Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
173/11.7TBPRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: FORNECIMENTO DE GÁS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RP20150209173/11.7TBPRG.P1
Data do Acordão: 02/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alteração anormal das circunstâncias fundamentadora de resolução ou modificação contrato bilateral requer, além do mais, que tal alteração respeita a ambas as partes no negócio.
II - Deve considerar-se previsível que a entidade dona de um reservatório de gás instalado para o fornecimento de gás a um ex-cliente, possuidora do necessário “know-how” e atenta a perigosidade de tal objecto, o venha a remover, suportando as despesas com a sua desactivação, levantamento e transporte.
III - Os custos com a requalificação de um reservatório dependentes de uma decisão futura da dona do reservatório não devem considerar-se certos para efeitos de obrigação de indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 173.11.7TBPRG.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 173/11.7TBPRG.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A alteração anormal das circunstâncias fundamentadora de resolução ou modificação contrato bilateral requer, além do mais, que tal alteração respeita a ambas as partes no negócio.
2. Deve considerar-se previsível que a entidade dona de um reservatório de gás instalado para o fornecimento de gás a um ex-cliente, possuidora do necessário “know-how” e atenta a perigosidade de tal objecto, o venha a remover, suportando as despesas com a sua desactivação, levantamento e transporte.
3. Os custos com a requalificação de um reservatório dependentes de uma decisão futura da dona do reservatório não devem considerar-se certos para efeitos de obrigação de indemnização.
***
*
***
Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
A 25 de Fevereiro de 2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua, B…, SA instaurou acção declarativa sob forma sumária contra C… pedindo a condenação do réu ao pagamento da quantia de € 528,60 relativos à devolução de parte da comparticipação adiantada, € 3.572,40 correspondentes à proporção do investimento feito na rede de gás, relativa ao tempo do contrato não cumprido pelo réu, € 4.908,00 relativos aos encargos com o levantamento, desactivação, transporte e requalificação do depósito, tudo acrescido de juros de mora contados à taxa supletiva legal sobre o total daquelas quantias desde a citação do réu e até efectiva liquidação.
Para firmar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese: no exercício da sua actividade de comercialização de combustíveis líquidos e gasosos acordou com o réu, a 21 de Julho de 2005, fornecer-lhe e este adquirir-lhe o gás a granel necessário às suas instalações em …, Peso da Régua, durante o período de dez anos, a contar da data do primeiro abastecimento posterior à assinatura do contrato; no pressuposto de que o contrato seria cumprido pelo prazo de dez anos, a autora acordou com o réu proceder à remodelação dos equipamentos de gás instalados, de que já era proprietária, despendendo € 5.605,51, na rede de gás, € 250,00, em transporte e € 200,00 em taxas referentes ao equipamento; no mesmo pressuposto concedeu ao réu uma comparticipação, em gás, no valor de € 700,00, diferencial de transporte incluído e IVA não incluído, que seria creditada, na conta corrente do réu, imediatamente após aquele contrato; acordaram que caso o réu deixasse de consumir aquele gás, ficava obrigado a indemnizar a autora pelo valor do referido investimento, na proporção dos consumos não realizados para o consumo acordado e a devolver-lhe do valor da referida comparticipação, em idêntica proporção, actualizada à taxa equivalente à estabelecida pelo decreto-lei nº 138/98, de 16 de Maio; acordaram ainda que caso o contrato se extinguisse por facto imputável ao réu, sem prejuízo de outras indemnizações a que houvesse lugar, correriam por conta dele as despesas com o levantamento das instalações; a autora procedeu ao primeiro abastecimento de gás ao réu em 01 de Setembro de 2005, tendo-lhe fornecido 1.080 quilogramas de gás nesse ano, 4.670 quilogramas de gás em 2006, 6.387 quilogramas de gás em 2007, 8.317 quilogramas de gás em 2008 e 1.021 quilogramas de gás em 2009; por carta datada de 20 de Janeiro de 2009, o réu declarou proceder à rescisão daquele contrato, para passar a ser abastecido pela rede de gás natural, concorrente da autora; com os encargos com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado, a autora despenderá € 1.080,00 e terá de despender com a requalificação do reservatório, se quiser utilizá-lo noutra instalação, a importância de € 3.828,00.
Efectuada a citação do réu, este contestou pugnando pela parcial procedência da acção alegando: na altura em que o contrato foi celebrado não existia algum concorrente da ré que fornecesse gás na zona, nem isso era previsível; a resolução do contrato efectuado por carta de 20 de Janeiro de 2009 foi antecedida de diversos contactos tendentes à extinção do contrato por mútuo acordo, em face da modificação das circunstâncias em que foi celebrado, já que o abastecimento do réu com gás natural seria para si muito mais vantajoso, verificando-se assim uma relevante alteração superveniente da base contratual; desconhece os custos de remodelação dos equipamentos de gás instalados, custos de todo o modo indispensáveis à efectivação do fornecimento acordado e, por isso, da exclusiva responsabilidade da autora; os custos com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado e com a requalificação do reservatório não são imputáveis ao réu no quadro de uma resolução contratual legítima, estando o réu apenas disposto a reembolsar a autora o montante de € 528,60 relativos à devolução de parte da comparticipação adiantada.
A autora respondeu sustentando que em 2005 era já previsível que a Régua viria a beneficiar do fornecimento de gás natural e que, de todo o modo, é questionável que o fornecimento com gás natural seja mais vantajoso, concluindo pela inverificação de fundamento legal para a resolução do contrato.
Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação, após o que se fixou o valor da causa, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes, dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.
A autora reclamou contra a condensação da matéria de facto, com fundamento em deficiência, tendo ambas as partes oferecido as suas provas.
A reclamação contra a condensação da matéria de facto foi parcialmente deferida, sendo admitidas as provas oferecidas pelas partes.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em cinco sessões, ao longo de mais de um ano[1], após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada, condenando o réu a pagar à autora a quantia de € 8.561,00, acrescida de juros de mora desde a citação até efectiva liquidação, à taxa legal em cada momento em vigor nos termos da Portaria nº 291/03, de 08 de Abril.
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação terminando as alegações com as seguintes conclusões:
A. Tem o presente recurso por objeto a reapreciação em matéria de facto, com a reapreciação da prova testemunhal gravada em sede de julgamento e da prova documental apresentada ao longo das diversas fases da instância, com inerente alteração da factualidade provada e ainda, em matéria de direito, a demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo, tudo tendo em conta as questões que foram elencadas na fundamentação da sentença recorrida e que, na óptica do Tribunal “a quo”, conduziram à procedência parcial da ação.
B. São elas a ocorrência de justa causa para resolução do contrato por alteração das circunstâncias e as consequências de tal incumprimento, nomeadamente a existência de crédito da Recorrida sobre a Recorrente.
C. Isto porque, em causa está a apreciação de um suposto incumprimento, por parte do Réu, do contrato de fornecimento de gás propano a granel celebrado com a Autora.
D. Quanto à primeira questão elencada, a não previsibilidade para ao consumidores finais do abastecimento de gás natural, na cidade de Peso da Régua, em 21.07.2005, foi em síntese sustentado na sentença recorrida que “verifica-se, portanto, que a Ré (recorrida) não logrou demonstrar a ocorrência de justa causa que lhe permitisse colocar um fim de contrato, pelo que a cessação do contrato por si operada é de considerar ilícita, pois ocorreu em circunstâncias em que nem a lei, nem o contrato lho permitiam”.
E. Esta matéria encontra-se quesitada no artigo 8.º da base instrutória com a seguinte formulação “… cujo abastecimento não era previsível quando da celebração do acordo referido em B)”, isto é, em 21.07.2005.
F. Em causa está, pois, saber se quando o Réu celebrou com a Autora, em 2005, um contrato de fornecimento de gás propano a granel, durante um período de 10 anos a contar da data do primeiro abastecimento, era então previsível a possibilidade de num futuro próximo ter ao seu dispor a alternativa de fornecimento por gás natural.
G. A este quesito, e após a produção da prova, o Tribunal recorrido respondeu que se trata de facto não provado.
H. Sobre esta questão, no entendimento do Recorrente, foi produzida prova abundante que justificava decisão em sentido diverso.
I. Por concordância de ambas as partes, ficou desde logo assente que em 21.07.2005 foi celebrado entre a Autora e Réu um contrato de fornecimento de gás propano a granel, por um período de 10 anos, a contar da data do primeiro abastecimento (01.09.2005) e que o contrato foi rescindido pelo Réu, em Janeiro de 2009, para passar a ser abastecido de gás natural.
J. Provado ficou também, sem margem para dúvidas, que à data da celebração do contrato (2005), o Réu não tinha alternativa a abastecer-se por outro tipo de gás, porquanto a rede de abastecimento de gás natural apenas se alargou à cidade da Régua em 2007.
K. Ora, no tocante à prova documental, foi junto pelo Réu os documentos de fls 92 e 93, nomeadamente placa de inauguração da D…, onde consta expressamente que a inauguração da D… ocorreu em 4 de julho de 2007 e Boletim Informativo da E…, empresa comercializadora de gás natural de Peso da Régua, referente ao 2.º semestre de 2007, onde se dá notícia da chegada do gás natural a esta cidade.
L. Pode assim extrair-se a leitura destes documentos que a divulgação da chegada do gás natural à cidade de Peso da Régua apenas ocorreu no ano de 2007.
M. Pela Autora, foi junto sob documento n.º 3 da petição inicial a carta através da qual o Réu comunicou à Autora “(…) gostaríamos de expor novamente o nosso interesse em rescindir o contrato de gás a granel. Este nosso interesse tem fundamento nas vantagens do fornecimento do gás natural inexistente à data da celebração do contrato com Vossas Excelências(…)”.
N. Isto mesmo foi abundantemente confirmado pela prova testemunhal, como pode ser confirmado pela transcrição dos depoimentos das testemunhas F…, G… e H…, que sobre esta matéria depuseram de forma espontânea e segura, evidenciando que o consumidor final, cidadão comum, como é o caso do Réu, em 2005 não tinham elementos de informação que lhes permitisse prever que em 2007 iriam dispor de gás natural para se abastecerem.
O. As testemunhas, com ligação profissional à empresa comercializadora de gás natural, foram unânimes em afirmar que a divulgação e contactos dom os clientes apenas se iniciou depois de se terem iniciado as obras de construção da rede de gás.
P. O depoimento das testemunhas permitiu ainda compreender a forma como são atribuídas as licenças de distribuição local de gás e afastar a ideia de que a atribuição da licença é do conhecimento da população.
Q. O depoimento das testemunhas permitiu concluir que a existência de gás natural noutros concelhos de Trás-os-Montes não faz prever a disponibilidade de gás natural em qualquer outro concelho, limítrofe ou não.
R. Deveria assim o Tribunal, em face da prova documental e testemunhal ter respondido afirmativamente à matéria de facto que havia levado à base instrutória sob quesito 8.º, dando como provada a imprevisibilidade da chegada do gás natural, assim se justificando a revogação da sentença recorrida.
S. A resposta afirmativa a este quesito levaria, consequentemente, a decisão diversa em termos de direito, pois que assim deveria o tribunal recorrido concluir pela verificação de todos os pressupostos do artigo 437.º do Código Civil.
T. O que se traduz numa errónea interpretação e aplicação do direito substantivo e adjectivo ao caso em apreço na sentença recorrida.
U. Estamos indubitavelmente no domínio da aplicação do regime da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, plasmado no artigo 437.º do Código Civil.
V. Prevê este preceito legal que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato (…) desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos próprios riscos do contrato”.
W. No caso vertente, a possibilidade efectiva de na vigência do contrato de fornecimento de GPL, passar o Réu a dispor, como meio alternativo do fornecimento, o gás natural, situação que não se verificava à data da celebração do contrato, corresponde à ocorrência de um facto relevante superveniente, com incidência nos vínculos contratais assumidos em contexto anterior, já que altera a sua base contratual.
X. Oferecendo o fornecimento do gás natural vantagens na óptica do consumidor em relação ao gás propano liquefeito, melhor satisfazendo o interesse colectivo a que deve obedecer à boa gestão do Réu C…, teria necessariamente este de equacionar a melhor forma de passar a garantir o fornecimento pela via mais vantajosa, mesmo se, para tal, tivesse de operar a extinção do contrato vigente.
Y. A questão relativa às vantagens e desvantagens do gás natural em relação ao gás propano não foi selecionada e por isso não transitou para a base instrutória, embora esteja intimamente associada à matéria constante dos quesitos 7.º e 8.º.
Z. Isto porque, o apuramento da ocorrência de justa causa para a resolução do contrato apenas pode concluir-se se analisarmos o prejuízo que poderá advir para o contraente com a manutenção do contrato.
AA. Por esse motivo, foi abundantemente explorado nos depoimentos das testemunhas F…, G… e H…, tendo sido unânimes na afirmação de que o gás natural é economicamente mais vantajoso relativamente ao gás propano, não só sob o ponto de vista do custo da energia, mas também porque o gás propano é pago aquando do enchimento do reservatório, isto é antes de consumido, e o gás natural é pago mensalmente, após os respectivos consumos, porque o gás natural não necessita da colocação de um reservatório nas instalações do clientes, com todos os riscos que daí advêm e ainda que ambientalmente o gás natural é menos poluente.
BB. Relativamente a esta matéria, foi ainda junto pelo Réu o documento de fls 95 e seguintes, nomeadamente mapa comparativo de custos de energia – Gás Natural Vs Gás Propano, elaborado pela empresa E…, que comercializa gás natural ao Réu, e que permitiu concluir que nos anos 2009, 2010 e 2011, com a opção pelo gás natural, o Patronato conseguiu uma poupança de 10.193,00 €.
CC. Demonstrada fica, assim, que a manutenção do contrato celebrado com a Autora, acarreta grave prejuízo para o Réu, implicando uma perturbação do equilíbrio contratual inicialmente ajustado, tanto mais que o contrato de fornecimento de gás propano a granel foi celebrado por um período de 10 anos, tendo decorrido apenas, à data da resolução, pouco mais do que 3 anos. DD. O aparecimento do gás natural, como alternativa ao abastecimento por gás propano, configura uma situação de quebra do equilíbrio contratual e, como tal, justa causa de resolução do contrato celebrado com a Autora., que não pode considerar-se abrangida pelos riscos próprios do contrato.
EE. Vide a este propósito os seguintes ensinamentos do Prof. Almeida Costa, no seu Direito das Obrigações, 4.ª edição a págs. 214.
FF. Conclui-se assim que é legítimo ao Réu, ao abrigo do dispostos no artigo 437.º do C.C., resolver o contrato por modificação das circunstâncias, verificados que estão todos os requisitos:
- a alteração verificada respeita às circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar (ausência da disponibilidade alternativa do gás natural);
- a alteração foi anormal (pois em 2005 não era previsível a chegada em concreto de gás natural à cidade de Peso da Régua, pelo que não equacionou o Réu tal alternativa na formação do contrato que celebrou com a Autora);
- da alteração resultou lesão grave para uma das partes (o Patronato ver-se-ia privado, por força do contrato celebrado com a Autora, a fornecer-se de outro tipo de energia mais barata e que melhor serve os seus interesses como consumidor);
- a lesão não estava abrangida pelos riscos próprios do contrato porquanto a alteração que a causou não decorreu da verificação dos riscos assumidos no contrato celebrado (o aparecimento eventual e futuro do gás natural não foi ponderado pelo C…).
GG. Considerando-se legítima a resolução do contrato, deverá o Réu ser absolvido dos pedidos formulados pela Autora, relativos ao pagamento do valor correspondente à proporção do investimento feito na rede de gás e relativo aos encargos com o levantamento, desactivação, transporte e requalificação do reservatório.
HH. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre que dirá que outros quesitos há que não colheram a resposta devida, justificando a revogação da sentença recorrida.
II. Reportando-nos à segunda questão objecto deste recurso, no entendimento do Recorrente os quesitos 5.º e 6.º, considerados provados na sentença recorrida, deveriam ter sido objecto de diferente decisão.
JJ. O que se impunha, desde logo, pela narrativa constante da petição inicial, pois é a própria Autora quem afirma que a resolução do contrato por parte do Réu “(…) a obrigará a suportar os encargos com o levantamento, desativação e transporte do depósito de gás instalado, calculados em € 1.080,00. E suportar os custos, que não suportaria, se o Réu tivesse cumprido o contrato até ao termo do respectivo prazo, com a requalificação do reservatório, se quiser utilizá-lo noutra instalação, no valor de € 3.828,00”.
KK. Repare-se que a Autora não afirma ter suportado tais encargos.
LL. As testemunhas inquiridas foram veementes e unânimes na afirmação de que o reservatório se encontra ainda nas instalações do patronato, conforme se comprova pela transcrição parcial dos seus depoimentos.
MM. Dos depoimentos das testemunhas, conjugados com a própria alegação da Autora, sobressai a demonstração de que a Autora não procedeu ao levantamento do reservatório.
NN. Mormente, não pode o Tribunal considerar provado que a Autora suportou tal encargo.
OO. Por maioria de razão, não pode o Tribunal considerar provado que a Autora vai ter esse encargo, porque se trata de evento futuro e imprevisível.
PP. Estamos perante um dano eventual, pois que meramente possível, incerto e hipotético, nos termos do artigo 564.º n.º 2 do Código Civil.
QQ. Considerando a narrativa factual das testemunhas e atendendo a critérios de equidade, o Tribunal apenas poderia condenar o Réu no pagamento das despesas que, em sede de execução de sentença. Viessem a apurar-se.
RR. Destarte, os quesitos 5.º e 6.º deveriam ter sido julgados não provados.
SS. Pelo que, também neste seguimento da decisão, é entendimento do recorrente que o Tribunal “ a quo” fez uma errada aplicação do direito substantivo e adjectivo ao considerar que é devido o pagamento de tais montantes, impondo-se, pelo contrário, nestas circunstâncias, a absolvição do Réu quanto ao pedido formulado pela Autora na alínea a) do petitório.
TT. Concluindo, considera-se que mal andou o Tribunal “a quo” ao ter desvalorizado a prova produzida por via documental e testemunhal quanto à matéria constante do quesito 8.º, o qual deveria ter sido dado como provado.
UU. A sentença recorrida não deve manter-se porque violou todas as normas de direito substantivo e adjectivo citadas em suporte desta apelação.”
A autora contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão da matéria de facto, na parte em que foi impugnada e pela confirmação integral da sentença recorrida.
O recurso foi admitido a 22 de Maio de 2014, mas sem que se perceba porquê, apenas foi remetido a este tribunal no dia 09 de Dezembro de 2014.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação das respostas aos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória;
2.2 Da licitude da resolução do contrato por parte do réu com fundamento em alteração anormal das circunstâncias;
2.3 Da ilegalidade da condenação do réu ao pagamento dos encargos inerentes ao levantamento, desactivação, transporte e requalificação do depósito de gás.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação das respostas aos artigos 5º, 6º e 8º da base instrutória
O recorrente impugna as respostas aos artigos 5º, 6º e 8º, todos da base instrutória, pugnando por que sejam negativas as respostas aos artigos 5º e 6º e positiva a resposta ao artigo 8º.
O conteúdo dos artigos cujas respostas são impugnadas pelo recorrente é o seguinte:
- “…o que acarretou para a A. a assunção dos encargos referentes ao levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado, cujo custo ascende a € 1080?” (artigo 5º da base instrutória[2]);
- “…e a suportar o custo com a requalificação do reservatório, que ascende a € 3828?” (artigo 6º da base instrutória);
- “…cujo abastecimento não era previsível aquando da celebração do acordo referido em B?” (artigo 8º da base instrutória[3]);
As razões aduzidas pelo recorrente para sustentar a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto são, em síntese, as seguintes:
- no que respeita as respostas aos artigos 5º e 6º da base instrutória, o recorrente insurge-se contra as respostas dadas afirmando que da prova pessoal produzida resulta inequívoco que a autora não procedeu ao levantamento do reservatório, não sendo sequer certo que procederá à desactivação, levantamento e requalificação desse recipiente, tratando-se apenas de uma eventualidade;
- relativamente ao artigo 8º da base instrutória, o recorrente alude à parcialidade e inverosimilhança do depoimento produzido por I…, à incoerência, parcialidade e inverosimilhança do depoimento prestado por J….
Procedeu-se à audição da prova testemunhal produzida em audiência[4] e à análise da prova documental junta aos autos de folhas 15 a 21[5], 22[6], 89 a 91 verso[7], 92[8], 93 a 94 verso[9] e 95 a 97[10].
Apreciemos.
A prova testemunhal produzida em audiência é toda ela concorde no sentido de que a autora ainda não procedeu à desactivação, levantamento e transporte do reservatório colocado nas instalações do réu, resultando dos depoimentos produzidos pelas testemunhas da autora que isso ainda não sucedeu porque está a aguardar o desfecho destes autos, procedendo-se a tais operações logo que se conclua pela extinção do contrato[11].
Assim, tudo sopesado, afigura-se-nos que a resposta ao artigo 5º da base instrutória deverá passar a ser a seguinte:
- provado apenas que por força da conduta do réu, a autora suportará encargos referentes à desactivação, levantamento e transporte do reservatório, cujo custo ascende a € 1.080,00.
No que respeita aos custos com a requalificação do reservatório, a prova pessoal produzida em audiência é também clara no sentido de que a autora ainda não os suportou, não sendo sequer certo que os venha a suportar, porquanto isso sempre dependerá da ocorrência de uma oportunidade de utilização alternativa do referido reservatório.
Por isso, a resposta ao artigo 6º da base instrutória deve passar a ser a seguinte:
- provado apenas que se a autora quiser reutilizar o reservatório terá de despender com a sua requalificação um valor não inferior a € 3.200,00.
Vejamos agora a resposta ao artigo 8º da base instrutória.
Os depoimentos produzidos pelas testemunhas I…, engenheiro mecânico, empregado da autora desde 1994 e responsável pela distribuição a granel de gás propano desde 2003 e de K…, empregado da L…, sociedade que presta serviços à autora, ainda que não em regime de exclusividade, desempenhando as funções de promotor de negócios, foram no sentido de que o futuro abastecimento da cidade da Régua com gás natural era já comentado em 2004.
O depoimento produzido por J…, engenheiro mecânico, gestor de clientes, empregado da autora há três anos não mereceu credibilidade porque o depoimento produzido não resulta do seu conhecimento directo, mas apenas de pesquisas de notícias no “Google” que o levaram concluir que o futuro abastecimento da cidade da Régua com gás natural era facto já conhecido na data da celebração do contrato de fornecimento de gás propano a granel com a autora.
Pelo contrário, os depoimentos produzidos por G…, administrador remunerado da E… há dois anos, F…, irmão da anterior testemunha e empregado da M… desde Fevereiro de 2013, sendo a E… uma das participadas da M…, sociedade participada na qual trabalhou desde 1994 e H…, engenheiro, empregado da M… desde 2003, responsável pela parte comercial e técnica, foram no sentido de que em 2005 não era do conhecimento comum o futuro abastecimento da cidade da Régua com gás natural, indo inclusivamente a testemunha G… ao ponto de afirmar que em 2007 o presidente da Câmara do Peso da Régua ficou muito surpreendido quando lhe foram comunicar o início das obras necessárias à implantação da rede de gás natural nas vias públicas.
Se é certo que as testemunhas I… e K… têm uma maior proximidade aos interesses da autora, por força das funções que desempenham, igual reparo se pode fazer às testemunhas G… e F… e H…, relativamente à sociedade que passou a fornecer gás natural ao recorrente.
O documento elaborado pela E… no segundo trimestre de 2007 e junto de folhas 93 a 94 verso, na passagem anteriormente destacada em nota de rodapé, corrobora mais os depoimentos produzidos pelas testemunhas I… e K… e retira toda a credibilidade à afirmação da testemunha G… de que foi uma completa surpresa para o presidente da Câmara de Peso da Régua o início dos trabalhos para a implantação da rede de gás natural no seu concelho, no ano de 2007.
Num concelho do interior, é razoável pensar que as forças políticas mais representativas tenham feito do abastecimento com gás natural uma bandeira, dados os custos mais reduzidos que lhe estavam associados e que, desse modo, as populações iam sendo confrontadas com a possibilidade futura de abastecimento do concelho do Peso da Régua com gás natural e, fazendo fé, no Boletim da autoria da E…, desde muito antes de Julho de 2005.
O réu não tem o perfil de um vulgar consumidor e, submetido como está a exigências de racionalidade e economia na gestão dos seus recursos, não terá passado ao lado da realidade de num prazo relativamente breve poder vir a dispor de uma fonte energética alternativa menos onerosa.
Na nossa perspectiva, a própria exigência por parte da autora de um prazo tão longo para a duração inicial do contrato revela não só o propósito de amortizar investimentos efectuados, mas também a preocupação de “segurar” a contraparte, antevendo certamente a emergência de concorrência a breve trecho.
Assim, tudo sopesado, não foi produzida prova que permita suportar uma resposta positiva à matéria vertida no artigo 8º da base instrutória, como é pretendido pelo réu, improcedendo, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.
Face ao exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelo recorrente, alterando-se as respostas aos artigos 5º e 6º da base instrutória, nos termos precedentemente indicados e mantendo-se a resposta negativa ao artigo 8º da mesma peça processual.
3.2 Fundamentos de facto resultantes da decisão sob censura, na parte em que não foram afectados pela reapreciação da matéria de facto efectuada neste tribunal, bem como da alteração da decisão da matéria de facto decidida nesta instância, tudo expurgado das simples referências probatórias
3.2.1
A autora exerce, entre outras, as actividades de refinação e comercialização de combustíveis líquidos e gasosos (alínea A) dos factos assentes).
3.2.2
Em 21 de Julho de 2005, no exercício da sua actividade, a autora acordou em fornecer ao réu o gás a granel necessário às suas instalações em …, Peso da Régua, durante o período de 10 anos a contar da data do primeiro abastecimento[12] (alínea B) dos factos assentes).
3.2.3
Em 21 de Janeiro de 2009, o réu declarou, por carta dirigida à autora, a rescisão do contrato referido em B), para passar a ser abastecido pela rede de gás natural (alínea C) dos factos assentes).
3.2.4
Na perspectiva da durabilidade do acordo referido em 3.2.2, a autora creditou na conta bancária do réu o valor de € 700, acrescido de IVA (alínea D) dos factos assentes).
3.2.5
Em 2007, a autora acordou com o réu em proceder à remodelação geral dos equipamentos de gás instalados (reservatório, rede de distribuição e instalação no interior do edifício), cujo custo global ascendeu a € 6.055,61 (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
3.2.6
A autora procedeu ao primeiro abastecimento de gás ao réu em 01 de Setembro de 2005 (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
3.2.7
Em 2005, a autora forneceu ao réu 1.080kgs. de gás; em 2006, 4.670kgs.; em 2007, 6.837kgs.; em 2008, 8.317kgs. e em 2009, 1.021kgs. (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
3.2.8
Desde 22 de Janeiro de 2009, o réu deixou de encomendar qualquer quantidade de gás à autora, tendo nessa data sido efectuado o último abastecimento por parte deste (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
3.2.9
Por força da conduta do réu, a autora suportará encargos referentes à desactivação, levantamento e transporte do reservatório, cujo custo ascende a € 1.080,00 (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
3.2.10
Se a autora quiser reutilizar o reservatório, terá de despender com a sua requalificação um valor não inferior a € 3.200,00 (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
3.2.11
A rede de abastecimento de gás natural alargou-se à cidade da Régua, em meados do ano de 2007 (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
4. Fundamentos de direito
4.1 Da licitude da resolução do contrato por parte do réu com fundamento em alteração anormal das circunstâncias
O réu recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida, com base na alteração da resposta ao artigo 8º da base instrutória, já que, na sua perspectiva, provada esta matéria, reunir-se-iam os requisitos legais para a resolução do contrato que celebrou com a autora, com fundamento em anormal alteração das circunstâncias do contrato.
A autora, nas suas contra-alegações, refere, pertinentemente, que a imprevisibilidade a que se refere o recorrente é unilateral, isto é, só respeita ao recorrente e não à recorrida, o que, desde logo obsta à licitude da resolução contratual declarada pelo recorrente, com base no instituto da alteração anormal das circunstâncias.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 437º do Código Civil, “[s]e as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigências das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
O preenchimento do instituto da alteração anormal das circunstâncias requer:
- uma alteração das circunstâncias em que as partes[13] fundaram a decisão de contratar;
- uma alteração de circunstâncias anormal, ou seja, significativa e imprevista;
- que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afecta gravemente os princípios da boa fé;
- que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
No caso em apreço, a aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias estava liminarmente afastada em virtude da circunstância invocada pelo réu não ser bilateral, mas apenas a si dizer respeito.
Na verdade, o mercado da energia é, desde os finais do século passado e inícios deste século, dos mais dinâmicos, tendo-se assistido no nosso país à desestatização dos sectores energéticos[14]. Por isso, pelo menos a autora, ao propor, em meados de 2005, uma duração contratual mínima de dez anos[15], aceite pelo réu, estava decerto bem inteirada da concorrência com que se tinha que defrontar e relativamente à qual se queria pôr a coberto com tal estipulação, conhecimento que o recorrente nem sequer põe em causa.
Depois, ainda que assim não fora, não resulta demonstrada a imprevisibilidade da circunstância superveniente invocada pelo recorrente, nem muito menos que esteja em causa uma alteração significativa das circunstâncias que a levaram a contratar. Atente-se que o ora recorrente se absteve de, no momento próprio, alegar, por exemplo, os custos do gás natural que, na sua óptica, justificariam a racionalidade da opção por esta fonte energética em detrimento do gás propano que havia contratado com a autora, a fim de permitir a comparação com os custos da energia que havia contratado com a autora. Daí que, mesmo na eventualidade da possibilidade de abastecimento com gás natural poder ser considerada uma alteração das circunstâncias relevante para os efeitos do nº 1, do artigo 437º do Código Civil, sempre faltariam dados de facto que permitissem qualificar essa alteração como significativa.
Finalmente, não se divisa que a exigência do cumprimento das obrigações contratuais por parte do ora recorrente colida com as exigência da boa fé, estando esse cumprimento coberto pelos riscos próprios do contrato, pois que, como vimos, o mercado da energia é dos mais dinâmicos e a assunção de uma vinculação longa com um tal objecto tem em si ínsito o risco de futuramente surgirem alternativas energéticas mais favoráveis para o adquirente de energia, pelas quais não pode licitamente optar, por força do prazo contratual que aceitou.
Assim, por tudo quanto precede, conclui-se pela não reunião dos requisitos legais para uma lícita resolução do contrato que o recorrente celebrou com a autora no dia 21 de Julho de 2005, improcedendo esta defesa por excepção peremptória invocada pelo recorrente na sua contestação e reiterada em sede de recurso.
4.2 Da ilegalidade da condenação do réu ao pagamento dos encargos inerentes ao levantamento, desactivação, transporte e requalificação do depósito de gás
O recorrente, para a eventualidade de não ser considerada lícita a resolução do contrato por si efectuada a 22 de Janeiro de 2009, entende que não pode ser condenado ao pagamento dos encargos com a desactivação, levantamento e transporte do reservatório, nem tão-pouco ao pagamento dos encargos com a requalificação do mesmo reservatório, em virtude de serem eventos futuros e imprevisíveis, constituindo danos eventuais, que de acordo com critérios de equidade, apenas permitem uma condenação ilíquida.
Por seu turno, a autora considera que a condenação é legal, pois que face à factualidade provada, estão em causa danos futuros previsíveis.
Cumpre apreciar e decidir.
As partes não discutem a extinção do contrato por força da declaração de resolução efectuada pelo agora recorrente e, ao contrário, pressupõem essa extinção, apenas sendo controvertido entre elas a licitude dessa declaração[16]. Apurou-se já no ponto anterior que o recorrente não tinha direito a resolver o contrato por alteração anormal das circunstâncias, pelo que daqui decorre, necessariamente, que a situação de frustração contratual, lhe é imputável.
Nos termos da cláusula 6.6 das condições gerais do contrato celebrado entre as partes nestes autos, “No caso do contrato se extinguir por facto imputável ao cliente, sem prejuízo de outras indemnizações a que haja lugar, correm por conta daquele as despesas com o levantamento da instalação”.
O nº 2, do artigo 564º do Código Civil prevê que “[n]a fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”
A condenação em montante ilíquido pressupõe a determinação do dano, a sua actualidade, apenas sendo controvertido o seu objecto ou quantidade (veja-se o artigo 609º, n º 2, do Código de Processo Civil correspondente ao anterior nº 2 do artigo 661º do mesmo compêndio adjectivo).
Provou-se que por força da conduta do réu, a autora suportará encargos referentes à desactivação, levantamento e transporte do reservatório, cujo custo ascende a € 1.080,00 (resposta ao artigo 5º da base instrutória) e que se a autora quiser reutilizar o reservatório, terá de despender com a sua requalificação um valor não inferior a € 3.200,00 (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
Importa atentar que a autora tem especiais responsabilidades na remoção do reservatório, sendo a entidade proprietária do mesmo e dotada do necessário “know-how” para as efectuar.
É facto notório o carácter perigoso das instalações em que se armazenam combustíveis e especialmente gás, perigosidade que, a nosso ver, torna previsível que a autora assuma as suas responsabilidades logo que haja definição da situação jurídica das partes nestes autos, sob pena de poder constituir-se, isoladamente ou em concurso subjectivo, na obrigação de indemnizar danos resultantes da não desactivação atempada do reservatório que lhe pertence.
Neste circunstancialismo, afigura-se-nos existirem elementos bastantes para considerar previsível a efectivação futura da desactivação, levantamento e transporte do reservatório e que a recorrida suportará os custos inerentes a essas operações. Daí que, no que respeita estas despesas, se deva manter a condenação decidida pelo tribunal a quo.
No entanto, no que respeita os custos com a requalificação do reservatório, a factualidade provada aponta claramente no sentido de se tratar de uma mera eventualidade, dependente exclusivamente da vontade da recorrida.
As circunstâncias envolventes do negócio do gás propano podem não ser tão favoráveis que justifiquem economicamente o custeio dessa requalificação.
Na nossa perspectiva, no que respeita os custos com a requalificação do reservatório, o dano não é certo, antes é eventual, tendo em bom rigor carácter potestativo, na medida em que a sua verificação depende, em última instância, da vontade da recorrida, inexistindo quaisquer dados de facto que permitam a determinação do sentido em que essa vontade se virá a formar e quando.
A incerteza do dano obsta a que, relativamente aos custos com a requalificação do reservatório, o recorrente possa ser condenado ao pagamento no que se liquidar ulteriormente, com o limite máximo de € 3.200,00.
Face a tudo quanto se acaba de expor, conclui-se que o recurso procede parcialmente, devendo ser revogada a sentença recorrida, na parte em que condenou o recorrente ao pagamento à recorrida da quantia de € 3.200,00, a título de despesas com a requalificação do reservatório, razão pela qual a condenação global do recorrente se reduz ao montante global de € 4.808,60, procedendo nesta parte a apelação.
As custas do recurso e da acção são a cargo de ambas as partes, na exacta proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto, neste recurso de apelação interposto pelo C… em que é recorrida B…, SA, acordam em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos precedentemente expostos e em revogar parcialmente a sentença notificada às partes a 30 de Dezembro de 2013 e consequentemente, o recorrente é condenado a pagar à recorrida a quantia global de quatro mil oitocentos euros e sessenta cents, mantendo-se, no mais, a sentença sob censura.
Custas do recurso e da acção a cargo de ambas as partes na exacta proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de dezassete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 09 de Fevereiro de 2015
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_______________
[1] Nas cinco sessões foram inquiridas seis testemunhas cujos depoimentos têm a duração total de seis horas e quarenta e nove minutos, pelo que não tem justificação a grave violação do princípio da concentração.
[2] Este artigo implica para sua completa inteligibilidade que se recorde o conteúdo da alínea C dos factos assentes, bem como do artigo 4º da base instrutória, ou seja, a 21 de Janeiro de 2009, o réu declarou em carta dirigida à autora a rescisão do contrato que com esta havia celebrado (alínea C dos factos assentes) e, a partir de então, deixou de encomendar qualquer quantidade de gás à autora (artigo 4º da base instrutória). O artigo 5º da base instrutória foi respondido conjuntamente com o artigo 6º, nos seguintes termos: “O facto descrito em 8, acarreta para a A. despesas com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado, no valor € 1080 e o custo com a requalificação do reservatório, não inferior a € 3.200,00.” O facto descrito em 8 contém a matéria que constava do artigo 4º da base instrutória.
[3] Este artigo implica para sua completa inteligibilidade que se recorde o conteúdo da alínea B dos factos assentes, bem como do artigo 7º da base instrutória, ou seja, respectivamente, em 21 de Julho de 2005, no exercício da sua actividade, a autora acordou em fornecer ao réu o gás a granel necessário às suas instalações em …, Peso da Régua, durante o período de 10 anos a contar da data do primeiro abastecimento (alínea B dos factos assentes) e a rede de abastecimento de gás natural alargou-se à cidade da Régua, no 1º semestre de 2007 (artigo 7º da base instrutória). O artigo 8º da base instrutória teve resposta negativa.
[4] E verificou-se que a transcrição oferecida pelo réu e junta aos autos de folhas 180 a 257 verso se apresenta com muitas lacunas e imprecisões, sem que contudo esteja comprometida a transcrição do que de essencial foi declarado pelos diversos intervenientes.
[5] Trata-se da proposta de contrato de fornecimento de gás propano a granel, datada de 11 de Julho de 2005 (folhas 15 a 17) e das condições gerais de fornecimento (folhas 18 a 21).
[6] Cópia da carta remetida pelo réu à autora, com data de 20 de Janeiro de 2009, na qual declara pretender “rescindir o contrato de gás a granel”, bem como que a ré proceda à “desgasificação e levantamento da instalação”.
[7] Cópia da Licença para Exploração nº RLA/10 e referente à atribuição de licença para exploração por vinte anos à M…, SA da rede local autónoma do Pólo de Consumo de Peso da Régua, distrito de Vila Real, datada de 16 de Julho de 2004.
[8] Cópia de uma fotografia de uma placa comemorativa da inauguração de uma D…, propriedade do Grupo M…, realizada a 04 de Junho de 2007, estando presentes o Sr. Governador Civil do Distrito de Vila Real e o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Peso da Régua.
[9] Boletim Informativo editado pela E… do Grupo M…, edição nº 10, do 2º Trimestre de 2007 onde, além do mais, a folhas 94, consta uma notícia referente a uma festa na chegada do gás natural à Régua, lendo-se aí, a dado passo, o seguinte: “A… [Presidente do Conselho de Administração da M…, de acordo com a mesma notícia], recordou em tom emocionado, o que significava a chegada do Gás Natural à Régua no contexto político nacional. Se todo o processo tinha sido iniciado justamente na Régua, em 1994, com a envolvência das câmaras, e com o Eng. O…, então presidente da Câmara da Régua – também presente na sessão – a assumir o Conselho de Administração da Empresa, foram tantos os obstáculos colocados, que a missão se julgou impossível. O poder central excluiu todo o interior da rede de distribuição nacional. À época pensava-se que seria exequível trazer o Gás Natural até à Régua em barcos metaneiros, e esse foi o primeiro esforço […]”.
[10] Gráficos para comparação de custos de energia com gás natural e gás propano a cargo do réu nos anos de 2009 a 2011, elaborados por H…, funcionário da E…, com data de 20 de Maio de 2012, concluindo este que o réu, naquele período temporal, com a opção pelo abastecimento com gás natural, o réu teve uma poupança aproximada de dez mil cento e noventa e três euros.
[11] Os artigos 5º e 6º da base instrutória desvirtuaram completamente o que havia sido alegado nos artigos 17º e 18º da petição inicial e que, recorde-se, tinham o seguinte conteúdo: “E a obrigará a suportar os encargos com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado, calculados em € 1.080,00” (artigo 17º da petição inicial); “E suportar os custos, que não suportaria, se o Réu tivesse cumprido o contrato até ao termo do respectivo prazo, com a requalificação do reservatório, se quiser utilizá-lo noutra instalação, no valor de € 3.828,00” (artigo 17º da petição inicial). Apesar de tudo, a resposta dada pelo tribunal a quo tentou remediar essa infidelidade, mudando a forma verbal do passado para o presente, formulação que ainda é passível de se compatibilizar com um dispêndio no futuro.
[12] Do contrato celebrado entre as partes e respectivas condições gerais, destacam-se, num juízo de pertinência para a presente decisão as seguintes: cláusula 5.3 das condições gerais: “Para além de outras decorrentes deste contrato ou da lei, são obrigações do cliente: Guardar a instalação, como seu fiel depositário, e restituí-la, findo o contrato, no estado em que a recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal”; cláusula 6.6: “No caso do contrato se extinguir por facto imputável ao cliente, sem prejuízo de outras indemnizações a que haja lugar, correm por conta daquele as despesas com o levantamento da instalação”.
[13] As circunstâncias em causa têm que respeitar a ambas as partes, como proficientemente expõe o Professor Inocêncio Galvão Telles no seu Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora 2002, páginas 343 a 345, posição que a generalidade da jurisprudência do nosso mais alto tribunal tem vindo a seguir. Neste sentido, dentro da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acessível no site da DGSI, vejam-se: o acórdão de 28 de Maio de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Vasconcelos, no processo nº 197/06.6TCFUN.S1; acórdão de 23 de Janeiro de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, no processo nº 1117/10.9TVLSB.P1.S1; acórdão de 10 de Abril de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Silva Gonçalves, no processo nº 1167/10.5TBACB-E.C1.S1. Em sentido diverso, mas sem apontar quaisquer razões, veja-se, Código Civil Anotado, Volume II, Quid Juris 2012, José Alberto González, página 98. Na nossa perspectiva, esta bilateralidade na alteração anormal das circunstâncias é um dos aspectos em que este instituto se distingue do erro.
[14] Para um panorama global veja-se, Direito da Energia, Coimbra Editora 2011, Suzana Tavares da Silva, páginas 17 a 21.
[15] Anote-se que nunca foi questionado o prazo inicial do contrato, pelo que não é questão que deva ser abordada nesta decisão.
[16] Como é sabido, não é doutrinalmente pacífica a determinação dos efeitos jurídicos da declaração resolução ilícita (sobre esta problemática, por todos, veja-se, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora 2008, Volume II, Paulo Mota Pinto, páginas 1674 a 1677, nota 4861).