ao dossier de acompanhamento que se encontra no departamento de contencioso, ainda que, em concreto, não saiba dizer qual a pessoa ou pessoas a que cabe tal serviço. Após análise de fls. 159 do mesmo anexo referiu, que o Dr. BB elaborou os termos do acordo já na posse do parecer do departamento de urbanismo, o que resulta dos emails de fls.158 que apresentam anexos, estes não impressos, mas que constam no servidor da Câmara e são suscetíveis de serem consultados. Fundamental foi a Informação de fls.227 que diz respeito ao parecer/Informação assinado pela Arquitecta FF. A fls.227 do anexo 4 consta um email de Dr.º BB para Dr. CC dando conta das razões e termos em do acordo no processo judicial do qual consta, no ponto 2, a informação do departamento de urbanismo no sentido de que existiam razões sérias para que a pretensão da K... possa vir a ser acolhida em sede de revisão ordinária do PDM a ocorrer em 2016. Ora, tal posição do urbanismo (que consultou outros serviços), na sua perspetiva no âmbito do exercício das funções que então exercia no departamento jurídico, era o que bastava para avançarem para os termos do acordo. Tal evitaria uma eventual perda num litígio judicial em que a Câmara podia ser condenada, a final, no pagamento de um pedido indemnizatório. O risco de deixar seguir o processo judicial poderia ser prejudicial para a Câmara pelo que, o acordo permitiria “congelar” a questão ganhando-se assim tempo para a Câmara averiguar se a pretensão da K... tinha ou não “pernas para andar” no quadro do processo de revisão.
Confrontada com o email de fls.166 do anexo 4, enviado por Dr.º ZZ para Dr.ª BB, datado de 30.04.2014, referiu que o mesmo reflete apenas as conversações que os advogados vão mantendo ao longo do processo, sendo certo que a possibilidade do acordo foi desde logo equacionada em sede de audiência prévia e aquando do processo de alteração ao PDM. Quanto ao email datado de 13.06.2014, de fls.175 do mesmo anexo, confirmou que os termos do acordo foram efectivamente visualizados pela testemunha (email de fls.182 do anexo 4) e conhecidos da Sr.ª Vice-Presidente. No quadro da conversa que teve com o Dr.ª BB e soube do impedimento do Presidente, e após a conversa que teve com o arguido, nunca o Presidente da Câmara teve parte em qualquer das etapas da negociação do acordo. Reafirmou que nunca consultou o Presidente da Câmara nem o seu chefe de gabinete no que concerne ao seguimento do processo administrativo acima identificado ou no quadro dos termos do acordo. Nega que os termos do acordo tenham sido apresentados à Vice-Presidente já “fechado”. Desconhece a razão pela qual a declaração do impedimento não está datada, uma vez que não foi a testemunha quem a redigiu. Quanto ao teor dos emails de fls.166 do anexo 4, os quais não constam do processo de acompanhamento já referenciado, esclareceu que o acordo surgiu após anos de processo e de inúmeras conversações acerca do mesmo ao longo desses anos. Confrontada com os termos do acordo/transacção elaborado no processo administrativo (processo do TAF n.º3556/10.6BEPRT), confirmou que dos mesmos apenas resulta que se iria ainda discutir no tribunal arbitral se, caso a revisão do PDM não abarcasse a pretensão de edificabilidade, havia ou não direito a indemnização. Com a transacção, a Câmara não reconhecia qualquer capacidade edificatória, nem podia fazê-lo, dado que tal só seria possível em sede de revisão do PDM.
CC, id. a fls. 553, a exerceu funções no Município desde o ano de 1999 até setembro de 2014. Em 2011 chefiou a Divisão de Estudos Jurídicos do Departamento Jurídico. Nos finais de 2012 assumiu a chefia do Serviço de Contencioso desse mesmo departamento. No início do mandato do ora arguido o seu superior hierárquico era o Dr. II, a quem fez menção de que existiam 3 processos muito delicados a correr e que dos mesmos havia que dar conhecimento ao novo Presidente (EDP, Aeroporto e Fundo ...), sugerindo a marcação de uma reunião. Informou que não foi o Chefe de Gabinete Dr. JJ a marcar aquela reunião mas a ora testemunha a solicitá-la. Antes disso, o Chefe de Gabinete não lhe solicitou qualquer processo. Para a referida reunião levou aqueles 3 processos. Relembrou que nesse período o serviço de contencioso registava milhares de processos pendentes. Embora o Dr. II a tenha acompanhado no início da reunião, este acabou por se ausentar após um desentendimento com o Chefe de Gabinete. Esta testemunha esclareceu ainda o tribunal que a regra é a de que os processos que correm em tribunal sejam acompanhados pelo advogado que lhes fica afecto (que pode ser avençado), sendo que nos serviços é elaborado um processo de acompanhamento (dossier), os quais são da sua responsabilidade e estão à sua guarda. Referiu que nesse período o Processo 3556/10.6BEPRT, em que a K... era Autora e a CM... era Ré, não se destacava dos demais processos. No que toca à questão das procurações, a mesma esclareceu que a regra era a de ser o secretariado, através do solicitador da Câmara, a tratar desse expediente. Tem ideia de que no ano de 2014, aquando do impulso processual naqueles autos, o advogado Dr. BB lhe terá referido que o mesmo se encontrava suspenso dado que os serviços de urbanismo equacionavam a possibilidade de contemplar a pretensão da autora em sede de alteração de PDM. No seguimento de tal informação, foi a ora testemunha quem solicitou informação à Direcção Geral de Urbanismo. Deste Departamento recebeu informações no sentido de que, e apesar da improcedência da Reclamação apresentada pela K... em sede de alteração do PDM, o Urbanismo acalentava ainda uma possibilidade de atender àquela pretensão mas em sede de revisão. Nesse sentido, o parecer do LNEC “abria uma porta”. Confrontada com os emails de fls. 161 e 162 do Anexo 4, referiu que foi, efectivamente, na sequência do email que recepcionou do Dr. BB que interpelou os serviços de Urbanismo (email de fls. 161) e lhe foi dada a resposta que consta de fls. 533 do anexo 3 (o teor de fls.533 do vol III consubstancia informação dada no ano de 2014, enviada pelo DMU, e da qual resulta que a questão dos art.º 41 e 42 do RPDM, impugnados no quadro do processo administrativo que opõe a CM... à K..., está indicada como questão a ser tratada no quadro da revisão do PDM, existindo compromisso por parte da Câmara em rever a questão da área de protecção de recursos naturais sobre Escarpas). Segundo esta testemunha, a possibilidade de alcançar um acordo no quadro do Processo 3556/10.6BEPRT sempre esteve subjacente à acção, acordo esse que foi articulado com os Serviços de Urbanismo, na pessoa do Eng.ª HH. Confirmou ainda o teor dos emails de fls. 185 e 193 do Anexo Análise de emails Apreendidos, esclarecendo que, após a remessa dos mesmos, encetou diálogo com o Eng. HH, o qual não levantou objecções ao conteúdo e termos do Acordo. Posteriormente, remeteu os termos do Acordo para análise à Dr.ª EE. Realizada reunião com esta última, foi reforçada a ideia de que o referido acordo não atribuía nenhum direito indemnizatório à autora mas permitia tão só que a decisão do conflito passasse a ser apreciado por um tribunal arbitral. Garantiu ainda que durante todo este percurso e a propósito do caso K... nunca encetou ou manteve qualquer contacto com o Presidente da Câmara AA.
EE, id. a fls. 514, 1206, Vice-Presidente da Câmara ... entre Setembro de 2013 e Setembro de 2017. Declarou em audiência que, entre dezembro de 2013 e inícios do ano de 2014, a Dr.ª DD, acompanhada do Dr. BB, informou-a da pendência de um processo que corria termos no Tribunal Administrativo o qual envolvia a C.M.P e uma empresa de familiares do Presidente AA, sendo, assim, necessário que a mesma assinasse procuração para juntar àqueles autos no seguimento do verificado impedimento. Ficou com a ideia de que seria um processo já antigo. Já em Julho de 2014, em reunião com a Dr.ª CC e com o Dr. BB, foram-lhe prestados os seguintes esclarecimentos: da necessidade da já referida procuração; dos termos do acordo a celebrar no dito processo; do que estava em causa com o mesmo, nomeadamente a condenação a final de pagamento de indemnização à autora; que o acordo vinha no seguimento de informações elaboradas pelo Departamento do Urbanismo datadas de anos anteriores, que apontavam para a possibilidade da pretensão da K... poder vir a ser contemplada em sede de revisão do PDM; que o acordo não reconhecia qualquer direito à K... ficando a solução do litígio remetida para discussão em sede arbitral. Confirmou o teor dos emails de fls. 237 do anexo 4, nomeadamente, quanto aos anexos com as informações técnicas e a concordância do Eng. HH quanto à minuta do acordo. Aquando da dita reunião já haviam sido encetados trabalhos preparatórios para a referida Revisão. Nessa reunião, onde a mesma foi colocando as suas questões, nomeadamente, no que tocava ao posicionamento do Urbanismo no quadro da questão em apreço, foi-lhe referenciado que o acordo seria a melhor opção para a Câmara Municipal .... Após tal reunião veio a assinar, quer a Procuração, quer o referido acordo e posteriormente as adendas respectivas após lhe ter sido explicada a razão das mesmas. Sublinhou que nunca abordou ou encetou qualquer conversação com o Presidente da Câmara a propósito da situação em apreço, excepto quando o informou que havia assinado o referido acordo. Nunca recebeu qualquer indicação ou orientação daquele a propósito da referida questão.
AAA, id. a fls. 561, 118, o qual iniciou funções a 1 de Outubro de 2014, enquanto Diretor do Departamento Municipal dos Serviços Jurídicos e Contencioso da Câmara Municipal do…, atualmente designado de Direção Municipal de Serviços Jurídicos, até outubro de 2018. Mencionou que em novembro ou dezembro de 2014, o Chefe de Gabinete Dr.º JJ solicitou-lhe que analisasse o processo 3556/10.6BEPRT, informando-o de que tinha ligação ao Presidente, o qual já se encontrava extinto dado as partes terem transacionado; informação que reportou àquele. É o que transparece do teor do email enviado e constante de fls.3 do anexo 13 dos autos. Informou que remeteu o email ao Presidente da Câmara dado que era o que fazia sempre que lhe eram solicitadas informações ou esclarecimentos pelo executivo. Só posteriormente, no ano de 2016, é que, mercê da Comunicação Social, relembrou o mesmo. Confrontado com o teor da Ata de fls.573, referiu que a mesma padece de um lapso pois que nunca referiu que a empresa K... tinha direitos adquiridos, sendo que não participou na elaboração da mesma nem a ela teve acesso após a reunião. Esclareceu que o email de fls.257 do Anexo Análise dos Emails Apreendidos vem no seguimento do esclarecimento que pediu ao Dr. BB após ter visualizado as notícias que apareceram no Jornal ....
Sublinhe-se que a ora testemunha apenas tomou posse a 1 de outubro de 2014, isto é, após a data da transacção judicial e do compromisso arbitral junto aos autos, não tendo tido participação directa nos respectivos tramitações.
JJJ, id. a fls. 1201, Vereadora da Câmara Municipal ... desde 25 de Outubro de 2017, com os pelouros dos departamento Jurídicos, Recursos Humanos, Juventude e Desporto. Referiu que tinha qualquer cargo aquando da ação administrativa entre a K... e a CM..., nunca tendo tido qualquer intervenção nesse processo no que concerne ao acordo e compromisso arbitral. Indicou ainda as circunstâncias que rodearam a instauração da acção de reinvindicação que permitiram a recuperação do terreno cujos direitos de edificabilidade estavam em discussão no processo 3556/10.6BEPRT, no seguimento da qual foi reconhecida a sua titularidade pelo Município.
KKK, economista, referiu que em 1997 foi eleito autarca para a Assembleia da Freguesia ... tendo posteriormente assumido diversos Pelouros ao longo dos anos, nomeadamente, no Pelouro do Urbanismo onde esteve entre 2008 e 2013. Confirmou que, quando exerceu funções no Departamento de Urbanismo, por volta do ano de 2010, teve conhecimento do Processo K... onde era discutida a qualificação dos terrenos. Entretanto, iniciou-se o processo de alteração do PDM. Foi neste período de discussão pública que surgiram dezenas de participações, sendo uma delas a da empresa K..., a par de outras, como a do Campo ..., da Casa de Saúde ..., a Escarpa ... (casos de pedidos de requalificação dos solos), tendo aquela, não concordando com a qualificação dada ao seu terreno, apresentado uma reclamação acompanhada de um Parecer assinado pela AFA, Consult. Face a tal parecer, o Departamento de Urbanismo entendeu recorrer ao L.N.E.C. o qual deu o Parecer já constante dos autos, entendendo dar parcial razão à reclamante e abrindo a porta para que a qualificação do terreno pudesse vir a ser questionada. A reclamação não foi acolhida em sede de alteração de PDM, dado ser necessário realizar mais estudos, os quais apenas eram viáveis em sede de revisão do PDM. Esclareceu a testemunha que o Parecer do LNEC foi determinante para a alteração da qualificação dos solos como áreas de recursos naturais, requalificação essa que só podia ser realizada em sede de revisão do P.D.M.
Após a análise realizada aos depoimentos das testemunhas acima identificadas, certo é que, aquelas que tiveram intervenção no processamento administrativo (no quadro do departamentos municipais que nos mesmos tiveram intervenção) ou nos processos judiciais em que a Empresa K... Imobiliária era requerente ou autora, foram claras ao afirmar que, em momento algum, de modo directo ou por interposta pessoa, foram abordadas pelo Presidente da Câmara e ora arguido no sentido deste influenciar, por qualquer forma, a tomada de posição do Município ....
Conforme já acima referido, a prova testemunhal foi, pela sua clareza e objectividade na apresentação da sequência espácio-temporal dos factos, foi também decisiva para a formação da convicção do tribunal. A reforçar tal convicção valorou-se igualmente a prova documental junta aos autos, designadamente:
- denúncias de fls. 3; 22-32, 44-57; 58-145; 154-160; 165-167, 299-345; 398-436, fls. 3 do apenso A, anexo 6;
- escritura de justificação notarial de fls. 49-51; 316-321;1243-1245;
- certidões comerciais das sociedades K... a fls. 21-29 do apenso A; 369-375; 1221-1229 e M..., a fls. 30-39 do apenso A; 483- 488; 1214- 1220 -relatório da Informa sobre a K... a fls. 376-387
- fichas de identificação civil de AA e seus familiares a fls. 39-45 do Apenso A; 621; 1193- 1194; 1231
- Parecer Preliminar do LNEC a fls. 71-73 do anexo 5 e fls. 92-94, 182 dos autos principais
- notícia do Jornal ...” a fls. 206-208
- Informações sobre a dominialidade do terreno: ...CM..., a fls. 219-222; 322; ...CM... a fls. 323; ...CM... a fls. 324
- Informação sobre o PIP nº .../CM... a fls. 96-99; 103-109
- informação sobre a revisão do PDM ... a fls. 394-395
- informação produzida pela CM ... por AAA a fls. 494-500
-informações sobre a orgânica da CM... a fls. 494-500
- auto de diligência e termo de juntada de fls. 519-523; 719-720; 786
- e-mails de fls. 528-540; 560; 618; 655-656; 659; 664
- actas nºs 5º e 66º, da CM..., a fls. 566-619
- boletins municipais a fls. 626-635 (elaboração da 2ª revisão do PDM; alteração do prazo para a elaboração da 2ª revisão do PDM; prorrogação do prazo do PDM), convocatória de fls. 679-687
- Aviso nº 23316/2010, de 26/01/2010, proposta de alteração ao PDM, a fls. 658; - análises jurídicas a fls. 337-343; 677-678
- Aviso nº 14332/2012, de 04/10/2012, 1ª alteração ao PDM ..., a fls. 1316-1322
- Portaria nº 140/2019 (Zona Especial de Protecção...), a fls 712-714
- noticias de fls. 677-678; 688
- autos de busca e apreensão de fls. 795-796; 806-807; 813-814; 1126-1131
- autos de análise de ficheiros de correio electrónico a fls. 1048- 1056; 1153-1155; 1164; 1166-1178
- despacho de substituição do PCP pela VCCP a fls. 1209
- ordem de serviço nº ...... a fls. 1210-1212
- sentença de expropriação e registos a fls. 305-315; 404-414
- despacho da Direcção Municipal de Serviços Jurídicos ... a ..., ...
- relatórios da PJ a fls. 721-744; 1281-1311
Anexo 2 – Processo nº ... – PIP requerido pela K... a 08/11/2005
Anexo 3 – Processo nº ... – Participação preventiva sobre alteração ao PDM apresentado pela K...
Anexo 4 – Processo nº... (...)- processo municipal de acompanhamento referente à acção administrativa interposta pela K... a 14/12/2010
Anexo 5 – Processo nº 21480/12 – reclamação apresentada pela K... a 27/02/2012 referente à alteração do PDM
Anexo 6 – certidão do PA nº 54/2017 em que foi requerente GGG
Anexo 7 – cópia integral do processo nº 2325/05.0 BEPRT (7.1 e 7.2)
Anexo 8 – cópia da providência cautelar com o nº 2301/05.0 BEPRT
Anexo 9 – certidão do processo administrativo nº ..., em que são requerentes os eleitos municipais da ... e requerido o PCM ...
Anexo 10 – ajuste directo e petição inicial da acção de simples apreciação sobre a propriedade do terreno
Anexo 11 – notícias de jornal relacionadas com o caso “K...”
Anexo 13 – e-mails provenientes do processo nº 4519/18.9 T9PRT Anexo análise de e-mails apreendidos
Ficheiros digitais a fls. 938 – acção de controlo da IGF ao Município ... – denúncias relativas a obras na escarpa da ... e a fls. 1114, representação electrónica do processo nº 12708/17.7 T8PRT e acórdão proferido pelo VTRP, com referência ainda ao Acórdão proferido pelo VSTJ a 05/05/2020 (fls. 1243-1275).
- relatório social de 15.11.2021 (ref.ª30512879);
- certificado do registo criminal de 14.09.2021 (ref.ª428078931);
Relativamente aos pontos enumerados supra no âmbito dos factos provados, indicam-se, especificamente, os seguintes documentos, sem prejuízo dos já acima referenciados:
1- fls. 49 a 51; fls. 320-321;1243-1275 dos autos;
2- fls. 320 e 321;
3- (…)
4- fls. 40-45 do apenso 9797/16.5 T9PRT-A; 21-29; 369-375; 1221-1229, 1243-1275; 30-39; 483- 488; 1214- 1220;
5- fls. 30- 39 do apenso A e fls. 369 a 375; 483-488; 1215- 1220; Edital nº 60/05, a fls. 42-44 do anexo 8; fls. 121-124 do anexo 8; fls. 3 a 66 e 127-134 do Anexo 2;
6- fls. 3 a 66; 111-112; 127-132 do Anexo 2; fls. 96-109;
7- (…)
8- fls. 53-63, 150-151 do anexo 8;
9- petição inicial a fls. 2-22 do Anexo 7.1;
10-fls. 44-50; 64-65; 82-87 do anexo 7.1;
11-fls. 71-72, 99 do Anexo 7.1 e fls. 87 e 89-90 do anexo 2;
12-fls. 102-103 do anexo 7.1;
13-fls. 112-125, fls. 145-154 do anexo 7.1;
14-fls. 127-142 do Anexo 2;
15-fls. 178- 190 do anexo 7.2; fls. 200-203 do anexo 7.2;
16-fls. 290 a 312 do Anexo 7.2; fls. 133-134 do anexo 2;
17-fls. 2 a 43 do Anexo 1;
18-(…)
19-fls. 42-44 do anexo 13;
20-fls. 103 do Anexo 1;
21-fls. 102-105 do Anexo 1;
22-fls. 108-116 do Anexo 1; Aviso nº23316/2010 publicado em DR, 2ª serie, nº 220, de 12/11/2010- cfr. fls. 71 do anexo 4;
23-fls. 93 a 96 do Anexo 4; cfr. ainda fls. 38-45 do anexo 13;
24-fls. 42-44 do anexo 13; cfr. ainda anexo 3;
25-fls. 1316-1317;
26-fls. 129; 134 do Anexo 1;
27-fls. 84-91; 100-101; 105 do anexo 4 e fls. 138 do anexo 1; fls. 3-4 anexo 13;
28-fls. 84 a 91 do Anexo 4;
29-(…)
30-anexo 3 e fls. 148 do anexo 1;
31-(…)
32-fls. 483-489;
33-fls. 176 a 178 do Anexo 1;
34-fls. 181 do Anexo 1;
35-(…);
36-fls. 182 a 183 do Anexo 1;
37-(…);
38-(…);
39-(…)
40-fls. 187 do anexo 1; fls. 84 a 122 do Anexo 4; fls. 1262-1264;
41-fls.241 do anexo 4, fls. 85 e 193 do Anexo 1 despacho de substituição do PCP pela VCCP a fls. 1209);
42-194 do Anexo 1;
43-fls. 222 e ss do anexo 4; despacho de substituição do PCP pela VCCP a fls. 1209;
44-fls. 226 do Anexo 4; fls. 331; fls. 430;
45-fls. 191 e 192 do ANEXO 1 e fls. 201-202; 243 a 246 do ANEXO 4;
46-fls. 197-198 do anexo 1; fls. 428-429;
47-(…);
48-(…);
49-(…);
50-fls. 394 dos autos;
51-fls. 394-395; 626-635;
52-fls. 333-334; 432-435; 32 do anexo 13; fls. 269 do anexo 4;
53-fls. 272 e 279 do Anexo 4 e fls. 332-333; 431;
54-(…);
55-(…);
56-fls. 219-222; 305-312; 322-325;
57-fls. 313-315; 1251-1252;
58-fls. 80 e 81 do Anexo dos emails apreendidos;
59-(…);
60-ficheiros digitais a fls. 1114;
61-fls. 281 do Anexo 4;
62-fls. 1243-1275; 63-fls. 1237-1242.
Procedendo agora à análise crítica de todo este acervo probatório, desde já se consigna que o Coletivo de Juízas entendeu apelar, em sede de motivação da decisão de facto e para melhor compreensão do raciocínio levado a efeito na formação da convicção, ao conteúdo de normas jurídicas de caráter urbanístico e do ordenamento de território, as quais são pertinentes na abordagem da questão do terreno da K....
Reportando-nos ao caso em apreço, não podemos deixar de salientar que a defesa interpretou corretamente quais foram os alicerces-base da imputação criminal do libelo acusatório.
Na verdade, a imputação da prática do ilícito criminal ao ora arguido parte de três pressupostos factuais. Entende a acusação que:
A - houve uma inversão completa e total da posição oficial e formal do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia, de 10 de Janeiro de 2014, dado que inexistia no processo municipal n.º.../2011 qualquer facto objectivo, designadamente parecer, opinião ou informação que justificasse a alteração da posição jurídica e/ou urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adotar, quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K..., e que tinham como objecto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM (artigo 40 da acusação);
B - os termos estipulados no compromisso arbitral celebrado entre o Município ... e a K... e na transação realizada no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP, favoreceram a empresa de que o Presidente da Câmara e a sua família direta são sócios (artigo 50 da acusação);
C- a inversão da posição do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia, de 10 de Janeiro de 2014 e os termos estipulados no compromisso arbitral celebrado entre o Município ... e a K... e na transação naquele processo foram ditados pelo Presidente AA (artigo 39, 40, 42 e 49 da acusação).
Ora, da análise da prova testemunhal produzida em audiência, articulada com a prova documental nos autos, constata-se que a acusação não logrou provar o entendimento acima plasmado, pelas razões que infra se expôem.
A – Analisando a prova produzida quanto à primeira das conclusões do Ministério Público acima descritas, isto é - inversão completa e total da posição oficial e formal do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia, de 10 de Janeiro de 2014, atendamos desde logo ao evoluir da referida posição ao longo do tempo. Vemos então que:
1 - em 08 de novembro de 2005 (fls.86 do ANEXO II do autos) a K... apresenta um PIP (pedido de informação prévia) de operação de obras de edificação no terreno em apreço nestes autos. O PIP permite ao requerente, quer seja ou não proprietário do terreno, saber da sua edificabilidade e conferir-lhe direitos. A grande vantagem deste requerimento reside na possibilidade de se conseguir tirar conclusões vinculativas relativamente à edificabilidade de um dado terreno (art.º17 do DL n.º 555/99 de 16.12). Tal pedido foi alvo da deliberação da Câmara Municipal do …, que aprovou a proposta de aplicação do art.º117 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão territorial, e da qual resultou a suspensão de todos os procedimentos de Informação Prévia, licenciamento e autorização a partir da data da caducidade das medidas preventivas até à entrada em vigor do PDM em ratificação, publicada no Edital n.º60/05. Verifica-se, desde já, que tal suspensão não encontra o seu fundamento na concreta situação do terreno em causa mas abarca todos e quaisquer procedimentos de informação prévia, licenciamento e autorização apresentados em data anterior à entrada em vigor do novo PDM (o qual vem posteriormente a ser ratificado por resolução do Conselho de Ministros e publicado na I série do Diário da República n.º25 de 03.02.2006. Tal deliberação mais não fez do que lançar mão de um dos mecanismos previstos no DL 380/99 do RJIGT (Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), diploma este que prevê dois tipos de medidas cautelares de salvaguarda de novas soluções urbanísticas contidas em plano que se encontre em processo de elaboração, alteração ou revisão, e para a respectiva área de incidência. E são elas as medidas preventivas que se destinam a evitar a alteração das circunstâncias das condições de facto existentes e que possam limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do plano (art.º117 do RJIGT) . E a medida se suspensão de concessão de licenças, segundo a qual “os procedimentos de informação prévia, de licenciamento e de autorização ficam suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles instrumentos de planeamento”.
Apesar da K..., em 15.11.2005, ter intentado o Procedimento Cautelar n.º2301/05.2BEPRT e de tal deliberação ter sido posteriormente, no seguimento do procedimento cautelar, impugnada em acção proposta no Tribunal Administrativo (Processo n.º2325/05.0BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), a decisão judicial, fazendo a interpretação do art.º117 do DL 380/99 do RJIGT (Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territoral), apelando ao príncipio tempus regis actum, julgou improcedente a pretensão da autora K....
No entanto, a improcedência, em foro judicial, das supra indicadas pretensões da K... resultam da interpretação e aplicação do art.º117 do DL 380/99 do RJIGT (Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territoral), não tendo qualquer das decisões tido por objecto a apreciação de qualquer questão relacionada com a capacidade de edificação no terreno da autora, sito na escarpa da .... Note-se que tal questão não era sequer abarcada pela causa de pedir ou pelo pedido da autora em qualquer daqueles processos, consubstanciando-se o pedido da acção principal no seguinte –
Termos em que,
E nos mais de Direito, …deve a presente acção ser procedente, por provada, e consequentemente deve a Deliberação da Câmara Municipalde 13 de setembro de 2005 que aprovou a proposta de aplicação do art.º117 do Regime Jurídicos dos Instrumentos de Gestão Territorial, suspendendo todos os procedimentos de informação prévia…a partir da data de caducidade das medidas preventivas até à entrada em vigor do PDM …ser declarada nula, por falta do elemento essencial nos termos do art.º133 do C.P.A.; - declarada nula por ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais à livre iniciativa económica privada e à propriedade privada….ou, assim não se entendendo, anulada por vicio de violação da Lei, designadamente por violação do disposto no n.ºs 1 e 3 do art.º117 do RJIGT e do art.º13 do RJUE.(…)
Analisadas as referidas acções não se pode concluir que a Câmara, já nos mesmos, tenha plasmado e defendido uma concreta e específica visão no que concerne à qualificação do solo do terreno da K... ou no que toca à capacidade edificativa do mesmo, antes traduzindo uma tomada de posição no quadro das medidas gerais previstas no DL 380/99 do RJIGT (Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), tomada de posição essa que abrangia todos os procedimentos de Informação prévia, licenciamento e autorização a partir da data da caducidade das medidas preventivas até à entrada em vigor do PDM em ratificação, publicada no Edital n.º60/05. E assim sendo, de tais procedimentos administrativos e do teor das posições das partes nesses autos, não se pode inferir pela verificação de qualquer inversão, e muito menos completa e total, da posição oficial e formal do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia de 10 de Janeiro de 2014.
2 - no período de discussão pública do Processo de Alteração do PDM revisto em 2006 (Aviso n.º23316/2010, DR, 2.ªsérie, n.º220 de 12.11.2010), a K... apresentou RECLAMAÇÃO, em 27.02.2012, junto da Câmara Municipal ..., reclamação esta tendente à alteração do plano director municipal em vigor, o qual , por força da redacção dos seus artigos 41.º e 42.º, havia atribuído estatuto NON AEDIFICANDI ao terreno em discussão nestes autos (anexo 5 dos autos). Mercê daqueles preceitos o dito terreno sofreu alterações substanciais em matéria de qualificação do solo (dado o terreno se encontrar localizado em área de protecção de Recursos Naturais e em área Verde de enquadramento espaço canal). Tal reclamação foi direcionada para o departamento municipal de planeamento urbanístico. Na sequência desta reclamação o departamento, através do gabinete de Gestão de Obras Públicas da CM... (GOP,EEM) solicitou (fls. 635 do anexo 5) a elaboração de parecer ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil), o qual consta de fls.638 e ss. do anexo 5.
No capítulo 4 (Considerações Finais) do Parecer desta entidade, o qual data de março de 2012, conclui a mesma que (fls.71 e ss. do anexo 5) “1. Do ponto de vista geomorfológico…a parcela de terreno em análise situa-se num elemento geomorfológico maior, caracterizado por apresentar forte declividade. O facto de o terreno ter sido intervencionado e se desenvolver em plataformas e, como tal, localmente ter fraca inclinação, não altera que o mesmo é parte integrante daquele elemento geomorfológico maior escarpa da .... 2. Não obstante o referido no número 1, a parte nascente e central da parcela estão espacialmente confinadas a norte/leste pelos eixos vários anteriormente referidos e a sul pela urbanização existemte. Admite-se, por isso, que os critérios geomorfológicos (escarpas, vertentes com declives superiores a 25% e/ou zonas de instabilidade geotécnica identificadas em [6.] que determinam a inclusão como Área de Protecção de Recursos Naturais não são aplicáveis para a zona em causa (áreas nascente e central da parcela). Deste modo, poderá haver continuidade do edificado entre a urbanização existente a sul e os eixos vários.3. Inversamente, a restante parcela parte poente/sudoeste, deve constituir uma zona de transição gradual para a vertente no seu estado natural ou pouco intervencionada, considerando-se que a sua classificação se deva basear na aplicação de critérios geomorfológicos que definem as áreas de protecção de recursos naturais.(…)” (anexo 5 dos autos principais).
E é no quadro desta conclusão que o LNEC considera que apenas esta última parcela poente/sudoeste deverá ser considerada área com enquadramento NON AEDIFICANDI.
Já na posse de tal parecer a Divisão Municipal de Projectos e Planeamento Urbanístico (DMU) redige uma Informação (fls.641 do Anexo 5), com data de 05.06.2012, segundo a qual “Em conclusão, do ponto de vista urbanístico e no que diz respeito à qualificação do solo, não se fundamento de ordem técnica e urbanística para alterar a qualificação do solo de Áreas Verdes de Enquadramento Espaço Canal.
Subsiste a questão acerca das Áreas de Protecção de Recursos Naturais, a que correspondem os ecossistemas Escarpas, estarem no regulamento classificadas estatuto non aedificandi, sendo que neste estatuto apenas é considerado pelo LNEC na parte poente da parcela.
A distinção ao nível do regulamento entre as bases a afectar a estatuto non aedificandi e as de estatuto condicionado, distinção que é feita nos recursos hídricos, seria possível se houvesse conhecimento mais aprofundado e específico de índole geológico-geotécnica da totalidade dos casos, informação que actualmente a CM... não possui.
Assim, considera-se que no âmbito de uma revisão do PDM, e tendo por base estudos específicos que forneçam dados capazes de determinar os diferentes graus de susceptibilidade destas áreas, é que se poderá reavaliar o estatuto de edificabilidade adoptado nas Áreas de Protecção de Recursos Naturais e em particular qual o estatuto de protecção a atribuir às Escarpas. (…)”
No seguimento desta Informação a Direcção Geral de Urbanismo, por ofício ......, datado de 04.10.2012, informa a Reclamante K... que “…da ponderação efectuada, resultou a decisão de a não contemplar na Versão Final da Proposta de Alteração, com base na fundamentação constante da Informação Técnica incluída em anexo, .../CM..., informação esta elaborada e subscrita pela Chefe de Divisão do Departamento Municipal de Projectos e Planeamento Urbanístico da Direcção Municipal de Urbanismo, Arquitecta FF. Da Conclusão exarada nesta última Informação ...... consta o seguinte –“(…)
Em conclusão, do ponto de vista urbanístico e no que diz respeito à qualificação do solo não se fundamento de ordem técnica e urbanística para alterar a qualificação do solo de Áreas Verdes de Enquadramento Espaço Canal.
Subsiste a questão das áreas de Protecção de Recursos Naturais, a que correspondem os ecossistemas escarpas, estarem no regulamento todas classificadas com estatuto non aedificandi, sendo que neste estatuto apenas é considerado pelo LNEC na parte poente da parcela.
(…)
Assim, considera-se que no âmbito de uma revisão do PDM, e tendo por base estudos específicos que forneçam dados capazes de determinar os diferentes graus de suscetibilidade destas áreas, é que se poderá reavaliar o estatuto de edificabilidade adoptado nas áreas de Protecção de Recursos Naturais em particular qual o estatuto de protecção a atribuir às Escarpas.
Face ao exposto, propõe-se que não seja aceite a sugestão por não haver fundamentação técnica e urbanística enquadrável no âmbito da Proposta de Alteração ao PDM. (…)”
Donde resulta que a questão do Direito a Edificar, nomeadamente, nas áreas de Protecção de Recursos Naturais, a que correspondem os ecossistemas escarpas, e onde se situa o terreno da K..., embora arredada em sede de alteração, ficou em aberto para eventual nova abordagem em sede de Revisão de PDM.
Importa aqui esclarecer o que se entende por Alteração de PDM e Revisão de PDM e para tal é essencial recorrer ao teor do artigo 93.º, n.º 1 a 4 do Dl n.º380/99 de 22.09 (versão Dl n.º 2/11 de 06.01), segundo o qual
Artigo 93.º Dinâmica
Os instrumentos de gestão territorial podem ser objecto de alteração, de correcção material, de rectificação, de revisão e de suspensão.
2 - A alteração dos instrumentos de gestão territorial pode decorrer:
a) Da evolução das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que lhes estão subjacentes e que fundamentam as opções definidas no plano, desde que revista carácter parcial, designadamente se restrinja a uma parte delimitada da respectiva área de intervenção;
b) Da ratificação ou da aprovação de planos municipais ou da aprovação de planos especiais de ordenamento do território que com eles não se compatibilizem ou conformem;
c) Da entrada em vigor de leis ou regulamentos que colidam com as respectivas disposições ou que estabeleçam servidões administrativas ou restrições de utilidade pública que afectem as mesmas.
3 - A revisão dos instrumentos de gestão territorial implica a reconsideração e reapreciação global, com carácter estrutural ou essencial, das opções estratégicas do plano, dos princípios e objectivos do modelo territorial definido ou dos regimes de salvaguarda e valorização dos recursos e valores territoriais.
4 - A suspensão dos instrumentos de gestão territorial pode decorrer da verificação de circunstâncias excepcionais que se repercutam no ordenamento do território pondo em causa a prossecução de interesses públicos relevantes
O Plano Diretor Municipal (PDM) estabelece as regras para utilização, ocupação em transformação do uso do solo em todo o território do Município. Com a Revisão do PDM pretende-se determinar a política municipal de ordenamento do território e urbanismo. Constituir uma síntese da estratégia de desenvolvimento territorial municipal e integrar as opções estratégicas de desenvolvimento nacionais, regionais e setoriais definidas para o território municipal apoiado numa estratégia local de desenvolvimento sustentável. A revisão do Plano Diretor Municipal implica a reconsideração e reapreciação global, com carácter estrutural ou essencial, das opções estratégicas do plano, dos princípios e objetivos do modelo territorial definido ou dos regimes de salvaguarda e valorização dos valores e recursos territoriais.
O processo de alteração é menos abrangente e, por isso mais limitado na sua acção, pois que qualquer correção ou atualização das disposições do PDM em vigor não podem comprometer o respetivo modelo de ordenamento.
Da análise dos processos judiciais, assim como do Parecer do LNEC e da Informação ......, no quadro da Reclamação apresentada em sede de alteração do PDM, todos anteriores ao ano de 2013, certo é que será precipitado o entendimento de que o Parecer da Divisão Municipal de Projectos e Planeamento Urbanístico (DMU) - Informação (fls.641 do Anexo 5), acima referenciado, escamoteia em definitivo qualquer possibilidade de vir a ser alterada a qualificação do solo do terreno em causa ou de qualquer outro terreno situado nas Escarpas da .... Na verdade, a conclusão a retirar é a de que ficou em aberto a problemática ligada aos direitos de edificabilidade nas Escarpas, a analisar em sede de Revisão do PDM, o que, obviamente, acarreta a conclusão lógica de que não existiu uma decisão definitiva por parte do Município, decisão essa que foi relegada para momento distinto do da alteração do PDM e que será o da Revisão deste plano. Inexistiu pois, uma tomada de posição irreversível e absoluta por parte da autarquia em momento anterior à posição tomada pela CM..., nomeadamente, aquando dos pedidos de suspensão da instância, transação e compromisso arbitral acima aludidos.
A reforçar esta ideia está a circunstância de a improcedência da reclamação da K... em sede de alteração do PDM se ter ficado a dever exclusivamente a uma questão de forma e não de conteúdo, dada a natureza e limites de um processo de alteração face a um processo de revisão do PDM. Não reflecte pois qualquer tomada de decisão definitiva relativamente à requalificação dos solos. Pelo que a posterior decisão de transigir e celebrar o compromisso arbitral não traduz igualmente uma inversão de uma posição camarária anteriormente assumida. Pelo contrário, afere-se de toda a prova que desde 2010 a questão da requalificação dos solos era questão controvertida tendo sido alvo de várias apreciações técnicas as quais nunca vedaram de modo estanque a possibilidade da alteração peticionada.
Chamando à colação o teor do depoimento da arquitecta FF, recordamos aqui que a mesma, em audiência de julgamento, esclareceu quais as premissas em que se alicerçou para elaborar a referida Informação Técnica e como, na sua perspectiva, o facto de não se poder atender ao solicitado em sede de reclamação não obstava a que fosse assumido um compromisso no sentido de que as questões levantadas em sede de reclamação no Processo de Alteração fossem novamente abordadas em sede de Processo de revisão.
Face ao acima exposto, também daquele Parecer (LNEC) e Informação Informação ...... ora em análise, nos quais se baseou a decisão do D.M.U, não se pode inferir qualquer inversão completa e total da posição oficial e formal do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia de 10 de Janeiro de 2014.
E não se diga que tal conclusão é arredada pelo teor da contestação apresentada posteriormente pela autarquia no âmbito do processo judicial n.º3556/10.6BEPRT, este iniciado em 15.12.2010. Pois que é o próprio subscritor da mesma, o advogado BB, que nesses autos representava o Município, que contextualizou a opção pelos termos em que foi deduzido aquele articulado, referindo ser do conhecimento geral e em meio judiciário que as posições plasmadas em contestação visam apenas assegurar o contraditório, sem que tal afaste ou precluda a possibilidade das partes transigirem, mesmo em termos diversos dos inicialmente assumidos. Esclareceu ainda a mesma testemunha que, logo após lhe ter sido atribuído o processo (fls.51 do anexo 4, com data de 13.11.2011), foi-lhe referido pela Dr.ª III que tal ação não seria para contestar porque existiam conversações entre a autora e a Câmara para serem eventualmente consideradas em sede de alteração de PDM, sendo iminente um acordo. Foi nesse pressuposto que se requereu a suspensão da instância como decorre do teor de fls.52 e fls. 54 do anexo 4). Donde se conclui que o Município já colocava a hipótese de cessar tal litígio judicial por acordo desde praticamente o seu início.
A testemunha GG (id. a fls. 541, Directora do Departamento dos Serviços Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal ..., desde o ano de 2003 até Outubro de 2013) confirmou que a suspensão dos autos terá tido fundamento na informação de que a questão em litígio estaria a ser equacionada pelo Urbanismo e em sede de solução no quadro do PDM.
Atendendo ao teor do Parecer e Informação técnica a que supra se aludiu, assim como ao facto de anteriormente ao primeiro mandato do arguido, por as partes vislumbrarem a possibilidade de um entendimento quanto ao objecto do litígio, ter sido a instância suspensa, respectivamente, em 24.01.2011 e, posteriormente, em Outubro de 2011, no referido processo 3556/10.6BEPRT (cfr. fls.58 a 60 do anexo 4), certo é que durante os anos que antecederam o mandato do ora arguido já era matéria controvertida a questão da qualificação da Escarpa ..., nomeadamente da qualificação do solo do terreno propriedade da K..., não sendo evidente qualquer posição irredutível por parte da Autarquia, a qual, pelo contrário, diligenciou sempre por indagar se qualquer modificação da caracterização dos solos teria ou poderia vir a ter enquadramento legal no quadro do PDM, senão em sede de alteração, eventualmente em sede de revisão, caso os trabalhos preparatórios e técnicos assim o permitissem, após os necessários estudos geotécnicos e geomorfológicos, razão pela qual, mais uma vez, não pode este tribunal concluir por qualquer inversão da posição da Câmara plasmada no teor da transacção e compromisso arbitral em causa nos autos. Note-se que ambas as suspensões da instância ocorreram em 24.01.2011 e, posteriormente, em Outubro de 2011, ou seja, cerca de dois anos antes do início do mandato do aqui arguido.
B – Verifiquemos agora se a segunda premissa em que assentam a acusação e a decisão instrutória foi provada em audiência de julgamento. Isto é, cumpre saber se as condições estipuladas no compromisso arbitral celebrado entre o Município ... e a K... e na transação realizada no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP, favoreciam esta empresa em detrimento do Município.
No sentido de que os termos da transacção ou do compromisso arbitral não davam “ganho de causa” à autora K..., encontramos os depoimentos seguintes:
- HH (DMU), confrontado com o Parecer do LNEC (fls.69 a 73 do anexo 5) concluiu que a construção naquela área não é de todo uma hipótese inviável, como aliás o LNEC no seu parecer prévio sublinha, pelo que a ideia de que uma revisão do PDM, após estudos gerais e não casuísticos, permitiria no futuro que aquela e outro tipo de áreas similares no ... obtivessem permissão para construir, não estava erradicada em definitivo. Confrontado com os termos da transacção e do compromisso arbitral, não vislumbra que os mesmos revelem mais do que uma mera possibilidade de alteração da qualificação dos solos em sede de revisão do PDM, limitando-se a um mero compromisso de análise essa possibilidade.
- BB (advogado) referiu em audiência que a ideia de realizarem uma transacção, que passava pelo recurso a um compromisso arbitral, era uma forma de salvaguardar também a posição do Município, uma vez que, não podendo recorrer-se a nova suspensão, aquela solução era adequada porque, por um lado, salvaguardava-se a posição da Câmara (sem contestação nos autos), por outro lado ia no seguimento da solução que já havia sido pensada em termos gerais na audiência prévia e que fundamentou então aquela suspensão. Como mandatário do Município ..., entendeu que a transação efetuada era favorável ao seu cliente pois que em juízo existiam três problemas que não eram despiciendos, a saber: nesta acção administrativa estava em causa, primeiro, a legalidade ou ilegalidade de normas do PDM em vigor, em segundo, a existência ou não de um direito a indemnização por parte da autora e, terceiro, a vicissitude processual que se traduzia no facto do Município ... não ter contestação. Este último facto não era uma vantagem para o mandatário da ré (CM...) face ao quadro de incerteza que tal acarretava em termos de decisão judicial final. O acordo, na sua perspectiva, permitia pôr termo a um processo judicial no qual se pedia a impugnação de normas que o Urbanismo referia que poderiam vir a sofrer alterações passados dois anos e já em sede de revisão do PDM. Sublinha esta testemunha que a preocupação em garantir que a posição da Câmara ficava salvaguardada previamente à elaboração dos termos da transacção fez com que tivessem sido consultados os diversos departamentos da Câmara, designadamente os departamentos jurídico e do urbanismo, o que vai de encontro ao teor dos emails trocados entre esta testemunha, DD, CC e HH (cfr. fls.166 172 do anexo de análise de emails apreendidos. E tal preocupação e diligência na defesa dos interesses da Câmara está também patente no facto de o advogado do Município, Dr. BB, não ter aceitado os termos da versão inicial da transacção, em que apenas se previa a discussão do “quantum” indemnizatório a atribuir à K..., tendo exigido uma nova versão em que ficasse a constar a discussão acerca da existência ou não do direito indemnizatório a favor daquela, como o mesmo referiu em audiência. Os termos do acordo foram do conhecimento do Director Municipal do Urbanismo, o Eng.ª HH, o qual não levantou obstáculos face ao teor das minutas que lhe foram apresentadas, tal como assumido pelo mesmo.
Olhando para os termos da transacção, dos mesmos resulta um Considerandum inicial que acompanhava a Minuta a que o Departamento do Urbanismo não levantou qualquer objecção, nomeadamente quanto à menção da pretensão da autora poder ser equacionada em sede de revisão do PDM, revisão esta que se verifica de 10 em 10 anos, prevendo-se a mesma para o ano de 2016.
Analisados pelo tribunal os termos da transacção, verifica-se que dos mesmos não resulta qualquer compromisso por parte da Câmara de que vai alterar o que quer que seja, e tal retira-se, desde logo do considerando B): “(…) durante o processo de alteração do PDM que ocorreu em 2012, o réu município declarou que a pretensão da autora quanto à classificação do seu terreno sito…podia ser atendido nesse processo de revisão.
Este entendimento sai ainda, a nosso ver, reforçado em face do teor da clausula primeira da dita transacção, na qual “(…) o Município se compromete a, no processo de revisão do PDM, diligenciar pela alteração da qualificação do solo do terreno da autora(…). Ou seja, o compromisso aqui assumido pela Câmara foi apenas uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultados.
Segundo DD, a informação do departamento de urbanismo no sentido de que existiam razões sérias para que a pretensão da K... pudesse vir a ser acolhida em sede de revisão ordinária do PDM, a ocorrer em 2016, na sua perspetiva, era o que bastava para avançarem para os termos do acordo. Este acordo permitiria “congelar” a discussão da causa, ganhando-se assim tempo para a Câmara averiguar se a pretensão da K... tinha ou não “pernas para andar” no quadro do processo de revisão, como se previa que viesse a acontecer. Confrontada com os termos do acordo/transação, a mesma testemunha confirmou que a Câmara apenas se comprometeu a discutir no tribunal arbitral, caso a revisão do PDM não abarcasse a pretensão de edificabilidade, se havia ou não direito a indemnização. Com essa transacção, a Câmara não reconhecia qualquer direito de edificação, nem podia fazê-lo, dado que tal só seria possível em sede de revisão do PDM. Referiu CC que tendo encetado diálogo com o Eng. HH este não levantou objecções ao conteúdo e termos do acordo, tendo por isso remetido o mesmo para análise à Dr.ª EE. Realizada reunião com esta última foi reforçada a ideia de que o referido acordo não atribuía nenhum direito indemnizatório à autora apenas permitindo que o conflito passasse a ser apreciado por um tribunal arbitral. Já a testemunha EE, confirmou que, em reunião de julho de 2014, com a Dr.ª CC e com o Dr. BB, foram-lhe prestados os seguintes esclarecimentos: acerca da necessidade da já referida procuração mercê do impedimento do ora arguido; o objectivo da celebração do acordo; que as informações elaboradas pelo Departamento do Urbanismo, datadas de anos anteriores, apontavam para a possibilidade da pretensão da K... poder vir a ser contemplada em sede de revisão do PDM; que o acordo não reconhecia qualquer direito à K... ficando a solução do litígio remetida para discussão em sede arbitral. Confirmou ainda o teor dos emails de fls. 237 do anexo 4, nomeadamente, as informações técnicas e a concordância do Eng. HH quanto à minuta do acordo. Nessa reunião, esta testemunha foi colocando as questões que entendeu pertinentes, nomeadamente no que tocava ao posicionamento do Urbanismo no quadro da pretensão da K..., tendo-lhe sido garantido que o acordo seria a melhor opção para os interesses da Câmara Municipal ....
Da conjugação de todos estes elementos probatórios, quer documentais quer testemunhais, resultou para este tribunal coletivo a forte convicção de que todos os serviços envolvidos na discussão e elaboração dos termos do acordo não tinham qualquer dúvida de que o mesmo salvaguardava os interesses do Município e que a solução alcançada era a que melhor serviria os interesses da Câmara.
No seguimento do acima exposto também o tribunal firmou a sua convicção no sentido de que os termos e condições estipuladas, quer na transacção, quer no compromisso arbitral, em nada beneficiavam a sociedade K... em detrimento do Município. Decorrendo do acordo assumido que as obrigações assumidas por cada uma das partes se afiguram equilibradas e equitativas face aos interesses em jogo.
C- Cumpre agora aferir se a alegada inversão da posição do Município no Processo Judicial n.º 3556/10.6BEPRT do TAFP a partir da audiência prévia de 10 de Janeiro de 2014 e os termos estipulados no compromisso arbitral e na transação foram ditados pelo Presidente AA.
Sob este aspecto, há que salientar que o único elemento de conexão entre a intervenção do presidente e a questão da K... é a Procuração forense pelo mesmo subscrita e junta aos autos aquando da audiência prévia. A existência deste documento, por si só, não permite concluir ou considerar que o aqui arguido ditou ou influenciou por qualquer forma os termos da transacção ou do compromisso arbitral. Na verdade, os esclarecimentos e explicações que o arguido apresentou em audiência onde justificou a razão pela qual outorgou aquele documento afiguraram-se-nos credíveis, razoáveis e consistentes, tendo sido, além disso, corroborados pelos depoimentos das testemunhas JJ e BB. Salienta-se a este propósito que a circunstância do arguido recorrer ao aconselhamento junto do seu Chefe de Gabinete, professor de Direito, sobre se deveria ou não assinar uma procuração em que os seus familiares tinham participação directa é claramente reveladora da ausência de qualquer intuito por parte do mesmo de intervenção ou condução do processo em benefício da K... e em prejuízo do Município. Veja-se que o aqui arguido não possui formação jurídica sendo por isso plausível que tenha recorrido ao conselho do seu Chefe de Gabinete.
Vimos já, pelas razões atrás expostas, que não se considera provada a alegada inversão da posição do Município. E certo é que, analisada toda a prova documental, não foi encontrado qualquer documento exarado ou remetido pelo ou para o arguido cujo tema fosse, directa ou indirectamente, referente à empresa K..., sendo certo que o nome deste não aparece referido em qualquer documento (à exceção da Procuração e da declaração de impedimento) ou email analisado nos autos. Também a prova testemunhal produzida em audiência foi clara apontando para o facto do arguido não ter abordado ou ter sido abordado, com vista à adopção de qualquer tipo de orientação ou condução do processo judicial 3556/10.6BEPRT, nomeadamente ditando ou sugerindo os termos da transacção na mesma celebrada ou, ainda, fora do âmbito judicial, em sede de compromisso arbitral. Relembra-se a este propósito os depoimentos das seguintes testemunhas: o advogado BB, o qual referiu que, logo após lhe ter sido atribuído o processo n.º3556/10.6BEPRT, foi-lhe transmitido, em janeiro de 2011, que a pretensão da K... poderia ser contemplada em sede de alteração do PDM, razão pela qual a acção judicial deveria até ser alvo de um pedido de suspensão da instância. Esta testemunha informou ainda que foi ele quem solicitou ao departamento jurídico da Câmara (usualmente através do solicitador WW) a elaboração da Procuração em discussão nestes autos, pois havia sido notificado no quadro daquele processo judicial para a realização de uma audiência prévia, diligência essa que implicava que as partes estivessem presentes ou representadas através da procuração com poderes especiais. Foi por essa razão que se dirigiu ao serviço de contencioso da Câmara dando conta da necessidade da emissão de uma Procuração com poderes especiais (fls.152 a fls.154 do anexo 4). A testemunha esclareceu ainda que a dita procuração surgiu posteriormente no processo interno do departamento (Anexo 4), porque só após a referida diligência é que a ora testemunha diligenciou por a fazer juntar àquele, o que explica a falta de sequência temporal alegada por um eleito municipal que posteriormente o analisa. Fez notar que todos os processos onde foi determinada a realização de audiência prévia foram alvo da junção de novas procurações com poderes especiais. Sublinhou que, na qualidade de advogado avençado, é com o Departamento Jurídico centralizado interno da Câmara Municipal ... que estabelece os necessários contactos para levar a bom termo os processos que aquele mesmo departamento lhe atribui. Mencionou que nunca esteve, a título profissional e em reunião de trabalho, com qualquer dos Presidentes da Câmara ... a propósito de qualquer processo, até porque existem chefias intermédias e a testemunha só respondia perante a Divisão do Contencioso daquele executivo; pelo que nunca contactou pessoalmente com o aqui arguido. A sua acção como advogado externo apenas exigia que contactasse com o departamento jurídico da Câmara, nomeadamente com o chefe de divisão; também a testemunha HH, confrontado com todo o percurso percorrido pelos vários serviços e departamentos da Câmara Municipal ... competentes para a apreciação da questão, no que se reporta ao processo K..., referiu que o caminho trilhado pelos mesmos foi o habitual, não refletindo o mesmo qualquer alteração da posição da Câmara. Afirmou ainda que nunca o arguido, na qualidade de presidente da Câmara ou outra, o abordou a propósito da empresa K...; a testemunha DD foi categórica em afirmar que nunca o Presidente da Câmara teve intervenção em qualquer das etapas da negociação do acordo/transacção. Reafirmou que nunca consultou o Presidente da Câmara nem o seu Chefe de Gabinete no que concerne ao seguimento do processo administrativo acima identificado ou no quadro dos termos da transacção, negando que os seus termos tenham sido apresentados à Vice-Presidente já “fechado”; por sua vez a testemunha CC garantiu em audiência que durante todo o acompanhamento realizado pelo departamento do contencioso no quadro do Processo 3556/10.6BEPRT ou a propósito de qualquer questão relacionada com a K..., não encetou nem manteve qualquer contacto com o Presidente da Câmara AA; por último, a testemunha EE foi peremptória em afirmar que nunca abordou ou encetou qualquer conversação com o Presidente da Câmara a propósito da situação em apreço, excepto quando o informou que havia assinado um acordo no quadro do Processo 3556/10.6BEPR. Nunca recebeu qualquer indicação ou orientação daquele a propósito da referida questão.
Em face do acima exposto resulta evidente a manifesta falta de prova da factualidade vertida na acusação pública e na pronúncia no sentido de que se tivesse verificado uma inversão completa e total da posição do Município no que toca à pretensão da K...; que tenha existido qualquer favorecimento da empresa K... em detrimento dos interesses da Câmara decorrentes da transacção ou do compromisso arbitral; ou que, por último, o ora arguido tenha ditado, conduzido ou influenciado os termos da transacção ou do compromisso arbitral com o propósito de beneficiar a empresa K... com o consequente prejuízo para o Município.
Do acima exposto resultou a convicção do tribunal no que concerne à matéria dada como não provada e que abrangeria os elementos objectivos do tipo legal.
A conclusão pela falta de verificação do elemento subjectivo do tipo resulta da mesma factualidade não provada que traduziria o preenchimento dos elementos objectivos do mesmo.”

Apreciação
Face ao disposto no art.412.º, n.º1, do C.P.Penal, é entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de o tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso.
No caso presente, vistas as conclusões apresentadas, as questões suscitadas são as seguintes:
- nulidade parcial do acórdão nos termos do art.379.º, n.º1, alíneas a) e c), do C.P.Penal
- impugnação da matéria de facto e, na sequência da pretendida alteração da matéria de facto, o preenchimento do crime de prevaricação.

1ª questão: na tese recursiva, o acórdão enferma de nulidade parcial, porquanto da enumeração dos factos provados e não provados não constam factos constantes da pronúncia, concretamente, parte do ponto 36, parte do ponto 37, parte do ponto 40, parte do ponto 50, ponto 51 e partes do ponto 68.
Estabelece o art.379.º do C.P.Penal:
“1. É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º1 do art. 389º-A e 391.º-F;
b) (…)
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
3.(…)”
Por sua vez, o art. 374.º do CP.Penal, que preceitua sobre os requisitos da sentença, dispõe no respetivo n.º2 que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Sendo o objeto do processo delimitado pela acusação/pronúncia, pela contestação e pelos factos que resultarem da prova produzida em audiência (cfr. art.339º, nº 4 do C.P.Penal) e estando o tribunal obrigado a enumerar os factos provados e não provados, conforme o citado art.374.º, n.º2, do C.P.Penal, esta enumeração respeita aos factos alegados pela acusação e pela defesa que sejam essenciais para a caracterização do tipo de crime e do tipo de participação do agente, para a determinação da respetiva culpa, para a verificação de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, para a verificação dos pressupostos de punibilidade, bem como dos de arbitramento da indemnização civil (cfr. arts.368.º e 369º do C.P.Penal).
Nas palavras do Professor Germano Marques da Silva “No que se refere à indicação dos factos provados e não provados não se suscitam dificuldades: eles são todos os constantes da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art. 359.º, n.º 2.”[1]
Excluídos da obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam todos aqueles que são acessórios ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido.
Igualmente não devem constar do elenco dos factos provados e não provados aqueles que são em si mesmos juízos normativos e conclusivos, particularmente no âmbito das questões principais a dirimir; esses juízos conclusivos, uma vez integrados na factualidade dada por assente, resolveriam imediatamente a questão de direito colocada no processo.
Por isso, a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado que se devem ter como não escritos os «factos» conclusivos ou de cariz normativo e que definam, por essa via, a aplicação do direito. Como refere o Ac.STJ de 28/9/2017 [2] “O que está aqui em causa não é determinar se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312).
E, nesta situação, fazer actuar, sendo caso disso, o mecanismo anteriormente previsto no artigo 646º nº 4 do Código de Processo Civil revisto, que se mantém na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no artigo 607º nº 4 do actual Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos.”[3]
Revertendo ao caso presente, os pontos do despacho de pronúncia sobre os quais o tribunal o não deu como provados ou não provados são os seguintes:
parte do ponto 36º da Pronúncia: “pese embora não desconhecesse o litígio entre o Município ... e a K..., em total desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. art. 4º, al. b), iii) e iv), da Lei n.º 29/87, de 30/6), (...)”;
• parte do ponto 37º da Pronúncia: “A emissão desta procuração forense por AA é contrária aos deveres de isenção e imparcialidade a que estava obrigado e que deve nortear o exercício das funções por força do estatuído nos citados preceitos do Estatuto dos Eleitos Locais e do próprio Código de Procedimento Administrativo, pois existia um conflito de interesses, pelo que se deveria ter abstido de outorgar uma procuração, como representante do Município, onde expressamente consta o nome da K..., e deveria ter declarado este impedimento e ser substituído pelo vereador com poderes de substituição (…)”;
• parte do ponto 40º da Pronúncia: “(…) não existe no Processo Municipal n.º 1/2011 qualquer facto objetivo, designadamente parecer, opinião ou informação, que justificasse a alteração da posição jurídica e/ou urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adoptar quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K... e que tinham como objecto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM.”;
• parte do facto 50º da Pronúncia: “por força da celebração deste acordo, a CM ... obrigava-se a apresentar em Assembleia Municipal as alterações ao PDM que fossem de encontro às pretensões da K... de construir no terreno que adquirira, ou, em alternativa, obrigavam o Município ... a indemnizar aquela empresa pelo valor que fosse fixado em tribunal arbitral (…)”;
• art. 51º da Pronúncia: “Dos termos do compromisso arbitral resultava ainda que aquele tribunal a constituir seria composto por três membros: um indicado pela K...; outro indicado pelo Município a cuja Câmara Municipal o arguido presidia, e o terceiro escolhido de comum acordo com os dois primeiros.”;
• partes dos factos 68º da Pronúncia: “o arguido sabia que:
i. no decurso da ação n.º 3556/10.6BEPRT, onde a K... pedira a declaração de ilegalidade dos artigos 41º e 42º do Plano Diretor Municipal ... de 2006, ou a condenação do Município ao pagamento de uma indemnização não inferior ao valor de €1.520.000, o Município ..., no âmbito da 1ª alteração do PDM, não acolhera as pretensões da K...;
ii. que não o poderia fazer sem autorização da Assembleia Municipal, a quem cabia decidir sobre a alteração do PDM e sobre a indemnização, (…)”.
Em relação à parte do ponto 36 do despacho de pronúncia que o tribunal a quo não deu como provado ou não provado, há que destrinçar dois segmentos: um, referente ao não desconhecimento do litígio entre o Município ... e a K... e outro, relativo à outorga de procuração, na qualidade de presidente da Câmara Municipal ..., em desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais atento o disposto no art. 4º, al. b), iii) e iv), da Lei n.º 29/87, de 30/6.
O primeiro segmento apenas surge para enquadrar a afirmação de que a procuração foi outorgada em desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais (cfr. art. 4º, al. b), iii) e iv), da Lei n.º 29/87, de 30/6) e, por outro lado, está insíto no teor do ponto 37 dos factos provados.
Assim, não tem fundamento falar em omissão de pronúncia quanto a esta parte do ponto 36 do despacho de pronúncia.
Quanto ao último segmento, este não pode ser incluído na factualidade dada como provada ou não provada, porquanto encerra em si um juízo conclusivo de cariz técnico-jurídico. Igual entendimento temos quanto ao segmento do ponto 37 da pronúncia que o recorrente indica, dado que consubstancia vários juízos conclusivos sobre a atuação a que o arguido estava obrigado de acordo com a legislação aplicável aos Eleitos Locais.
Encerra também um juízo conclusivo a parte do ponto 40 da Pronúncia: “(…) não existe o Processo Municipal n.º .../2011 qualquer facto objetivo, designadamente parecer, opinião ou informação, que justificasse a alteração da posição jurídica e/ou urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adoptar quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K... e que tinham como objecto a pretensão de construção naquele terreno sito na escarpa da ..., mormente em sede de alteração ou revisão do PDM.”. Este segmento é um juízo conclusivo acerca da atuação do Município ... ao longo dos litígios judiciais com a K..., pelo que não se reconduzindo a um facto concreto, objetivo, bem andou o tribunal recorrido ao não incluí-lo na factualidade provada ou não provada.
Do mesmo modo, o segmento do ponto 50 do despacho de pronúncia “Por força da celebração deste acordo (transação judicial efetuada no âmbito do processo n.º3556/10.6BEPRT, entre parêntesis nosso), a CM ... obrigava-se a apresentar em Assembleia Municipal as alterações ao PDM que fossem de encontro às pretensões da K... de construir no terreno que adquiria, ou, em alternativa, obrigavam o Município ... a indemnizar aquela empresa pelo valor que fosse fixado e tribunal arbitral” não deve constar da factualidade provada ou não provada, uma vez que se traduz em conclusões extraídas dos termos da transação judicial, quando é certo que da factualidade assente apenas devem constar as suas cláusulas, sendo que a interpretação das mesmas deve ser feita em sede diversa.
O ponto 51 do despacho de pronúncia corresponde a uma das cláusulas do compromisso arbitral celebrado entre o Município ... e a K... e do ponto 43 da factualidade dada como provada no acórdão recorrido consta o teor do compromisso arbitral. Assim, não se pode falar de omissão de pronúncia sobre tal facto, sendo que o recorrente ao pretender que o ponto 51 seja incluído na factualidade dada como provada mais não visa do que enfatizar que o arguido era o Presidente da Câmara Municipal, uma das partes do compromisso celebrado, o que é afirmado ao longo do acórdão. É assim desprovida de fundamento esta pretensão do recorrente quanto ao indicado ponto 51.
Na tese recursiva o acórdão enferma também de omissão de pronúncia quanto a dois segmentos do ponto 68 do despacho de pronúncia: um, referente ao arguido saber que no decurso da ação n.º3556/10.6BEPRT, o Município ..., no âmbito da 1ª alteração do PDM, não acolhera as pretensões da K...; outro, que ao ordenar ao advogado do Município a celebração do compromisso arbitral e da transação judicial, retirando a causa da esfera do tribunal administrativo para a entregar a um tribunal arbitral, sabia não o poder fazer sem autorização da Assembleia Municipal, a quem cabia decidir sobre a alteração do PDM e sobre a indemnização.
Não há omissão de pronúncia quanto a este segundo segmento, porquanto foi dado como não provado que o arguido tivesse dado instruções ao Sr. Dr. BB para celebrar o compromisso arbitral e a transação judicial, sendo que este segmento pressupunha que tivesse sido o arguido a determinar a atuação do advogado. Assim, não colhe quanto a este segmento a invocada omissão de pronúncia, sem prejuízo da sua apreciação em termos de impugnação ampla da matéria de facto que o recorrente efetuou.
Por último, em relação ao primeiro segmento do ponto 68 do despacho de pronúncia, não se pode falar em omissão, porquanto o tribunal a quo deu como provado – ponto 37 – que o arguido sabia que as pretensões da K... não haviam sido acolhidas no processo de alteração do 1º PDM, findo em 2012.
Em conclusão, o acórdão recorrido não enferma de omissão de pronúncia, porquanto os indicados pontos que o tribunal a quo não deu como provados ou não provados, encerram juízos conclusivos e normativos e como tal não podem ser levados à factualidade provada/não provada; em relação aos demais pontos apontados pelo recorrente, não existe omissão. Soçobra, pois, a pretensão do recorrente.
2ª questão: sustenta o recorrente que o tribunal a quo errou na apreciação da prova ao dar como não provados os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), g) 1, g) 2, g) 3, g) 4 e g) 5, os quais devem integrar a factualidade dada como provada, o mesmo sucedendo quanto aos factos em relação aos quais o tribunal não se pronunciou.
Em relação a estes, cabe desde já salientar que quanto aos pontos 36, parte, 37, parte do ponto 40, parte do ponto 50 e ponto 51, porque não devem integrar a factualidade provada ou não provada pelas razões supramencionadas, este tribunal não apreciará a impugnação ampla feita quanto aos mesmos.
Feito este esclarecimento, apreciemos, pois, a impugnação da matéria de facto efetuada pelo recorrente.
Tendo sido documentadas, mediante gravação, as declarações prestadas em audiência de julgamento, este tribunal pode conhecer amplamente da decisão de facto, uma vez cumprido o disposto no art.412.º, n.ºs 3 e 4, do C.P.Penal
A impugnação ampla da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, uma reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, constituindo antes um remédio jurídico para corrigir erros de julgamento, quanto aos concretos pontos de factos identificados pelo recorrente. Para tanto, deve o tribunal de recurso, quanto aos concretos pontos questionados, avaliar e comparar as provas indicadas na decisão recorrida e as provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da recorrida. Daí a razão de ser do ónus de especificação previsto nos n.º3 e 4 do art.412.º do C.P.Penal.
Por isso, quando o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, de acordo com o disposto no citado normativo, tem de especificar:
- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que implica a individualização de cada um dos factos impugnados.
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, devendo o recorrente indicar as passagens em que funda a impugnação, relativamente a cada facto concreto que pretende impugnar, sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas nas alíneas b) e c) do n.º3 fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Neste conspeto há que ter em conta a interpretação afirmada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2012, publicado no DR 1ª série de 18/4/2012, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artigo 412.º nº3 alínea b), do Código de Processo Penal, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações.”
Acresce que o recorrente tem de expor a razões pelas quais essas provas impõem decisão diversa da recorrida. Este é «o cerne do dever de especificação», com o que se visa impor ao recorrente “que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado”[4].
Como tem sido uniformemente entendido pelos Tribunais Superiores, para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta que as provas permitam uma decisão diversa, exigindo-se antes que a imponham, pois há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência comum permitem mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, nada há a apontar-lhe pois foi proferida de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art.127.º do C.P.Penal), a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte este princípio que está deferido ao tribunal da primeira instância, o qual beneficia da imediação e da oralidade e como tal encontra-se em melhores condições para aquilatar da credibilidade das declarações e dos depoimentos prestados em audiência de julgamento. Por isso, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do efetuado pelo julgador não constitui, por si só, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.
Como salienta o Ac.R.Évora de 1/4/2008,[5] “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.”
Assentes estas noções, atentemos nos diversos pontos da matéria de facto que vem impugnada, adiantando-se, desde já, que as passagens indicadas, assim como a prova documental trazida à colação, não impõem diferente convicção, porquanto a decisão da matéria de facto está devidamente sustentada na pormenorizada apreciação crítica da prova produzida.
O recorrente impugna os factos dados como não provados recorrendo ao que designa por subtemas de prova - pretensão urbanística da K... e o litígio daí decorrente com o Município ...; o procedimento de representação em juízo do Município ... no litígio com a K..., após a tomada de posse do arguido como Presidente da Câmara Municipal; os pressupostos da transação judicial, as obrigações e faculdades decorrentes da transação judicial; a determinação do sucesso da ação judicial pelo arguido -, denotando que a sua pretensão é que nesta instância de recurso se faça um segundo julgamento, uma nova apreciação global da prova produzida, o que não cabe na impugnação ampla da matéria de facto que visa corrigir erros manifestos de julgamento quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Por isso, este tribunal apreciará cada facto impugnado de per si ou conjunto de factos que tenham um ponto em comum, analisando os respetivos meios de prova indicados como impondo uma decisão diversa.
O recorrente impugna a alínea a) dos factos dados como não provados (a atribuição de alíneas aos factos dados como não provados foi feita por este tribunal por forma a facilitar a sua identificação), cujo teor é o seguinte:
“que a Procuração assinada pelo arguido AA e a Acta de Audiência tenham sido juntas ao processo municipal de acompanhamento n.º1/2011 daquela acção apenas em outubro de 2016”
O tribunal deu como provada a junção ao processo municipal de acompanhamento n.º1/2011 da ação n.º3556/10.6BEPRT (intentada pela K... contra o Município ...), da procuração emitida pelo arguido em 28/11/2013 e da ata de audiência, tendo recebido nesse processo de acompanhamento os números de página 221 e 219/220, respetivamente, conforme consta do anexo 4 – ponto 39 dos factos provados.
No entanto, não foi dado como provado que tal junção tivesse ocorrido apenas em outubro de 2016.
O recorrente impugna este facto não provado, com fundamento no depoimento da testemunha BB, conjugado com a ata n.º 66 da reunião da Câmara Municipal ..., realizada em 19/7/2016 (fls.567 a 594), anexos 4 e 11.
Ouvido na íntegra o depoimento desta testemunha, a mesma refere que a procuração e a ata foram juntas ao processo municipal de acompanhamento após a comunicação social ter começado a noticiar a ação que opunha a K... ao Município .... Até esse momento, não constavam do processo de acompanhamento as referidas procuração e ata, porquanto a procuração tinha sido entregue em mão na audiência prévia e por essa razão não ficava cópia no processo de acompanhamento e as atas de audiência não eram notificadas às partes e consequentemente não eram inseridas as respetivas cópias no dossier de acompanhamento. Entretanto, face às notícias na comunicação social, foram pedidas cópias de tais documentos ao processo que corria termos no tribunal administrativo e juntas àquele processo (cfr. gravação a 1h 09s). Sendo que há uma notícia sobre tal tema datada de julho de 2016 assim como outras de 2017, como resulta do anexo 11, temos de concluir que a procuração e a ata foram juntas ao processo de acompanhamento a partir do ano de 2016, não se podendo, no entanto, afirmar com certeza, rigor, que foi em outubro de 2016.
Nesta conformidade, improcede a pretensão do recorrente que a alínea a) dos factos não provados passe a integrar a factualidade provada.
Alínea b) dos factos não provados:
“Que o arguido soubesse que a acção estava destinada a improceder e tenha determinado o Advogado BB a requerer nova suspensão da instância administrativa, com vista a alteração do PDM que viesse a acolher as pretensões construtivas da K..., bem sabendo que tal alteração estava programada apenas para o ano de 2016”
Na tese recursiva tal facto devia integrar a factualidade provada com base no desenrolar do litígio entre a K... e o Município ..., que teve início com o PIP apresentado por aquela em 8/11/2005 com vista à edificação num terreno na escarpa da ..., e que veio a dar lugar a ações no Tribunal Administrativo, sendo a última a ação n.º3556/10.6BEPRT, na qual, após o arguido, enquanto Presidente da Câmara Municipal ..., ter outorgado uma procuração com poderes especiais ao Advogado BB, o Município (réu na dita ação), ter alterado o seu posicionamento em termos jurídicos e urbanisticos. Sustenta o recorrente que, na audiência prévia na referida ação, o Advogado BB afirmou que havia a possibilidade de se chegar a um acordo pela assunção por parte do Município do compromisso de alterar o PDM para que passasse a contemplar a pretensão da K..., na próxima revisão do PDM, quando é certo que não existe no processo de acompanhamento da referida ação na Divisão Municipal de Serviços Jurídicos e de Contencioso, com o n.º…/2011, qualquer facto objetivo, designadamente, parecer, informação que justificasse a alteração da posição jurídica e urbanística que o Município ... tinha sucessivamente vindo a adotar, quer nos litígios judiciais quer nos procedimentos administrativos em que era requerente a K.... Interroga-se o recorrente sobre quem autorizou o Sr.Advogado a fazer a previsão de que o Município poderia chegar a um acordo sem que estivesse em curso ainda um processo de revisão do PDM, sendo que esta testemunha não logrou explicar quem lhe transmitira o “entendimento sedimentado” do Município e se apontou CC, Chefe da Divião dos Serviços Jurídicos e de Contencioso, foi por esta desmentido.
Conclui que da conjugação destes elementos há que extrair que “não foi outra pessoa que não o arguido que autorizou BB a agir como agiu na audiência prévia” (sic), após o que tece considerações sobre a prova indireta.
Quanto a este ponto da matéria de facto não provada, o recorrente não aponta um erro de julgamento, pretendendo antes firmar a sua convicção quanto à atuação do arguido com base em deduções, inferências que faz, mas sem indicar meios de prova que imponham uma alteração deste ponto da matéria de facto.
Ouvido na íntegra o depoimento da testemunha BB, advogado que patrocinou a ação n.º3556/10.6BEPRT enquanto mandatário do Município, foi a testemunha perentória a afirmar que nunca o arguido lhe falou desta ação ou de qualquer outra, não tendo recebido quaisquer instruções do mesmo para que na audiência prévia avançasse com um pedido de suspensão da instância. Ao manifestar nessa audiência prévia a possibilidade de as partes chegarem a um acordo, fê-lo na sequência das informações que tinha dos serviços jurídicos/serviços de urbanismo do Município que a pretensão da K... de edificação no terreno da escarpa da ... poderia ser admitida em sede de revisão de PDM, tendo afirmado. “Não havia uma posição fechada do Urbanismo quanto à pretensão da K.... A informação que eu tinha nessa altura é que os Serviços de Urbanismo estavam muito virados para acolher a pretensão da K...” (5m 21s e seguintes). Realçou ainda a testemunha que logo que a ação lhe foi atribuída, em janeiro de 2011, a Sra. Dra. III, então chefe da Divisão Municipal de Contencioso, lhe comunicou que a ação não seria para contestar, pois havia negociações entre a K... e o Município e ainda que devia ser suspensa a instância (9m a 10m 25s), o que vem ao encontro do fax constante de fls.52 do anexo 4, em que o advogado da K... envia à Sra. Dra. III uma minuta do requerimento de suspensão da instância, requerimento que mereceu a sua concordância. Salientou ainda a testemunha que, com os dois pedidos de suspensão da instância feitos, acabou por deixar passar o prazo da contestação e ainda assim apresentou este articulado, em que contrariou os argumentos da autora K..., como se faz em qualquer contestação, o que não afasta a possibilidade de um eventual acordo.
Por outro lado, a testemunha GG, Diretora dos Serviços Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal ... de 2003 até outubro de 2013, corroborou que a suspensão da instância que teve lugar por duas vezes na ação n.º3556/10.6BEPRT, em janeiro de 2011 e em outubro de 2011, teve por fundamento a informação de que a questão do litígio estava a ser equacionada pelo Urbanismo.
Também o parecer do LNEC, datado de março de 2012, não afastava totalmente a possibilidade de construção numa parte do terreno objeto do litígio, constando das considerações finais “(…) poderá haver continuidade de edificado entre a urbanização existente a sul e os eixos vários. 3- Inversamente, a restante parcela poente/sudoeste, deve constituir uma zona de transição gradual para a vertente no seu estado natural ou pouco intervencionada (…)”
Posto isto, temos de concluir que não houve, a partir da outorga da procuração pelo arguido, uma alteração de posicionamento da Câmara Municipal ... quanto à pretensão da K..., tendo sido sempre equacionada a possibilidade de um entendimento, inicialmente em sede de alteração do PDM e mais tarde, apenas em sede de revisão deste.
Por outro lado, como é realçado na fundamentação da matéria de facto, não há qualquer testemunha que tenha tido intervenção nos processos em que eram partes a K... e o Município, que afirme que o arguido deu instruções, orientações relativamente à ação n.º3556/10.6BEPRT, nomeadamente ditando ou sugerindo os termos da transação na mesma celebrada. Tão-pouco os documentos existentes nos autos evidenciam qualquer ordem ou instrução do arguido em relação à referida ação a correr termos no tribunal administrativo.
Quanto à afirmação “O arguido sabia que a ação estava destinada a improceder” não se encontra ancorada em qualquer prova, sendo que o arguido afirmou desconhecer os concretos termos do litígio entre a K... e o Município, apenas sabendo que havia um dissídio.
Improcede, assim, a pretendida alteração da alínea b) dos factos não provados.
Impugna igualmente o recorrente as alíneas c) e d) dos factos dados como não provados.
Na tese recursiva as alíneas c) e d) dos factos não provados devem integrar a factualidade provada, face à atuação do Município ao longo dos anos perante as pretensões formuladas pela K..., desde a apresentação do PIP em 2005 até à outorga da procuração pelo arguido na ação n.º3556/10.6BEPRT, momento a partir do qual, na versão do recorrente, a atuação do Município mudou radicalmente.
Mais uma vez o recorrente não aponta um erro de julgamento, não indica provas que imponham uma alteração da matéria de facto, limitando-se a fazer a sua leitura da prova produzida, extraindo as suas ilações dos procedimentos do Município. Esquece-se, no entanto, da prova produzida em audiência de julgamento, em que várias testemunhas, concretamente, o advogado BB, mandatário do Município na ação n.º3556/10.6BEPRT, CC, Chefe da Divisão Municipal do Contencioso desde finais de 2012, GG, diretora do Departamento do Serviço Jurídico e Contencioso da CM... desde 2003 até outubro de 2013, HH, director da Direção Municipal do Urbanismo da CM... desde 2010, são unânimes em afirmar que a pretensão da K... nunca foi afastada em absoluto, tendo os serviços do Urbanismo admitido que a pretensão da K... de que o terreno da escarpa da ... pertencesse à zona edificandi viesse a ser atendida não em sede de alteração do PDM mas sim de revisão do mesmo. Aliás, como já suprarreferido, no seu depoimento a testemunha BB afirma expressamente que quando a ação n.º3556/10.6BEPRT lhe foi distribuída em 2011, a Sra. Dra. III, então chefe da Divisão Municipal do Contencioso, lhe disse que a ação não era para contestar pois havia negociações entre a K... e o Município e que devia ser pedida a suspensão da instância, dado que os serviços do Urbanismo admitiam que a pretensão da K... pudesse ser ponderada (cfr.9m a 10m 25s).Também a testemunha CC, que substituiu a Sra. Dra. III, referiu expressamente que a ação esteve suspensa pois havia a expectativa, criada pelos serviços do Urbanismo, de que viesse a ser atendida a pretensão da K... aquando da alteração do PDM, fazendo ainda referência ao parecer do LNEC que previa a possibilidade de construção em determinada área da escarpa da ... (18m 57s a 24m 51s). Ou seja, a ação n.º3556/10.6BEPRT esteve suspensa ainda antes de o arguido outorgar a procuração com poderes especiais, por se colocar a possibilidade, perante as informações dos Serviços Municipais do Urbanismo, de a pretensão da K... poder vir a ser atendida, inicialmente em termos de alteração do PDM e mais tarde só em sede de revisão do mesmo.
Não tem, assim, fundamento a conclusão do recorrente de que a ação n.º3556/10.6BEPRT sofreu uma mudança de rumo desde a outorga da procuração pelo arguido, sendo que muito antes de este ter tomado posse como Presidente da Câmara Municipal ..., já tinha havido a suspensão da instância e a pretensão da K... foi equacionada em termos de alteração do PDM desde que efetuados determinados estudos.
Salienta-se ainda que a testemunha BB, advogado que subscreveu a contestação apresentada na ação n.º3556/10.6BEPRT, cujo desentranhamento foi ordenado pela sua apresentação extemporânea, foi esclarecedora acerca dos termos da contestação, afirmando “Quando apresentamos uma contestação, não vamos dizer que a petição inicial corresponde à verdade. Se assim se fizer, não vale a pena contestar. Um advogado não vai dizer numa contestação tudo ainda que seja desfavorável ao seu cliente.” (31m 52s a 33m). Destas palavras resulta que dos termos da contestação não se pode extrair que tudo o que dela consta corresponde ao que o réu julga ser efetivamente o que corresponde à realidade.
Por último, refira-se que, ouvidos na íntegra os depoimentos prestados em audiência de julgamento, como bem se salienta na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, as testemunhas que tiveram intervenção no processo administrativo no âmbito dos departamentos municipais e nos processos judiciais em que eram partes a K..., enquanto autora, e o Município ..., enquanto réu, foram unânimes em afirmar que nunca, de modo direto ou por interposta pessoa, foram abordadas pelo Presidente da Câmara, ora arguido, no sentido de influenciar a posição do Município quanto à pretensão da K.... Com efeito, basta ouvir os depoimentos das testemunhas HH, diretor da Divisão Municipal do Urbanismo da CM... desde 2010 ou do advogado BB que era o mandatário do Município na ação n.º3556/10.6BEPRT, em que afirmam expressamente que nunca receberam qualquer indicação, sugestão ou ordem do arguido quanto à atuação a tomar no litígio entre a K... e o Município.
Em conclusão, bem andou o tribunal a quo em dar como não provada a alínea c) e, pelas mesmas razões, a alínea d).
Igualmente em relação à alínea e) dos factos não provados - “Por requerimento subscrito pelo Advogado BB, que deu entrada, a 22/4/2014, naqueles autos de processo n.º 3556/10.6BEPRT, aquele, em representação do Município ..., por ordem e de acordo com as instruções do arguido AA, informou o Tribunal « que as partes se encontram a finalizar as negociações com vista a transigir na presente demanda”» - , pelas razões supra apontadas não foi produzida prova que imponha a sua alteração. Aliás, o recorrente, limita-se a invocar “perplexidades”, “estranhezas”, quando bem sabe que a alteração da matéria de facto só pode ter lugar quando há provas que imponham uma decisão diversa. Ora, in casu, a prova produzida foi no sentido de nunca o arguido, por si ou por interposta pessoa, ter procurado influenciar o posicionamento do Município no âmbito da ação n.º3556/10.6BEPRT, sendo que a fundamentação da matéria de facto quanto a este item é bem clara, afirmando “Sob este aspecto, há que salientar que o único elemento de conexão entre a intervenção do presidente e a questão da K... é a Procuração forense pelo mesmo subscrita e junta aos autos aquando da audiência prévia. A existência deste documento, por si só, não permite concluir ou considerar que o aqui arguido ditou ou influenciou por qualquer forma os termos da transacção ou do compromisso arbitral. Na verdade, os esclarecimentos e explicações que o arguido apresentou em audiência onde justificou a razão pela qual outorgou aquele documento afiguraram-se-nos credíveis, razoáveis e consistentes, tendo sido, além disso, corroborados pelos depoimentos das testemunhas JJ e BB. Salienta-se a este propósito que a circunstância do arguido recorrer ao aconselhamento junto do seu Chefe de Gabinete, professor de Direito, sobre se deveria ou não assinar uma procuração em que os seus familiares tinham participação directa é claramente reveladora da ausência de qualquer intuito por parte do mesmo de intervenção ou condução do processo em benefício da K... e em prejuízo do Município. Veja-se que o aqui arguido não possui formação jurídica sendo por isso plausível que tenha recorrido ao conselho do seu Chefe de Gabinete.”
Com efeito, o arguido de forma consistente negou ter tido qualquer intervenção no sentido de favorecer a K..., a prova testemunhal produzida foi no sentido de nunca o arguido, por si ou interposta pessoa, ter interferido no posicionamento do Município na ação n.º3566/10.6BEPRT, designadamente, quanto à transação e compromisso arbitral, tão-pouco há documentos nos autos remetidos pelo arguido ou por si subscritos referentes à K..., excetuando a procuração e a declaração de impedimento.
Improcede, pois, a pretendida alteração desta alínea da matéria de facto não provada.
Impugna também o recorrente os diversos pontos da alínea g) dos factos não provados, cujo teor é o seguinte:
“alínea g): que o arguido soubesse:
g). 1. que, em virtude do referido no ponto 64 dos factos provados, não podia, como presidente da câmara e em representação do Município, emitir procuração forense em acção judicial em que a K... fosse parte, estando legalmente impedido de o fazer e que devia abster-se de ordenar quaisquer actos no âmbito daquele mandato forense;
g).2. que a ação judicial, intentada pela K..., com vista à nulidade da deliberação de 13.9.05, que mandou suspender os procedimentos de informação prévia de licenciamento e de autorização de operações urbanísticas, que não estivessem de acordo com o Plano Municipal em fase de ratificação, foi judicialmente declarada improcedente; que o PIP relativo à pretensão de edificação da K... fora indeferido;
g).3. que o arguido tenha ordenado ao advogado do Município a celebração do compromisso arbitral e da transação judicial acima aludidas e que, ao fazê-lo, retirava a causa da esfera do tribunal judicial administrativo para a entregar a um tribunal arbitral, sem qualquer fundamento para tal;
g).4. que, ao assim agir, o arguido, violando o dever de suscitar impedimento e os deveres de legalidade, de prossecução do interesse público e de imparcialidade, o fazia deliberadamente contra a lei, obrigando o Município aos interesses da K..., com única intenção de beneficiar a empresa de que o próprio arguido, seus irmãos e sua mãe eram sócios;
g).5. que o arguido soubesse que a sua conduta era proibida pela lei penal.”
Sustenta o recorrente que estes factos se mostram indiretamente provados pelas declarações do arguido, depoimentos das testemunhas BB, II, JJ, CC, DD, EE, KK e HH, transcritos na fundamentação sob as alíneas a) e e).
Não assiste razão ao recorrente, o qual mais uma vez não aponta erros de julgamento, fazendo antes e apenas uma leitura diversa da prova produzida, mas sem indicar provas que imponham a alteração destes pontos da factualidade não provada.
Em relação à alínea g).1. basta atentar nas declarações do arguido, o qual referiu que quando a secretária lhe entregou, entre outros documentos, a procuração em que constava a K... e porque tinha uma ligação indireta à mesma e familiares que eram administradores desta empresa, suscitaram-se-lhe dúvidas se a podia assinar, pelo que perguntou ao seu Chefe de Gabinete, com formação jurídica, se o podia fazer, ao que o mesmo lhe disse que devia assinar a procuração pois era ela que permitia a Câmara estar representada em determinado ato judicial (cfr. 28m 07s). Ora, faz parte das regras da experiência que se o arguido soubesse que não podia assinar aquela procuração, não iria colher essa informação junto do seu Chefe de Gabinete. Também é natural que o arguido tenha aceitado a explicação do seu Chefe de Gabinete, pois este, contrariamente a si, tinha formação jurídica.
Ouvido o depoimento do Chefe de Gabinete, a testemunha JJ, confirmou que o arguido lhe perguntou se devia assinar a procuração dado a empresa K... estar ligada à sua família, ao que o aconselhou a assinar.
Quanto à alínea g).2., o recorrente não indica prova que imponha a sua alteração e as declarações prestadas pelo arguido foram no sentido de ter um conhecimento genérico de que havia problemas com o terreno que a K... tinha adquirido e onde pretendia construir, pois após a aquisição do terreno, o PDM que entrou em vigor passou a qualificar aquele terreno como zona non edificandi e a K... litigou para reaver o direito que tinha, mas desconhecendo em concreto os procedimentos adotados.
Em relação à alínea g).3., já se mencionaram as razões para se sustentar que não foi produzida prova de que o arguido interferiu para que o Município celebrasse a transação e o compromisso arbitral, tornando-se desnecessário repetir os fundamentos já invocados.
Por último quanto às alíneas g).4. e g).5., reportam-se as mesmas aos elementos subjetivos do crime imputado ao arguido, pelo que, pertencendo ao foro íntimo do agente, a menos que este os confessasse, só poderiam resultar provados em face da factualidade objetiva imputada ao arguido. Não tendo esta resultado provada, soçobra também a impugnação dos elementos subjetivos.
Em conclusão, o recorrente não aponta erros de julgamento, questionando apenas a convicção formada pelo tribunal recorrido, pretendendo que ao arrepio da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e a que o tribunal a quo atribuiu credibilidade, este tribunal ad quem proceda a um segundo julgamento e crie uma nova convicção, aderindo às “perplexidades” ou “estranhezas” manifestadas pelo recorrente.
Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova é feita segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que o tribunal da 1ªinstância beneficia da imediação e da oralidade, pelo que pode melhor aquilatar da credibilidade dos depoimentos prestados em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais, podendo valorar não apenas o conteúdo dos depoimentos, mas também o modo como estes foram prestados, designadamente, a espontaneidade, a linguagem, as hesitações, o tom de voz, os gestos, etc. As razões pelas quais se atribui credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum e da lógica[6].
Por todo o exposto, improcede a impugnação ampla da matéria e não se detetando nenhum dos vícios da sentença previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal, os quais são de conhecimento oficioso, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto assente.
Na tese recursiva, em caso de procedência da impugnação da matéria de facto, a conduta do arguido integra a prática de um crime de prevaricação p. e p. pelo art.11.º da Lei n.º34/87, de 16/7.
Sucede que a pretendida alteração da matéria de facto não colheu in totum, pelo que o crime de prevaricação imputado ao arguido não se mostra preenchido com a factualidade dada como assente, como, aliás, reconhece o recorrente.
Com efeito, a factualidade dada como provada não preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de prevaricação p. e p. pelo art.11.º da Lei n.º34/87, de 16/7, pelo qual o arguido foi pronunciado
Dispõe o art.11.º da Lei n.º34/87, de 16/7 (diploma que regula os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos), “O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.”
Segundo o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea i), da mesma Lei n.º 34/1987, “são cargos políticos, para os efeitos da presente lei: o de membro de órgão representativo de autarquia local”.
São, assim, elementos constitutivos do tipo legal em causa nos autos:
1. A qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local do agente,
2. A condução ou decisão contra direito de um processo por parte do agente, no exercício das respetivas funções,
3. A vontade consciente por parte do agente em assim proceder, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém,
O agente deve ser membro de órgão representativo de uma assembleia municipal, uma câmara municipal, uma assembleia de freguesia ou uma junta de freguesia – cf. art. 5.º da Lei n.º75/2013, de 12/9 (Regime Jurídico das Autarquias Locais), segundo o qual: “1- Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia. 2 - Os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal”.
Por isso, estamos perante um crime específico próprio.
Por outro lado, “O sujeito activo/agente, para além de titular de cargo político, nos termos do artigo 3.º, n.º1, da Lei n.º34/87 (..) terá de actuar no exercício das suas funções, o que neste caso significa que terá de estar investido de poderes, decorrentes do cargo que ocupa, que lhe permitam conduzir o processo ou decidir sobre a matéria que nele se discute (v.g. sobre o pagamento de uma taxa ou sobre a obtenção de uma licença).”[7]
As modalidades de ação previstas no citado art.11.º consistem em o titular do cargo político “conduzir” ou “decidir” contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções. “Para “conduzir” um processo é preciso ter o poder de o orientar, de lhe imprimir um determinado rumo, de acordo com o formalismo legal e “decidir” implica proferir uma decisão de fundo sobre a questão (administrativa) que é colocada.[8]
No caso em apreço, está assente que o arguido na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... e legal representante do Município outorgou uma procuração a favor do Dr. BB, da Dra. XX, da Dra. YY e do solicitador WW, a quem concedeu poderes especiais para confessar, transigir ou desistir no âmbito do processo n.º3556/10.6BEPRT a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que era autor K..., Lda, sendo que esta procuração foi junta ao referido processo e na audiência prévia realizada no dia 10/1/2014, esteve presente em representação do Município ..., o Dr.BB.
Está ainda provado que o arguido tinha sido sócio da K... até 6/6/2008, da qual também eram sócios os seus irmãos e a sua mãe e o Conselho de Administração da M..., empresa sócia da K..., era composto por irmãos seus.
Mais se apurou que o arguido sabia que as pretensões da K... não tinham sido acolhidas no processo da 1ª alteração do PDM, findo em 2012 e cerca de oito meses após ter outorgado a procuração, declarou-se impedido para intervir como representante do Município no processo n.º3556/10.6BEPRT.
Em face desta factualidade assente, apenas resulta preenchido o primeiro elemento constitutivo do crime de prevaricação, ou seja, que o arguido tinha a qualidade de membro da Câmara Municipal ....
Porém, não obstante o arguido estar impedido de outorgar a aludida procuração por haver um eventual conflito de interesses uma vez que tinha ligações pessoais/familiares à autora K..., já não resultou provado que o arguido tivesse tomado qualquer decisão sobre o destinos da ação que corria termos no Tribunal Admnistrativo e Fiscal do Porto ou que a transação judicial e o compromisso arbitral tivessem ocorrido por determinação e segundo as instruções do arguido.
A factualidade dada como provada não preenche, pois, o crime de prevaricação.
Por todo o exposto, improcede o recurso.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando em consequência a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público (art.522.º, n.º1, do C.P.Penal).

(texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários)

Porto, 9/11/2022
Maria Luísa Arantes
Luís Coimbra
Raul Esteves
___________________
[1] in Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo, 2009, 3ª Edição Revista e Actualizada, páginas 283 e 287.
[2] Proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1, relatado pela Conselheira Fernanda Isabel Pereira
[3] No mesmo sentido, Ac.STJ de 19/12/2018, proc. nº 857/08.7TVLSB.L1.S2, e de 12/09/2019 (proc. nº 1333/15.7T8LMG.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, 2.ª edição atualizada, pág.1131.
[5] Proc. n.º 360/08-01, relatado pelo Desembargador Ribeiro Cardoso, in www.dgsi.pt
[6] v.Ac.STJ de 14/3/2007, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral e Ac.R.Coimbra de 11/2/2009, relatado pelo Desembargador Jorge Raposo
[7] Carmo Dias, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol.1, Universidade Católica Editora, pág.752.
[8] Ob.cit., nota 15, pág.752.