Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5147/17.1T8OAZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
Nº do Documento: RP201809135147/17.1T8OAZ.P2
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CINFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º143, FLS.134-142)
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 241º do Código das Sociedades Comerciais admite, quanto às sociedades por quotas, a exclusão de sócio, remetendo para disposições legais que definem objectivamente situações que tal podem justificar, bem como para circunstâncias ligadas à pessoa ou comportamento do sócio, desde que previamente enunciadas em cláusulas do contrato de sociedade.
II - Para além destas causas de exclusão, passíveis de ser conhecidas por mera deliberação social, regulam-se ainda no artigo 242º, nº 1, os termos em que pode ser judicialmente excluído o sócio, estabelecendo-se para tal os seguintes requisitos: comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade; causador (mesmo que só potencialmente) de prejuízos relevantes para esta.
III – A deliberação social que exclua sócio fora do âmbito definido no artigo 241º é nula, por ofensa de preceito legal não derrogável, como preceituado no artigo 56º, nº 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais.
IV - A possibilidade de exclusão prevista no nº 6 do artigo 214º do Código das Sociedades Comerciais reporta-se especificamente à utilização de informações obtidas no âmbito do direito de qualquer sócio de requerer aos gerentes da sociedade informação sobre a actividade de gestão por estes exercida, bem como a facultar-lhe a consulta da escrituração, livros e documentos da sociedade.
V - A faculdade conferida pelo nº 2 do artigo 381º do Código de Processo Civil de não suspender a deliberação social, mesmo que esta contrarie a lei, os estatutos ou o contrato, por o prejuízo resultante da suspensão ser superior ao que possa derivar da sua execução, deixa de colher sentido quando ocorra a inversão do contencioso prevista no artigo 369º daquele código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 3ª SECÇÃO – Processo nº 5147/17.1T8OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 1
SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B… intentou contra a C…, LDa, procedimento cautelar de suspensão de deliberação social tomada na Assembleia Geral Extraordinária da sociedade requerida, realizada no dia 14.12.2017, pela qual se decidiu a exclusão de sócio do requerente.
Estribou o seu pedido, em síntese, no facto de o contrato de constituição da sociedade requerida não prever casos de exclusão de sócio, sendo que aquela deliberação impunha que o contrato de sociedade previsse a especificação contratual dos factos que a pudessem fundamentar, o que não sucedeu, pelo que não podiam os sócios da requerida deliberar sobre o ponto único da ordem de trabalho constante da convocatória - exclusão do sócio B… –, apenas lhes sendo permitido deliberar sobre a propositura de acção de exclusão de sócio, nomeando, querendo, representante especial para o efeito. Assim, por violar as disposições dos artigos 241º e 242º do CSC, a deliberação em causa seria nula, nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea d), do mesmo código.
Acresce que, mesmo admitindo que fosse possível deliberar sobre a exclusão, deveriam ter sido incluídas na convocatória proposta sobre o valor a atribuir à quota a excluir e forma de pagamento da contrapartida ao sócio excluído, pressupostos necessários à deliberação sobre a aquisição da quota pela sociedade ou pelos sócios.
A requerida deduziu oposição, alegando factos que, no seu entender, fundamentam e legitimam a deliberação de exclusão do sócio ora requerente.
Este veio requerer a inversão do contencioso. Notificada, a requerida nada disse.
Instruída a causa, foi proferida sentença cujo trecho decisório seguidamente se transcreve.
Julga-se o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social procedente por provado e, consequentemente, suspende-se a execução da deliberação social aprovada na Assembleia Geral Extraordinária da Requerida ocorrida em 14.12.2017, titulada pela ata junta pelo Requerente a fls. 31-39, porque nula nos termos do artigo 56.º, n.º 1, d), do CSC.
Mais se dispensa o Requerente do ónus da propositura da acção principal dado que a matéria adquirida no presente procedimento permite formar a convicção segura acerca da existência do direito acautelado e a natureza da providência ora decretada é adequada realizar a composição definitiva do litígio – cfr. artigo 369º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da Requerida (artigo 527º do CPC).
Inconformada, apresentou-se a requerida a recorrer, apresentando as suas alegações. O requerente não contra-alegou.
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, sendo o seu efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS PROVADOS
1 - A sociedade requerida tem o capital social, integralmente realizado, no montante de €670.000,00 (seiscentos e setenta mil euros) e encontra-se distribuído pelas seguintes participações sociais:
- Uma quota no valor nominal de €632.500,00 (seiscentos e trinta e dois mil e quinhentos euros), pertencente ao Requerente e sócio B… que representa 94,4% do capital social;
- Duas quotas, cada no valor nominal de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) pertencentes à sócia D… que representa 3,73% do capital social;
- Uma quota no valor nominal de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) pertencente ao sócio E… que representa 1,87% do capital social
2 - O aqui Requerente é sócio fundador da sociedade “C…, Lda” constituída por escritura pública em 14 de Setembro de 1995.
3 - O requerente exerceu a gerência da sociedade “C…, Lda” desde 14 de Setembro de 1995 até 21 de Dezembro de 2016, tendo sido suspenso da gerência por decisão judicial proferida no âmbito do Proc. 3058/16.7T8OAZ, Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2.
4 - Em Outubro de 2017, o aqui Requerente por não ter qualquer intervenção na gestão da empresa, renunciou ao cargo de gerente da sociedade requerida por comunicação recebida por esta 15.11.2017.
5- Em Novembro de 2017, a sócia D… enviou ao Requerente convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade requerida, a realizar no dia 14.12.2017 pelas 14h30m, a ter lugar no Cartório Notarial da Drª F…, na Praceta …, nº .., …. – … Santa Maria da Feira. – Documento de fls. 11 verso.
6 - Da referida convocatória consta como ponto único da ordem de trabalhos a proposta de deliberação sobre a “Exclusão do sócio C…”.
7 – Na Assembleia de 14.12.2017 foi deliberada a “exclusão do sócio B… o Requerente em virtude dos comportamentos do mesmo sócio, caracterizados por atos gravemente violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma.” – acta de reunião de assembleia geral de fls. 31 e seguintes.
8 - O contrato de constituição da sociedade “C…, Lda”, posteriormente alterado por escritura pública outorgada em 11.12.2015, não prevê quaisquer situações de exclusão de sócio.
9 - Não foi incluído na convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária o valor a atribuir à quota a excluir e a forma de pagamento da contrapartida ao sócio excluído.
10 - A execução imediata da deliberação em causa acarreta a aniquilação imediata e total do exercício de qualquer direito societário sobre a sociedade “C…, Lda” por parte do requerente.
11 – O requerente, sócio maioritário, é posto fora da sociedade, sem nada receber por conta da sua quota e ainda fica com as responsabilidades pessoais inerentes aos avais prestados em nome da sociedade nos contratos de leasing imobiliário mobiliário que foram resolvidos pela Banca na sequência do incumprimento da actual gerente em exercício (D…) por falta de pagamento das mensalidades.
12 - O prejuízo resultante de não ser decretada a suspensão é superior ao que resultaria da decretação da providência.
2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
1 – O Tribunal “a quo” decidiu julgar o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social procedente por provado e, consequentemente, suspendeu a execução da deliberação social aprovada na Assembleia Geral Extraordinária da Requerida ocorrida em 14.12.2017, titulada pela ata junta pelo Requerente a fls. 31- 39, porque nula nos termos do artigo 56.º, n.º 1, d), do C.S.C.;
2 - Mais dispensou o Requerente do ónus da propositura da ação principal dado que a matéria adquirida no presente procedimento permite formar a convicção segura acerca da existência do direito acautelado e a natureza da providência ora decretada é adequada realizar a composição definitiva do litígio – cfr. artigo 369º, n.º 1 do Código de Processo Civil;
3 - Com muita modéstia, a Recorrente/Apelante não concorda com a Douta Sentença Recorrida, que, por isso, nos merece censura, quer de facto, quer de direito;
4 - Ora, com o devido respeito que é muito, não concorda a Recorrente com a apreciação do quadro factual dado como provado, inexistindo factualidade não provada, bem como a análise crítica e conjugada da prova produzida e das respostas dadas pelo Tribunal “a quo”;
5 - O Tribunal “a quo” ancorando-se nos documentos juntos e nos depoimentos “credíveis e objetivos” das testemunhas G… e H…, deu como provados, designadamente, os seguintes factos: 1 - A sociedade requerida tem o capital social, integralmente realizado, no montante de €670.000,00 (seiscentos e setenta mil euros) e encontra-se distribuído pelas seguintes participações sociais: - Uma quota no valor nominal de €632.500,00 (seiscentos e trinta e dois mil e quinhentos euros), pertencente ao Requerente e sócio B… que representa 94,4% do capital social; 11 – O requerente, sócio maioritário, é posto fora da sociedade, sem nada receber por conta da sua quota (…);
6 - Ora, conforme decorre dos documentos n.º 35, 36 e 37 juntos com a Oposição, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que: - a quota no valor nominal de €632.500,00 pertence ao Requerente e sócio B… e à representante legal da Requerida e sócia D… em comum e sem determinação de parte ou direito por constituir bem comum do dissolvido casal, que representa 94,4% do capital social;
7 - De igual modo, e ao contrário do que decorre daqueles documentos, e atento o seu valor probatório, não poderia o Tribunal “a quo” ter dado ainda como provado que “O Requerente, sócio maioritário, é posto fora da sociedade, sem nada receber por conta da sua quota”, pois que, a referida quota se encontra relacionada como bem comum no processo de inventário por divórcio que correm termos no Cartório Notarial a cargo da Dr. F…, sob o n.º3919/16;
8 - Erro na apreciação da prova que determina alteração daqueles factos em consonância com o postergado;
9 - Da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo” consta também que: 7 – Na Assembleia de 14.12.2017 foi deliberada a “exclusão do sócio B… o Requerente em virtude dos comportamentos do mesmo sócio, caracterizados por atos gravemente violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma.” – ata de reunião de assembleia geral de fls. 31 e seguintes;
10 - Ora, a deliberação tomada em 14.12.2017 de excluir o Requerente de sócio da Requerida teve como pressupostos os comportamentos do referido sócio, caracterizados por atos gravemente violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma;
11 - E que, “tais violações tiveram como fundamento os comportamentos do referido sócio B… quer na violação da proibição de concorrência e de participação noutra sociedade, quer na destituição da gerência com fundamento em justa causa.”;
12 - Acrescentando ainda que, os “comportamentos ocorridos foram suscetíveis de causar, como causaram prejuízos relevantes ao ente societário e aos outros sócios, sendo considerados comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, nomeadamente, o aproveitamento em beneficio próprio de oportunidades de negócios e proveitos da sociedade, a difusão de opiniões desabonatórias sobre a sociedade, a apropriação ilícita de bens sociais, a utilização em beneficio próprio do património da sociedade, a revelação de segredos da organização empresarial da sociedade, atos de provocação culposa de desavenças graves entre os sócios.”
13 - Deliberação onde constam e se discriminam inúmeros factos concretos que decorrem, designadamente, dos factos dados como provados no âmbito do processo n.º 3058/16.7T8OAZ que corre termos neste Juízo de Comércio – Juiz 2, na Douta Sentença proferida em 19.12.2016, já transitada em julgado;
14 - Factos que o Tribunal “a quo” ignorou sem qualquer fundamento, e que deveria ter dado como provados, pois nem foram impugnados pelo Requerente, tendo-se ainda como admitidos por acordo, errando, assim, o Tribunal “a quo” na apreciação quer do documento denominado “Ata de Reunião de Assembleia-Geral” quer da douta sentença proferida no âmbito do processo 3058/16.7T8OAZ, do Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis – Juiz 2;
15 - O Tribunal “a quo” deu, também, como provados os seguintes factos: “10 – A execução imediata da deliberação em causa acarreta a aniquilação imediata e total do exercício de qualquer direito societário sobre a sociedade “C…, Lda.” por parte do requerente. 11 – O requerente, sócio maioritário, é posto fora da sociedade, sem nada receber por conta da sua quota e ainda fica com as responsabilidades pessoais inerentes aos avais prestados em nome da sociedade nos contratos de leasing imobiliário mobiliário que foram resolvidos pela Banca na sequência do incumprimento da atual gerente em exercício (D…) por falta de pagamento das mensalidades. 12 - O prejuízo resultante de não ser decretada a suspensão é superior ao que resultaria da decretação da providência.”
16 – Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, tais factos dados como provados constituem simples vaguidades e meras conclusões, as quais decorrem do próprio requerimento inicial do Requerente que revelam a ausência dum acervo factual donde, uma vez provado, se pudesse concluir pela existência do dano apreciável, facticidade que também não emerge da fundamentação factual descrita;
17 - Limitando-se o Tribunal “a quo” a referir que as testemunhas G… e H… demonstraram ter conhecimento direto dos factos, sem, no entanto, concretizar quaisquer prejuízos que advém quer para o requerente quer para a sociedade com a sua exclusão de sócio;
18 - Constata-se assim, que nenhuma das supramencionadas testemunhas sabia sequer da deliberação em causa nos autos, e muito menos quais os prejuízos que a execução da deliberação acarreta para o Requerente ou para a sociedade;
19 - Antes, referiram as testemunhas que o sócio B… já estava afastado da empresa há mais de um ano e a trabalhar sozinho, e que o conhecimento que tinham era de alguns dos factos invocados na deliberação, como refere a testemunha H… relativamente aos pontos 8, 9, 12, 17, 18 da deliberação, que foram dados como provados em sede de julgamento no âmbito do processo n.º 3058/16.7T8OAZ;
20 - Não poderia, o Tribunal “a quo” dar tais factos como provados que foram impugnados e não tiveram comprovação de qualquer meio de prova;
21 - Errando, por conseguinte, o Tribunal “a quo” na apreciação da prova produzida, a qual imponha que tais factos fossem dados como não provados;
22 - De igual modo, não são alegados, nem dados como provados, factos concretos consubstanciadores de que a execução da deliberação acarreta, com certeza, ou com uma probabilidade muito forte e séria, prejuízo apreciável;
23 - Tentando, com tal facto, o Requerente aliar o dano decorrente da deliberação de exclusão de sócio ao facto de ter sido suspenso da gerência da Requerida em Dezembro de 2016, altura a partir da qual diz ter sido obrigado por razões de sobrevivência, a constituir outra empresa;
24 - Não invocando um único facto que permita afirma qualquer prejuízo que a deliberação em causa nos autos lhe tenha provocado, nem das suas declarações decorre qualquer facto;
25 - Por outro lado, o Requerente não alega um único facto concreto que permita estabelecer a correspondência entre a exigência da suspensão da deliberação e o prejuízo para a sociedade Requerida;
26 - Errando assim, notoriamente, o Tribunal “a quo” na apreciação da prova produzida e junta aos autos, impondo-se a sua alteração, dando-se os mesmos como não provados;
27 - Alias, a reforçar tal apreciação temos ainda as declarações de parte da legal representante da sociedade Requerida;
28 - Demonstrado ficou que o Requerente não é sócio maioritário da sociedade Requerida, e que os avais prestados pessoalmente à sociedade estão a ser cumpridos pela gerência da sociedade, não obstante, os prejuízos causados pelo Requerente, enquanto sócio e gerente da sociedade entre julho e dezembro de 2016;
29 - Para além de que, demonstrado ficou que os prejuízos decorrentes da suspensão da deliberação são muito superiores ao não decretamento da providência;
30 - Impondo-se, assim, a alteração à matéria de facto dada como provada e não provada, em virtude de erro notário na apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”;
Sem prescindir,
31 - Vejamos se, quer em face dos factos dados como provados, quer em face da alteração dos factos dados como provados e não provados, se encontram verificados os pressupostos da providência cautelar requerida;
32 - Ora, o deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberação social depende, portanto, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) O requerente tem que ser sócio da sociedade que a tomou; b) A deliberação tem que ser contrária à lei ou ao pacto social; e c) Há-de resultar da execução da deliberação dano apreciável;
33 - O primeiro dos referidos requisitos é um pressuposto de legitimidade e o segundo satisfaz-se com um juízo de probabilidade e verosimilhança que é próprio das providências cautelares;
34 - Porém, a prova do terceiro pressuposto tem sido vista com maior exigência na doutrina e na jurisprudência, de molde a permitir a manutenção de um clima de equilíbrio no funcionamento da sociedade ou associação e no relacionamento dela com os sócios e daí o estatuído no nº 2 do artigo 381º, do C.P. Civil, ao permitir que o juiz deixe de suspender a deliberação social, ainda que ilegal ou contrária aos estatutos ou ao contrato se o prejuízo resultante da suspensão for superior ao que pode advir da respectiva execução;
35 - Dúvidas, não existem de que a providência cautelar serve para obviar às consequências do periculum in mora, exigindo como requisito a alegação e prova de que resulte, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, lesão grave ou dificilmente reparável ao direito do requerente;
36 - O ónus da prova é do requerente (artigo 342.º, nº 1, do C. Civil), e o zelo e cautela do seu direito pressupõe, desde logo, no requerimento da providência, a alegação de factos concretos reveladores do perigo de ocorrência de determinadas consequências danosas de relevo que se mostrem sérias e certas ou quase inevitáveis, muito fortemente prováveis;
37 - Para além disso, o requerente tem de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação daquele dano;
38 - O legislador pretende, pois, compatibilizar os interesses do requerente e da sociedade, procurando uma menor interferência na vida da sociedade, procurando suspender deliberações quando apesar de feridas de alguns vícios atendíveis, os efeitos da suspensão sejam superiores aos da execução;
39 - Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, tais factos dados como provados constituem simples vaguidades e meras conclusões, as quais decorrem do próprio requerimento inicial do Requerente que revelam a ausência dum acervo factual donde, uma vez provado, se pudesse concluir pela existência do dano apreciável, facticidade que também não emerge da fundamentação factual descrita;
40 - Resulta, assim que, o Requerente não demonstrou como lhe era exigível (artigo 342.º, nº 1 do C. Civil) a existência de qualquer eventual dano decorrente da execução da deliberação inválida e, por conseguinte, que o dano é significativamente prejudicial à actividade da sociedade Requerida;
41 – Pois, o Requerente não alegou, nem foi dado como provado, que da demora da ação principal lhe pudesse advir qualquer dano sério e relevante;
42 - Verifica-se assim que a decisão recorrida enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos;
43 - Pelo que, não poderia o Tribunal “a quo” ter dado como verificado o terceiro requisito para decretar a providencia cautelar requerida;
44 - E umbilicalmente ligado a este requisito está a convergência de que o prejuízo da suspensão é inferior ao prejuízo da execução da deliberação;
45 - A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade;
46 - Ora, da factualidade dada como provada, e bem assim da alteração propagada, não decorre qualquer facto concreto que permita aferir da existência de alegados prejuízos do Requerente e da correspondente gravidade;
47 - E, tal não se compadece, tal pressuposto com o alegado e referido pelo Tribunal “ a quo” de que “ a execução imediata da deliberação em causa acarreta a aniquilação imediata e total do exercício de qualquer direito societário sobre a sociedade “C…, Lda.”;
48 - Os factos alegados são, assim, insuficientes para que, a partir deles, se perspetive, como provável, um dano apreciável para a sociedade e/ou para os sócios;
49 - Como não está demonstrou o perigo de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, não poderá a providência requerida ser decretada, tal como se sentenciou o Tribunal “a quo”;
50 - Pelo que, a providência deveria ter sido julgada improcedente, não se suspendendo a execução da deliberação social aprovada na Assembleia Geral Extraordinária da Requerida ocorrida em 14.12.2017;
51 - Violou assim, o Tribunal “a quo”, com o decidido, o disposto nos artigos 380º, n.º1 do C.P.C. e 342º do C.C.;
Sem prescindir ainda,
52 - Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, na sua ponderação e decisão, o Tribunal “a quo”, não considerou factos já dados como provados em decisões judiciais anteriores, violando o caso julgado, nem fez uma correta interpretação dos normativos aplicáveis, razões que determinam a revogação da decisão proferida;
53 - A exclusão do sócio de sociedade por quotas está prevista, nomeadamente, na seguinte disposição do CSC: - artigo 214º, nº 6: o sócio que abuse da informação obtida por via do exercício do seu direito à informação e prejudique “injustamente” a sociedade e os outros sócios é responsável, nos termos gerais, pelos prejuízos causados e fica sujeito a exclusão.
54 - Porém, e não obstante, a análise crítica dos teor dos documentos juntos aos autos, e o seu valor probatório, designadamente, da ata da reunião de assembleia geral de fls. 31 e seguintes, o Tribunal “a quo” entendeu que os fundamentos da deliberação de exclusão do sócio B… se reconduzem e enquadram na cláusula geral contida no artigo 242º, nº 1 do C.S.C.;
55 - Descorando assim, de forma infundada e injustificada, o teor e fundamentos invocados e explanados na referida deliberação;
56 - Designadamente, não deu o Tribunal “a quo” como provados os factos dados como provados no âmbito do processo n.º 3058/16.7T8OAZ que corre termos neste Juízo de Comércio – Juiz 2, na Douta Sentença proferida em 19.12.2016, já transitada em julgado, cfr. documento n.º 3 junto com a Oposição;
57 - Factos que o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provados e que se subsumem, designadamente, na previsão do n.º 6 do artigo 214º do C.S.C. e que legitimam a exclusão do sócio por mera deliberação;
58 - Nomeadamente, os comportamentos do sócio B… consubstanciados na utilização das informações e conhecimentos sobre actos de administração e obrigações de gestão da sociedade, tais como a apropriação do livro de cheques da sociedade, de documentação confidencial, de cheques emitidos a favor da sociedade e não depositados na respectiva conta bancária, das segundas chaves das viaturas automóveis e das máquinas da sociedade, prejudicando injustamente a sociedade e os outros sócios;
59 - Comportamentos do sócio B… que se caracterizam ainda por serem atos violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma, designadamente, a impossibilidade de movimentação da conta bancária da sociedade e de laboração das máquinas no sector da produção, mesmo após interpelação do referido sócio B… para que procedesse à entrega e restituição da diversa documentação e informação à sociedade;
60 – Para além dos demais factos enunciados de onde decorre de forma lapidar os fundamentos da deliberação de exclusão do sócio B… por ter utilizado as informações obtidas da sociedade Requerida em prejuízo desta;
61 - Factos que o Tribunal “a quo” não considerou nem ponderou, omitindo ainda pronúncia quanto aos mesmos, omissão que determina a nulidade da Sentença;
62 - Factos que o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provados e que se subsumem, designadamente, na previsão do n.º 6 do artigo 214º do C.S.C. e que legitimam a exclusão do sócio por mera deliberação;
63 - Comportamentos do sócio B… que se caracterizam ainda por serem atos violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma;
64 - E, sobre os quais, o Tribunal “a quo” não emitiu qualquer pronúncia, omissão que determina a nulidade da Sentença;
65 - De tal sorte, não poderia o Tribunal “a quo” ter “interpretado” a deliberação tomada na assembleia da sociedade Requerida como o fez, subsumindo-a à clausula geral contida no artigo 242º, n. º1 do C.S.C., sem mais;
66 - Interpretação que viola o disposto nos artigos 214º, n. º6 e 246º, n.º1, alínea c) ambos do C.S.C., e determina a nulidade da sentença;
67 - Mas será que, como refere o Tribunal “a quo” que tal exclusão, independentemente do fundamento, por não estar prevista no contrato de sociedade, apenas pode ter lugar por via judicial?
68 - Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, julgamos que não;
69 - O direito de exclusão do sócio previsto no art. 241.º CSC estende-se pelos artigos 204.º do CSC referente a exclusão do sócio remisso, pelo artigo 212.º, n.º 1 CSC sobre o incumprimento da obrigação de efetuar prestações suplementares e artigo 214.º, n.º 6 CSC a possibilidade de excluir um sócio com base no abuso do direito de informação;
70 - Já a exclusão judicial do sócio prevista no art. 242.º CSC, é fundamentada no comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade. Este comportamento não basta ser desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade deve também causar ou poder a vir causar prejuízos relevantes à sociedade;
71 - A exclusão do sócio que utilize as informações obtidas causando injustamente prejuízo à sociedade ou a outros sócios opera por mera deliberação, porquanto se trata de um caso em que a lei prevê a exclusão da sociedade (artigo 241º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais);
72 - No caso de exclusão do sócio nas sociedades por quotas pelo prejuízo causado pela utilização das informações de modo a prejudicar a sociedade ou outros sócios, o ponto fulcral da exclusão é o “prejuízo que essa utilização acarreta para a sociedade e que faz pender da balança na direcção da inexigibilidade de a pessoa colectiva manter no seu seio o obreiro de tais consequências.”;
73 - Ora, conforme consta da deliberação sob escrutínio, o sócio B… com os seus comportamentos causou à sociedade Requerida efetivos prejuízos patrimoniais, que ascendem a cerca de 111.250,67€, com os quais deixou a empresa numa situação económica e financeira difícil, prejudicando-a, bem como aos outros sócios, aos trabalhadores, clientes e fornecedores;
74 - No caso dos autos vem cominada com a nulidade a deliberação social tomada a 14.12.2017, em virtude de aí ter sido deliberada a exclusão do sócio B…, sem que tal estivesse previsto no contrato de sociedade;
75 - Porém, e em face do vertido pela Requerida/Recorrente na sua Oposição, o Tribunal “a quo” não se pronuncia sobre o preenchimento ou não da hipótese legal contida no artigo 214º, n.º6 do C.S.C. que faculta a exclusão de sócio por deliberação social;
76 - Omissão que determina a nulidade da própria decisão;
77 - E não tendo o sócio excluído impugnado nenhum dos factos vertidos na deliberação da sua exclusão, têm-se os mesmo por admitidos por acordo, e integradores da previsão legal contida no artigo 214º, n.º6 do C.S.C.;
78 - Pois que, o nascimento do direito potestativo de exclusão do sócio por simples deliberação social depende do preenchimento da hipótese legal do artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais, isto é, depende que se demonstre que o sócio visado com a deliberação de exclusão fez uso de informações obtidas de modo a causar prejuízo injusto à sociedade ou a outros sócios;
79 - Tal exclusão – uma vez que fundada na causa específica de exclusão do art. 214.º, n.º 6, do CSC – podia, salvo melhor opinião, processar-se mediante simples deliberação social, razão pela qual não está a deliberação da sociedade Requerida de 14.12.2017 ferida ou inquinada de qualquer vício, designadamente do de nulidade, sendo, por isso, inteiramente válida;
80 - De todo o modo, quando a causa de exclusão se encontra, especificamente, enunciada na lei e esta estabelece os termos que lhe devem corresponder, como acontece com a exclusão do sócio, consagrada pelo artigo 214º, do CSC, que se não compadecem com a exclusão pela via judicial, está vedado o recurso à propositura de uma acção em Tribunal;
81 - Violou assim, o Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 214º, n. º6, 241º, n.º1 e 246º, n.º1, alínea c), todos do C.S.C.
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2. DISCUSSÃO
2.1. A recorrente põe em crise a decisão em sede de facto.
2.1.1. Como preceituado no artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela relação «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Dispõe, por sua vez, o nº 1 do artigo 640º que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Sendo que no nº 2 e sua alínea a) se esclarece que «no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
A recorrente cumpriu tais pressupostos.
2.1.2. Começa por discordar do na sentença narrado nos pontos 1., no que concerne à quota do requerente ser bem comum do dissolvido casal daquele e da sócia D…, e 11., quanto ao não ser verdade que o requerente pela deliberação de exclusão seja posto fora da sociedade sem nada receber por conta da sua quota. O que decorrerá de documentos constantes dos autos. Tem obviamente razão.
Como também lhe assistirá alguma razão no que diz respeito à factualidade apurada que na sentença se consigna sob 7., na medida em que abrevia os fundamentos que na assembleia geral em causa foram indicados como causa da deliberação de excluir o requerente de sócio.
Continuaremos a com ela concordar no que concerne à desnecessidade de consignar o facto narrado sob 10. Está claro que a deliberação “acarreta a aniquilação imediata e total do exercício de qualquer direito societário sobre a sociedade” por parte do requerente.
Bem como quanto ao cariz conclusivo do facto constante de 12., de que “o prejuízo resultante de não ser decretada a suspensão é superior ao que resultaria da decretação da providência”.
2.1.3. Face ao exposto e compulsados os depoimentos a que se alude nas alegações de recurso, em conjugação como os documentos constantes dos autos, entendemos introduzir na matéria de facto provada as alterações que se seguem.
- Exclui-se dos factos provados o que na sentença é descrito sob 10. e 12.
- Acrescenta-se ao facto narrado sob 1. que a quota de que o requerente é titular é bem comum do dissolvido casal daquele e de D…;
- Altera-se o ponto 7., que passará a ser do seguinte teor
Na Assembleia de 14.12.2017, foi deliberada a exclusão do sócio B… o Requerente
“Em virtude dos comportamentos do mesmo sócio, caracterizados por actos gravemente violadores dos seus deveres e obrigações perante a sociedade com consequências ruinosas e causadoras de elevados prejuízos para a mesma.
Que tais violações tiveram como fundamento os comportamentos do referido sócio B… quer na violação da proibição de concorrência e de participação noutra sociedade, quer na destituição da gerência com fundamento em justa causa. Comportamentos ocorridos susceptíveis de causar, como causaram prejuízos relevantes ao ente societário e aos outros sócios, sendo considerados comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, nomeadamente, o aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócios e proveitos da sociedade, a difusão de opiniões desabonatórias sobre a sociedade, a apropriação ilícita de bens sociais, a utilização em benefício próprio do património da sociedade, a revelação de segredos da organização empresarial da sociedade, actos de provocação culposa de desavenças graves entre os sócios, nomeadamente, consubstanciando-se nos seguintes factos”.
Seguidamente se enumerando os factos dados como provados na sentença proferida no processo aludido em 3.
- Altera-se o ponto 11., que passará a ser do seguinte teor
O requerente tem avais pessoais prestados a obrigações, já vencidas, da sociedade.
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2.2. Com o que inflectimos para a apreciação dos fundamentos de direito.
Compulsemos o pedido formulado pelo requerente.
Pede ele a suspensão da deliberação social que o excluiu de sócio, que reputa nula, nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, por o seu conteúdo ofender preceitos legais não derrogáveis, sequer por vontade unânime dos sócios, concretamente os artigos 241º e 242º daquele código.
2.2.1. No que ora nos importa, o artigo 241º dispõe no seu nº 1 que «um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato». O artigo 242º, sob a epígrafe “exclusão judicial de sócio”, preceitua no seu nº 1 que «pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes». E, no nº 2, que «a proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito».
Frise-se, desde logo, que o legislador considerou que a exclusão de um sócio contende com a própria génese da sociedade e, como tal, consubstancia a mais grave decisão que por ela possa ser tomada (como salienta Walcemir de Azevedo Medeiros, in E a criatura se volta contra o criador: a exclusão judicial de sócios e os cuidados necessários, Verbo Jurídico, pág. 5., “o direito à qualidade de sócio é, por assim dizer, o mais importante dos direitos sociais, mesmo porque é condição necessária de existência dos demais”). Pelo que lhe estabeleceu apertados limites, tanto substanciais como procedimentais. Assim, restringiu os fundamentos que a podem legitimar, tipificando-os na lei ou impondo a sua previsão no contrato de sociedade. Sendo nessa linha que se insere o preceito genérico do artigo 1003º do Código Civil, de que «a exclusão de um sócio pode dar-se nos casos previstos no contrato, e ainda nos seguintes».
No Código das Sociedades Comerciais e no que concerne à sociedade por quotas, introduziu-se preceito equivalente no artigo 241º que, como visto, preconiza a exclusão de sócio nos termos de previsão contratual, em casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento, ou nos casos e termos previstos no próprio diploma. São consideradas para tal relevantes circunstâncias ligadas à pessoa ou comportamento do sócio, desde que previamente enunciadas em cláusulas do contrato. Mais se remetendo para disposições legais que objectivamente definem as situações que justificam essa possibilidade de exclusão. Quais sejam as previstas nos artigos 203º e 204º (não pagamento em prazo da participação no capital social), 212º (não cumprimento da obrigação de efectuar prestações suplementares), 214º, nº 6 (utilização de informações obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade), 233, nº 1, e 234, nº 1 (amortização compulsiva de quota).
Para além destas causas de exclusão, passíveis de ser conhecidas por mera deliberação social, regulam-se ainda no artigo 242º, nº 1, os termos em que pode ser judicialmente excluído o sócio, estabelecendo-se para tal os seguintes requisitos: comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade; causador (mesmo que só potencialmente) de prejuízos relevantes para esta. Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, não se dispensando, para a propositura da respectiva acção, prévia deliberação da sociedade.
Refere António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito das Sociedades, II Vol. (Das Sociedades em Especial), 2ª Ed., 2007, pág. 332, que subjacente a estes preceitos “estará, pois, uma contraposição entre a exclusão societária, deliberada pelos sócios, e a judicial, a decretar pelo juiz”. Explicitando que “o critério será o seguinte: cabe exclusão societária quando se esteja perante um facto concreto a que a lei associe a exclusão (p. ex., os factos previstos nos artigos 204º/1 e 2, 212º/1 e 214º/6) ou a que o contrato ligue essa mesma consequência jurídica; cabe exclusão judicial sempre que nos encontremos no âmbito da cláusula geral do artigo 242º/1”.
2.2.2. O fundamento do pedido de suspensão da deliberação social formulado pelo requerente estribou-se no facto de aquela não ter a virtualidade de por si só o excluir de sócio, posto que não lhe imputou nenhuma conduta que legalmente legitimasse essa exclusão por simples deliberação, tampouco permitida por cláusula do contrato de sociedade, que nesse particular nada prevê. O que veio a ser reconhecido e plasmado na decisão recorrida.
A recorrente procurou no seu recurso sustentar que a conduta que na deliberação imputou ao sócio que excluiu integra a previsão do artigo 214º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais. Assim se legitimando a exclusão por mera deliberação.
Sem razão. Aquele artigo regula o direito de qualquer sócio de requerer aos gerentes da sociedade informação sobre a actividade de gestão por estes exercida, bem como a facultar-lhe a consulta da escrituração, livros e documentos da sociedade. É nesse específico circunstancialismo que se prevê que fique sujeito a exclusão o sócio que utilize as informações (assim) obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou outros sócios.
A conduta imputada ao requerente na deliberação que o exclui reveste indubitavelmente gravidade suficiente que possa justificar a sua exclusão. No entanto, não preenche nenhuma das previsões legais que permitem a exclusão por mera deliberação. Tampouco consubstancia evidente utilização de informações de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou outros sócios. De qualquer modo, nunca obtidas no âmbito do exercício do direito de informação previsto no referido artigo 214º. E frise-se que, mesmo que tal sucedesse, necessário seria reportar a conduta visada ao preceito ou cláusula contratual respectivos. Nesse sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Novembro de 2003 (Garcia Calejo), in www.dgsi.pt: “(…) II – No caso de deliberação social, é necessário invocar-se os termos da lei ou do contrato em que se funda a deliberação”. Mais seria imprescindível, o que não se fez, que se evidenciassem de que modo essas informações prejudicaram injustamente a sociedade ou outros sócios – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Janeiro de 2012 (Carlos Gil), ibidem.
Pelo que teremos forçosamente de concordar com a senhora juiz a quo quando se pronuncia pela nulidade da deliberação, por violação das normas legais impeditivas de que in casu a exclusão do sócio requerente fosse ditada pela própria sociedade.
2.2.3. Uma última nota no que concerne à invocação pela recorrente do preceito do nº 2 do artigo 381º do Código de Processo Civil, sustentando que, mesmo que deliberação contrariasse a lei ou o contrato, não deveria ter sido suspensa porquanto o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que possa derivar da sua execução.
Como já visto, a deliberação em causa desrespeita a lei, na medida em que incide sobre matéria que só judicialmente poderia ser decidida. Da evidência da verificação dessa causa de nulidade, resultou que a senhora juiz a quo lançasse mão da faculdade inversão do contencioso conferida pelo artigo 369º daquele código, conhecendo imediata e definitivamente do direito que se pretendia ver acautelado.
Perante isso, não colhe mais ponderar tudo o que tenha a ver com a provisoriedade da decisão. Nomeadamente, a faculdade conferida pelo referido nº 2 do artigo 381º de, cautelarmente, deixar de suspender a execução da deliberação, face ao cotejo de potenciais prejuízos.
III
DISPOSITIVO
Na não procedência do recurso, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Notifique.
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Porto, 13 de Setembro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires